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Recepção: 05 Janeiro 2019
Aprovação: 01 Outubro 2019
DOI: https://doi.org/10.4013/csu.2019.55.3.07
Resumo: Nos últimos vinte anos, observamos transformações substanciais tanto no lugar que é atribuído aos povos, às culturas e às tradições de origem africana na formação da sociedade brasileira quanto na maneira como a identidade nacional é abordada nos debates e discussões que se dedicam à investigação das relações raciais na contemporaneidade. Essas transformações trilham um caminho que reflete um novo olhar sobre a presença desses povos e culturas, muitas vezes informados e influenciados por um conceito que tem ganhado destaque nas discussões tanto no mundo acadêmico quanto no da militância: a diáspora africana. Porém, raramente é explicitado o modelo ou a perspectiva de diáspora africana que está sendo articulada nessas investigações e nesses discursos. Fora do Brasil, a noção de “diáspora”, e, mais especificamente, de “diáspora africana”, não é recente. Desde o fim do século XIX esteve presente nos Estados Unidos, tendo importante papel como locus de pertencimento, contribuindo para a construção de solidariedades e de agendas políticas dos movimentos sociais negros norte-americanos. Além disso, a noção de “diáspora africana” foi essencial para a construção, institucionalização e postulação dos paradigmas teórico-metodológicos para o que hoje (recentemente) são disciplinarmente denominados de African-American Studies. Nesse sentido, esse trabalho tem como objetivo elaborar uma breve genealogia da noção de “diáspora africana”. Por meio do mapeamento do modo como os intelectuais afro-americanos trabalharam com categorias como “raça”, “cultura”, “filiação” e “pertencimento” no final do século XIX, apresentamos as condições de emergência do conceito.
Palavras chave: diáspora africana, raça, cultura, identidade.
Abstract: In the last twenty years, we have seen substantial transformations both in the place that is attributed to the peoples, cultures and traditions of African origin in the formation of Brazilian society, and in the way national identity is approached in the debates and discussions that are dedicated to the investigation of relations in the contemporary world. These transformations take a path that reflects a new look at the presence of these peoples and cultures, often informed and influenced by a concept that has gained prominence in the discussions in both the academic world and militancy: the African diaspora. However, the model or perspective of the African diaspora that is being articulated in these investigations and discourses is rarely explicit. Outside Brazil, the notion of the diaspora, and more specifically of the African diaspora, is not recent. Since the end of the 19th century it was present in the United States, having an important role as a locus of belonging, contributing to the building of solidarities and political agendas of the black American social movements. In addition, the notion of the African diaspora was essential for the construction, institutionalization and postulation of theoretical-methodological paradigms for what is now (recently) termed African-American Studies. In this sense, this work aims to elaborate a brief genealogy of the notion of African diaspora. Through mapping the way African-American intellectuals worked with categories such as “race,” “culture,” “affiliation,” and “belonging” in the late 19th century, we present the emergence conditions of the concept.
Keywords: African diaspora, race, culture, identity.
Introdução: conceito e contexto
Desde as primeiras publicações do Projeto UNESCO ( Maio, 1999), protagonizadas, na década de 1950, por Florestan Fernandes, Roger Bastide e Virgínia Bicudo, o ideário de “nação brasileira”, elaborado por Gilberto Freyre (2004[1933]), propagado pelo Estado Novo (1937-1945) e em vigor até o final da ditadura civil-militar (1964-1985), vem sendo questionado. Durante as décadas de 1980 e 1990, coube ao “movimento negro”, como o Movimento Negro Unificado ( Guimarães, 2002), organizado em torno de uma solidariedade política pautada na consciência da racialização da experiência coletiva e fundamentada na ideia de uma identidade e de uma cultura comuns, denunciar a íntima relação entre desigualdades sociais e adscrições raciais presentes na sociedade brasileira. Esses movimentos sociais negros, por meio desse modelo de identidade e de cultura, não só lutaram por direitos, mas, também, contribuíram para a desconstrução da suposta natureza homogênea, harmônica e não conflituosa da sociedade brasileira ( Costa, 2006; Hofbauer, 2006).
Todavia, a mudança do contexto social e de posturas política das duas últimas décadas, incluindo a ascensão de novas ideias paradigmáticas a respeito das diferenças humanas, como o multiculturalismo, tem repercutido significativamente para a reformulação de tais modelos de identidade e de cultura. Esse fenômeno vem causando transformações profundas no debate sobre a questão racial e no lugar que os povos de origem africana ocupam atualmente na sociedade brasileira ( Trindad; Silvério, 2012; Silvério, 2015). Segundo alguns estudiosos, como o teórico cultural Stuart Hall (2011 [1992]) e o antropólogo Thomas Eriksen (2004), o fenômeno que vem sendo chamado de “globalização”, que tem funcionado como uma força ao mesmo tempo fragmentária e homogeneizadora, deve ser reconhecido como um importante fator para a emergência e (re)definição de novos padrões de identidade, cultura e pertencimento. Desse modo, embora aparentemente contraditória, a globalização tem contribuído não apenas para induzir processos de hibridismo e cosmopolitismo, mas, também, para (re)criar e/ou fortalecer laços entre grupos separados uns dos outros por processos históricos desagregadores. Além disso, de acordo com Hall (2011 [1992]) e Gilroy (2007), a identidade cultural tem sido cada vez mais articulada no interior dos Estados Nacionais como um veículo para o estabelecimento de políticas, de direitos culturais e de questionamento das narrativas de formação das sociedades nacionais, na maioria das vezes descritas como cultural e racialmente homogêneas.
Segundo Costa (2006), foi durante a participação brasileira na “III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata”, realizada pela ONU em Durban, na África do Sul, em 2001, que os efeitos dessas novas formas de identidade, cultura e agenda política induzidas pela globalização ganharam força no debate sobre as relações raciais no Brasil contemporâneo. Os movimentos sociais negros, por meio de “uma compreensão da história nacional muito distinta daquela alardeada pelos nacionalistas mais contundentes” ( Costa, 2006, p. 145), produziriam um solo fértil para o desenvolvimento e a difusão de uma plataforma antirracista. Um dos maiores efeitos, se não o maior, dessa plataforma foi a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira (LDB), em decorrência da Lei nº 10.639/03 e de seu desdobramento prático, presente nas Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação das Relações Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana ( Brasil, 2003, 2004; Silvério; Trindad, 2012).
Para alguns estudiosos, como Costa (2006) e Silvério (2015), esse conjunto de fatores tem contribuído para a ascensão de novas formas de pertencimento/identificação, propagadas por meio de movimentos transnacionais de (re)construção de vínculos com a África. Tal contexto levou alguns autores, como Silvério (2014; 2015), a defender a ideia de que estaríamos vivendo um momento de transição entre “um modelo de integração racial baseado na ideia fundacional de nação mestiça para um modelo no qual se busca reconhecer identidades étnicas e raciais distintas presentes na formação social brasileira e que passaram a questionar o seu ‘apagamento’” (Silvério, 2015, p. 40).
Guardadas as devidas proporções entre as diferentes abordagens e campos disciplinares, pode-se afirmar que existe entre intelectuais, como os sociólogos Sergio Costa (2006) e Valter R. Silvério (2015), bem como o antropólogo Kabenguele Munanga (2006), certo consenso de que essas transformações deslocaram irreversivelmente o ethos nacional brasileiro. Nesse contexto de mudanças empíricas, tanto conceituais quanto institucionais, um novo olhar sobre a presença africana e seus descendentes no Brasil estaria surgindo e se tornando cada vez mais aparente. Seria em virtude da necessidade de novas formas de pensar a relação entre sociedade nacional e presença africana (no que diz respeito às questões de ordem cultural e política) que a noção de “diáspora africana” emerge, ganhando significado e força no Brasil, pelo menos no discurso de alguns cientistas e militantes.
A noção de “diáspora africana”, portanto, tem se tornado cada vez mais recorrente nos trabalhos acadêmicos preocupados em analisar as relações raciais no Brasil contemporâneo — por exemplo o trabalho de Pinho (2004): As reinvenções da África na Bahia —, porém raramente é explicitado o modelo ou a perspectiva de “diáspora africana” que está sendo articulada nessas investigações. É ante essa lacuna que apresentamos este artigo. Nosso objetivo é o de elaborar uma breve genealogia da noção de “diáspora africana”. Por meio do mapeamento do modo como os intelectuais afro-americanos trabalharam com categorias como “raça”, “cultura”, “filiação” e “pertencimento” no final do século XIX, apresentamos as condições de emergência do conceito.
O artigo está divido em quatro partes. Após está introdução, a primeira seção explora os recursos teórico-metodológicos que organizam nosso argumento. A partir de importantes asserções de Stuart Hall, aparentemente retóricas e não menos fundamentais, acerca da constituição da cultura política negra (particularmente a atlântica), anunciamos, a um só tempo, o lugar partir do qual perspectivamos o nosso olhar sobre a história do conceito de “diáspora” e estabelecemos as premissas que compreendermos ser relevantes para nos precavermos das exigências ideológicas que qualquer conceito, implicitamente, nos convida a solidarizar.
Na segunda parte buscamos a princípio adentrar, em uma certamente precária e insatisfatória tarefa, nos pensamentos de Alexander Crummell e Edward W. Blyden. Sustentaremos que ambos os autores não só laçaram as bases para o que viria a ser denominado de “pan-africanismo”, mas entre as linhas de seus textos e orações que proferiram e que também sedimentaram o modelo de identidade cultural e “racial” que seria fundamental para a emergência da noção de “diáspora africana”.
A terceira parte continua a explorar tal modelo de identidade cultural e “racial” e as suas implicações para a noção de diáspora africana. Entretanto, nessa seção nos preocuparemos em investigar, também de forma precária e provavelmente inadequada, dado aos limites deste artigo, o pensamento de W. E. B. Du Bois. Mais detidamente, reconheceremos que há em meio ao pensamento do autor a sedimentação de uma transição acerca do modo como a identidade cultural e “racial” negra é concebida. Du Bois seria aquele que teria dado o passo seguinte em direção a uma mudança de percepção sobre a natureza do vínculo de pertencimento entre os africanos e seus descendentes, isto é, de uma concepção de filiação genealógica (religiosa, através de um ancestral, com Deus) para uma concepção secular de pertencimento (racial), imbuindo tal identidade em outras narrativas semânticas e oferecendo os primeiros estudos científicos sistemáticos sobre a presença africana no Novo Mundo.
A quarta e ultima seção, nossa conclusão, descreve a circunscrição de um dado momento histórico, dos autores e dos textos, que nos propomos analisar. De um lado, destacaremos a importância que W. E. B. Du Bois exerceu para a qualificação da experiência de dispersão, êxodo e exílio dos descendentes de africanos no Novo Mundo como diaspórica; de outro, anunciaremos sob quais condições a “diáspora africana” adquire o status de conceito.
Sobre a relação entre identidade, projeções teóricas e construção de solidariedades políticas
Fora do Brasil, a noção de “diáspora” e, mais especificamente, de “diáspora africana”, não é, no entanto, recente. No final do século XIX, autores como W. E. B. Du Bois, Carter G. Woodson, Alexander Crummell, Martin Delany e Edward Blyden aproximaram tanto a dispersão violenta da terra de origem, causada pelo tráfico de escravos, como a experiência dos africanos escravizados no Novo Mundo à narrativa judaica da dispersão e do exílio. O êxodo, o sofrimento, a memória coletiva da ruptura traumática e a redenção tornar-se-iam os elementos responsáveis por oferecer os primeiros discursos e recursos semânticos para a elaboração de uma narrativa comum que visava unir todos os escravizados sob a ideia de uma identidade, cultura e historicidade coletiva, concebendo-os enquanto um povo ( Shepperson, 1993). Esse senso de pertencimento, baseado em uma suposta origem racial e cultural comum e na luta contra o racismo e o colonialismo, foi o ponto a partir do qual diversos historiadores da África e da escravidão racial atuantes no Novo Mundo resolveram, durante as décadas de 1950 e 1960, voltar-se para (e apropriar) o termo “diáspora africana” ( Williams, 1999; Manning, 2003).
Nesse sentido, embora seja possível observar a presença da noção de “diáspora africana” no pensamento de importantes intelectuais negros do século XIX, há certo consenso entre os estudiosos ( Williams, 1999; Manning, 2003; Davies, 2008) de que a noção de “diáspora africana”, apenas nos anos 1950, passou a ser utilizada e adquiriu o status de conceito. Num contexto marcado pelas influências analíticas e políticas pan-africanistas, pela luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e pelas lutas de libertação nacional na África ( Manning, 2003; Davies, 2008), foram os historiadores Joseph E. Harris e George Shepperson os responsáveis por apresentar o conceito de “diáspora africana” durante duas conferências patrocinadas pela UNESCO: a primeira delas, o First International Congress of Negro Writers and Artists, realizada em Paris, em 1956; a segunda, o International Congress of African Historians, em Dar es Salaam, na Tanzânia, em outubro de 1965. Todavia, a discussão mais aprofundada sobre a semântica e o significado do conceito ocorreu apenas em 1979, no First African Diaspora Institute, organizado por Joseph E. Harris, na Howard University. O seminário deu origem à primeira edição da clássica coletânea Global dimensions of the African Diaspora, de Joseph Harris (1993 [1982]). Desde então, especialmente a partir do final dos anos 1980 e do início dos anos 1990, o conceito de “diáspora africana” tornou-se cada vez mais recorrente no vocabulário dos intelectuais ( Dufoix, 2008; Hamilton, 2007; Manning, 2003; Zeleza, 2008), preocupados em compreender a experiência e a trajetória dos povos, das culturas e das tradições de origem africana nos lugares em que se estabeleceram ao redor do mundo.
Como a história de todo conceito, a “diáspora” (seus diferentes modelos e perspectivas teórico-metodológicas) tem sido marcada pelo (re)posicionamento incessante de sua conceituação, situada no centro de um conjunto de disputas intelectuais e ideológicas acerca da interpretação mais adequada de sua natureza, de seu estatuto e de seu significado. O cerne dessas intensas controvérsias assenta-se, supomos, sobre conceitos que, assim como a noção de “diáspora africana”, também estão no centro de disputas intelectuais e ideológicas, a saber, “raça”, “identidade” e “cultura”. Pode-se dizer que os diferentes usos e perspectivas de “diáspora africana” estão associados, inevitavelmente, à compreensão e ao lugar que esses conceitos ocupam no interior de cada modelo. “Preto”, “negro”, “afro-americano”, “afro-brasileiro”, “afrodescendente” e “africano”, todos esses termos conotam, ao mesmo tempo, o cerne das divergências e o mote dessas disputas. Todos esses termos foram e têm sido, de alguma forma, contestados; alguns intelectuais os recusam e os condenam, outros preferem aceitá-los e apropriá-los; outros, ainda, denunciam o seu caráter normativo.
Imerso e dedicado a essa problemática em geral, e focando, em particular, na identidade daqueles povos descendentes de africanos, Hall (1988) não apenas observa o fluxo e o movimento desses signos de pertencimento, mas também o seu caráter provisório e a sua radical historicidade. Algumas das mais importantes reflexões ( Hall, 1988, 2006 [1990], 2003) do sociólogo e crítico cultural de origem caribenha esforçaram-se em tornar inteligível o fato de que o fluxo e as mudanças das categorias utilizadas como modelos de pertencimento deslocam e, ao mesmo tempo, (re)posicionam a compreensão da natureza da condição e da presença desses povos nos lugares em que se estabeleceram (voluntária e involuntariamente). Nesses termos, a questão da identidade é, segundo Hall (1988), uma problemática de ordem evidentemente ontológica e, sobremaneira, também epistêmica, uma vez que há uma correlação necessária, uma conexão, entre a identidade cultural, as projeções teóricas e as agendas políticas negras.
Essas considerações de Hall (1988) acerca da identidade fazem parte e estão intimamente ligadas ao modo como o autor trabalha com o conceito de “diáspora africana”. Não teremos a possibilidade de tratar tal perspectiva com toda a diligência nessa oportunidade, no entanto evocamos as considerações de Hall nesse momento, uma vez que as mesmas nos oferecem um valioso recurso metodológico para o desafio que a seguinte questão nos coloca. Como abordar esses diferentes modelos de “diáspora africana” e suas perspectivas teórico-metodológicas sem nos tornarmos reféns dos conceitos e critérios históricos que foram articulados nas suas definições? Ao estabelecer tal relação contingente entre a identificação, as projeções teóricas e as agendas políticas negras, Hall possibilita-nos, por um lado, minimizar esses problemas analíticos, uma vez que nos proporciona debater essas ideias não apenas sem cair nas armadilhas dos próprios conceitos (quer dizer, evitamos reificar os conceitos), pois, ao mesmo tempo, permite-nos reconhecer o conteúdo ideológico que lhes foi atribuído em contextos específicos. Por outro lado, ao posicionar a identidade e o pertencimento como elementos essenciais para as elaborações teóricas que organizam a política e a cultura política negra, Hall (1988) nos oferece uma profícua senda por meio da qual iremos abordar o conceito de “diáspora africana”.
A fim de contextualizar este artigo e perspectivar os argumentos aqui apresentados, vale dizer que este texto é parte integrante de um trabalho mais amplo pertinente à minha pesquisa de Doutorado em andamento, intitulada O conceito de diáspora africana e o debate sobre as relações raciais no Brasil contemporâneo. Tal pesquisa presta-se a elaborar, entre outros objetivos, a história do conceito desde o final do século XIX até os debates contemporâneos a partir do final dos anos 1980 e do início dos anos 1990. O texto, sob esses termos, apresenta a primeira etapa das investigações já realizadas, circunscritas a um contexto histórico delimitado, sobre a emergência da noção (grifo nosso) de diáspora africana, ao mesmo tempo em que se insere num debate mais amplo, em escopo e estrutura, acerca da história do conceito e dos diferentes modelos e perspectivas. Assim, vale salientar também, no esforço de nos precavermos de condescendências analíticas com os conteúdos ideológicos apresentados, que nos valeremos de notas pontuais de rodapé que avançam no corte temporal proposto, não para desautorizar os argumentos dos autores e textos abordados, mas para perspectivar debates importantes que competem à história do conceito de “diáspora africana” e que dialogam criticamente com tais inicias formulações.
Os filhos de Ham e a nação: retornemos a África?
O discurso/texto The English Language in Liberia, do afro-americano de nascimento, radicado liberiano e padre episcopal Alexander Crummell, proferido no dia 26 de julho de 1860 para os cidadãos de condado de Maryland, Cape Palmas (Libéria), e o texto Ethiopia Stretching Out Her Hands unto God: or, Africa’s Service to the World (1888), do afro-americano (e também liberiano por adoção) Edward W. Blyden, demarcam não só o surgimento do “nacionalismo negro” e do “pan-africanismo”, como, também, estabelecem as bases semânticas para a emergência da noção de “diáspora africana” (Harris, 1993; Davies, 2008; Shepperson, 1993). Estudar a emergência da diáspora africana, suas bases semânticas, é, sem dúvida, buscar compreender as linhas gerais do pan-africanismo, mas, sobretudo, também confrontar-se com temas fundamentais que atravessam a experiência coletiva dos africanos e de seus descendentes nos lugares em que se estabeleceram, a saber: pertencimento, identidade e cultura (Harris, 1993; Gilroy, 2002; Zeleza, 2008).
Isso significa dizer que, de modo semelhante ao que se sucedeu com os judeus no final século XIX com surgimento do sionismo ( Dufoix, 2017; Cohen, 2008), a emergência de uma solidariedade política e moral voltada para a reabilitação do ser negro encontrou no nacionalismo e, sobremaneira, na noção secular de “raça”, seu centro de gravidade. De acordo com Appiah (1997), nos Estados Unidos, na África e na Europa, os dois predominantes e mais conhecidos usos do conceito de “raça” como fundamento de uma solidariedade moral são variações do pan-africanismo e do sionismo. “Em ambos os casos, pressupõe-se que um ‘povo’, os negros ou os judeus, tenham como base para uma vida política comum o fato de pertencer a uma única raça” ( Appiah, 1997, p. 30), bem como na suposição de uma base cultural (tradições) comum como fundamento desse pertencimento.
Esse modelo de identidade e, portanto, também de cultura emerge, não eventualmente, em um contexto profundamente marcado pela centralidade do conceito de “raça”, “como uma nova referência conceitual possível para pensar as diferenças humanas” ( Hofbauer, 2006, p. 99). W. E. B. Du Bois (2010 [1897], 2005 [1915]), Edward W. Blyden (1887) e Alexander Crummell (1861) escreveram e elaboraram suas reflexões num tempo e espaço em que “raça” (perspectivada a partir do olhar eurocêntrico e branco) não só se sedimentava como categoria científica (secular), biologizando as diferenças humanas, como, também, foi elemento constitutivo do Iluminismo e organizou todo o projeto moderno ( Hofbauer, 2006; Gilroy, 2004).
Enquanto expressão de um conjunto de disputas intelectuais e ideológica pela interpretação mais adequada da realidade, o significado semântico de “raça”, segundo Hofbauer (2006, p. 99100), acompanhava as grandes transformações econômicas, políticas e sociais do mundo ocidental. A categoria genérica “raça”, utilizada pelos intelectuais pan-africanistas, não foi, portanto, uma mera importação europeia, pois respondeu a condições impostas por circunstancias históricas reais ( Hernandez, 2005, p. 138).
Responsáveis por não apenas fundarem o pan-africanismo, como, também, por estabelecerem os pilares da moderna filosofia africana ( Gordon, 2008), Du Bois, Alexander Crummell e Edward E. Blyden tiveram, intencionalmente ou não, o seu pensamento decisivamente marcado por essas ideias. Se, por um lado, a sua apropriação (embora não indiscriminada) de categorias como “nação”, “progresso”, “civilização”, “história” e, sobretudo, “raça” refletia a influência de ideias calcadas no mundo e no pensamento iluminista europeu da época, por outro, “raça” também conferia voz aos negros, oferecendo recursos para a elaboração de uma narrativa e de uma identidade coletiva contra as injustiças e as violências protagonizadas pela escravidão e pelo colonialismo 3. É esse modelo de “identidade” e de “cultura” (efeito desse senso de pertencimento racial) tanto o cerne de um ethos comum incorporador de todos os africanos e seus descendentes (que constitui as bases político-ideológicas do pan-africanismo) quanto aquilo que vai oferecer os primeiros recursos semânticos para a noção de “diáspora africana” ( Williams, 1999; Manning, 2003; Davies, 2008).
O já evocado texto/discurso The English Language in Liberia é recorrentemente retomado como ponto de partida e marco histórico das ideias pan-africanista ( Decreane, 1962; Hernandez, 2005; Almeida, 2007). Mas, mais do que uma justificava cronológica, a razão de nossa análise ter como ponto de partida as elaborações de Crummell (1861) é, pois, que o pensamento de Crummell elabora-se entre a noção secular de “pertencimento” e a concepção religiosa genealógica de “filiação”. Nesse sentido, enseja uma importante dimensão para a emergência da noção de “diáspora africana”, a saber, a semiótica religiosa e o paralelo com a história do povo Hebreu (especialmente no Antigo Testamento).
É sob a maldição e redenção de Ham (Cam), episódio da Escritura Sagrada utilizado para a justificação religiosa da escravidão, que a noção genealógica de “filiação”, articulada por Crummell, é estabelecida (Dufoix, 2017, p, 186; Hofbauer, 2006, p. 68-69). Dentro da tradição cristã, foi Santo Agostinho (354– 430) aquele a fadar os filhos de Ham a um destino amaldiçoado ( Hofbauer, 2006, p. 68-69). Agostinho lembraria que a palavra escravo ( servus) aparece na bíblia pela primeira vez no contexto da maldição de Ham (palavra de origem semítica que significa: quente, queimado pelo sol, escuro/negro) e, refletindo sobre a etimologia da palavra servus, chega à conclusão de que servir significaria também o merecimento do pecado. “Santo Agostinho faria mais duas afirmações cruciais a respeito da figura bíblica que teria causado a escravidão. Primeiro o beato igualou a atitude de Ham à culpa de Caim; em seguida, transformou Ham no pai fundador dos hereges” ( Hofbauer, 2006, p. 69).
No entanto, contraintuitivamente, a maldição endereçada aos filhos de Ham e a filiação genealógica que estabelece tornar-se-iam a narrativa responsável por oferecer os elementos a partir dos quais autores negros, no final do século XIX, argumentariam em favor do fim da escravidão e por uma melhor apreciação da história desses povos. Supõe-se que o princípio dessa argumentação está presente na fala de Ottobah Cugoano (1757-1791), que, em 1787, escreveu: “todos os presentes habitantes do mundo são descendem da família de Noé e eram todos de uma só tez, não há dúvidas, as diferenças que encontramos tiveram a sua origem após ele terem se dispersado por diferentes partes do globo” ( Cugoano, 1999 [1987], p. 31; trad. minha)
Cugoano desloca e reinterpreta a pretensa verdade do texto bíblico, insistindo na leitura de que a maldição endereçada aos filhos de Ham concerne, especificamente, a Canaã e aos seus descendentes, e não a Cush (Cuxe), seu primeiro filho. Os negros são, nessa leitura, descendentes de Ham e filhos do bem-aventurado Cush. Esses dois fatos — o deslocamento da origem genealógica da raça negra e a enganosa maldição atribuída à cor da sua pele — foram, por exemplo, um dos os principais argumentos utilizados por abolicionistas negros, nos séculos XVIII e XIX, em defesa do fim da escravidão (Dufoix, 2017, p. 186-187). Dentro desse quadro, a África em geral e, particularmente, o Egito e a Etiópia ganhariam lugares e significados proeminentes nas narrativas de pertencimento daqueles dispersados pelo tráfico de escravos. O Antigo Testamento, assim, se torna um fértil terreno para analogias sobre a liberdade, o exílio, o êxodo e a redenção entre a história dos negros escravizados no Novo Mundo e a do povo hebreu.
Segundo Dufoix (2017, p. 188), contudo, certa distinção precisa ser levada em consideração entre as diferentes apropriações das referências bíblicas no interior dessas comunidades. A consciência religiosa e étnica dos escravizados estaria associada, argumenta o autor, ao tipo de doutrina cristã de seus mestres e à sua localização geográfica nas Américas. Nas terras católicas da América Latina (de colonização portuguesa e espanhola), as origens religiosas, étnicas e linguísticas dos escravizados tendiam a ser consideradas, contribuindo para manter grupos de origens compartilhadas juntos. A conversão, de acordo com o autor, não implicaria em um completo abandono das religiões africanas praticadas pelos escravos: elas foram incorporadas na estrutura geral do Catolicismo. Na América do Norte (de colonização anglo-saxã), no território protestante, nenhum traço (seja étnico, religioso ou linguístico) era tolerado pelos senhores de escravos.
Essa distinção é importante porque, de um lado, não de todo consensual entre os estudiosos da presença africana na América (como veremos em breve), de algum modo explicaria as causas da emergência do movimento de (re)apropriação da África no Caribe e nos Estados Unidos por meio de analogias sobre a história bíblica do povo hebreu. De outro, tal distinção lança luz sobre as origens do importante papel que o protestantismo negro desempenhou na construção do horizonte semântico responsável por atribuir significado à noção de “diáspora africana”. Essa semiologia religiosa acompanha não apenas o pensamento de Crummell, mas atravessa, de maneira geral, o emergente pensamento pan-africanista daquele momento. Edward W. Blyden, Booker T. Washington, Marcus Garvey e J. E. K. Aggrey eram todos, inclusive Crummell, pastores metodistas de formação ( Ralston, 2010 [1985]).
O Antigo Testamento representou a possibilidade da construção de uma história de autoidentificação, esperança e, sobretudo, redenção. A história do exílio do povo hebreu na Babilônia; o Êxodo, o fim da escravidão e a fuga do Egito sob a figura salvadora de Moisés; e, por fim, o destino manifesto da Terra Prometida foram os acontecimentos narrados pelo Antigo Testamento que mais ressoaram no imaginário daqueles que se reivindicam filhos de Ham e descendentes de Cush. “O Egito tornou-se o nome da terra onde eles encontrariam a si mesmo: sua escravidão era idêntica àquela sofrida pelos Hebreus e um Moisés, que viria a nascer, os levaria de voltar para o Egito e a Terra Prometida de Canaan. A geografia da liberdade tomou ressonâncias hebraicas/judaicas” (Dufoix, 2017, p. 189; trad. minha).
Nesse sentido, devido à forte influência da história do povo hebreu na formação do imaginário negro-americano na luta pela libertação da escravidão e a redenção, a interpretação protestante, isto é, cristã, foi aquela a exercer a sua autoridade ao relacionar a África (Etiópia e Egito em particular) a Zion (Monte Sião), a terra prometida. Zion funcionava como um termo que traduzia a ideia de um futuro teleológico, o destino à liberdade e ao paraíso. “O Novo Mundo era o Egito, o Atlântico era o rio Jordão, enquanto a África tomou os atributos de Jerusalém, de Paraíso, ou Sião. De acordo com a crença popular entre os escravos, a migração da alma tinha a África como seu destino” (Dufoix, 2017, p. 190; trad. minha).
A conotação atribuída à África como Zion (paraíso e ponto de destino) vai desempenhar duas funções fundamentais naquele contexto. A primeira concerne à sua decisiva influência na fundação das primeiras igrejas negras de inclinação metodista, como a Free African Society (1816), a African Methodist Episcopal Church ( AME) e a Methodist Episcopal Zion Church ( AMEZ). A segunda foi a de transformar a África (especificamente, a Etiópia) na terra de Israel, isto é, no lugar designado por Deus para o povo negro escolhido (Raston, 2010 [1985]). No entanto, cabe chamar a atenção para o fato de que, num primeiro momento, o retorno para Zion (África em geral, Etiópia em particular) não necessariamente significava um retorno real. A noção de “retorno à África” estava geralmente associada a princípio com o despertar espiritual, visto como possibilidade de redenção da alma ( Fredrickson, 1995, p. 66-80). Será posteriormente, no final do século XIX, que o retorno de fato à África torna-se o desejo dos missionários negros norte-americanos ( Ralston, 2010 [1985]).
Dentre os grandes representantes missionários negros americanos do período, o bispo Henry McNeal Turner não hesitava em propor que “Deus levou o negro para a América e o cristianizou para que ele regressasse ao seu continente e o resgatasse” (Turner apudRalston, 2010, p. 887). Ainda em 1884, a African Methodist Episcopal Church ( AME) realizou um importante congresso com objetivo de delimitar a política dos americanos de cor em relação à África, inaugurando um sólido projeto missionário em relação ao continente. Diziam, por exemplo, que “se os negros americanos se dignassem tomar consciência de suas responsabilidades, estar à altura da tarefa que lhes cabe cumprir e empreender, de evangelizar a África em nome do Senhor, milhões de filhos da África que ainda estão por nascer verão um continente transformado” (Raston, 2010, p. 876).
Parte fundamental desse projeto consistia no fim do exílio e êxodo dos negros americanos no Novo Mundo, exortando seu retorno para o continente africano. Esse retorno à África era narrado e adquiria significado semântico sobre o solo religioso da Sagrada Escritura. De acordo com Nascimento (2008, p. 162164), junto de Martin R. Delany, o bispo Henry McNeal Turner (da AME), funda, em 1878, a Empresa Liberiana do Êxodo, contribuindo para o retorno de centenas de negros americanos para a Libéria no final do século XIX. Após uma visita à Libéria, em 1893, o bispo Turner, entusiasmado, escreve que é no continente africano onde o homem negro encontra a sua dignidade e a sua liberdade plenas (Raston, 2010, p. 877).
Assim como o Bispo Turner, o Reverendo Crummell também detinha a convicção de que os negros do Novo Mundo tinham uma responsabilidade para com a África. Segundo Crummell (1861, p. 16; trad. minha), os negros exilados foram “providencialmente, o depósito de uma nobre tarefa; da qual devemos ter orgulho e apreciá-la. Viemos a herdar essa língua (a língua inglesa) devemos conservar o seu espírito, bem como reter a sua mátria/essência”. No contínuo de seu discurso na Libéria, a língua inglesa (tomada como divina providência) é tanto aquela que possibilitaria a construção de uma unidade aos africanos (a ideia de uma África), quanto o lócus, junto com o cristianismo, do cultivo dos valores atribuídos aos seus ancestrais anglo-saxões, dos quais os africanos deveriam se apropriar: “o espírito de Independência, ambos, tanto o pessoal quanto o nacional; o espírito da livre expressão e da livre imprensa, o espírito da liberdade pessoal; o espírito da reforma e do desenvolvimento; o espírito empreendedor, o espírito da lei, do caráter moral e da beneficência espiritual” ( Crummell, 1861, p. 16).
Crummell (1860) posiciona a língua inglesa como a expressão mais bem-acabada do conjunto cultural que caracteriza seus ancestrais, o homem branco anglo-saxão, traço constitutivo de sua raça. No discurso aos cidadãos do condado de Maryland, além da semiótica religiosa e a filiação/pertencimento genealógica que ela professa, Crummell (1861) posicionaria o conceito de “raça”, embora não de forma tão articulada teoricamente, como veremos em Du Bois (2010 [1987], no centro de seu interesse e de sua perspectiva sobre a África. Esta continua sendo, na visão de Crummell, o destino manifesto (teleológico) dos negros, no entanto, agora como pátria da raça/povo negro. Isto é, a África se torna a pátria dos negros, não porque eles partilham necessariamente da mesma experiência histórica, ou, mesmo, porque enfrentassem a mesma ameaça colonial/imperial, mas em razão de pertencerem à mesma e única raça ( Appiah, 1997, p. 22). Crummell foi, segundo Appiah, possivelmente, um dos primeiros pensadores a falarem em nome da África como negro, organizando sua visão a respeito do continente em termos de uma origem racial comum. A África era pensada nos termos do nacionalismo do século XIX “como sendo (a pátria) um único povo [...] em certo sentido como uma unidade política natural” ( Appiah, 1997, p. 22), visão que inaugura a solidariedade política e moral (identidade) fundamental ao pan-africanismo.
Essa visão de Crummell (1861) acerca da raça e a força que ela desempenharia no estabelecimento de vínculos morais e éticos herdados por uma população pensada como relativamente compacta e homogênea, inclusive do ponto de vista cultural, são características que refletem o uso e os significados atribuídos à noção de “raça” no interior do mundo moderno e ocidental. A segunda metade do século XIX, contexto no qual Crummell escreve, é o ponto de chegada do processo no qual “raça” passa a ser uma nova referência conceitual possível para pensar as diferenças humanas, comportando-se como aspecto constitutivo do pensamento iluminista, culminando na biologização das diferenças.
Se, antes do século XIX, a noção de “raça” estava inscrita no campo semântico religioso, utilizada especialmente para designar linhagens sanguíneas, “raça” passaria, no século XIX, a referir-se a seres humanos que já não reivindicam estarem ligados por vínculos genealógicos ( Hofbauer, 2006, p. 102). Paulatinamente, fortaleceu-se um pensamento que colocaria em segundo plano a justificação religiosa e as explicações provindas da Bíblia, que viam a cor de pele negra como uma maldição herdada pelos filhos de Ham. Soma-se a essa mudança, quase que como um catalisador, o processo de consolidação da burguesia mercantil, a partir do século XVII, na Europa, que começou a produzir outros modos e mecanismos de inclusão e exclusão que não mais se baseavam na ética e na moral religiosas. Essa tendência, que estava intimamente associada à emergência do Estado Moderno e, mais tarde, do Estado-nação, enfatiza, agora, não mais qualquer suposição metafísica, mas a vontade coletiva (seja expressa na figura do soberano, seja na vontade ou no contrato social). Por outro lado, o processo de desencantamento do mundo (secularização) reposicionou o homem como parte da natureza, dando início à busca de critérios físico-naturais para caracterizar um indivíduo, um povo e/ou uma nação.
No transcorrer do século XIX, pode-se observar, portanto, que, a despeito das divergências e controvérsias a respeito dos sistemas de taxonomia e dos materiais que deveriam ser classificados (antropometria), a existência das raças humanas não era mais uma dúvida. “Raça” havia se tornado parte do vocabulário europeu, transformando-se no paradigma responsável por qualificar as diferenças humanas. Já na segunda metade do século XIX, as classificações raciais dissociaram-se de qualquer tipo de determinação climática, baseando-se, agora, impreterivelmente em critérios biológicos ou, mesmo, em estágios de evolução para determinar a natureza de cada grupo humano.
A ideia de que a raça biologicamente determinava a constituição física e as aptidões mentais vai encontrar nas formulações de Arthur de Gobineu (1816-1882), talvez a mais reconhecida teoria racialista da época, seu solo mais fértil ( Hofbauer, 2006; Schwarcz, 1993). Na sua tese Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1853-1855), Gobineau atribuiu ao comportamento fatores hereditários e de sangue. Entre os diversos argumentos que organizavam a sua teoria racialista, possivelmente aquele mais central, Gobineau sustentava, não diferentemente de Kant e de Hegel, que a história humana era uma história das raças, e que, a despeito de alguns grupos esforçarem-se para caminhar em direção à civilização, esta era inalcançável devido à sua condição inferior inata e irrevogável (Gobineau apudHofbauer, 2006, p. 125-127).
O seu pensamento tomaria notoriedade pelas suas ideias a respeito da degeneração das raças. Opondo-se, também, a Buffon, Gobineau entendia que a degeneração das raças não estava mais associada a alguma influência climática externa, que ocasionaria acidentalmente variações em relação ao modelo originário e de maior recorrência (branco). As ideias raciais e os esquemas evolucionistas do século XIX, assim como sugere Hofbauer (2006, p. 139), a despeito das suas diversas diferenças e da sua não linearidade, têm algo em comum: trata-se de tradições intelectuais (linhas de pensamento) que se desenvolveram num contexto de consolidação dos Estados-nação modernos. Um processo que, por um lado, formalizava as relações entre cidadãos e, por outro, tornava cada vez mais rígidas as fronteiras para aqueles que deveriam ser excluídos (especialmente os alhures racialmente inferiores). Sob essas pretensões, Crummell posiciona a África como a pátria do povo negro; no continente africano, o povo negro encontraria as condições para a realização de seu destino e história. Nota-se que não há, em Crummell (1861), uma apropriação mecânica das ideias raciais e da categoria genérica de “raça”. Se, esse fosse o caso, o destino amaldiçoado imposto à raça negra por autores como Kant, Hegel e Gobineau seria tomado como inexorável. É inegável que essas formulações tiveram, entretanto, um forte impacto, não apenas em Crummell, mas nos intelectuais negros da época. Porém, “conforme (Crummell) a sua visão as raças tinham a mesma capacidade moral ou cognitiva, sendo diferente apenas nas tarefas espirituais que lhes eram atribuídas” ( Hernandez, 2005, p. 141).
O passo seguinte em direção a uma mudança de percepção sobre a natureza do vínculo de pertencimento entre os africanos e seus descendentes, isto é, de uma concepção de filiação genealógica (religiosa) para uma concepção secular de pertencimento (racial), ocorreu, pode-se dizer, com o pensamento de Edward W. Blyden (1887; 1898). Não diferentemente de Crummell, Blyden detinha a convicção de que a África era o lugar onde a história e a civilização do povo negro realizar-se-iam. Isto significa dizer que “suas principais teses são desenvolvidas com base na historicidade da raça negra e nos atributos que lhe seriam inerentes, ambos elementos constitutivos de uma personalidade africana” ( Hernandez, 2005, p. 141; grifo do autor). Fato importante que subsidiou a formulação de Blyden, acerca da ideia de uma personalidade africana, foi a marcha de 1º de março de 1896, em Adwa, quando as tropas do Rei Menelik II resistiram e expulsaram os invasores italianos da Etiópia. Essa vitória atribuiu à Etiópia um eminente lugar no imaginário dos povos negros como o reino contemporâneo africano que reposicionou a promessa bíblica (Zion), demonstrando o poder do povo negro, e, desse modo, tornando-se o lugar de retorno, seja físico, seja imaginário ( Milkias; Metaferia, 2005).
Coincidentemente ou não, dois importantes acontecimentos sucedem-se após a vitória em Adwa, os quais tiveram uma forte influência sobre a proeminência da Etiópia como signo de redenção e força da raça negra. O primeiro é que, em 1896, Theodor Herzl publica o livro The Jewish State, no qual estabelece as bases para o Estado judeu. O segundo concerne ao fato de que, em 1897, organizou-se, na cidade de Basel (Suíça), de 29 até 31 de agosto, o 1º Congresso Sionista (Zionismo); e, duas semanas depois, em 14 de setembro, Henry Silverter Williams funda, em Londres, a African Association — instituição por meio da qual Du Bois, no já citado congresso pan-africanista de 1900, populariza o termo “pan-africanismo” (Dufoix, 2017, p. 200; Decreane, 1962, p. 14).
Desse momento em diante (final do século XIX), o sionismo 4 se torna uma importante fonte de referência para Edward W. Blyden (1887; 1898), mas também necessariamente para Marcus Garvey, Booker T. Washington e Du Bois. Influência esta que representou um deslocamento ainda maior em relação ao fundamento genealógico religioso de pertencimento. Não que a filiação descrita no Velho Testamento perderia totalmente a sua importância; no entanto, as referências utilizadas para a sua abordagem/interpretação começam a mudar e, cada vez mais, o sentido dado ao êxodo (solo narrativo sobre o qual as analogias entre as histórias do povo hebreu e dos negros do Novo Mundo são realizadas) passa a ser atribuído de acordo com a semiótica secularizada que acompanha o sionismo. Em outras palavras, “raça”, no moderno sentido que lhe foi dado (como elemento que determina biologicamente aptidões físicas, morais e intelectuais constitutivas de um povo ou nação), passa a ser a noção por meio da qual se pensa não só o pertencimento entre os africanos e os seus descendentes, mas, também, o papel a ser desempenhado pela África.
Num texto publicado dois anos após The Jewish State, de Herzl, intitulado The Jewish Questions(1898), Blyden escreve:
Tomei, e tomo, o mais profundo interesse possível na história atual dos judeus — especialmente no maravilhoso movimento chamado sionismo. A questão, em alguns de seus aspectos, é semelhante à que neste momento milhares de descendentes de África na América, ansiosos por retornar à terra de seus pais. Durante muitos anos tem sido privilégio e dever estudar a questão do ponto de vista da África. E como a história da raça africana — sua escravidão, perseguição, proscrição e sofrimento — se assemelha à dos judeus, fui conduzido também por um processo natural de pensamento e sentimento a estudar a grande questão agora presente nas mentes de milhares, senão milhões, de Judeus. (Blyden, 1898, p. 210-211; trad. minha)
O entusiasmo de Blyden em relação ao movimento sionista é mais que evidente. As analogias entre a história dos povos negros do Novo Mundo e o povo hebreu continuam comportando-se segundo a narrativa do Êxodo e o retorno à terra prometida. Mas o retorno a Zion agora não mais é interpretado, como vimos em Crummell, como um despertar espiritual ou como uma purificação do espírito. Trata-se, agora, do retorno real, de fato, à terra de Israel, à África, lar da raça negra e pátria de seu povo. A ideia de um nacionalismo negro elaborada por Blyden toma forma por meio da correlação entre a raça e a África, responsável por exaltar o orgulho das origens e da ancestralidade, isto é, elementos simbólicos característicos da formação dos Estados Nacionais no final do século XIX 5.
Contudo, por um lado, se o sionismo proporcionou, para Blyden, uma analogia adequada entre negros e judeus, oferecendo aos negros a possibilidade de uma narrativa secularizada para a elaboração do seu senso de pertencimento e o desejo de retorno à África, por outro lado, segundo outros autores, também influenciados pelas ideias sionistas, a ideia do retorno passava a ser tratada como uma impossibilidade, ferindo o cerne da analogia que acompanha o paralelo estabelecido entre judeus e negros, pelo menos desde o século XVIII (Dufoix, 2017, p. 202). Em diálogo com a influência exercida pelo sionismo, no final do século XIX e início do século XX, entre os intelectuais dedicados a compreender a experiência dos negros nos Estados Unidos (especialmente no Sul) e na África, o pesquisador Charles Victor Roman, no seu texto American Civilization and the negro (1916), afirmaria que o “tráfico de escravos fora a diáspora dos africanos, e os filhos dessa alienação tornaram-se parte permanente dos cidadãos da república americana” (Roman apud Dufoix, 2017, p. 203; trad. minha).
Essa afirmação de Roman, além de enfatizar o caráter necessariamente nacional da população negra que vive nos Estados Unidos, estabelece uma tensão em relação ao cerne da histórica analogia negro/judeu, capaz de questionar o aparentemente indiscutível desejo de retorno. Segundo Dufoix (2017, p. 203), trata-se de uma das primeiras vezes, se não a primeira vez, que o termo “diáspora” é utilizado literalmente para qualificar a experiência dos negros no Novo Mundo e, ademais, sendo operada como signo da ruptura causada pelo tráfico e da permanência (simbolizada pela ideia de “cidadania”) perene na República dos Estados Unidos.
A ideia do não retorno, sobre a qual Roman se posiciona, é parte de um movimento que se tornava cada vez mais amplo entre os negros nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX. A implicação fundamental desse posicionamento é a de que os negros deveriam permanecer e se apropriar da parte que lhes cabia na formação da América. Ainda segundo Dufoix (2017), a introdução do questionamento do (aparentemente indiscutível) desejo de retorno repercutiu como uma disputa que estruturou as perspectivas políticas e ideológicas dos negros nos Estados Unidos naquele contexto: “Na época, a emigração não era mais do sabor do dia: o movimento negro era amplamente estruturado em torno de duas posições opostas, ‘integracionismo’ e ‘separatismo’” (Dufoix, 2017, p. 204; trad. minha).
Du Bois e a dupla consciência: entre a América e a África
Alexander Crummell e Edward W. Blyden foram os encarregados por darem início às bases da ideologia pan-africanista e, nesse sentido, também aqueles que investiram na ideia e no desejo do retorno dos negros do Novo Mundo à África (a princípio simbólico, mas, de fato, objetivo). Foi, entretanto, William Edward Burghardt Du Bois o responsável não apenas por lançar as bases intelectuais e práticas do pan-africanismo ( Appiah, 1997, p. 53), como, também, aquele a defender a não migração dos negros americanos para a África (Dufoix, 2017, p. 225). Sobretudo Du Bois (2010 [1987], 1999 [1903]) foi o responsável por introduzir uma tensão incontornável no interior da identidade negra que, segundo autores como Gilroy (2001) e Gomez (2004), foi a grande responsável por abrir a via que proporcionou qualificar a experiência dos negros do Novo Mundo como “diaspórica”.
Du Bois foi um estudante brilhante. Formado pela Fisk University (uma universidade negra em Nashville) e, posteriormente, aceito pela Harvard University para estudar história, em 1897 passou a lecionar história e economia na Atlanta University e, junto com Crummell, no mesmo ano, funda a American Negro Academy. Ainda em 1897, Du Bois (2010) publica o texto/discurso The conservation of races (A preservação das raças), no qual inicia, a despeito da vasta carreira e da sua imensa produção, a sua coerente formulação a respeito das raças em geral, e da negra, em particular.
Segundo Du Bois (2010 [1897], p. 5), ainda no início de sua reflexão, a ideia de “raças” e o destino atribuído a elas sempre foi um uma questão de fundamental relevância e interesse pessoal para os negros americanos, e que, embora, “ele tenha [o negro], consequentemente, depreciado e minimizado as distinções raciais, acreditando intensamente que de um sangue Deus criou todas as nações”, as distinções raciais têm exercido uma grande influência sobre as suas “habilidades naturais, como para o seu status político, intelectual e moral”, e que “em nossos momentos mais íntimos devemos reconhecer que os seres humanos são divididos em raça” ( Du Bois, 2010 [1897], p. 5; trad. minha). Du Bois, portanto, é aquele que conclui a transição da filiação genealógica para a secular (racial).
Influenciado e, talvez, remontando a aspectos centrais da relação entre as tradições de ideias raciais e o pensamento iluminista ( Hofbauer, 2006, p. 106), Du Bois não concentra a sua análise, necessariamente, nos traços fenotípicos julgados como mais explicativos das diferenças raciais (tamanho do crânio, nariz etc.), mas nas diferenças que ele considera discretas e, no entanto, decisivas na taxonomia dos diferentes grupos humanos:
Embora essas forças sutis geralmente tenham seguido a clivagem natural do sangue comum, descendência e peculiaridades físicas, outras vezes foram varridas e ignoradas. Em todo o tempo, porém, eles dividiram os seres humanos em raças, que, embora talvez transcendam a definição científica, são claramente definidos aos olhos do historiador e do sociólogo. Se isso é verdade, então a história do mundo é a história, não dos indivíduos, mas do grupo, não das nações, mas das raças, e aquele que ignora ou procura substituir a ideia de raça na história humana ignora e substitui o pensamento central de toda a história. O que é, então, uma raça? É uma vasta família de seres humanos, geralmente de sangue e linguagem comuns, sempre de história comum, tradições e impulsos, que são muito voluntários, mas também involuntários, lutando juntos pela realização de um ideal de vida mais ou menos conscientemente concebido. ( Du Bois, 2010 [1897], p. 7; trad. minha)
Du Bois (2010), nesses termos, não se afasta absolutamente da concepção científica de “raça” 6 — isto é, como elemento que determina biologicamente aptidões físicas, morais e intelectuais —, pelo contrário, o seu movimento analítico, na realidade, se aproxima das formulações de autores como Kant e Hegel a respeito da relação entre “raça” e a filosofia da história. “Raça”, aqui, aparece como uma categoria sob um pano de fundo biologizado; entretanto, é tratada como uma noção sócio-histórica. Mais do que um grupo enlaçado por características físicas comuns, as “raças” eram, para o autor, comunidades espirituais e psíquicas que se expressam historicamente. Tal percepção contribuiu para o autor elaborar o senso de pertencimento e o projeto político que os negros deveriam seguir ( Du Bois, 2010 [1897], p. 9). Se, cada raça, à sua maneira, luta por “desenvolver para a civilização sua mensagem particular, seu ideal particular, que guiará o mundo cada vez mais perto dessa perfeição da vida humana por todos nós, que outrora distante do evento divino” ( Du Bois, 2010, p. 9), qual a mensagem que os Negros deveriam oferecer ao mundo?
Du Bois (2010), nesse sentido, dialoga criticamente com a Filosofia da História de Hegel, ao trabalhar com a ideia de que cada raça expressa de modo particular a sua contribuição para o desenvolvimento da civilização, sem, no entanto, supor uma hierarquia entre elas. Du Bois (2010), entretanto, leva mais adiante a reflexão ao tecer considerações acerca da condição dual da identidade dos negros nos Estados Unidos. Segundo o autor, os negros na sociedade americana experienciam o seu espírito de modo dividido, têm a alma cindida por uma condição dual entre a África e a América. De um lado, do ponto de vista das práticas religiosas, da língua e da nacionalidade, os Negros pertenciam à América; do outro, enquanto Negros, estavam intimamente ligados à sua raça e, portanto, à África.
Aqui, então, está o dilema, e é intrigante, admito. Nenhum negro que havia pensado seriamente na situação de seu povo na América falhou, em alguns casos na vida, em se encontrar nessa encruzilhada; não se perguntou em algum momento: o que sou afinal? Sou americano ou sou negro? Posso ser os dois? Ou é meu dever deixar de ser negro o mais rápido possível e ser americano? Se eu me esforçar como negro, não estou perpetuando a própria fenda que ameaça e separa a América do preto e branco? ( Du Bois, 2010 [1897], p. 11)
No seu clássico texto de 1903 (1999), As almas da gente negra, Du Bois sintetiza esse dilema sob o famoso conceito de “dupla consciência”, apresentando-o já no primeiro capítulo (“Sobre nossos embates espirituais”).
É uma sensação peculiar, essa dupla consciência, esse sentido de sempre olhar a si próprio através dos olhos dos outros, de medir um sentimento através da métrica de um mundo que o contempla com divertido desprezo e pena. É sentir sempre a duplicidade — ser americano, ser negro, dois ideais conflitantes, num corpo negro, impedido, apenas por obstinado esforço, de bipartir-se. ( Du Bois, 1999, p. 39)
Mais do que uma impactante reflexão sobre os embates espirituais (subjetivos) que interpelam aqueles cuja experiência é marcada pelo olhar do outro sobre si próprio, a noção de “dupla consciência” de Du Bois (2010 [1897], 1999 [1903]) representou um sensível deslocamento na oposição entre separatismo e integracionismo. A ideia de “dupla consciência” introduziu um termo suplementar nessa oposição ao estabelecer que, na sua experiência vivida na sociedade americana, o negro encontrar-se-ia sob uma condição dual entre a África e a América.
Cabe chamar a atenção que Du Bois (2010 [1897], 1999 [1903]) posiciona-se contra as propostas de emigração para a África promovidas, por exemplo, por Marcus Garvey, fundador da Associação Universal para o Avanço Negro ( UNIA), em 1914, e maior entusiasta do retorno de negros (especialmente, caribenhos e americanos) para a África. Todavia, o sociólogo, ainda assim, nutria uma grande admiração pelo sionismo. Em dois textos, o primeiro chamado The Negro’s Fatherland(1917), em que argumenta a favor da criação de um Estado Negro livre no Congo (África central), e, noutro texto, intitulado Not separatism(1919), em que estabelece uma analogia entre o movimento pan-africanista e o sionismo, Du Bois mostra-se profundamente influenciado pelo sionismo e reconhece a força do uso da raça como fundamento da sua solidariedade moral e ética.
Se as analogias com a história do povo judeu em geral foram narrativas que nutriram e cativaram o imaginário dos intelectuais negros ao longo do século XIX, não é menos verdade que, também entre os intelectuais judeus, houve aqueles que trataram e se comprometeram, de modo sistemático, com a questão negra. Franz Boas (1858-1942), judeu alemão, radicado nos Estados Unidos e reconhecido como pai fundador da Antropologia Cultural norte-americana, envolveu-se diretamente com Du Bois em pelo menos duas ocasiões. A primeira, em um seminário organizado por Du Bois na Universidade de Atlanta, episódio no qual ministrou as reflexões presentes no texto “ The Outlook for the American Negro” (1906 [1920]), e, posteriormente, em 1911, no First Universal Races Congress (Dufoix, 2017, p. 211).
Franz Boas, enquanto professor da Columbia University, também encorajou os seus orientandos a estudarem a questão negra e racial 7. Gilberto Freyre (1900-1987), Margaret Mead (1901-1978), Ruth Benedict (1887-1948) e, embora esquecido, mas não menos brilhante, Rüdiger Bilden (1893-1980) são alguns de seus orientandos que merecem destaque por terem trabalhado (alguns mais, outros menos) com as questões do negro e racial.
Todavia, o antropólogo judeu-americano Melville Herskovits possivelmente tenha sido o orientando de Boas que mais se envolveu com o trato da questão negra não só nos Estados Unidos, mas, também, no Brasil, no Haiti, em Benin, em Goa, na Nigéria e em Trinidad. Baseado nos trabalhos de campo realizados no Harlem, no início da década de 1920, e na Guiana Holandesa (atual Suriname), entre 1927 e 1928, Herskovits publica, em 1941, seu livro de maior repercussão: The myth of the Negro Past (O mito do passado negro). No referido livro, Herskovits elabora, pode-se dizer, uma narrativa não sobre um passado mítico e originário dos negros, mas, por meio dessas investigações de ordem empírica, constata aquilo que chamou de “ Africanism” (Africanismo) entre essas comunidades. Isto é, o antropólogo, para ficar em alguns temas, concentrou-se em estudar as permanências culturais africanas nas comunidades negras no Novo Mundo, seus padrões de organização e suas hierarquias, suas estruturas familiares, culturais, seus sistemas de crenças e seus rituais religiosos. Esse modo de teorização 8 direcionou a sua atenção para as consequências das sobrevivências africanas na comunidade negra do Novo Mundo, ou seja, aquilo que o autor chamou de “africanismos” ( Herskovits, 1941).
Trata-se, grosso modo, de uma importante contribuição para a hifenização (“negros-norte-americanos” ou “afro-americanos”) desse modelo de identidade e cultura que, pode-se dizer, teve início no pensamento de Du Bois e na sua noção de “dupla consciência”. Porém, ao reposicionar essas comunidades no interior do Estado-nação, tal formulação converge para as linhas gerais do projeto de integração/assimilação da Escola Sociológica de Chicago, no qual as elaborações de Herskovits estavam inscritas. As permanências e as heranças culturais africanas eram posicionadas no interior de um projeto mais amplo que se propunha a pensar a relação entre a cidade (entendida como sinônimo de relações sociais modernas e modernizantes) e os chamados grupos “raciais”, especialmente (no caso norte-americano) os negros, os irlandeses e os italianos. Autores como Melville Herskovits, Robert Park (1864-1944) e Donald Pierson (1900-1995) passariam a se interessar em compreender como determinados grupos sociais (raciais) experienciam esta nova ordem e o quanto eles são assimiláveis ou não à sociedade que estava sendo construída ( Damaceno, 2013, p. 65).
O caso é que as reflexões de Herskovits (1941) a respeito dos africanismos ainda presentes nas comunidades negras no Novo Mundo desempenharam um papel fundamental no dilema introduzido por Du Bois (2010 [1897], 1999 [1903]) e, portanto, na polarização da agenda política entre o separatismo e o integracionismo. A percepção de que as tradições culturais herdadas da África ainda continuavam a desempenhar importantes funções na (re)produção social das comunidades negras ofereceu um profícuo recurso semântico para a elaboração de uma identidade voltada para uma origem tida como comum, uma vez que não mais dissociavam essas comunidades (aqui, especialmente, a comunidade negra nos Estados Unidos) do seu pertencimento nacional.
O não resolvido dilema estabelecido por Du Bois (2010 [1897], 1999 [1903]) a respeito da alma cindida por uma condição dual entre a África e a América encontra nas elaborações de Herskovits (1941) o lastro para justificar e deslocar a metáfora da terra de origem e o retorno à África. Du Bois não nega nenhum dos três vínculos de pertencimento que organizam a solidariedade política e ética dos negros no Novo Mundo: a raça, a origem africana (África) e, agora, o Estado-nação. Entretanto, agora não é somente possível reivindicar o acesso à cidadania por meio da luta pelos direitos civis no interior do Estado norte-americano, como, também, permanecer focado na ideia de um orgulho racial, sem perder de vista a noção de um vínculo de pertencimento com o continente africano. O resultado dessa condição cindida e dual (dupla consciência) foi o reposicionamento da África (terra de origem), não mais necessariamente o destino manifesto do desejo de retorno.
Conclusão
Du Bois, nesse sentido, não teria usado em nenhum momento o termo “diáspora africana” para se referir à experiência coletiva dos negros nos Estados Unidos. Ainda assim, não raramente seu trabalho é avocado como o responsável por estabelecer as bases para o que hoje chamamos de “diáspora africana” ( Davies, 2008; Manning, 2010; Dufoix, 2017; Gomez, 2004; Gilroy, 2001). Nesse mesmo sentido, Dufoix afirma que Du Bois descreveu, ao longo de suas formulações, duas características fundamentais do conceito de diáspora africana: “uma análise da realidade do mundo negro/africano dispersa e o estabelecimento de um dualismo fundamental, associando a cidadania de um país e pertencendo a um mundo africano/negro, que Du Bois chama de dupla consciência” (Dufoix, 2017, p. 225). O decisivo impacto que, segundo o autor, deve também ser creditado a Du Bois diz respeito ao fato de que as suas formulações em relação à condição dual dos negros e à mudança da metáfora de terra natal (África) que elas ocasionaram representou a introdução de um ponto de tensão em relação ao modelo judeu de diáspora. O necessário vínculo com a terra de origem permanece como dimensão fundante de pertencimento; porém, o desejo de retorno é, desde então, muito mais associado a uma representação da África como lugar de origem do que, necessariamente, um real retorno.
No texto de abertura da clássica coletânea de Joseph Harris, Global dimensions of the African Diaspora, o histórico antropólogo negro Elliott P. Skinner (1993) publica The Dialectic Between Diasporas and Homelands, texto que, de acordo com o autor, entre outras teses, viria a estabelecer um dos principais pressupostos no estudo das diásporas africanas, isto é, a relação entre a África e suas diásporas, sempre deveria ser enquadrada por meio de uma visão contingente histórica. Deve-se, nesse sentido, reconhecer as negociações pertinentes a cada contexto específico onde essas comunidades se estabeleceram. Sob esses termos, é importante salientar que a nossa investigação das condições de emergência na noção de “diáspora africana” e a correlação que descrevemos entre África e diáspora refletem uma dada articulação circunstancial no tempo e no espaço. Isto posto, ante o conjunto das reflexões que aqui apresentamos, no artigo de encerramento, Diaspora Studies and Pan-Africanism, da mesma coletânea, St. Clair Drake (1993) reconheceria a importância do pan-africanismo na formulação da noção de “diáspora africana”, salientando que, a despeito dos diferentes temas e estudos apresentados ao longo dos textos, a agenda de luta contra o racismo e contra o colonialismo e a percepção de uma identidade articulada a partir de uma origem comum embasam o conjunto dos artigos e, portanto, também o caminho que percorremos até aqui.
Ainda assim, nos parece lícito dizer, como Gomez (2002, p. 177; trad. minha) sublinha, que Du Bois, devido ao seu “prodigioso corpo de trabalhos, que incluem novelas, poesias, peças, ensaios e estudos de história, sociologia e economia, claramente identifica Du Bois como um líder arquétipo do constructo daquilo que nós agora chamamos de Diáspora Africana”. Gilroy (2002, p. 33), no seu já clássico estudo sobre a diáspora africana Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência, trabalha com a formulações de Du Bois não somente para nomear seu texto e retomar, desde as linhas iniciais, o esforço que é ser, ao mesmo tempo, europeu e negro, mas, também, para qualificar a ideia de “teoria crítica negra”, a qual exige formas específicas de dupla consciência. Manning (2010, p. 31), outro proeminente estudioso da diáspora africana, sugere (a título de uma primeira introdução) como textos centrais para a compreensão da extensão da diáspora africana dois textos de Du Bois, a saber: The Negro (2005 [1915]) e The World and Africa ( 2007 [1947]).
Todavia, apesar da proeminência do pensamento de Du Bois, o termo “diáspora africana” é, de fato, utilizado pela primeira vez ( Davies, 2008; Dufoix, 2017) no contexto norte-americano, no trabalho dos pesquisadores John Gibbs Saint Clair Drake e Horace Cayton, The Black Metropolis: a study of negro life in a northetn City(1945). No citado capítulo intitulado The Great Migration: Black Diaspora, os autores narram a grande migração de, pelo menos, 100 mil negros sulistas para o norte, na região metropolitana de Chicago. O termo “diáspora”, portanto, tem o seu uso a princípio associado a um conjunto de estudos, nos anos 1940 e no início dos anos 1950, ligados a migrações internas que ocorreram nos Estados Unidos, marcadamente de negros sulista para o norte do país.
É, também, desse momento em diante que a noção de “diáspora africana” ganha o status de conceito, ao mesmo tempo em que passa a ser imbuída de novas linhas semânticas. Tal mudança está associada a causas de ordem política e teórica que, segundo a avaliação de vários estudiosos da diáspora africana ( Hamilton, 2007; Harris, 1993; Appiah, 1997), requalificaram a cultura política e a política negra em uma escola transnacional a partir da segunda metade do século XX. Essas mudanças, que trataremos em outra oportunidade, deslocaram ainda mais a diáspora africana do modelo judeu de diáspora, contribuindo para, nos anos 1960, a institucionalização dos Black Studies e, mais recentemente, sendo alçada como conceito capaz de disseminar a fixidez das identidades culturais/nacionais centradas e rejeitar as relações coloniais a que somos, implicitamente, alegam os teóricos pós-coloniais, convidados a aderir ao investirmos em tais modelos. Ademais, vale dizer que ambas as diásporas (judaica e africana) são recorrentemente classificadas como “diásporas clássicas” e, nessa ordem de ideias, modelos (chaves normativas) para outros grupos que se reivindicam diaspóricos atualmente ( Safran, 2015 [1991]; Cohen 2008).
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Notas
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