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Identificação organizacional entre funcionários públicos brasileiros: um estudo no setor cultural
Revista brasileira de gestão de negócios, vol.. 19, núm. 64, 2017
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado

Artigo


Recepção: 11 Julho 2016

Aprovação: 05 Janeiro 2017

DOI: 10.7819/rbgn.v19i64.3366

Resumo

Objetivo: Este estudo tem como objetivo compreender a identificação de funcionários públicos com as organizações em que atuam por meio da análise de seus determinantes e das suas consequências, para subsidiar políticas de gestão de recursos humanos nessas organizações.

Metodologia: O estudo se baseia em dados levantados em duas instituições públicas federais da área da cultura, denominadas neste estudo pelas metáforas “Jovem Executiva” e “Velha Senhora”. Para coleta dos dados, adotou-se um questionário estruturado, utilizado em ambas as organizações, respondido voluntariamente por colaboradores das empresas. Os modelos de mensuração e estrutural foram avaliados por meio da modelagem estrutural com Partial Least Squares (PLS).

Resultados: A análise dos dados indica que o alinhamento entre os valores do indivíduo e os valores da organização está associado à identificação dos funcionários com a empresa. Os resultados revelam que há maior identificação organizacional entre os funcionários da “Velha Senhora”, como consequência do maior alinhamento de valores individuais desses funcionários com os valores das organizações federais às quais estão vinculados. O nível de identificação dos funcionários influencia a cidadania organizacional e a intenção de sair da empresa.

Contribuições: O estudo contribui para a investigação de antecedentes da identificação organizacional entre funcionários de empresas públicas brasileiras, apresentando evidências que avançam o conhecimento sobre o tema e dão subsídios para a formulação de políticas de gestão no setor.

Palavras-chave: Identificação organizacional, alinhamento de valores, cidadania organizacional, rotatividade voluntária.

1 Introdução

Ao se observar a realidade brasileira, a gestão nas empresas públicas é frequentemente descrita como sendo caracterizada por rotinas impregnadas de princípios burocráticos de tecnicismo e mecanicismo, que predominam sobre uma visão administrativa mais moderna (Cavalcanti, 2005; Pires & Macedo, 2006). Tal foco em aspectos formais e em rotinas tem obscurecido a importância de aspectos humanos associados ao mundo do trabalho, e em particular à gestão de pessoas nesse contexto. A atenção aos aspectos subjetivos, particularmente aos vínculos de funcionários com suas organizações, por meio do estudo da identificação organizacional, de como ela ocorre e influencia os indivíduos e as organizações públicas (Ashforth, Harrison & Corley, 2008), pode, no entanto, contribuir para a promoção de políticas mais efetivas no que tange ao desempenho nessas empresas, ao favorecer a realização mais eficiente de suas missões e a geração de um clima mais positivo junto a seus funcionários (He & Brown, 2013).

Este estudo busca melhor compreender a importância da identificação organizacional entre funcionários públicos, por meio da análise de seus determinantes e de suas consequências. O objetivo central do trabalho é analisar se a identificação é influenciada pelo alinhamento de valores dos funcionários com os da empresa, se ela influencia o comportamento de cidadania e a rotatividade voluntária e se intermedeia a relação entre o alinhamento de valores e esses comportamentos. Embora a identificação de funcionários em organizações do setor público tenha sido tratada em estudo nas áreas de gestão executiva, como secretarias de Estado (ex: Marra, Fonseca & Marques, 2014), e de prestação de serviços, como a educação superior (ex: Santos, Vieira & Garcia, 2013), pesquisas que busquem analisar empiricamente as causas e os efeitos do nível de identificação organizacional de funcionários públicos são raras. Esse tipo de análise, porém, é importante para alcançar uma compreensão mais profunda sobre como esses vínculos são favorecidos e dimensionar sua relevância, e assim gerar subsídios mais robustos para fundamentar as políticas de gestão de recursos humanos nesse setor.

Esta pesquisa contribui nesse sentido e avança o campo teórico, ao propor que a identificação organizacional é influenciada pelo alinhamento entre os valores dos funcionários e os valores centrais da organização, e é um elemento chave na vinculação de funcionários com as organizações públicas, capaz de promover entre eles comportamentos que as tornam mais efetivas, especificamente seu engajamento em comportamentos de ajuda a pares e a sua intenção de permanecer na empresa. Essas proposições foram investigadas com base em dados levantados junto a funcionários de duas organizações públicas da área da cultura. Em função de suas características e da necessidade de manter discrição sobre sua identidade, neste trabalho essas empresas são referidas pelas metáforas da “Velha Senhora” e da “Jovem Executiva”. Os resultados da análise são discutidos em função de suas implicações teóricas e práticas, com recomendações para a gestão de pessoas nas empresas públicas brasileiras.

2 Referencial teórico

2.1 Identidade individual

A identidade humana é uma das noções mais fundamentais do que constitui essencialmente “ser” para nós mesmos e em relação ao mundo. Apesar de se compor no imaginário das pessoas e de ser criada em suas mentes, a identidade tem consequências concretas para os indivíduos e é reproduzida em suas ações e em seu discurso (Bauman, 2005). Giddens (2002) discute os aspectos da identidade humana como parte de um estilo de vida, composto por escolhas feitas por um determinado ator. Durante o processo de construção de um estilo de vida, diversas são as alternativas, e tais escolhas são influenciadas pelo contexto social. As variações de escolha entre um grupo de atores e outros geram simultaneamente processos de diferenciação e também de exclusão, à medida que esses atores buscam a própria segurança ontológica, isto é, “um sentido de continuidade e permanência ao se definir” (Giddens, 2002, p. 223).

O processo de identificação está na raiz da construção da identidade, pois, quando alguém se pergunta “Quem sou eu?”, está compondo sua identidade a partir daquilo que reconhece e acolhe como “seu” ou como parte de “si” (Bauman, 2005, p. 75). Assim, a identidade pessoal seria formada por um processo contínuo de identificação com diferentes elementos, sendo fruto de uma constante dinâmica de “estar” e “se tornar”; por isso, ela não seria predeterminada, nem estática no tempo (Jenkins, 2005).

Jenkins (2005) considera o processo de identificação como um mecanismo básico que as pessoas utilizam para se distinguir umas das outras; a formação da identidade se daria pela análise sistemática das suas semelhanças e diferenças em relação a outras pessoas e objetos. No processo de identificação individual, há predominância das avaliações de diferenças em relação aos outros, visando à delimitação daquilo em que “eu” sou diferente “deles”. No que diz respeito à identificação coletiva, o autor a relaciona às similaridades identificadas entre os indivíduos que compõem um grupo, de maneira que se possa ver o grupo como um todo coeso, que expresse a ideia de unidade.

Outros pensadores também refletem sobre a identidade na pós-modernidade e seus impactos nos diferentes contextos em que o indivíduo está inserido, entre eles o contexto organizacional. Hall (2005), por exemplo, acredita que as mudanças estruturais ocorridas na sociedade geraram o deslocamento e a fragmentação da identidade. Segundo Hall, o indivíduo era tido como sujeito uno, possuidor de uma identidade fixa. Na passagem para a pós-modernidade, contudo, estudiosos do assunto passam a se referir à fragmentação da identidade. Dessa forma, abre-se espaço para o surgimento de novas identidades, que podem ser multifacetadas e antagônicas, e que se manifestam no indivíduo conforme o contexto (Bauman, 1999).

Assim, autores têm discutido a identidade de um indivíduo como instável, mutante e, sobretudo, dependente de como o indivíduo está inserido em cada sistema cultural de que participa. Bauman (2005), por exemplo, apresenta a noção de múltiplas possibilidades de identidade, estabelecendo uma distinção entre as identidades escolhidas e as identidades impostas. No mesmo sentido, Ramarajan (2014) pontua que as identidades são múltiplas, destacando que tais categorias de identidades podem se revelar de forma conflitante e simultânea. Para Bauman (2005), contudo, é possível conviver e diminuir o conflito de acordo com o contexto e a maneira como os indivíduos vivenciam suas múltiplas identidades, ainda que, em alguns casos, elas se expressem de modo conflitante.

Central à identidade dos indivíduos, o autoconceito de uma pessoa inclui os diversos elementos que lhe são idiossincráticos, tais como seus interesses e características pessoais. Ele tem um papel essencial na estrutura interpretativa humana, em como as pessoas se sentem e se comportam nas diversas esferas da vida. O autoconceito constitui-se pelo conjunto de autodescrições e autoavaliações subjetivamente disponíveis ao indivíduo (Hogg & Abrams, 1988). Já as identidades sociais estariam associadas a seus grupos de pertencimento (Hogg, 1996), como detalhado a seguir.

2.2 Identidades sociais

Segundo Tajfel (1981, p. 255), a identidade social é “um sistema de orientação para criar e definir o lugar do indivíduo na sociedade”. A teoria da identidade social aprofunda questões associadas, por exemplo, a como um indivíduo incorpora à sua identidade o seu pertencimento aos grupos sociais. As pessoas tendem a se classificar, e aos outros, em várias categorias sociais, como membros de organizações, afiliações religiosas, por sexo e faixa etária, entre outros (Tajfel & Turner, 1986). O conjunto de categorias sociais das quais o indivíduo se sente membro compõe suas identidades sociais (Tajfel, 1978; Tajfel & Turner, 1986).

De acordo com a teoria da identidade social, é por meio da identificação que os indivíduos se definem como membros de categorias sociais que os ajudam a se diferenciar uns dos outros como indivíduos, bem como em relação aos aspectos que compartilham com os demais membros de seus grupos de pertencimento. Para Ashforth e Mael (1989), a categorização social tem duas funções: uma de segmentação cognitiva e outra de organização do ambiente social. Nesse sentido, o indivíduo é definido pelo arquétipo da categoria na qual é classificado (estereótipos) e pela classificação social que o habilita a se localizar no ambiente.

As identidades sociais, no entanto, são constituídas não somente pela representação que o indivíduo faz dele mesmo em seu ambiente social, referindo-se a diferentes grupos aos quais pertence, mas também aos grupos de oposição, aos quais não pertence. Observa-se que algumas identidades sociais tendem a ser consideradas mais positivas quanto mais o indivíduo se reconhece como pessoa estimada em função do grupo com o qual compartilha a sua identidade social (Adler, 1986; Machado, 2003). A teoria da identificação social desenvolvida por Tajfel (1978, 1981) e Tajfel e Turner (1986) apoiou o desenvolvimento posterior do conceito de identificação organizacional.

2.3 Identificação organizacional

De acordo com Sluss e Ashforth (2007), o estudo das identidades e da identificação nas organizações abriu caminho para diversas reflexões sobre como os indivíduos se definem e se colocam nos contextos organizacionais. A importância da identificação organizacional tem sido debatida na academia desde o final dos anos 1960 (Brown, 1969; Hall & Schneider, 1972; Kriekaard, 1993; Lee, 1971). Foi na década de 1980, entretanto, que o conceito se consolidou, a partir das proposições apresentadas por Ashforth e Mael (1996) com base na teoria da identidade social (Tajfel, 1978; Tajfel & Turner, 1986).

A identificação organizacional pode ser entendida como uma forma específica de identificação social (Ashforth & Mael, 1989), e seu surgimento se deve à necessidade do indivíduo de ser no mundo, de pertencer a grupos de forma relacional e comparativa, como descrito na seção anterior. A identificação organizacional seria uma das formas mais importantes de ligação dos empregados à organização (Araujo & Melo, 2015; Araujo & Tomei, 2013; Brown, 1969; Miscenko & Day, 2015; Rotondi, 1975), e de acordo com Pratt (1998), seria também um importante elemento na autodefinição dos indivíduos.

O sentimento de unidade e pertencimento definidor de si mesmo promovido pela identificação com uma organização se dá a partir da internalização de atributos organizacionais no autoconceito de um indivíduo (Ashforth & Mael, 1989). Dutton, Dukerich e Harquail (1994) afirmam que uma pessoa está fortemente identificada com uma organização quando a sua identidade como membro da organização se destaca em relação aos demais aspectos de sua identidade. Por isso, segundo Mael e Ashforth (1995, p. 110), “pessoas que se identificam podem ver a si mesmas como personificação da organização”.Pratt (1998) sugere que a identificação organizacional ocorre quando as crenças do indivíduo sobre a sua organização, e os elementos que a definem, se tornam autorreferenciadas, isto é, são incorporadas ao autoconceito e passam a definir também quem a pessoa é para ela mesma (Pratt, 1998).

Assim, ao identificar-se o indivíduo absorve as crenças sobre a organização em sua própria identidade - seu autoconceito incorporaria características que para aquele indivíduo definem a organização como um grupo social, passando a compor aquilo que “a pessoa é”, ou seja, fazendo parte de seu próprio “eu” (Jenkins, 2005). Esse conceito do “eu” definido como membro daquele grupo forneceria uma base para os efeitos da identificação sobre nossas percepções e atitudes. Quanto mais identificados com o grupo, mais as atitudes e o comportamento dos indivíduos são por ele governados (Davel & Machado, 2001).

As especificidades relativas à ligação indivíduo-organização também são exploradas por Elsbach (1998) na metáfora “a identificação como uma constelação estrelar”. Elsbach (1998) faz um paralelo entre os elos existentes entre as estrelas e a identificação das pessoas com diversos grupos sociais - aquelas que estão distantes de uma dada constelação não podem ser inclusas naquele conjunto de estrelas. Grupos sociais ou organizações cognitivamente distantes da identidade social do indivíduo podem não ser facilmente incorporados a sua identidade - assim como o padrão de identificação ou desidentificação com certas organizações. Sugere-se, então, que as organizações com identidades claras e focadas, ou seja, fortes, atraem alguns indivíduos e repelem outros, como as estrelas (Elsbach, 1998).

Kreiner e Ashforth (2004), apoiados nas ideias de Elsbach (1998) e em seu modelo expandido de identificação, sugerem que a ligação dos indivíduos com as organizações pode assumir uma de quatro diferentes condições: a identificação, a desidentificação, a identificação ambivalente e a identificação neutra. Segundo Elsbach e Bhattacharya (2001), a desidentificação ocorre quando um indivíduo define a si próprio como não tendo os mesmos atributos ou princípios que ele acredita que definem a organização, o que faz dela um grupo de contraste. Segundo os autores, a desidentificação não corresponde tão somente à ausência de identificação, mas é considerada um fator separado e único, ou seja, um estado psicológico particular de antagonismo. Assim, enquanto a identificação seria uma conexão tipicamente positiva do indivíduo com a organização, a desidentificação consiste em uma desconexão tipicamente negativa do indivíduo em relação à organização (Kreiner & Ashforth, 2004). A identificação neutra seria a ausência de uma ou outra dessas duas formas, e a ambivalente se constituiria na simultânea identificação e desidentificação do indivíduo com diferentes aspectos de uma mesma organização.

Os membros das organizações podem também se identificar com um amplo conjunto de entidades a ela pertencentes, como líderes e símbolos organizacionais, produtos, etc. (Pratt, 1998). Knippenberg e Schie (2000), partindo da perspectiva da identificação organizacional como identidade social proposta por Ashforth e Mael (1989), investigaram a importância relativa da identificação com o grupo de trabalho e da identificação com a organização. Os autores observam que ambas estão associadas com atitudes e comportamentos dos funcionários, e trazem benefícios à prática gerencial ao favorecerem maior envolvimento e maior adesão à equipe de trabalho.

É importante destacar ainda que, tal como apontado no estudo de Riketta (2005), o comprometimento e a identificação com uma organização são construtos associados, porém, independentes. A meta-análise conduzida pelo autor verificou empiricamente que o comprometimento organizacional afetivo e a identificação organizacional, embora correlacionados, são construtos distintos, particularmente quando a identificação é avaliada com métricas que enfatizam o senso de pertencimento e unidade (e.g., Ashforth & Mael, 1989), em detrimento da afetividade. Segundo Riketta (2005), nos estudos que assim mensuraram a identificação organizacional, ela se revelou um preditor mais forte do que o comprometimento do envolvimento com o trabalho e do desempenho contextual.

2.4 Construção das hipóteses de pesquisa

Segundo Weick (1995), a identificação está também pautada em crenças específicas dos indivíduos sobre as próprias organizações na medida em que com elas interagem. Segundo o autor, os processos de identificação seriam determinados por aspectos da identidade organizacional que dão sentido e são congruentes com a própria identidade individual. Como valores formam a base do modus operandi da empresa, e estabelecem quais comportamentos são esperados na organização, deduz-se que a abrangência da identificação dos indivíduos com um grupo pode ser afetada pela congruência entre valores pessoais e organizacionais.

O alinhamento entre pessoa e organização, também denominado P-O fit, discute a compatibilidade entre as características fundamentais da pessoa e aquelas definidoras da organização (French, Caplan & Harrison, 1982). A meta-análise de Kristof-Brown, Zimmerman e Johnson (2005) investigou de forma comparativa as relações entre pessoa-trabalho (PJ), pessoa-organização (PO), pessoa-grupo (PG) e pessoa-supervisor (PS) com atitudes e comportamentos anteriores e posteriores à contratação. Os pesquisadores observaram que, mesmo durante encontros de pré-entrada relativamente breves, as atitudes e decisões são fortemente influenciadas por vários tipos de ajuste. As atitudes sobre aspectos específicos do ambiente estavam mais fortemente relacionadas com o tipo de ajuste correspondente. A satisfação no trabalho foi mais fortemente influenciada pelo ajuste de PJ, o comprometimento organizacional pelo ajuste de PO, a satisfação com os colegas de trabalho pelo ajuste PG e a satisfação com o supervisor com ajuste de PS. Os resultados deram suporte adicional à noção de que indivíduos têm reações distintas a diferentes aspectos do ambiente de trabalho. As pesquisas posteriores nesse campo deram destaque à importância do alinhamento entre valores pessoais e valores culturais das empresas (Edwards, 2008) e diversos estudos sugerem que um bom alinhamento pode gerar benefícios para as empresas em termos das atitudes e comportamentos de funcionários (e.g. Andrews, Baker & Hunt, 2011).

Os valores de uma empresa podem ser percebidos pelos indivíduos no contexto organizacional ou serem construídos pela própria organização na medida em que reconhece para si a importância de assumir determinados princípios, favorecendo, junto aos funcionários, a noção de que tais valores fazem parte de sua identidade organizacional. A afinidade entre valores individuais e organizacionais já foi observada como um dos antecedentes mais influentes da satisfação com o trabalho, da intenção de deixar a organização e da rotatividade, mais até do que os valores individuais e organizacionais isoladamente (Dutton et al., 1994). Quando as interações no ambiente da empresa promovem a vivência de similaridade, objetivos partilhados, história em comum, entre outros, como ocorre quando há um grande alinhamento entre os princípios da pessoa e os da empresa, a identificação organizacional seria estimulada (Dutton et al., 1994). Desse modo, a congruência de valores promoveria a internalização do vínculo dos indivíduos com as organizações como uma referência identitária, tornando o pertencimento à empresa um elemento central na identidade dos indivíduos (Elsbach, 1998). Assim, é proposta a seguinte hipótese:

H1 - O alinhamento entre os valores do indivíduo e os valores da organização está positivamente associado à identificação dos funcionários com a organização.

Quando o indivíduo se torna um militante das crenças e dos valores da organização, tal grau de identificação pode ampliar o esforço e a voluntariedade expendidos no interesse dessa entidade e na dedicação do sujeito em nome da empresa, o que nos remete ao conceito de cidadania organizacional. O comportamento cidadão corresponde a iniciativas dissociadas da função, traduzindo-se em atos espontâneos que beneficiam o sistema organizacional, como oferecer-se para ajudar os colegas, ser voluntário em atividades especiais ligadas ao trabalho e ter iniciativa para sugerir soluções para os problemas (Knippenberg & Schie, 2000; Miscenko & Day, 2015; Organ, Podsakoff & Mackenzie, 2006; Podsakoff, Mackenzie, Paine & Bachrach, 2000).

A identificação favoreceria o sentimento de confiança interpessoal entre empregados, a internalização de normas e valores, a qualidade das práticas e os processos organizacionais, o desejo de permanecer na organização e a vontade de cooperar com o outro no ambiente de trabalho (Dutton et al., 1994). A afinidade dos indivíduos com os valores organizacionais parece estar associada ao civismo nas organizações (Porto & Tamayo, 2005).

De acordo com Cable e DeRue (2002), a identificação organizacional está relacionada a ajustes de atitudes e de comportamentos da pessoa em decorrência de sua conexão com a organização. Segundo os autores, essa identificação pode levar os funcionários a comportamentos de cidadania organizacional. Do mesmo modo, atitudes positivas dos empregados em relação à empresa, particularmente seu vínculo afetivo com ela, estimulariam comportamentos de cidadania organizacional (Siqueira, 2003).

A cidadania organizacional é um construto multidimensional (LePine, Erez & Johnson, 2002; Podsakoff, Ahearne & MacKensie, 1997), que engloba diferentes fatores, sendo seu componente interpessoal o comportamento de ajuda, ou altruísmo (Smith, Organ & Near, 1983). O altruísmo é um importante elemento na criação de sinergias em grupos de trabalho (Koys, 2001; Podsakoff et al., 1997). O alinhamento de valores entre pessoa e empresa, ao aproximar os indivíduos da organização e promover a identificação do funcionário com esta, também promoveria uma maior coesão entre indivíduos igualmente identificados com a empresa, dando ao grupo um senso de unidade e pertencimento, dessa forma fomentando a cooperação entre seus membros.

Assim, são propostas as seguintes hipóteses:

H2 - A identificação organizacional está positivamente associada ao comportamento de cidadania organizacional (altruísmo)

H3 - A identificação organizacional tem um efeito mediador na relação entre o alinhamento entre os valores do indivíduo-organização e o comportamento de cidadania organizacional (altruísmo)

Ao encontrar parte de seu referencial identitário na organização, o destino do indivíduo e o da empresa ficam entrelaçados pela relevância desse sentimento de pertencimento, o que gera força e intensidade ao vínculo entre indivíduo e organização (Ashforth & Mael, 1989; Mael & Ashforth, 1992). Assim, na medida em que o pertencimento se torna um elemento definidor de si mesmo para o indivíduo, a força da identificação com a empresa ampliaria seu desejo de permanecer a ela vinculado (Dutton et al., 1994). Pesquisas de campo realizadas em diferentes contextos têm sugerido que a identificação organizacional reduz a intenção de funcionários de deixarem as empresas e sua rotatividade voluntária (ex.: Cavazotte, Oliveira & Miranda, 2010; Mael & Ashforth, 1995; Van Dick et al., 2004). Ainda, tendo em vista que o alinhamento de valores pessoa-organização também está associado à rotatividade (Kristof-Brown et al., 2005), são propostas as seguintes hipóteses:

H4 - A identificação organizacional está negativamente relacionada à intenção do funcionário de deixar a organização.

H5 - A identificação organizacional tem um efeito mediador na relação entre o alinhamento entre os valores do indivíduo-organização e a intenção do funcionário de deixar a organização.

A Figura 1 sintetiza as hipóteses propostas neste estudo.


Figura 1:
Modelo e hipóteses

3 Metodologia

Este estudo se baseia em dados levantados em duas instituições públicas federais da área da cultura. As empresas nas quais o estudo foi realizado atuam prestando um serviço público de relevância social, notadamente relacionado ao fomento da cultura no país. Destaca-se que as organizações foram selecionadas porque guardam grandes similaridades em termos de sua finalidade e natureza, embora difiram no que tange à forma de atuação. Recorre-se ao uso de metáforas para designá-las, primeiramente, para descrever e fazer entender suas características distintivas, omitindo-se, porém, a identidade das duas instituições analisadas. As metáforas funcionam também como recurso para ampliar horizontes diante dos diferentes conjuntos de princípios e valores que apresentam - conceitos explorados neste estudo de campo - e que, como visto anteriormente, têm um papel central na formação de suas identidades institucionais.

A primeira organização é responsável por proporcionar informação cultural nas diferentes áreas do conhecimento humano, com base na produção intelectual brasileira e nas obras mais significativas da cultura estrangeira. Em sentido amplo, trata-se de um museu que reúne a produção de diversos campos culturais. É espaço de preservação da memória, de registros escritos e iconográficos, e busca também democratizar o acesso à informação. Essa organização é tratada neste estudo pelo uso da metáfora da Velha Senhora , pois se destaca pela tradição, sendo uma instituição centenária, que contribui para a manutenção e o acesso à produção cultural do país.

A segunda organização em estudo é um órgão regulador, cujo objetivo é fomentar a produção, distribuição e exibição de obras pertinentes a sua finalidade, em seus diversos segmentos de mercado. E, ainda, apoiar a capacitação de recursos humanos e o desenvolvimento tecnológico do setor e zelar pelo respeito ao direito autoral de obras nacionais e estrangeiras. Mais recentemente vinculada ao Ministério da Cultura, é tratada neste estudo pelo uso da metáfora da Jovem Executiva , pois se destaca como inovadora nos mecanismos e processos de gestão. Exerce um papel importante no crescente desenvolvimento da indústria cultural brasileira.

As organizações em estudo atuam no território nacional. Participaram desta pesquisa funcionários que atuam em suas unidades localizadas no Rio de Janeiro. No período de realização dessa pesquisa, a Velha Senhora contava com 632 colaboradores e a Jovem Executiva com 375, considerando o quadro permanente das organizações (servidores públicos em exercício), funcionários terceirizados, cargos comissionados e funcionários cedidos por outros órgãos distribuídos nas cidades citadas. A evolução da força de trabalho da Velha Senhora apresenta crescimento discreto e uma forte tendência a se manter. De forma distinta, a Jovem Executiva apresenta um crescimento progressivo na composição de sua força de trabalho.

3.1 Coleta de dados

Para coleta dos dados, adotou-se um questionário estruturado, utilizado em ambas as organizações, respondido voluntariamente por colaboradores das duas empresas. Além de itens sobre dados demográficos, os questionários incluíram versões em português de instrumentos específicos para levantar as variáveis em estudo: 1) para o alinhamento entre os valores do indivíduo e os da organização, foi utilizado o instrumento Perceived Person-Organization Fit, desenvolvido por Cable e Judge (1996), que utiliza escala Likert variando de 1 “de forma nenhuma” a 5 “completamente”, para responder a três questões. Um exemplo de questão é: “Até que ponto você percebe que há alinhamento entre seus valores e os da [nome da instituição]?; 2) a identificação organizacional foi avaliada através da escala desenvolvida por Mael e Ashforth (1992), composta por seis sentenças, com escala variando de 1 “de forma nenhuma” a 7 “completamente”. São exemplos de itens “Quando alguém critica minha organização é como se estivesse me criticando” e “O sucesso da [nome da instituição] é como se fosse meu sucesso pessoal”; 3) a cidadania organizacional foi avaliada com a escala de Smith et al. (1983), que é composta por 16 afirmativas, tendo sido utilizada neste estudo a subescala correspondente à dimensão altruísmo, que totaliza sete itens respondidos com escala de frequência variando de 1 “Nunca” a 7 “Sempre”. São exemplos de itens “Ajudo os colegas de trabalho em suas tarefas quando estão ausentes” e “Dou sugestões para melhorar o trabalho do departamento”; 4) a intenção dos funcionários de permanecer na organização foi avaliada segundo Mitchell, Holtom, Lee, Sablynski e Erez (2001), utilizando três itens independentes acerca dessa questão, com uma escala de resposta variando de 1 “muito improvável” a 5 “muito provável”.

Do ponto de vista temporal, a pesquisa foi realizada em um corte transversal. Foram distribuídos aleatoriamente 240 questionários: 120 entre os colaboradores da Velha Senhora, ou seja, 19% do total de funcionários daquela organização, e 120 entre os colaboradores da Jovem Executiva, ou seja, 32% dos funcionários daquela organização. Os questionários foram respondidos de forma anônima, e depositados pelos participantes em um envelope direcionado aos pesquisadores. O índice de resposta, 74,2% na Velha Senhora e 70% na Jovem Executiva, foi considerado satisfatório. Excluiu-se um único caso dos 173 colaboradores respondentes da pesquisa, em razão do preenchimento incompleto do questionário, totalizando assim 172 questionários válidos.

Quanto ao perfil dos participantes, cerca de metade dos funcionários das duas empresas que participaram da pesquisa atuam na área fim (55% na Velha Senhora e 50% na Jovem Executiva). Quanto ao gênero, 64% dos participantes da Velha Senhora e 40% da Jovem Executiva são mulheres. A idade média dos participantes da Velha Senhora é de 42 anos, e na Jovem Executiva, de 36 anos.

4 Análise de resultados

Após o recebimento dos questionários das duas organizações em que se empreendeu a pesquisa, os dados foram tabulados para que as análises estatísticas pudessem ser realizadas. A fim de investigar diferenças sistemáticas entre as empresas nas variáveis em estudo, foi criada uma variável dummy correspondente à empresa a qual pertence o funcionário, assumindo valor “1” para funcionários da Velha Senhora e “0” para funcionários da Jovem Executiva. Essa variável foi incluída como fator exógeno no modelo analisado. Foram também computadas as variáveis gênero (“1” feminino, “0” masculino), idade, tempo de empresa e nível de instrução, todas utilizadas como variáveis de controle nas análises do estudo, a fim de considerar seus efeitos ao analisar as relações entre variáveis do modelo. A Tabela 1 apresenta as correlações de Pearson entre as variáveis de interesse no estudo.

Tabela 1:
Correlações entre as variáveis

As análises subsequentes foram realizadas utilizando a modelagem com estimação PLS (Partial Least Squares). Nesse ambiente, o modelo de medida é avaliado por meio de uma análise fatorial confirmatória (Confirmatory Factor Analysis, CFA) de acordo com o método de Wetzels, Odekerken-Schröder e Van Oppen (2009). Os resultados foram analisados quanto a sua aderência aos critérios de validade convergente e discriminante propostos por Chin (2010): cargas altas e significantes das variáveis observadas em suas respectivas variáveis latentes e baixas nas demais variáveis; valores de variância média extraída (Average Variance Extracted, AVE) iguais ou superiores a 0,50; valores de confiabilidade composta (Composite Reliability, CR) iguais ou superiores a 0,70; e a raiz quadrada do AVE de uma variável latente maior que as correlações dessa variável com as demais.

Os resultados das análises confirmatórias indicaram que o modelo de medida do estudo teve validades convergente e discriminante adequadas. A tabela 2 apresenta os resultados dessa etapa da análise de dados.

Tabela 2:
Resultados: modelo de mensuração

Uma vez que os dados utilizados na análise das hipóteses em estudo foram coletados por meio do mesmo método e mesma fonte de informação, foi avaliado o grau de variância do método comum ou common method variance (CMV) presente na amostra. Os resultados do Teste de Harman (Malhotra, Kim & Patil, 2006; Podsakoff & Organ, 1986) indicaram a presença de cinco fatores claramente distintos pela estrutura simples na matriz padrão (alinhamento, identificação, altruísmo-indivíduos, altruísmo-organização e intenção de sair), que juntos explicaram 70% da variância na amostra. Uma vez que o fator com maior autovalor (identificação) explicou apenas 32% da variância (menos de 50% da variância total), pode-se concluir que é pouco provável que a CMV tenha enviesado substancialmente os resultados observados.

A análise subsequente buscou avaliar a qualidade do modelo teórico em teste por meio da verificação da significância dos coeficientes observados nas equações correspondentes ao modelo estrutural e da proporção de variância explicada (R2) para as variáveis latentes endógenas (Chin, 2010; Hair, Sarstedt, Ringle & Mena, 2012; Urbach & Ahlemann, 2010). A significância estatística dos coeficientes estimados foi avaliada por meio da técnica de bootstrapping, com amostra igual a 172 e o número de reamostragens igual a 500. A Figura 2 apresenta os resultados obtidos na análise das hipóteses do estudo.


Figura 2:
Resultados: modelo estrutural
Nota. a Velha Senhora = 1 Jovem Executiva = 0 *** p < 0,001, ** p < 0,01, *p < 0,05

O modelo explicou 26% da variância da variável latente de interesse central, a identificação organizacional, apresentando um R2 de 0,26. A variável dummy Empresa, que indicava se o respondente é servidor da Velha Senhora ou da Jovem Executiva, teve um efeito positivo e estatisticamente significante no alinhamento de valores indivíduo-organização (βEmpresa-AV = 0,18; p < 0,05). Observou-se, portanto, que os funcionários da Velha Senhora tendem a apresentar um maior alinhamento de valores com a empresa na qual estão alocados do que aqueles que atuam na Jovem Executiva. Observou-se ainda um efeito indireto da variável Empresa na identificação organizacional mediado pelo alinhamento de valores, também estatisticamente significante (βEmpresa-AV-ID = 0,08; p < 0,05). Esse resultado indica que há maior identificação organizacional entre os funcionários da Velha Senhora, e que esta diferença está associada ao maior alinhamento de valores indivíduo-organização naquele grupo.

Conforme esperado, o alinhamento de valores teve um efeito positivo e estatisticamente significante na identificação organizacional (βAV-ID = 0,47; p < 0,001), dando suporte empírico a H1. A identificação organizacional teve uma influência direta e positiva no comportamento de cidadania organizacional (altruísmo) e na intenção do funcionário de sair da empresa (transferência). O efeito estimado da identificação no altruísmo foi positivo e estatisticamente significante (βID-CO = 0,33; p < 0,001), e o efeito estimado da identificação na intenção de transferência foi negativo e estatisticamente significante (βID-IS = -0,39; p < 0,001). Dessa forma, conclui-se que as hipóteses H2 e H4 obtiveram suporte empírico no estudo. O alinhamento de valores também apresentou efeitos indiretos similares e significantes nas variáveis cidadania organizacional e intenção de sair da empresa (βAV-IO-CO = 0,15; βAV-IO-IS = -0,17; p < 0,001), assim confirmando as hipóteses H3 e H5. Observou-se, desse modo, que o efeito do alinhamento de valores nos comportamentos de interesse se dão por via da maior identificação organizacional dos funcionários com suas respectivas empresas.

Vale notar, ainda, que foram observados efeitos diretos positivos do tempo de empresa na identificação organizacional (βTempo-IO = 0,15, p < 0,05) e efeitos indiretos negativos do tempo de empresa na intenção de ela sair, intermediados pela identificação organizacional (βTempo-IO-IS = -0,06, p < 0,05). Conclui-se, portanto, que o tempo de vínculo com a empresa está associado à maior identificação do funcionário com a mesma, e consequentemente, com sua intenção de nela permanecer.

5 Discussão

Os resultados deste estudo permitem afirmar que a identificação organizacional de funcionários públicos da área da cultura é um elemento relevante associado a suas atitudes e comportamentos nas organizações em que atuam. O estudo apresenta evidências de que o alinhamento entre os valores desses indivíduos com os de suas organizações está associado a sua maior identificação com essas empresas, e que a identificação organizacional está associada positivamente com o comportamento de ajuda a pares e negativamente com a intenção dos funcionários de saírem voluntariamente das organizações em questão.

A literatura sobre identificação é diversa e extensa. Observa-se que as diferentes tentativas de clarificar esse fenômeno alcançam formulações que tratam desde seus diferentes foci até seus diversos antecedentes e consequentes. As observações deste estudo estão alinhadas com as perspectivas que enfatizam a importância da identificação organizacional como elemento central na vinculação dos indivíduos com as empresas e como força motriz de sus esforços no trabalho (Andrews et al., 2011; Dutton et al., 1994; Knippenberg & Schie, 2000; Kristof-Brown et al., 2005; Miscenko & Day, 2015; Weick, 1995). As compreensões subjetivamente construídas dos indivíduos sobre quem são e desejam se tornar dentro e fora das organizações parecem estar implicadas e ser importantes para dar sentido a seu comportamento.

A análise dos dados indica que o alinhamento entre os valores do indivíduo e os valores da organização está associado à identificação dos funcionários com a organização. Os resultados revelam que há maior identificação organizacional entre os funcionários da Velha Senhora, como consequência do maior alinhamento de valores individuais desses funcionários com os valores das organizações federais às quais estão vinculados. Além disso, os resultados revelam que a identificação organizacional tem uma influência direta no altruísmo entre funcionários públicos, uma das dimensões da cidadania organizacional de maior impacto no desempenho em grupos de trabalho. A identificação também está inversamente relacionada à intenção do funcionário de sair da empresa, que se reduz quando ele incorpora o vínculo à organização pública s sua identidade. Os achados encontrados nesta pesquisa ainda corroboram e expandem os resultados do estudo de Cable e DeRue (2002) sobre a importância do ajuste de pessoa-organização na raiz de atitudes e comportamentos dos funcionários que favorecem as empresas.

Observou-se que, apesar de as duas organizações públicas em estudo terem a mesma natureza e missões relativamente similares, elas se diferenciam em termos da abrangência de seus papéis (mais focado na conservação e disseminação cultural na Velha Senhora e no controle e fomento cultural na Jovem Executiva), de sua maturidade (maior na Velha Senhora) e sua estrutura de gestão (mais empresarial na Jovem Executiva), o que nos levou a compará-las nesta investigação. Essas e outras diferenças dão margem à formação de valores organizacionais relativamente distintos nas duas empresas. Os resultados deste estudo indicam que há um maior alinhamento de valores entre os funcionários da Velha Senhora do que entre os da Jovem Executiva, e que esse alinhamento explica parte das diferenças observadas no nível de identificação organizacional no conjunto de funcionários públicos estudado e suas consequências.

Além disso, nesta pesquisa as análises sobre a relação da identificação organizacional com as atitudes e intenções dos funcionários levaram em conta o efeito da empresa de vinculação (Velha Senhora ou Jovem Executiva), bem como do tempo de vínculo, idade, gênero e nível de instrução do funcionário. Assim, pode-se dizer que os resultados observados representam a contribuição incremental da identificação organizacional sobre as atitudes e comportamentos analisados, isto é, acima e além das diferenças que possam existir entre as duas organizações estudadas e dos fatores demográficos. Assim, e conforme demonstrado na análise estrutural, é importante ressaltar que apesar de o alinhamento e a identificação serem mais fortes entre os funcionários de uma das empresas, a influência desses fatores nas atitudes e comportamentos dos funcionários independe da empresa em que atuam, ou seja, a despeito das diferenças observadas entre as empresas, a magnitude do alinhamento e sua consequente identificação são antecedentes relevantes dos comportamentos estudados para os funcionários das duas organizações.

6 Conclusão

Como notado por Giddens (2002), o processo de construção identitária se realiza pelas escolhas e decisões pessoais do indivíduo, as quais têm reflexo em todos os contextos sociais de que este participa. As observações desta pesquisa remetem ao que foi proposto por Scott e Lane (2000), isto é, que a identificação organizacional se intensifica na medida em que há um alinhamento maior entre os valores do indivíduo e os da própria organização. Esse achado reforça a noção de que o alinhamento de valores fortalece a identidade pessoal e dá maior integridade e segurança ontológica ao indivíduo, e assim favoreceria a identificação organizacional.

Verificou-se que o fortalecimento da identificação organizacional está associado ao esforço expendido pelos funcionários para ajudarem uns aos outros e à organização pública a que servem, bem como à sua retenção nessas organizações (Dutton et al., 1994). Nesse sentido, quando considerado nos processos de gestão de recursos humanos, o fenômeno da identificação pode contribuir de forma efetiva para a gestão de funcionários nas empresas públicas brasileiras. Uma vez que a identificação está associada ao sentimento de adesão e introjeção de objetivos organizacionais, sendo fruto dos vínculos sociais entre os indivíduos e essas organizações (Vanderberg Self & Seo, 1994), ela parece ser merecedora de maior atenção por parte da gestão nas demais organizações públicas, desse e de outros segmentos.

Ao analisarmos as consequências da identificação organizacional, observamos que ela parece ter um papel importante como alavanca do comportamento cidadão, sendo desse modo relevante na formação de uma forte consciência do papel que esses servidores têm a desempenhar, necessário à manutenção de um serviço voltado às necessidades da população. Ainda em relação às consequências da identificação, a investigação confirmou sua relação invertida com a intenção de deixar a organização, indicando sua importância para a gestão da rotatividade nas empresas públicas.

Este estudo, no entanto, tem algumas limitações, como a inexistência de uma análise mais subjetiva dos processos de identificação, que permitisse estabelecer que características específicas ou valores de cada organização são relevantes para o maior ou menor alinhamento dos valores com seus funcionários. Além disso, a medida de alinhamento de valores apresenta três itens gerais e os dados correlacionados foram recolhidos de apenas duas empresas, limitações que restringem discussões específicas sobre a natureza dos valores em questão e a generalização das observações para outras empresas. Com isso, sugere-se que mais estudos sejam realizados para melhor esclarecer como a identificação organizacional se desenvolve ou se modifica ao longo do tempo de permanência dos funcionários no exercício de suas funções, recomendando especial atenção à institucionalização de valores organizacionais e a investigação de valores específicos como determinantes de alinhamento e/ou maior identificação entre funcionários públicos. Observa-se que a operacionalização da cidadania se centrou apenas no altruísmo, fato que dificulta sua generalização para os outros componentes e dimensões de cidadania. Desse modo, esse aspecto pode ser considerado uma limitação que abre caminho para outras análises do constructo cidadania em pesquisas futuras. Considera-se, ainda, como fator limitador, o caráter transversal do estudo. A realização de estudos longitudinais poderia favorecer a verificação de relações de causalidade entre alinhamento, identificação organizacional e consequentes atitudes e comportamentos de funcionários.

Sugere-se que estudos futuros investiguem também os efeitos da identificação no desempenho formal de funcionários públicos e suas áreas de trabalho, bem como sobre a qualidade do serviço percebida pelos clientes desses setores. Adicionalmente, buscando expandir os temas de estudo potenciais ligados à identificação, estudos futuros poderiam avaliar a identificação organizacional como variável moderadora em pesquisas relacionadas a envolvimento, engajamento ou cidadania dos funcionários tanto em empresas públicas quanto privadas, tal como sugerido no estudo de Tavares, Van Knippenberg e Van Dick (2016). Refletindo ainda na perspectiva da gestão pública, uma proposta de estudo futuro seria avaliar como o senso de justiça e políticas de recursos humanos específicas em empresas públicas influenciam a identificação organizacional - elementos já apontados pela literatura como potenciais fatores no fortalecimento e no esfriamento dos vínculos de pertencimento nas empresas. Avaliar como esses fenômenos se desdobram no tempo e por meio das interações e experiências vividas nessas organizações também merece destaque, para assim permitir uma compreensão global e dinâmica dos vínculos de funcionários da gestão pública brasileira, e avançar o conhecimento sobre o tema da identificação e seu impacto nesse contexto organizacional. Por fim, recomenda-se que investigações complementares sejam realizadas para explorar implicações da desidentificação organizacional e do desalinhamento de valores em ambientes da administração pública regidos por normas mais ou menos rígidas, e com variações nos níveis de burocracia e participação nas decisões dos servidores.

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Contribuição dos autores:




Notas

2 Avaliado pelo sistema: Double Blind Review

Notas

Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXXVIII Encontro da ANPAD - EnANPAD 2014 (Rio de Janeiro - Brasil), realizado entre os dias 14 e 17 de setembro. Para esta versão, o artigo teve trechos atualizados.

Autor notes

Editor responsável: Prof. Dr. João Maurício Gama Boaventura
1. Flávia de Souza Costa Neves Cavazotte, Doutora em Administração, Virginia Universidade Commonwealth, EUA. E-mail: flavia.cavazotte@iag.puc-rio.br
2. Fábio Francisco de Araujo, Doutor em Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: fabiofdearaujo@gmail.com
3. Ana Lúcia de Abreu, Mestre em Administração, Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, Brasil. E-mail: anadesign@ig.com.br


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