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Trabalho doméstico: entre o poder simbólico patronal e a luta por reconhecimento jurídico
Domestic work: between employer’s symbolic power and the struggle for legal recognition
Ciências Sociais Unisinos, vol. 55, núm. 3, pp. 341-350, 2019
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Artigos


Recepção: 21 Agosto 2017

Aprovação: 01 Outubro 2019

DOI: https://doi.org/10.4013/csu.2019.55.3.04

Resumo: O presente artigo tem como objetivo compreende r como os agentes sociais passam a perceber as relações sociais entre patrões e trabalhadoras domésticas após o advento da Emenda Constitucional nº 72, de 2013 e da Lei Complementar nº 150/15, principalmente no que tange às questões de poder, afeto e profissionalização desta relação de trabalho. A luta pelo reconhecimento jurídico e a ampliação de direitos trabalhistas são para combater as situações de desigualdade, vulnerabilidade e desvalorização do trabalho doméstico. Cabe aqui questionar se a transformação na relação de trabalho entre esses agentes pode promover uma ruptura efetiva com o arranjo social paternalista e clientelista que tradicionalmente tem caracterizado o exercício dessa modalidade de trabalho. Dentre os procedimentos metodológicos utilizados para a obtenção dos dados foram realizadas dezoito entrevistas focalizadas a partir de um roteiro semiestruturado de perguntas e observação direta na sede do Sindicato das Empregadas Domésticas de Pelotas-RS a fim de compreender a percepção dos trabalhadores domésticos, empregadores e sindicalistas sobre essas alterações legais.

Palavras-chave: Relações de trabalho, Trabalho doméstico, Poder simbólico patronal, Luta por reconhecimento.

Abstract: This article aims to analyse how social agents perceive social relations between employers and domestic workers after the establishment of the Constitutional Amendment No. 72, 2013, and the Complementary Law No. 150/15, giving an special focus to issues of power relations, affects and professionalization of such employment relationship. The fight for legal recognition and the expansion of labour rights are to combat situations of inequality, vulnerability and devaluation of domestic work. However, it is necessary to question whether the transformation in the working relationship between these agents can promote an effective rupture with the paternalistic and ‘clientelistic’ social arrangement that has traditionally characterised this type of work. Among the methodological procedures used to obtain the data, includes eighteen semi-structured interviews and direct observation conducted at the headquarters of the Domestic Workers’ Union of Pelotas - seeking to understand the perception of domestic workers, employers and trade unionists about the recent changes.

Key-words: Labour relationships, Domestic work, Employer symbolic power, Struggle for recognition.

Introdução

No Brasil, com o advento da Emenda Constitucional nº 72 de 2013 e da Lei Complementar 150/15, deu-se ensejo a um marco regulatório que passou a assegurar aos empregados domésticos o acesso a um conjunto de garantias e direitos previstos na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que até então não o eram. De um ponto de vista sociológico, tais garantias legais significam bem mais do que um reconhecimento jurídico tardio da condição de cidadania social das empregadas domésticas, significam um acerto de contas com uma persistente ressignificação de uma herança escravista.

O já distante 13 de maio de 1888, enfim, parece indicar uma adequada reparação jurídica para um dos efeitos mais deletérios gestados por uma lógica social hierarquizante e anti-igualitária, reforçada por mais de três séculos de escravidão. Não à toa, no ano de 1883, Joaquim Nabuco (2000), um dos mais célebres abolicionistas brasileiros, ter antevisto que o fim da escravidão não iria apagar facilmente o legado de todo um conjunto de relações de poderio, influência e clientela, que ao colocar instituições estatais à disposição de uma minoria aristocrática, legitimou os interesses econômicos desta com base na perpetuação da brutalidade física e da mutilação moral de um contingente considerável de seres humanos.

No caso dos trabalhadores domésticos, isto significa dizer que, desde o início da formação do mercado de trabalho livre no Brasil, o debate sobre a regulação dessa modalidade de trabalho foi turvado pelo fato das relações de proximidade entre patrões e empregadas apresentarem-se como um obstáculo ao reconhecimento jurídico de todo um conjunto de direitos. Esse quadro assume maior dramaticidade social, quando consideramos que estamos falando de um trabalho historicamente exercido por mulheres pobres, em larga medida, negras, o que acaba operando como um mecanismo de reforço do aprofundamento de desigualdades de classe, raciais e de gênero, não apenas no mercado de trabalho, mas na extensão da sociedade como um todo.

A abolição da escravidão não rompeu efetivamente com arranjos sociais do período colonial e escravista, como por exemplo, com as práticas patronais paternalistas e as suas relações assimétricas poder. Em se tratando do trabalho doméstico, o que se viu foi à gestação de um tipo de poder simbólico patronal que promoveu percepções subalternizadas de pertencimento e de lealdade, dificultando, assim, o reconhecimento de direitos e garantias sociais às trabalhadoras domésticas. Não por acaso, uma forma persistente de situar simbolicamente a empregada doméstica tenha se disseminado na sociedade brasileira: “trata-se de uma pessoa quase da família”.

A luta pela desconstrução dos preconceitos relacionados ao trabalho doméstico, sobremaneira estigmatizado, tem sido decisiva para o aperfeiçoamento das condições de trabalho daquelas que prestam serviços no âmbito doméstico. Aqui cabe chamar atenção para o fato de que, a despeito das alegações em contrário, com bastante frequência, empregadas domésticas ainda são submetidas a situações aviltantes do ponto de vista de uma compreensão jurídico-social do princípio da dignidade da pessoa humana.

O objetivo deste artigo é compreender a dinâmica dessa situação a partir do modo como patrões e empregadas domésticas percebem os sentidos dos vínculos sociais gerados por esse tipo de relação de trabalho. A especificidade de ser realizado nas casas das famílias e o fato de não remeter a uma relação de trabalho tipicamente capitalista fez com que uma simbologia dos afetos norteada por um arranjo social subalternizante obstaculizasse a luta pelo reconhecimento jurídico das trabalhadoras domésticas.

Partimos da hipótese de que, em havendo um maior reconhecimento e uma maior efetivação dos direitos das trabalhadoras domésticas, a relação de emprego doméstico tende a tornar-se mais profissional e menos subalternizante, contribuindo assim para uma ruptura com o viés paternalista que tradicionalmente a caracteriza. Aqui, nos referimos a tendência não apenas de maior formalização pela via do vínculo registrado na carteira de trabalho, mas, principalmente, a uma maior efetividade dos direitos trabalhistas.

A pesquisa de campo no qual baseou-se esse artigo ocorreu no período de novembro de 2016 a fevereiro de 2017 na sede do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Pelotas-RS. Para tal, foram realizadas observações diretas de trinta atendimentos realizados pelo sindicato, entre pedidos de esclarecimentos das empregadas e diaristas sobre direitos trabalhistas e tentativas de resolução de conflitos entre empregadas e empregadores (as), visando compreender a partir da dinâmica da interação comunicativa entre as partes, os significados atribuídos às relações de trabalho domésticas. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com a presidente do sindicato, com onze empregadas, seis diaristas e quatro empregadoras, todas com o objetivo de captar a compreensão dos agentes sobre as possíveis mudanças nas relações de trabalho domésticas promovidas pelas inovações na legislação trabalhista.

Os desdobramentos da abolição da escravidão e o trabalho doméstico

Para Florestan Fernandes (2008), encerrada a escravidão no Brasil, o poder público e os setores influentes da sociedade brasileira mantiveram uma postura indiferente à condição dramática dos recém-libertos, abandonando-os à própria sorte. Alinhando-se a essa perspectiva, Cardoso (2010) esclarece que, com o advento da Lei Áurea, em 1888, a transição da escravidão para o mercado de trabalho livre não seguiu qualquer planejamento social. O que se viu foi uma ruptura com a ordem anterior sem o estabelecimento de políticas públicas capazes de promover a inclusão do elemento humano negro no mercado de trabalho livre. O reflexo disso se fez sentir décadas após a abolição, pois os trabalhadores negros, se não mais escravos, seguiram marginalizados e negligenciados pelo poder público. A negação aos escravos do reconhecimento da condição de pessoa humana fez com que no período da escravidão, o negro fosse tratado como coisa, sem personalidade e dignidade e que “ao final, restou apenas a sua cor, associada definitivamente ao trabalho pesado e degradante” ( Cardoso, 2010: 65).

No cerne da discussão do problema da mão de obra, travada no seio da elite paulista cafeeira da época, imaginava-se que o trabalhador nacional, o “homem de cor”, não aderiria voluntariamente ao trabalho ( Cardoso, 2010). Muito por causa disso, ainda que libertos, os trabalhadores negros tiveram bastante dificuldade de encontrar trabalho. Por sua vez, as mulheres negras, nos lembra Santos (2014), continuaram a prestar serviços nas residências das famílias, de certa forma, mantendo o status quo. Essa situação, ainda que transmutada no decorrer do tempo, desdobrou-se até os diais atuais.

Desse modo, é possível compreender porque mesmo após o período escravista, as negras continuaram a ocupar esses postos de trabalho: não se tratou apenas de um recurso para a ocupação de postos de trabalho assalariado diante da concorrência frente à mão de obra imigrante, mas representou a possibilidade da classe dominante em manter a estrutura política, social e econômica vigente, impossibilitando de forma subjetiva e objetiva a distribuição de renda e a ascensão da insurgente classe trabalhadora negra ( Santos, 2014: 9).

A herança escravista impressa na sociabilidade capitalista brasileira, promoveu, entre outras coisas, a desqualificação social do elemento humano negro e a desvalorização do trabalho manual, entendido como degradante. Esse cenário, durante muito tempo, impediu que trabalhadores pobres de baixa ou nenhuma qualificação profissional fossem reconhecidos como sujeitos de direitos, atendendo assim aos interesses, ainda que de forma indireta, da elite econômica brasileira. Uma elite herdeira de uma ordem estamental que, por meio de um controle social permeado pela violência e rigidez, protegia-se de possíveis insurgências das classes mais baixas, percebendo-as como inimigas da estrutura hierárquica e anti-igualitária imposta. Desse modo, os indivíduos provenientes das classes mais baixas tiveram sua inserção no mercado de trabalho baseada em um movimento contínuo de ingresso e saída da formalidade para informalidade, com bastante frequência, permanecendo mais tempo nesta última ou jamais dela saindo, assim como, tiveram obstaculizado o acesso às oportunidades educacionais habilitadoras para uma inserção laboral mais digna ( Cardoso, 2010).

No Brasil, quando se considera a configuração histórica de grande parte das relações de trabalho, torna-se um tanto quanto impreciso falar em “precarização” ou “flexibilização”, pois a precariedade e a flexibilidade sempre estiveram presentes nas trajetórias laborais de grande parte dos trabalhadores brasileiros, habituados à informalidade jurídica e, por isso, com um acesso instável, quando não bloqueado, aos direitos e garantias reconhecidos pela legislação trabalhista. Em decorrência disso, um número significativo de indivíduos habituou-se às posições precárias, informais e de baixa remuneração. Para as famílias mais pobres, as condições precárias de vida não permitiam que a educação escolar e profissional dos filhos fosse o objetivo principal, afinal, em uma situação de pobreza, todos os membros da família que podiam ajudar trabalhando, deveriam assim o fazer. Dito de outro modo, para essas famílias, o investimento em educação não teria recompensas no mercado de trabalho, portanto, passaram a não a considerá-la como essencial ( Cardoso, 2010).

Feita essa breve contextualização, é preciso ter em mente que a origem do trabalho doméstico no Brasil remete ao período da escravidão. Todavia, o encerramento desse período não findou a condição de subalternidade das mulheres negras que, a despeito de passarem a ser consideradas trabalhadoras livres, continuaram a exercer funções em condições similares de outrora, uma vez que a prestação de serviços domésticos se apresentou como a possibilidade mais acessível de sustento e sobrevivência.

Segundo Florestan Fernandes (2007), a modernização da economia brasileira teve na desintegração da ordem social escravocrata e senhorial um fenômeno concomitante a integração da ordem social competitiva. O que significa dizer que, se na ordem social escravocrata, a posição de negros e mulatos, fosse como escravos ou libertos, era “forte e intocável na estrutura econômica” (Fernandes, p. 84, 2007), com a vinda de imigrantes europeus para trabalhar como classe assalariada, esta posição foi afetada ao ponto de verem-se impelidos às posições mais dependentes ou marginalizadas no mercado livre de trabalho da ordem social competitiva. Nesse sentido, “a vítima da escravidão foi também vitimada pela crise do sistema escravista de produção” ( Fernandes, 2007, p. 85).

Não havendo a possibilidade de melhores formas de inserção no mercado de trabalho e, por conseguinte, de elevação das condições de vida em razão do acesso precário à renda e a uma formação educacional adequada 4, as mulheres negras, principalmente, continuaram submetidas a extensas e exaustivas jornadas de serviços domésticos, desprovidas do acesso ao reconhecimento social da condição de assalariadas. Por causa de situações como essas, Franco (1997) defende que os escravos foram uma “presença ausente”, mas constante e pesada no mundo dos homens livres.

Submetidas a um quadro de condições degradantes de trabalho, no qual o assédio moral e, não raro, sexual, se faziam presentes, as mulheres negras continuaram a cuidar dos afazeres domésticos da casa de seus patrões e dos filhos destes, conforme já faziam enquanto escravas, permanecendo em uma situação de subalternidade que incluía, por vezes, trabalho de mucama, ama-de-leite, babá, faxineira, arrumadeira, cozinheira, costureira etc. (Grahan, 1992).

No que se refere à continuidade do cuidado das necessidades dos patrões, Graham (1992), em seu estudo sobre a passagem do regime escravocrata à abolição na cidade do Rio de Janeiro, assevera que, vivendo sob condições similares, pouca coisa distinguia as criadas livres das escravas, pois, de um modo geral, permaneciam submetidas a condições de trabalho precárias e jornadas exaustivas.

Grahan (1992) esclarece que as empregadas que desempenhavam as funções domésticas, apesar da rígida relação de hierarquia vivenciada no dia-a-dia, eram recompensadas com afeição e confiança - de acordo com as atividades que desempenhavam dentro ou fora da casa, ganhando, assim, mais ou menos “liberdade” no sentido de poder frequentar espaços longe do controle constante dos patrões -, isto é, ao mesmo tempo em que lhes era oportunizado certo tipo proteção patriarcal, lhes era também exigido subalternidade. Em decorrência disso, deu-se ensejo a uma espécie de dádiva patronal baseada em certos níveis de proximidade afetiva e na disponibilização de eventuais ajudas pessoais em troca de obediência e lealdade. Assim, muitas empregadas domésticas acabavam identificando-se com as famílias para as quais trabalhavam, o que contribuiu para uma reprodução ressignificada da lógica paternalista e da situação de subserviência legadas pelo período da escravidão.

Para Sanches (2009), a situação das trabalhadoras domésticas remete à discussão sobre trabalho decente, uma vez que o trabalho doméstico no Brasil se encontra entre as ocupações mais precárias. Aqui, entenda-se por trabalho decente:

Trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, livre de quaisquer formas de discriminação e capaz de garantir uma vida digna. O conceito de trabalho decente implica quatro pilares básicos: os princípios e direitos fundamentais no trabalho; a criação de mais e melhores empregos; a extensão da proteção social e o diálogo social ( OIT, 2008).

No que concerne à promoção do trabalho doméstico como trabalho decente, Souza (2009) entende que essa construção representa um grande desafio, pois o preconceito e os estereótipos enfrentados pelas empregadas domésticas, fruto de resquícios de uma herança colonial patriarcal e escravocrata, foram ressignificados por arranjos sociais gestados pela modernização capitalista brasileira.

As alterações promovidas na legislação trabalhista representam um maior reconhecimento – embora tardio – de uma condição de cidadania social, assegurando-se assim uma série de direitos que, apesar de previstos na CF/88 e na CLT, não estavam plenamente garantidos. Longo foi o processo de lutas até chegar a esse reconhecimento jurídico e, ainda hoje, mesmo com os mais recentes avanços, deparamo-nos com situações de resistência que obstaculizam uma maior efetividade desses direitos.

A evolução da legislação trabalhista sobre o trabalho doméstico no Brasil

No Brasil, pode-se dizer que a regulamentação do trabalho doméstico teve início com o Código de Posturas do Município de São Paulo, em 1886, que estabelecia regras para as atividades dos criados de servir e das amas-de-leite. O seu artigo 263 dispunha:

O criado de servir, como toda pessoa de condição livre, que mediante salário convencionado, tiver ou que quiser ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, ama de leite, ama-seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço doméstico ( Martins, 2013: 2).

A esse respeito, o Código Civil de 1916 foi um marco na evolução legislativa, tratando questões relacionadas às empregadas domésticas nos artigos 1.216 a 1.236, que versavam sobre a locação de serviços e o aviso prévio, dispondo que toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, poderia ser contratada mediante retribuição que, de acordo com o artigo 1.218, poderia ser arbitrariamente fixada segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade, quando não houvesse estipulação prévia ou acordo entre as partes.

Com o Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943 aprovou-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Desde então, as relações de trabalho passaram a ter uma regulação pública mais consistente, uma vez que se unificou toda a legislação trabalhista até então existente no Brasil. Entretanto, apesar de tentar evitar distinções entre categorias profissionais, a CLT acabou por excluir de sua tutela os trabalhadores domésticos 5. Em outras palavras, apesar de almejar sanar a precariedade das normas de proteção do trabalho no Brasil, em sua origem não reconheceu a disponibilização de todo um conjunto de direitos aos trabalhadores domésticos, e, por conseguinte, reiterou a desvalorização desse tipo de trabalho, afastando-o de uma adequada proteção jurídica.

Nesse sentido, entendia-se que o trabalho doméstico correspondia aos serviços prestados no exercício de tarefas realizadas no âmbito doméstico e sob a direção de seus empregadores, não sendo admitida a sua aplicação para uma atividade econômica que tivesse fins lucrativos; vê-se aqui a indicação do motivo jurídico utilizado para justificar a falta de amparo legal dos trabalhadores domésticos na CLT.

A esse respeito, dispõe Ferraz (2010: 8644):

Repare-se que as características essenciais do vínculo empregatício (onerosidade, subordinação, pessoalidade, pessoa física e não-eventualidade) se mostram presentes no emprego doméstico. De fato, o referido empregado preenche todos os requisitos do art. 3º da CLT: é pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Portanto, a segregação legislativa é patente. O emprego doméstico foi expressamente classificado como um trabalho de categoria inferior. A CLT se valeu de uma característica peculiar ao trabalho doméstico, qual seja, a da não-lucratividade dos serviços prestados, como um meio de justificar a sua exclusão jurídica. Demonstra-se claramente a projeção da escravidão nesse momento histórico, ratificando o argumento expendido acima, de muitos ex-escravos tornaram-se “servos” domésticos.

A ausência de tutela jurídica para os empregados domésticos na origem da CLT é um dos exemplos de exclusão promovidos por aquilo que Wanderley Guilherme dos Santos (1979), em sua análise sobre a política econômico-social do pós-1930, denominou de cidadania regulada. Um tipo de cidadania que corresponde a um sistema de estratificação ocupacional definido por norma legal, no qual considera-se cidadão todo aquele cuja ocupação é definida por lei. Em outras palavras, o que se reconhece são tão somente as profissões admitidas por lei, sendo que estas correspondem apenas aos lugares ocupados na estrutura produtiva. Dito de outro modo:

A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece ( Santos, 1987: 75).

A exclusão do reconhecimento jurídico da atividade laboral das empregadas domésticas na origem da CLT deixa claro o status social de pré-cidadania destas trabalhadoras. Assim, para Souza (2003) é possível falar em uma cidadania de segunda classe, na qual a depreciação e a exclusão da tutela jurisdicional correspondem a um não-lugar ocupado no processo de modernização produtiva da sociedade brasileira.

Da indignação causada por essa exclusão foram enseja- dos movimentos de trabalhadoras domésticas que possibilitaram o surgimento de lideranças sindicais como Laudelina de Campos Melo, fundadora da primeira associação de trabalhadores domésticos do país, em 1936, fechada no período do Estado Novo, mas reativada em 1946. Desde então, a luta por reconhecimento das trabalhadoras domésticas ganhou força, procurando promover uma maior conscientização da sociedade e das próprias trabalhadoras para a necessidade de reconhecê-las como sujeitos de direitos ( Pinto, 2015).

Após mais de duas décadas, em 1972, com o advento da Lei nº 5.859 6, o trabalho doméstico passou a ser de fato regulado e ter uma tutela jurídica melhor delimitada, assegurando-se, entre outras coisas, o direito a registro de contrato de trabalho em carteira profissional e o reconhecimento de direitos previdenciários, incluindo a possibilidade de afastamento em caso de doença, o que antes não era garantido. Desde então, nenhuma alteração legislativa ocorreu até a CF/88 7.

Por sua vez, a CF/88, apesar de ter introduzido avanços na tutela jurídica das relações trabalhistas, como as contidas no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, não tornou plenamente acessível às trabalhadoras domésticas a tutela protetiva da CLT, pois não contemplou pontos como a limitação da jornada de trabalho, o pagamento de horas extras, o recolhimento obrigatório de FGTS e a concessão de seguro-desemprego.

Em 2006, a Lei 11.324/06 alterou alguns pontos da Lei 5.859/72, trazendo mais alguns avanços à tutela protetiva dos empregados domésticos. Vejamos um exemplo: “Art. 2 o-A. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia”. Observe-se que temos aqui uma ruptura tardia com uma persistente ressignificação de um dos arranjos laborais coetâneos ao trabalho escravo, principalmente no período imperial, qual seja, a servidão por dívidas. Ainda no início da segunda metade do século XIX, esse arranjo era não apenas socialmente presente, como também, juridicamente legitimado pela então nascente economia cafeeira que se desenvolvia no estado de São Paulo. Essa legitimação baseava-se na compreensão de que, em função do proprietário de terras custear as despesas com transporte, alojamento e alimentação dos imigrantes, estes ficavam obrigados a pagar essas dívidas por meio dos resultados de seu trabalho.

A atuação de organizações sindicais de trabalhadoras domésticas, somada a uma maior sensibilização de parte da sociedade para a necessidade de reconhecê-las como sujeitos de direitos sociais e trabalhistas ampliados, produziu a correlação de fatores adequada para que o poder legislativo, a despeito das resistências, garantisse uma maior proteção jurídica a essas trabalhadoras.

Dentre as diversas propostas que tramitavam no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional nº 66/2012 – popularmente conhecida como a PEC das Domésticas - foi a que ganhou maior visibilidade, tendo em vista que tinha por escopo ampliar o rol de direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos, aproximando-os dos direitos assegurados aos demais trabalhadores urbanos e rurais. A aprovação da referida PEC, no ano de 2013, resultou na Emenda Constitucional nº 72/2013, alterando assim a redação do parágrafo único do artigo 7º da CF/88 8.

Nunes, ao refletir sobre a ampliação e as lutas pela efetivação dos direitos das trabalhadoras domésticas, defende que “para que a opção do desenvolvimento atual possa gerar os resultados esperados, é mister que as trabalhadoras domésticas se tornem sujeito de direito e não somente objeto das políticas” (2013: 587).

É possível dizer que os recentes avanços legislativos referentes representam fundamental reconhecimento jurídico, pois asseguram direitos até então não plenamente assegurados, buscando, assim, corrigir décadas de vulnerabilidade. Por outro lado, é preciso dizer que esse reconhecimento trouxe resistências, controvérsias, inseguranças e incertezas sobre o aumento de custos, desemprego, informalidade e migração para a categoria das chamadas “diaristas”. Para além do reconhecimento jurídico, a luta das trabalhadoras domésticas e de suas representações sindicais persiste, porém, deslocando-se agora mais especificamente para o campo da efetivação dos direitos.

Nunes e Silva, refletindo sobre as relações entre patrões e empregadas domésticas e a real efetivação dos direitos destas, assevera que:

[...]. Há um abismo que separa o que está prescrito na esfera do direito e o que se apresenta na realidade das relações de trabalho dos serviços domésticos. [...]. Algumas vozes da sociedade brasileira, ligadas aos interesses de empregadores e se utilizando de diversos meios de comunicação de massa, têm se posicionado contrárias à ampliação dos direitos das empregadas domésticas, afirmando que tal ampliação de direitos, ao aumentar o custo de contratação, acarretaria o desemprego em massa desta categoria (2013: 588).

Os mesmos autores afirmam que esses obstáculos “têm mais a ver com os valores presentes nas relações de trabalho dos serviços domésticos do que com a indisponibilidade financeira de se arcar com tais custos” ( Nunes; Silva, 2013, p. 587). A esse respeito, Gutierrez-Rodriguez (2010) aponta que a desvalorização social do trabalho doméstico pode ser explicada por dois fatores. O primeiro, corresponde ao fato de que, de um ponto de vista econômico, trata-se de uma atividade reprodutiva, voltada para os cuidados da casa e daqueles que nela vivem, isto é, não produtora de bens para circulação no mercado e, por isso, de valor de troca. O segundo refere-se a uma codificação cultural que o veria como um trabalho simples, braçal, racializado e feminilizado, que não exige qualificação ou treinamento e corresponde a uma aptidão natural das mulheres. Em contextos pós-coloniais, como o caso brasileiro, a articulação desses dois fatores, explicaria “o seu não pagamento, quando realizado pela dona de casa, e o seu baixo valor, quando executado pela trabalhadora doméstica” ( Mori; Costa; Fleischer, 2011, p. 18).

No atual cenário socioeconômico brasileiro, a despeito da pertinência das análises acima, entendemos que seja possível inflexionar um eventual caráter peremptório da atenuação da relevância do argumento da indisponibilidade financeira. No que se refere a este ponto, o depoimento de uma das patroas entrevistadas foi elucidativo, pois, mesmo reconhecendo a importância dos direitos ora assegurados às empregadas domésticas, ela admitiu preferir contratar uma diarista, alegando não ter condições financeiras de arcar com todos os custos do vínculo empregatício 9. Vejamos:

[...] desde que eu me mudei, contratei direto uma diarista, porque acho mais prático, menos burocrático e atende melhor às minhas necessidades. [...] acho que ficou muito caro contratar uma empregada doméstica agora, são várias pequenas coisinhas que colocando na ponta do lápis fica um valor bem significativo, e eu não tenho todo esse dinheiro para pagar para alguém. Acho até que foi uma conquista tri importante para elas, mas não sei se no fim ajudou ou atrapalhou, porque não é todo mundo que pode pagar por esse trabalho, ainda mais com essa crise toda que a gente está vivendo.

Considerando as partes grifadas, podemos inferir os seguintes argumentos para a preferência pela contratação de uma diarista ao invés de uma empregada com carteira assinada: praticidade, necessidade e onerosidade. O primeiro remete ao fato de que a ampliação dos direitos e garantias trabalhistas das empregadas domésticas impõe uma maior atenção da parte dos empregadores no gerenciamento de questões relacionadas, por exemplo, ao controle da jornada de trabalho diária, observação de horas extras e adicional noturno, recolhimento do INSS e do FGTS. Assim, o argumento da maior praticidade aparece com o sentido de menor burocratização, o que corresponderia a menos exigências legais. O segundo refere-se ao fato de que, nos dias atuais, principalmente em cidades grandes e médias, as famílias de classe média, por exemplo, permanecem menos tempo em casa, pois, de um modo geral, homens e mulheres estão inseridos no mercado de trabalho e, quando possuem filhos, estes, além do tempo que passam na escola, com bastante frequência, realizam atividades extraescolares. Nesse sentido, pode-se dizer que a necessidade de uma empregada doméstica que trabalhe cinco diais da semana em uma jornada de oito horas diárias, torna-se menor. O terceiro, remete à alegação de indisponibilidade financeira para arcar com os custos trabalhistas ora implicados na contratação com carteira assinada. Aqui, é preciso lembrar que o salário mínimo nacional, seguido por 19 dos 26 Estados e pelo Distrito Federal, no ano de 2017, era de R$ 937,00, enquanto que, no Estado do Rio Grande do Sul, que segue tabela própria, o salário mínimo era de R$ 1.175,15. Portanto, para indivíduos e famílias das classes médias, a despeito da inegável desvalorização social dos serviços domésticos, os referidos argumentos podem concretamente apresentarem-se como fatores estimuladores da contratação de uma diarista ao invés de uma emprega doméstica, principalmente em cenários de crise econômica, onde ocorre uma perda de renda que afeta a capacidade e/ou predisposição para uma maior formalização das relações de trabalho.

Para fins de esclarecimento, o art. 1º da Lei Complementar nº 150 de 2015, considera empregado doméstico “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”. Assim, para que seja reconhecido o vínculo empregatício faz-se necessário que a prestação de serviços seja realizada por pelo menos três dias na semana, caso contrário, considera-se a condição de diarista, isto é, de trabalhadora autônoma que exerce descontinuamente prestação de serviços por conta própria, sem a caracterização de relação de emprego.

O poder simbólico patronal

Nesta seção, lançamos mão do conceito de poder simbólico de Bourdieu (1998; 2007). Nossa proposta é utilizá-lo para a compreensão das relações de proximidade e de subalternidade que historicamente caracterizaram o trabalho doméstico no Brasil. Mas, antes de fazê-lo, convém elucidar que o poder simbólico é definido como um tipo de poder que se cria, se acumula e se perpetua em virtude da comunicação, da troca simbólica entre agentes inseridos em uma ordem de conhecimento e de reconhecimento - o que não quer dizer atos intencionais de consciência, assim o seu exercício:

[...] converte relações de força bruta, sempre incertas e suscetíveis de serem suspensas, em relações duráveis de poder simbólico pelas quais se é obrigado e com as quais se sente obrigado; ela transfigura o capital econômico em capital simbólico, a dominação econômica em dependência pessoal (por exemplo, com o paternalismo), até em devotamento, em piedade (filial) ou em amor ( Bourdieu, 2007, p. 242-243).

O poder simbólico é exercido com a colaboração daqueles que a ele estão submetidos, isso porque, estes contribuem para construí-lo. Entretanto, tal submissão não é sinônimo de “servidão voluntária”, assim como, tal colaboração não significa concessão de um ato consciente e deliberado, mas sim, o efeito de um poder que está inscrito de modo durável nos corpos dos dominados, sob a forma de esquemas de percepção e disposições (para respeitar, admirar, amar, etc.).

Com isso em mente, pode-se dizer que o poder simbólico patronal emerge das relações de proximidade entre patrões e empregadas. Não raras vezes, os patrões presenteiam as empregadas ou disponibilizam algum tipo de ajuda pessoal, configurando assim um tipo de dádiva hierarquizada e fazendo-se subentender a exigência de gratidão e lealdade como contrapartida. A esse respeito, todas as trabalhadoras entrevistadas, mensalistas e diaristas, alegaram já ter recebido presentes e/ou doações de seus patrões, inclusive, a maioria demonstrou satisfação em contar que ganhavam “blusinhas, sapatos e bolsas”. Algumas relataram, com certo entusiasmo, já terem recebido presentes de Natal, de Páscoa ou de aniversário; presentes novos, comprados especialmente para elas e não doações de roupas e objetos que não tinham mais serventia para as patroas.

Embora as patroas entrevistadas tenham alegado já ter presenteado suas empregadas, constatou-se que essa prática é menos frequente em relação às diaristas. Temos aqui um indicativo de uma menor intensidade de convívio, o que acaba gerando um maior distanciamento relacional e, consequentemente, uma mitigação dos efeitos do poder simbólico patronal. Para fins de ilustração, vejamos uma fala de uma empregadora sobre a sua relação com a diarista que lhe presta serviços:

A gente tem uma relação normal, nada muito íntimo, porque a gente se vê super pouco. Só rapidinho de manhã. Mas gosto muito dela, porque é muito confiável, trabalha superbem e faz tudo do jeito que eu peço. Recomendo-a sempre!

Souza (2014) entende que, diferentemente da empregada doméstica mensalista:

O trabalho da diarista fundamenta-se em uma racionalidade em relação ao curto prazo, mas que além de minimizar sobremaneira as relações de proximidade e intimidade típicas do trabalho da empregada doméstica, permite-lhes a criação e a recriação do seu próprio tempo (2014: 134).

Não podemos perder de vista que para Bourdieu (1998) o poder simbólico é um poder de construção da realidade e que as produções simbólicas dele resultantes acabam servindo como um instrumento de dominação, visto que decorrem de uma luta simbólica entre classes hierarquizadas. No que concerne às relações entre patrões e empregadas domésticas, disto depreende-se que, se por um lado, manifesta-se um tipo de dádiva patronal que usa presentes e favores como recurso simbólico de assistência às trabalhadoras. O que acaba reforçando uma hierarquização relacional que procura impor uma exigência tácita por lealdade e subserviência. Por outro lado, uma das estratégias utilizadas pelas empregadas domésticas passa a ser preservar uma boa relação com seus patrões, a fim de manterem não apenas os seus empregos, mas, de algum modo, seguir contando com eventuais ajudas em situações específicas ou de maior necessidade.

Os dados obtidos por meio das observações diretas das rescisões contratuais, ocasião em que ambas as partes estavam presentes e podiam expor seus pontos de vista, nos permitiram perceber algumas nuances da manifestação do poder simbólico patronal. A despeito de todas as rescisões terem sido amigáveis, previamente agendadas pelas partes e sem grandes atritos, as manifestações do poder simbólico patronal eram perceptíveis nos comportamentos, reações e expressões. Na maioria das vezes, as patroas respondiam de imediato as perguntas formuladas pela presidente do sindicato, mesmo quando não eram dirigidas a elas. Nesses casos, a presidente repetia a pergunta, direcionando-as diretamente para as empregadas responderem. Com certa frequência, ao chegar esse momento, quando as empregadas não sabiam o que responder, como por exemplo, questões relacionadas ao recolhimento do INSS ou aos cálculos dos valores a que tinham direito com a rescisão contratual, percebia-se que, aflitas, dirigiam o olhar para as empregadoras, que impavidamente diziam estar tudo certo ou que posteriormente entregariam as cópias dos documentos, conforme o caso.

Nos momentos que precediam o início das entrevistas tornava-se visível a manifestação do poder simbólico patronal, isso porque, as empregadas domésticas, claramente receosas, nos perguntavam mais de uma vez se realmente não haveria a possibilidade de seus patrões descobrirem aquilo que elas iriam contar ou, desconfiadas, pediam para que não fosse mencionado os nomes dos patrões, nem os delas, sendo que algumas delas só aceitaram conceder entrevista sem que fossem gravadas. “ Deus me livre se a minha patroa descobre que eu vim aqui!”, disse uma delas.

Nesse mesmo sentido, percebeu-se que algumas empregadas temiam pela reação de seus patrões no caso de descobrirem que elas estavam frequentando o sindicato em busca de informações sobre os seus direitos, isso porque, havia um receio de que essa iniciativa viesse a gerar atritos com os patrões, uma vez que, estes poderiam pensar que elas estivessem sendo desleais, o que poderia levar à fragilização dos laços de “amizade” ou, ainda, o que seria pior, a uma demissão.

A luta por reconhecimento jurídico

Nas sociedades tradicionais, o reconhecimento jurídico estava vinculado ao valor social atribuído às propriedades e às qualidades pessoais de um indivíduo. O reconhecimento de direitos era classificado distintivamente conforme o status social. Nessas sociedades, fortemente hierarquizadas, diante da fusão da honra e da dignidade, o reconhecimento de um indivíduo como possuidor de direitos estava vinculado à estima social, logo, a dignidade do indivíduo era restrita. Diferentemente disto, na modernidade, entre as consequências sociais da universalização da noção cidadania, tem-se a nítida separação jurídica entre a estima social e a dignidade nas relações. Assim, a moral moderna impõe que todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua classe social, possa potencialmente usufruir de reconhecimento jurídico. No plano individual, a universalização da imputabilidade moral permitiu, ao romper com o reconhecimento pela estima social das sociedades hierarquizadas, a gestação das condições necessárias para a autorrelação prática do “autorrespeito” ( Honneth, 2003).

Nas sociedades modernas, o reconhecimento jurídico constitui uma proteção social contra atos que afetam o autorrespeito do indivíduo, preservando-lhe a integridade moral por meio de uma proteção normativa contra formas de desrespeito resultantes do rebaixamento ou da humilhação social. Uma das consequências do rebaixamento moral seria o sentimento de vergonha social, onde o conteúdo emocional é caracterizado por uma baixa autoestima decorrente de um sentimento de inferioridade em relação aos outros, criando assim uma autoimagem depreciativa que mina os ideais individuais da cidadania. Aqui, consideramos, assim como o faz Souza (2003), que no contexto da modernidade capitalista brasileira, um grande contingente de indivíduos tem sido condenado a um “habitus precário”, entendido pelo referido como:

…aquele tipo de personalidade e de disposições de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que, seja um indivíduo, seja um grupo social, possa ser considerado produtivo e útil em uma sociedade de tipo moderno e competitivo, podendo gozar de reconhecimento social com todas as suas dramáticas consequências existenciais e políticas (2003: 167).

A especificidade da desigualdade periférica consistiria na condenação de um grande contingente de indivíduos a esse “habitus precário”, alijando-os do reconhecimento pleno nas políticas sociais que conferem o status de cidadania. Se nas sociedades capitalistas avançadas a generalização desse fenômeno é circunscrita e limitada, nas sociedades periféricas ela é um fenômeno de massa capaz de condenar uma grande parcela da população brasileira. Assim, o “habitus precário” constitui-se em uma fonte reprodutiva da miséria material e de não reconhecimento social.

A constituição desse “habitus precário” seria inerente à modernidade periférica, aqui entendida não como uma realidade social híbrida entre o tradicional e o moderno, mas como a forma específica da modernidade em países periféricos, na qual os valores desta se apresentam no imaginário social posteriores às mudanças estruturais capitalistas e não de modo precedente ou mesmo concomitante. A esse respeito, Souza adverte que: “se apenas Estado e mercado agissem sem peias como instituições estruturantes da dinâmica social, as diferenças entre sociedades concretas, tanto entre as sociedades centrais entre si quanto entre as periféricas, seriam mínimas” (2003: p. 93).

As formas de desrespeito, como maus-tratos e violação na esfera das relações primárias, privação de direitos e exclusão na esfera das relações jurídicas e de degradação e ofensa na esfera da comunidade de valores, impostas no período da escravidão e metamorfoseadas posteriormente em um “habitus precário” das classes mais baixas, atuaram no sentido de minar a autoconfiança dos indivíduos a estas pertencentes, concorrendo decisivamente para que no Brasil, o reconhecimento social destes indivíduos ocorresse a partir de uma inserção subalternizada a uma lógica social hierarquizante e anti-igualitária. Segundo Souza, esse cenário foi decisivo para:

[...] a constituição de uma gigantesca “ralé” de inadaptados às demandas da vida produtiva e social modernas, constituindo-se numa legião de “imprestáveis”, no sentido sóbrio e objetivo do termo, com óbvias consequências, tanto existenciais, na condenação de dezenas de milhões a uma vida trágica sob o ponto de vista material e espiritual, quanto sociopolíticas como a endêmica insegurança pública e marginalização política e econômica desses setores ( Souza, 2003: 184).

A assimetria de poder que caracteriza a relação de trabalho doméstico é mitigada à medida que as empregadas adquirem maior conhecimento sobre os seus direitos e, consequentemente, passam a exigir que os patrões não apenas os reconheçam, mas efetivamente os cumpram. Quando isso ocorre, nem mesmo o risco de demissão faz com que algumas delas se calem diante da inobservância dos seus direitos:

O motivo que eu tenho certeza [referia-se a sua demissão] é que eles, quando eu entrei, pediram a minha carteira e o xerox da minha identidade. Eu dei. Mas ‘passou’ uns dias, eu comecei a pedir minha carteira de volta, né? Aí eles diziam: a tua carteira ‘tá’ assinada. Aí eu pensava: Ué, mas então por que não me devolvem? Aí, passava mais uns dias, eu pedia de novo. Mas, eles não gostaram. Quer dizer, eles ‘reteram’ a minha carteira, eu cobrei e aí eles não gostaram. E não me ‘entregou’ até hoje! Eles não gostam que a gente seja ligada. Eu acho que a empregada doméstica, pela falta de emprego de hoje, não faz muito valer os seus direitos. Vai aceitando as coisas. Não pode!

Por outro lado, não podemos perder de vista, assim como o faz Vidal (2009), que ainda é bastante comum o sentimento de gratidão que as empregadas domésticas expressam por seus patrões devido às eventuais doações ou outros tipos de ajuda pessoal. Nesse sentido, entendemos que essa ‘gratidão’ tem se apresentado como o substrato moral da reprodução e do reforço do poder simbólico patronal, o que contribuiu historicamente para que, com bastante frequência, as empregadas domésticas não ingressassem com ações judiciais pleiteando direitos trabalhistas que não tenham sido respeitados por seus empregadores. Ao longo da formação do mercado de trabalho brasileiro, a reprodução social dessa situação, a despeito dos avanços legislativos, tem dificultado o reconhecimento social dessa atividade laboral e, consequentemente, a efetivação jurídica dos direitos desta categoria de trabalhadoras. No tocante a isso, vejamos a fala da Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Pelotas:

Infelizmente as trabalhadoras domésticas se apegam muito às famílias e acabam aceitando umas esmolinhas das patroas que elas não precisam; alguma roupa usada que a patroa não gostou ou não quer mais. É resto! O que é resto, aí ela dá. E como a empregada geralmente ganha muito pouco e não consegue comprar uma coisa boa, muitas vezes acaba achando o máximo e dando valor demais a essas coisas. Eu sei que tem um valor, mas não é o valor que a empregada merece pelo trabalho .... Às vezes tem empregador que chega aqui, a gente questiona porque não cumpre a lei, aí diz que não tem dinheiro. Não tem? Então não tem! Mas, aí não pode contratar doméstica. Porque isso é um trabalho! Não é uma ajuda, não é camaradagem. Não é um favor, é trabalho.

Nessa mesma linha, uma outra empregada entrevistada, que já conhecia os direitos adquiridos com as recentes mudanças na legislação, entende que:

Tanto empregada quanto empregador tinham que conhecer a lei antes de empregar, porque no início é tudo muito bom, mas depois eles acham que empregada não tem direitos e não querem cumprir a lei. Como existe essa lei agora, a gente está correndo atrás. Tem empregada doméstica que ainda não caiu a ficha que tem direitos, mas a lei foi boa para despertar! Tem que brigar para receber o que é direito seu.

Para as empregadas domésticas, o conhecimento da legislação trabalhista proporciona uma maior confiança para exigir o seu cumprimento, uma vez que possibilita distinguir os direitos e deveres que devem pautar a relação entre patrões e empregadas. O que se pode depreender da fala acima é que para elas, somente com esse despertar, torna-se factível exigir uma maior efetividade jurídica dos seus direitos.

Considerações finais

A pesquisa nos permitiu verificar que a maioria das trabalhadoras domésticas, mensalistas ou diaristas, até serem atendidas pelo sindicato, desconheciam as recentes alterações na legislação trabalhista. Muitas delas não sabiam bem o que tinham direito a receber, como por exemplo, questões relacionadas às férias, à jornada de trabalho e às horas extras. O primeiro contato, geralmente, era para sanar alguma dúvida a respeito de seus direitos, mas não raras vezes, saíam desapontadas ao tomarem conhecimento de que seus patrões estavam descumprindo a lei. Nesses casos, observou-se uma diferença de atitude entre aquelas que já conheciam os seus direitos e aquelas que os desconheciam ou deles estavam recém tomando ciência. Enquanto estas últimas mostravam-se magoadas, decepcionadas e desiludidas com os patrões, as primeiras mostraram-se mais decididas pelo rompimento da relação trabalhista, pela luta por seus direitos e por não mais admitir que tentassem enganá-las. Contudo, em ambos os casos, a ruptura lhes parecia inevitável.

Assim, tem-se que a luta por reconhecimento e a recente ampliação de direitos trabalhistas assume papel decisivo no abrandamento de situações de desigualdade, vulnerabilidade e desvalorização do trabalho doméstico. Porém, não podemos perder de vista que a especificidade de ser realizado nas casas das famílias e de ser entendido como um tipo não lucrativo de relação de trabalho acaba turvando as fronteiras entre uma simbologia dos afetos dentro de um arranjo social hierárquico subalternizante e uma luta por reconhecimento jurídico de uma condição de cidadania.

Em outras palavras, no Brasil, a despeito das mudanças sociais ocorridas no decorrer de mais de cem anos de abolição da escravidão e dos avanços na tutela protetiva do direito do trabalho promovidas a partir do advento da CLT, as empregadas domésticas, mesmo que em menor intensidade do que em um passado recente, ainda encontram-se situadas entre as fronteiras de um poder simbólico patronal, uma herança do período escravista ressignificada por arranjos sociais de uma modernidade à brasileira, e de uma luta por reconhecimento e efetivação de direitos sociais.

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Notas

4 Essa situação mantém estreita ligação com a política de “branqueamento” da força de trabalho na transição do trabalho escravo para o trabalho livre, na qual estimulou-se uma massiva imigração europeia e secundariamente japonesa, baseada na compreensão de que os negros libertos não eram afeitos às necessidades da modernização do mercado de trabalho brasileiro e, por isso, foram empurrados para a margem da sociedade, submetidos à condição de extrema pobreza e falta de assistência do poder público.
5 Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
6 Revogada pela Lei Complementar nº 150/15.
7 A redação original do parágrafo único do artigo 7º da CF/88 dispunha: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. Os referidos incisos correspondem, respectivamente ao salário mínimo, à irredutibilidade de salário, ao décimo terceiro salário, ao repouso semanal remunerado, ao gozo de férias anuais, à licença à gestante, à licença-maternidade, ao aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço e aposentadoria.
8 Desde então, passou a vigorar a seguinte redação: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observadas a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XXV e XXVIII, bem como à sua integração à previdência social. Os direitos correspondentes aos referidos incisos são, respectivamente: salário mínimo; irredutibilidade do salário; garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; licença-maternidade, nos termos fixados em lei; aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; aposentadoria; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência e proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
9 As alterações que aumentaram o custo da contratação do trabalho doméstico estão previstas no artigo 34 da Lei Complementar nº 150, de 2015: O Simples Doméstico assegurará o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes valores: I - 8% (oito por cento) a 11% (onze por cento) de contribuição previdenciária, a cargo do segurado empregado doméstico, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; II - 8% (oito por cento) de contribuição patronal previdenciária para a seguridade social, a cargo do empregador doméstico, nos termos do art. 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991; III - 0,8% (oito décimos por cento) de contribuição social para financiamento do seguro contra acidentes do trabalho; ; IV - 8% (oito por cento) de recolhimento para o FGTS; V - 3,2% (três inteiros e dois décimos por cento), na forma do art. 22 desta Lei; VI - Imposto sobre a renda retido na fonte de que trata o inciso I do art. 7o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, se incidente.

Autor notes

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