Carta
Desafios e oportunidades para construir um programa de saúde e segurança da trabalhadora e do trabalhador do SUS
Challenges and opportunities for building a health and safety program for SUS workers
Received: 26 June 2024
Revised document received: 16 September 2024
Accepted: 02 December 2024
As trabalhadoras e os trabalhadores do SUS desempenham um papel essencial na garantia da saúde e bem-estar da população brasileira. No entanto, enfrentam uma série de desafios que comprometem sua saúde e segurança, como: insatisfação, acidentes e adoecimento devido à falta de medidas adequadas de proteção nos ambientes e processos de trabalho1. Esse cenário se agrava pela ausência de ações sistemáticas de atenção à saúde e segurança dos trabalhadores, que muitas vezes não são incorporadas de forma planejada e estruturada pela gestão do Sistema Único de Saúde (SUS)2.
Atualmente, o SUS emprega cerca de 4 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, representando aproximadamente 10% da população empregada formalmente. Esse contingente inclui desde profissionais da saúde, como enfermeiros e médicos, até trabalhadores de áreas de apoio, como condutores de ambulância e serviços de limpeza. A diversidade de modelos de gestão e de vínculos empregatícios, que abrange contratos estatutários, temporários, celetistas e terceirizados, entre outros, reflete a complexidade e a fragmentação das relações de trabalho no sistema3.
Desde a sua criação, o SUS enfrenta grandes desafios para sua consolidação, exacerbados pela vinculação ao mercado e pela ofensiva neoliberal que promove a privatização da saúde pública. Esse processo não somente privilegia hospitais e seguros de saúde privados, mas também resulta na precarização dos serviços e das condições de trabalho, impactando negativamente tanto os usuários quanto os trabalhadores do SUS4.
A saúde desses trabalhadores é gravemente comprometida por uma variedade de riscos ocupacionais. Profissionais do SUS estão expostos a patógenos perigosos, substâncias tóxicas, radiação, ruído excessivo e condições que levam a distúrbios osteomusculares. Além disso, enfrentam estresse crônico e sobrecarga emocional, o que contribui para alta prevalência de transtornos mentais, como a síndrome de burnout. Os riscos de acidentes, como lesões por perfurocortantes, também aumentam a vulnerabilidade desses trabalhadores, evidenciando a necessidade urgente de implementação de medidas preventivas e fortalecimento das normas de segurança e saúde1.
Nesse contexto, o Governo Federal reafirma seu compromisso com o trabalho decente e digno, destacando a saúde e segurança dos trabalhadores do SUS como uma de suas prioridades. Para tanto, está em desenvolvimento o Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde e Segurança da Trabalhadora e do Trabalhador do SUS (PNAIST/SUS), que busca promover a saúde e prevenir doenças e agravos relacionados ao trabalho, além de oferecer assistência à saúde e promover a saúde mental desses profissionais5.
O PNAIST/SUS adota como modelo a saúde do trabalhador e como princípio o controle social, fortalecendo a formação de comissões locais e fóruns de trabalhadores para garantir a participação ativa destes nas decisões que afetam suas condições de trabalho. Essa participação é um componente fundamental do sistema de governança do programa, assegurando que as políticas sejam eficazes e alinhadas com as necessidades reais dos trabalhadores6.
Para coordenar a elaboração e implementação do PNAIST/SUS, o Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS), em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), aprovou na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) a criação de uma Comissão Técnica (CT). Esta comissão, instituída pela Portaria do Gabinete da Ministra do Ministério da Saúde (GM/MS) nº 3.115, de 24 de janeiro de 2024, inclui representantes de todas as secretarias do MS, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de outras entidades, além de convidados como o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego5.
A elaboração do PNAIST/SUS está sendo realizada de forma participativa, democrática e ascendente. Neste sentido, além das reuniões da CT, foram realizadas oficinas em todos os estados e no Distrito Federal, em parceria com o Grupo de Pesquisa GERIR da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Nessas oficinas, representantes de Conselhos de Saúde, Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, sindicatos, distritos sanitários especiais indígenas, universidades, gestores e trabalhadores do SUS discutem e identificam prioridades para o programa, que são, então, traduzidas em objetivos, diretrizes e linhas de ação7.
Entretanto, a implementação do PNAIST/SUS enfrenta desafios importantes que refletem a complexidade das condições de emprego e trabalho no SUS. Entre os principais obstáculos estão as insatisfatórias condições enfrentadas pelos trabalhadores do Subsistema de Saúde Indígena (Sasi-SUS), que sofrem com a falta de recursos e apoio adequado. A diversidade da categoria, que inclui variações geracionais, de escolaridade e de ocupação, torna a padronização das políticas de gestão do trabalho no SUS um desafio. Além disso, o contexto de intensa disputa no plano da política monetária e fiscal restringe os investimentos necessários para a implementação eficaz do programa. Assim, a efetivação do PNAIST/SUS exige um esforço coordenado para superar esses desafios estruturais, garantindo que as políticas de saúde e segurança atendam à diversidade e às necessidades reais dos trabalhadores do SUS.
Contato: Flávia Nogueira e Ferreira de Sousa. E-mail: flavia.ferreira@saude.gov.br