Entrevistas
Turismo e inclusão de comunidades locais: Entrevista com Lluís Mundet
Interview: Tourism and local community inclusion
Entrevista: Turismo e inclusión de comunidades locales
É determinante. Sem a participação da comunidade local, dificilmente pode existir turismo sustentável. Temos que lembrar que a sustentabilidade tem três pilares: ambiental, econômico e cultural. Quando falamos de turismo sustentável, só pensamos nos aspectos ambientais e esquecemos dos outros dois, principalmente o cultural. É importantíssimo ter clareza que sem a inclusão das comunidades locais não pode existir turismo, tal como se concebe o turismo do século XXI. Sem o envolvimento das comunidades, estamos falando de um modelo de turismo já ultrapassado, muito antigo.
Uma frase que permanece gravada na minha mente é: “Tudo o que é bom para as comunidades locais é bom para os turistas, mas nem sempre o que é bom para os turistas é bom para as comunidades locais”. É interessante essa dicotomia. Se pensarmos primeiro na comunidade local, o turismo é beneficiado, mas se pensamos somente no turismo, no longo prazo, nem a comunidade local, nem o turismo serão beneficiados. Temos que ter isso bem claro.
Existem muitas formas. Em alguns países isso começa nas escolas. Na educação básica, já se apresentam as vantagens e os riscos do Turismo. As duas coisas, porque o Turismo é como “O Médico e o Monstro”: tem um lado bom, mas existe também o “lado negro da força” - de Starwars. O Turismo também tem seu lado perverso. Não são só coisas boas. E nesse caso, as instituições públicas têm um papel preponderante para incorporar as comunidades locais na atividade turística.
As formas são variadas, desde as escolas com programas específicos de educação ou a partir da gestão das políticas públicas, que podem promover a criação de mesas de diálogos entre os “stakeholders”, atores do setor público e do setor privado. Como geógrafo, gosto muito de falar do jogo de escalas, quanto maior for a escala, ou seja, quanto menor for a comunidade, mais importante é esse diálogo.
Esse papel é cada dia mais importante. Hoje, o que é mais valorizado é a escala local. Em muitos destinos turísticos, inclusive na Espanha, as marcas turísticas mais conhecidas são de destinos que estão realmente inovando e criando novos produtos turísticos, como a Costa Brava, ou seja, as escalas maiores, os municípios. Isso porque os municípios têm legitimidade histórica, produzem identificação da população local com seu município. Existem vários exemplos ao redor do mundo, o importante é a escala! Os pequenos municípios permitem essa identificação.
Outro tema importante é que no nível local, nas pequenas prefeituras, os desafios de gestão do território e da paisagem envolvem outros temas como segurança, limpeza saneamento. E é justamente nesse nível que trabalham os técnicos em turismo com uma função essencial e importantíssima: fazer com que os diferentes atores privados cheguem a um acordo. Normalmente há uma competição feroz entre eles, até que passam a entender que é melhor trabalharem juntos. O primeiro passo do associativismo são as associações privadas (hotéis, restaurantes) e o segundo nível é o trabalho público/ privado. Aqui na Espanha já chegamos a essa conclusão há algum tempo: é muito melhor trabalhar juntos, tanto do ponto de vista privado, quanto com integração público-privada.
Ainda há outro fator essencial. O turista pós-moderno valoriza o que é diferente, único. As estratégias mais importantes são as que valorizam a diferenciação, em contraposição ao modelo turístico anterior que valorizava pacotes padrão para turismo de massa. Hoje, o que se busca é o que é diferente, aquilo que a comunidade local faz de diferente e de forma única e que faz valer a pena viajar milhares de quilómetros para descobrir: seja uma dança, uma música, ou um prato, aquela gastronomia que só pode ser consumida no local e não é encontrada em nenhum outro lugar do mundo. Na realidade as estratégias mais atuais são para destacar tudo que é diferente.
O que é necessário é ter educação. Sem um nível mínimo educacional, é muito difícil que o turismo possa chegar. Nesse contexto, é fundamental o conhecimento de idiomas. Hoje em dia é triste dizer, mas quem não sabe inglês é quase um analfabeto funcional, quase! Tem que ter um mínimo de conhecimento, não só de idiomas, mas um mínimo de educação, senão dificilmente se conseguirá fazer com que o turismo finque raízes em uma localidade. É difícil definir o que é educação, mas um nível mínimo deve existir senão é muito complicado. Educação como um todo: um pouco de tudo..
Eu lembro de um projeto que participei, financiado pela Aecid (Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento) em Marajó e teria que se começar um básico tão básico que a conclusão é que não valia a pena. Não valia a pena investir dinheiro ali porque faltava tudo, não havia nada!
É complicado... Costa rica tem alguns bons exemplos. Por lá funciona muito bem pequenas explorações de café. São cafés de montanha, produzidos em altitudes elevadas: café muito bom, muito especial. Pequenas famílias ou pequenas comunidades vivem mostrando aos turistas como é o processo de cultivar e produzir café, logo oferecem alimentação baseada na produção local e vendem seu próprio café que tem altíssima qualidade. Depois tem Etiópia que vi alguns exemplos que eu gostei. Até mostro fotos para ilustrar pois estavam muito bem por lá.
Apesar de que o “Turismo de Base Comunitária” também está sendo criticado, principalmente as iniciativas que dependem de ONGs internacionais. E por que estão sendo criticados? Porque são projetos que exigem muito dinheiro externo, beneficiam poucas famílias e quando o financiamento externo termina, quase todos acabam fracassando. Pois se os projetos dependem de capital externo permanente, isso indica que não são viáveis.
Vejamos o exemplo da Holanda, as ONGs holandesas deixaram de investir em projetos de turismo de base comunitária, por que? Justamente porque não são viáveis, o retorno é mínimo comparado ao que é investido.
Também precisamos ter essa consciência: se um projeto de base comunitária não for autosustentável, dificilmente terá continuidade, sem ajuda externa.
Às vezes os investimentos beneficiam a um número muito reduzido de pessoas e isso é criticável. Precisamos ter conciencia que o que se chama de “Turismo de Base Comunitária” está sendo questionado.
Sim. Fui avaliador intermediário pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em um projeto de desenvolvimento turístico no Baixo São Francisco. Foi um projeto financiado pelo próprio BID, por meio do Fomin (Fundo Multilateral de Investimentos), Aecid (Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento), Governo do Estado de Alagoas e IABS (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade). Esse é um exemplo clássico, típico de manuais, que teria que ser estudado e ensinado em todas as escolas, faculdades, universidades onde se estuda turismo. Foi um projeto muito bem gerido e executado com profissionais de campo, em um ambiente excelente e que começa a gerar frutos depois de cinco anos. Uma pena que não teve continuidade, mas vejo como um excelente exemplo o “Projeto de Dinamização e Sustentabilidade do Turismo no Baixo São Francisco”.
Eu diria que as redes sociais e internet estão mudando muito as coisas. Permitem que aquilo que é “local” possa ser “global” e de uma forma muito simples se possa alcançar o mundo, a partir de qualquer localidade isolada.
Facilita muito para que pequenas comunidades e pequenos destinos turísticos se promovam e se transformem, passando do desconhecimento absoluto a uma projeção importante.
Muito complicada a pergunta.
O turismo é positivo, mas não vai solucionar todos os problemas. Precisamos ser realistas. Turismo é uma ferramenta muito importante, mas nem sempre funciona e tem também seus lados negativos. Muitas vezes os postos de trabalho que o turismo cria são temporários, mal pagos e com condições de trabalho difíceis. Apesar disso, não deixam de ser postos de trabalho. Eu pude observar no Baixo São Francisco, em Alagoas, por exemplo, que pequenas pousadas e pequenas empresas voltadas para o turismo empregam mulheres. Muitas vezes essas mulheres não têm grandes salários, mas passaram a ter trabalho, carteira assinada e uma fonte de renda que não existia antes de turismo. Ou seja, se não fosse pelo turismo, não teriam atividade produtiva e teriam que ficar em casa sem trabalho ou renda.
Outro caso é a diferença do turismo planejado e turismo não planejado. Na Espanha, por exemplo, o desenvolvimento turístico começou nos anos 50 sem planejamento. Hoje já é um destino maduro, mas quando começou não tinha a quem copiar. Naquela época o governo espanhol vivia em uma ditadura militar e fascista e não apoiou em nada o setor turístico. Primeiro porque não tinha dinheiro e depois porque tinha outras prioridades. Assim, não acreditavam que o turismo fosse algo sério e achavam que duraria poucos anos. O objetivo com o turismo era obter o máximo de divisas para poder industrializar o país. Por outro lado, não colocaram nenhuma barreira. Qualquer um poderia entrar no mercado turístico e criar seus próprios hotéis e negócios turísticos, o que impôs um alto impacto ambiental.
Quando chega nos anos 80, com a democracia, percebe-se que o turismo é sério e que a economia espanhola tem vantagens competitivas importantes. Somente nessa época, começam a ser realizados os primeiros planos de turismo e se identificam verdadeiras barbaridades, principalmente do ponto de vista ambiental e paisagístico. Só que essa falta de planejamento permitiu que o turismo na Espanha beneficiasse muita gente, afinal o capital necessário para colocar o negócio era baixo e as exigências legais eram poucas ou facilitadas.
Agora as pessoas estão conscientes e as coisas são feitas de outra forma, mas temos que expor isso: esse modelo “Laissez-faire, laissez-passer” que diziam os franceses, teve um lado bom e um lado negativo. Beneficio para muitas pessoas com um preço ambiental alto.
Comentamos sobre o caso de Cuba. Todos falam de Cuba. Eu fiz parte do meu doutorado na Universidade de Havana, estive muitos meses em Cuba e visitei o “Instituto de Planificación Física” nos anos 90. Curioso que os engenheiros, arquitetos, geógrafos, paisagistas e economistas que trabalhavam ali comentavam que tomaram como exemplo a não seguir o modelo espanhol, principalmente o do turismo de massa, de sol e mar do litoral espanhol, que não era desejado para Cuba.
Fizeram portanto um planejamento central para toda a Ilha. E esse plano é fantástico, é maravilhoso. Antes que o turismo começasse a crescer, nos anos 80 e 90, ou seja, antes da queda do muro de Berlim, quando a economia ia bem, Cuba já tinha planejado qual seria seu desenvolvimento turístico para o futuro. E quando cai o muro de Berlim, o PIB cubano retrai 30% e a economia e vê obrigada a abrir para o setor turístico internacional, já existe um plano a ser seguido e é muito bem seguido. O modelo é de impacto ambiental muito baixo e, por outro lado, devido ao sistema econômico e político de Cuba, a população local não se beneficia, ou beneficia muito pouco do turismo.
Cuba tem dois mundos. O mundo do turista que tem de tudo e gira em Dólar ou Euro e outro que gira em Pesos, onde falta tudo, onde existe racionamento, restrições e salários muito baixos. Essa é realidade de Cuba. Pouca gente se beneficia do turismo, mas por outro lado o impacto ambiental é baixo. É contraditório, mas tem que ser exposto.
Os modelos muito planejados, às vezes, não permitem que a população local se beneficie dos efeitos positivos do turismo.