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Um seminário de Marx
A Marx seminar
Ciências Sociais Unisinos, vol. 54, núm. 3, pp. 373-375, 2018
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Resenha

SCHWARZ R., SADER E., MORAES J.Q. DE, GIANNOTTI J.A.. Nós que amávamos tanto O capital: leituras de Marx no Brasil. 2017. São Paulo. Boitempo Editorial. 78 ppp.

Recepção: 04 Setembro 2018

Aprovação: 21 Setembro 2018

DOI: https://doi.org/10.4013/csu.2018.54.3.10

O livro que aqui temos em tela resulta das exposições de Emir Sader, João Quartim de Moraes, José Arthur Giannotti e Roberto Schwarz, efetuadas em meio ao evento IV Seminário Internacional Margem Esquerda: Marx e O Capital, ocorrido em março de 2013. Apesar das diferenças teóricas e políticas entre os autores componentes da mesa, todos, de um modo ou de outro, procuraram debruçar-se sobre as leituras e interpretações feitas das obras de Karl Marx no Brasil em geral, mas em São Paulo, mais especificamente na universidade que leva seu nome, em particular. Quanto aos ensaios, vê-se, como pretendemos expor, maior familiaridade entre os trabalhos de Schwarz e Giannotti, participantes da primeira edição do Seminário Marx, enquanto que os textos de Quartim de Moraes e Sader, personagens do segundo seminário, a despeito de tocarem os temas propostos, são dotados de certas especificidades2.

À vista do que encontramos no livro, uma questão avoluma-se como central, cruzando todas as outras e dando concretude às diferenças nos usos e leituras de Marx feitas no Brasil, qual seja: em determinadas situações, como na periferia capitalista, procedimentos acadêmicos e a rotina intelectual universitária, vistos, muitas vezes, por marxistas meramente como falsa consciência, podem tornar-se força produtiva, no sentido de conseguirem conformar um marxismo oxigenado e aberto às determinações da realidade (Arantes, 1994). Expliquemo-nos melhor. Lançando mão da disciplina intelectual e crítica, bem como de métodos de leitura estrutural e explicação do texto legados pela chamada missão francesa (Gilles-Gaston Granger, Victor Goldschmidt, Martial Guéroult, Jean Maugué, etc), responsável por conformar a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da recém criada Universidade de São Paulo, um grupo de jovens professores e alunos - José Arthur Giannotti, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Fernando Novais, Octavio Ianni, Roberto Schwarz, Michael Löwy, Bento Prado Jr. e outros -, decidiram-se reunir no Seminário Marx (1958-1964) a fim de lerem detidamente e de maneira acadêmica O capital, ou seja, longe da “ortodoxia” do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dos localismo do nacionalismo proposto, por exemplo, pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

Armados com estas providências, conforme argumenta Schwarz (2017), os seminaristas atingiram, ao menos, três resultados de monta. Em primeiro lugar, trouxeram à baila a ideia de que a dialética poderia gerar frutos sofisticados e elevados no plano científico, contudo, trazendo esta para as pesquisas acadêmicas conseguiam, ao mesmo tempo, politizá-las, rompendo seu véu de neutralidade e revigoravam o marxismo, retirando-lhe o caráter de vulgata. Como segundo elemento, o crítico literário aponta a conformação de uma nova intuição sobre o Brasil, nesta as especificidades sociológicas e o atraso do país eram entendidas tendo em vista a nossa formação sócio-histórica, a qual ligava-se diretamente à expansão do capitalismo no mundo; unindo as peculiaridades de um país periférico ao presente do mundo. Com isso, de quebra, era possível notar que as teorizações dos países centrais, feito o próprio marxismo, são, ao mesmo tempo, indispensáveis e inadequadas aos países periféricos, de sorte que a reflexão sobre esse desajuste exigiria invenção categorial, propiciando uma verdadeira desprovincianização mental.

Por último, esta operação de desprovincianização permitiria tanto que escapássemos das posições dos nacionalistas brasileiros, vendo-nos como unidade apartada do presente mundial e dos posicionamentos do PCB, cuja abstração fazia com que as especificidades nacionais fossem diluídas no capitalismo internacional, quanto permitiam que se dialogasse e criticasse referências internacionais, à maneira da crítica de Giannotti a Althusser e da Teoria da Dependência de Cardoso. Levando-nos a crer que, lançando mão das lições de Ricupero (2000) e Gonçalves e Brito (2017), essa experiência político-intelectual logrou efetuar uma tradução produtiva da abordagem marxista às condições de uma experiência histórica particular, abrindo caminhos reflexivos originais sobre esta.

No texto de Giannotti, a toada será parecida ao do ensaio de Schwarz, dado que o filósofo marca uma distinção com os estudos anteriores de Marx, vistos pelo autor, em sua maioria, como vulgatas, as quais permitiam que o alemão fosse visto como um clássico da filosofia, suscitando caminhos práticos e teóricos novos à humanidade. Como texto filosófico, seus meandros seriam melhor apreendidos por meio da seriação e disciplinas intelectuais próprias do sistema universitário, abrindo espaço para uma conversão ao texto e seus pressupostos. Armado com este ponto de vista, Giannotti conseguiu forjar uma leitura particular, exigente e ontológica (Arantes, 1994) de Marx. Seguindo as pistas deixadas por este nos primeiros capítulos de seu O Capital, o filósofo uspiano enfatiza que o alemão, recorrendo a Hegel, traria em suas categorias um movimento ‘espelhado’ da realidade, portadas tanto de relações essenciais, como de formas imediatas não essenciais - porém partícipes do movimento do real e não erros deste. Dito isto, em Giannotti e sua leitura ontológica é possível vislumbrar uma ontologia do ser social centrada em uma noção de posição, em que se partia de uma diferenciação entre a objetividade simplesmente para o homem, ao modo do valor de uso existente na forma dada de um objeto desfrutável, e a objetividade posta ao homem, à maneira do valor que existe como ser-posto, concomitante a um processo objetivo de relações sociais (Cf. Giannotti, 1980). Contudo, à diferença do tom apresentado no texto de Schwarz, Giannotti termina seu ensaio apontando que as mudanças do capitalismo em direção ao capital financeiro tornaram boa parte dos esquemas marxistas obsoletos, sendo preciso que olhemos com mais vagar a gramática do capital realmente existente.

Quartim de Moraes, por seu turno, procurará contrapor-se ao que fora exposto, mesmo reconhecendo a notoriedade dos estudos realizados no Seminário, visto que irá trazer para a cena a tradição comunista e os entendimentos por ela colocados de Marx. A prova disto pode ser encontrada em três momentos, quando: (i) diferenciando-se das comunicações anteriores, indexa os inícios da leitura rigorosa de O Capital aos esforços de Caio Prado Jr. e Werneck Sodré; (ii) insere, em boa medida, a realização do Seminário como um desdobramento da forte cultura comunista e marxista à época e (iii) enfatiza que o marxismo deve deixar de olhar a ontologia, vista como envergonhada metafísica do trabalho, e passar a incorporar a biologia e suas descobertas, as quais poderiam mostrar os caminhos que o trabalho tomou desde a condição animal primeva. Chama atenção a defesa tanto do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a pureza marxista de seu programa, quanto da União Soviética e seu papel na Segunda Guerra Mundial, bem como a tentativa de crítica ao que chama de experiência intelectual teórica dos seminaristas, a qual converte-se em paradoxo frases depois, quando reconhece uma conotação política, mesmo que indireta no grupo.

Já o ensaio de Sader não contará com a centralidade, em sentido positivo ou negativo, atribuída ao Seminário nas exposições anteriores, concentrando-se em discutir a ascensão do neoliberalismo, em pincelar estudos a ele dedicados e em mostrar a existência do que chama de experiências novas e de resistência ao receituário liberalizante por parte de alguns governos da América Latina. Quanto a Marx e aos seminaristas, indica que os textos políticos do primeiro são verdadeiros laboratórios, essenciais a estratégias políticas esquerdistas e alternativas; a experiências dos segundos, por sua vez, é analisada como essencial ao salto qualitativo dos estudos e das publicações de Marx no Brasil, vendo o seu trabalho de mestrado Estado e política em Marx nesta esteira.

Diante do que até aqui fora exposto, o livro por nós analisado afigura-se como um estudo essencial aos interessados nos estudos sobre Marx e marxismo e seus desdobramentos no Brasil. Além disso, mostra-nos as possibilidades políticas e teóricas abertas por uma leitura metódica e atenta dos clássicos marxianos.

Referências

ARANTES, P. 1994. Um departamento francês de ultramar. São Paulo, Paz e Terra, 317 p.

GIANNOTTI, J.A. 1980. Contra Althusser. In: J.A. GIANNOTTI, Exercícios de filosofia. Petrópolis, Vozes, p. 85-103

GONÇALVES, R.S.; BRITO, L.O.B de. 2017. ‘Nacionalização’ do marxismo: os casos do Seminário d’O Capital e do grupo Comuna. Outubro, 1(28):53-80.

LAHUERTA, M. 2008. Marxismo e vida acadêmica: os pressupostos intelectuais da crítica uspiana ao nacional-desenvolvimentismo. In: A. BOTELHO, et al., O moderno em questão - a década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro, Topbooks, p. 311-357.

RICUPERO, B. 2000. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34, 256 p.

RODRIGUES, L. S. 2011. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestre, discípulos e ‘um seminário’ (1958 - 1978). São Paulo, SP. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 565 p.

SADER, E. 2005. Nós que amávamos tanto o capital: fragmentos para a história de uma geração. Sociologias, 2(14):150-177. https://doi.org/10.1590/S1517-45222005000200008

Notas

2 Para mais sobre a organização, história e interpretações sobre os seminários ocorridos, ver Rodrigues (2011), Lahuerta (2008) e Sader (2005).


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