Resumo: A e-democracia caracteriza-se pelas oportunidades de participação dos cidadãos nas políticas públicas por meio das tecnologias da informação e comunicação (TICs). No turismo, o público-alvo dessa política, o turista, não reside onde as políticas são formuladas, sendo as TICs, na maioria das vezes, a única possibilidade de participação para essas pessoas. Desse modo, esse artigo analisa as políticas públicas de turismo sob a ótica da e-democracia, a partir de um estudo na cidade de Curitiba (Brasil). Para tanto foi realizada uma análise qualitativa com dados coletados no Facebook da Prefeitura Municipal e do Curitiba Turismo, bem como no sítio eletrônico do referido órgão municipal de turismo de Curitiba. A coleta e análise dos dados seguiram os procedimentos da teoria fundamentada. Os resultados demonstraram uma maior presença do julgamento ponderado, seguido pela transparência, sendo menos presente a inclusão e o controle popular. A partir desses resultados, conclui-se que a e-democracia tem aplicabilidade na análise das políticas públicas de turismo. Curitiba, apesar de ser reconhecida no uso das TICs, especialmente o Facebook “Prefs”, tem pouca presença dos bens democráticos nas políticas públicas de turismo, o que distancia o município da tendência da e-democracia e prejudica a otimização da ação pública direcionada ao turismo.
Palavras-chave:TurismoTurismo,Política PúblicaPolítica Pública,E-democraciaE-democracia,Curitiba.Curitiba..
Abstract: E-democracy is characterized by opportunities for citizen participation in public policies through information and communication technologies (ICTs). In tourism, the target of this policy, the tourist, does not live where policies are formulated, and ICTs are often the only possibility of participation for them. Thus, this article analyzed the tourism public policies from the perspective of e-democracy, based on a study in Curitiba (Paraná, Brazil). Therefore, a qualitative analysis was performed with data collected on the Curitiba City Hall Facebook and “Curitiba Turismo” Facebook as well as on the website of the referred municipal tourism agency. The data collection and analysis followed the procedures of the theory used. The results show a greater presence of pondered judgment, followed by transparency, with less presence of the inclusiveness and popular control. It was concluded that e-democracy has applicability in the analysis of tourism public policies, but Curitiba, despite being recognized for the use of ICTs, especially Facebook “Prefs”, has little presence of the democratic goods in these policies, which distances the municipality from the trend of e-democracy and can hinder the optimization of public action guided to the tourism.
Keywords: Tourism, Public Policy, E-democracy, Curitiba.
Resumen: La democracia electrónica se caracteriza por las oportunidades de participación ciudadana en las políticas públicas a través de las tecnologías de la información y la comunicación (TICs). En el turismo, el público objetivo de esta política, el turista, no reside donde se formulan las políticas, y las TICs son a menudo la única posibilidad de participación para estas personas. Así, este artículo analiza las políticas públicas de turismo desde la perspectiva de la democracia electrónica, en base a un estudio realizado en la ciudad de Curitiba (Brasil). Por lo tanto, se realizó un análisis cualitativo con los datos recopilados en Facebook del Ayuntamiento y Curitiba Turismo, así como en el sitio web de la referida agencia municipal de turismo de Curitiba. La recopilación y el análisis de datos siguieron los procedimientos de la teoría fundamentada. Los resultados muestran una mayor presencia de juicio ponderado, seguido de transparencia, con menos inclusión y control popular. A partir de estos resultados, se concluye que la democracia electrónica tiene aplicabilidad en el análisis de las políticas públicas de turismo. Curitiba, a pesar de ser reconocido en el uso de las TICs, especialmente los "Prefs" de Facebook, tiene poca presencia de bienes democráticos en las políticas públicas de turismo, lo que distancia a la ciudad de la tendencia de la democracia electrónica y dificulta la optimización de la acción pública dirigida. al turismo
Palabras clave: Turismo, Política Pública, E-democracia, Curitiba.
E-Democracia nas Políticas Públicas de Turismo: uma análise em Curitiba
E-Democracy in Tourism Public Policies: an analysis in Curitiba
E-Democracia en las Políticas Públicas de Turismo: un análisis en Curitiba
Recepção: 07 Março 2019
Aprovação: 05 Novembro 2019
Analisar as políticas públicas de turismo implica na análise da interação do setor público não apenas com os empresários e moradores locais, mas também com os turistas. As TICs (Tecnologias da Informação e C omunicação) são meios para essa interação. Para Sigala e Ukpabi (2019), a difusão das TICs abriu vários canais de envolvimento com os cidadãos, o que levou ao surgimento da e-democracia. Segundo Smith (2009), essa forma de inovação democrática está relacionada aos diferentes usos dos novos mecanismos de consulta e participação pautada na transparência, no controle popular, na inclusão e no julgamento ponderado, ou seja, nos bens democráticos. Smith (2009) expõe que a e-democracia consiste em uma inovação democrática na qual as TICs são utilizadas para que o público alvo das políticas possa exprimir opiniões e interaja com o setor público, atendendo aos bens democráticos. A abordagem das inovações democráticas envolvendo os bens democráticos e a e-democracia está presente em várias outras áreas de políticas públicas como saúde, planejamento urbano e esporte.
No turismo, tem-se um cenário formado pela carência de oportunidades para uma interação democrática entre o Estado e o turista, que pode ser atenuada com a utilização das TICs pelo setor público. Todavia, as pesquisas de políticas públicas na área têm se ocupado de temas como desenvolvimento, sustentabilidade, planejamento, implementação, governança, gestão, estratégia, formulação e meio ambiente (GIANNINI, GOMES e KUSHANO, 2018; DREDGE e JAMAL, 2015). Já as investigações direcionadas para as tecnologias da informação e comunicação aplicadas ao turismo abordam principalmente promoção e marketing digital, comércio eletrônico, demanda e processos de negócios (BIZ e CORREA, 2016; BUHALIS e LAW, 2008). Logo, estudos que se dedicam à análise da e-democracia no turismo, principalmente sob a ótica dos bens democráticos, são menos frequentes. Como expõem Sigala e Marinidis (2012) e Presenza et al. (2014), no turismo as pesquisas relacionadas à e-democracia ainda estão em um estágio inicial, tendo a literatura dedicado pouca atenção ao tema.
Nesse contexto se insere a cidade de Curitiba, objeto de estudo deste trabalho. A cidade, capital do estado do Paraná, além de sua representatividade no cenário nacional, nos últimos anos se destacou pelo uso dos meios eletrônicos. A administração pública da cidade passou a interagir com a sociedade, conforme demonstrado em diversos estudos como Traesel e Maia (2015), Martino e Aleixo (2016) e Miranda (2017). Por isso o presente artigo tem como objetivo analisar a aplicação da e-democracia às políticas públicas de turismo, a partir de um estudo na cidade de Curitiba.
Para tanto, primeiramente foi construído um referencial teórico focado na e-democracia e na ação pública do turismo. Em seguida, foi realizada uma análise da e-democracia local – sob a ótica dos bens democráticos – a partir das manifestações nas páginas do Facebook da Prefeitura Municipal de Curitiba e do Instituto Municipal de Turismo da cidade, e também no site oficial do Instituto Municipal de Turismo.
O recorte temporal adotado compreendeu os anos de 2016 e 2017, justificado pela necessidade de limitar o volume de dados a serem coletados e pela possibilidade de contemplar duas gestões municipais diferentes. Os métodos aplicados para a coleta e análise dos dados utilizam a teoria fundamentada e a análise de conteúdo.
A seguir são expostos o referencial teórico, os procedimentos metodológicos e os resultados, abordando a presença dos bens democráticos na ação pública de turismo na cidade de Curitiba. Por fim, são apresentadas as considerações sobre o tema e suas implicações teóricas e práticas.
Para Nino (1996), a maneira mais eficaz de se alcançar a justiça social é por meio da democracia deliberativa. Esse autor chama a atenção para novas formas de participação por meio do uso de tecnologias e de mídias interativas, e da descentralização das decisões, pois entende que a participação dos cidadãos diminui o abismo que separa governo e sociedade. Sobre este tema, a democracia eletrônica tem se destacado como uma nova oportunidade de interatividade e participação, com um enfoque colaborativo e de troca de informações.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova organização ao setor público, ampliando as possibilidades de interação e de participação na elaboração de políticas públicas. A partir do final do século XX, e principalmente no século XXI, esse contexto de participação da sociedade civil nas decisões governamentais foi influenciado pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Para Guimarães e Medeiros (2006), os governos, em suas diversas esferas, operam numa realidade complexa e precisam adaptar-se à realidade marcada pela globalização e pela era do conhecimento, na qual a internet é um meio de aproximação entre o Estado e o cidadão.
Segundo Cardon (2016), a participação dos cidadãos via internet se caracteriza pela expressão por meio de um local que não tinha essa vocação e, embora possa estar vinculado a interesses pessoais e cotidianos, apresenta, também, demandas coletivas. Para o autor, a crítica ao sistema de representação partidária confere uma nova posição aos indivíduos. Se caracteriza, portanto, pelo afastamento das estruturas políticas tradicionais, comumente representada por líderes que se colocam como porta-vozes de determinado grupo.
De acordo com García (2014), já na década de 1990 surgiu o conceito de governo eletrônico ou administração eletrônica. Para Mateus (2008), o governo eletrônico é um conceito que possui estreita relação com a modernização da Administração Pública e com a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados por meio do uso das TIC. Para Lee, Chang e Berry (2011), o governo eletrônico usa as tecnologias da informação e comunicação para fornecer aos cidadãos informações sobre os serviços públicos, enquanto a e-democracia oferece maior acesso eletrônico aos processos políticos e à tomada de decisão. Smith (2009) observa que a participação habilitada pelas TICs não necessariamente deve ocorrer no ambiente virtual. A e-democracia pode se manifestar em eventos que reúnem um grande número de pessoas para o debate e para a decisão sobre as políticas públicas, mediados pelo uso de computadores e outros equipamentos eletrônicos.
Para Smith (2009), embora tenha havido uma evolução tecnológica significativa no mundo empresarial moderno, a utilização das TICs, para aumentar e ampliar a participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão de políticas públicas, está atrasada em relação ao atendimento das necessidades dos cidadãos, ao fornecimento de informações e à interação com o cidadão para a formulação das políticas públicas. Mahrer e Krimmer (2005) alertam que os mesmos políticos responsáveis pela introdução de novas formas de participação na tomada de decisão têm receio da representação política e podem fazer oposição ao engajamento cívico.
Contudo, Coutinho et al. (2017) observam que o uso das plataformas digitais trouxe importantes avanços no processo legislativo, pois, além do aumento da participação, permitiu registrar as contribuições de forma segura e transparente. Além disso, segundo os autores, em termos econômicos as plataformas permitiram reduzir os custos de participação, principalmente de tempo e logística. Assim, qualquer cidadão pode enviar contribuições com um pequeno investimento de tempo e de esforço, e de suas próprias casas.
Kneuer (2016) defende que a e-democracia contempla a liberdade e a igualdade de acesso, a participação nas votações, nas tomadas de decisão e no monitoramento e, finalmente, o governo eletrônico. Porém, a autora citada destaca a carência de evidências empíricas que avaliem as contribuições das mídias digitais na melhora da qualidade da democracia.
Nesse sentido, Shapiro (2018) expõe que a fusão da internet com a democracia apresenta como limite a pressuposição de que há acesso universal à internet, neutralidade e liberdade na rede. É importante observar esses aspectos visto que eles podem causar a exclusão e, portanto, comprometer a legitimidade da e-democracia. Por isso Rosina, Moncau e Lazzari (2017) acrescentam que há uma ingenuidade nos otimistas que percebiam as TICs como a salvação da democracia. Todavia, não se pode desconsiderar a contribuição dessas para o engajamento dos cidadãos no debate político e na oferta de melhores padrões de transparência para o Estado (ROSINA, MONCAU e LAZZARI, 2017). Segundo esses autores, os objetivos da sociedade civil são melhor alcançados quando, além das mídias tradicionais, são utilizadas estratégias on-line e off-line de pressão e mobilização.
Assim, para Smith (2009), a e-democracia deve estar voltada para o alcance dos bens democráticos da transparência, do controle popular, da inclusão e do julgamento ponderado. A transparência, segundo esse autor, é a disponibilidade de dados e informações de forma clara, acessível e atualizada. Para Fischer (2016), a transparência só fornece dados, mas não os meios de compreendê-los. Assim, a transparência em si não garante que as informações serão usadas com compreensão e honestidade. Porém a transparência dá condições para o controle popular, ou seja, possibilita o acompanhamento por parte do cidadão dos atos governamentais e acarreta, em maior ou menor grau de influência, as tomadas de decisão (SMITH, 2009). Nesse sentido quanto maior a transparência, melhor se torna o controle popular.
Segundo Smith (2009) o controle popular está relacionado à agenda, conforme se observa se os assuntos discutidos são levados em consideração e se foram incorporados ou não. Para Fischer (2016), a ideia de controle popular vai ao encontro da própria democracia, bem como das eleições livres.
A inclusão remete à presença e à voz dos cidadãos. Ela requer ampliar a participação a todas as pessoas, sem qualquer distinção, e também considerar as suas limitações, sejam elas sociais (acesso a equipamentos) ou biológicas (deficiências físicas ou motoras) (SMITH, 2009). A inclusão, de acordo com esse autor, tem ainda a perspectiva de observar o modo como ocorre essa participação, pois pode ser permitida a presença das pessoas sem necessariamente haver voz. Já o julgamento ponderado diz respeito à apreensão de aspectos técnicos e das visões dos outros participantes, dentro de uma linguagem adequada, propiciando ao cidadão a compreensão das discussões e equilíbrio em seu posicionamento (SMITH, 2009).
Deste modo, a e-democracia se coloca como um instrumento para ampliar a participação. Nas políticas públicas de turismo do Brasil, segundo Eichenberg e Pereira (2016), a participação está mais ligada aos conselhos de turismo e às associações regionais que envolvem o setor público e o setor privado (também denominadas de instâncias de governança).
Gomes (2018) expõe que os empresários são predominantes nos conselhos de turismo e atuam em conjunto com o setor público em áreas como informação turística, organização de eventos, promoção do destino, elaboração de projetos para captação de recursos e negociação com agentes externos. No caso do Conselho Nacional de Turismo, por exemplo, Oganauskas (2014) constata que a participação é caracterizada pela centralização no Ministério de Turismo, pela baixa discussão sobre o desenvolvimento do setor como um todo e pela prioridade ao aspecto econômico da atividade.
Dredge (2004) defende que é preciso garantir o gerenciamento cuidadoso do ambiente, formado pelos grupos ou entidades ligadas ao turismo, e abranger as parcerias público-privadas e as demais relações inerentes ao setor, visto que essas redes de relacionamento possuem um efeito contundente nas atividades turísticas do destino. Hall (1999) ressalta o número reduzido de agentes que influenciam os processos decisórios, compostos basicamente pelo poder público e pela sociedade civil organizada. Desse modo, destaca o papel do poder público como condutor das políticas públicas condizentes com as necessidades da sociedade. O papel dos grupos de interesse na definição das políticas públicas de turismo foi objeto de estudo de Tyler e Dinan (2010). Para os autores, a experiência inglesa em políticas de turismo demonstra imaturidade na interação, com uma rede dominada por agentes em busca de interesses individuais e comerciais.
Shone e Memon (2008), analisando o turismo na Nova Zelândia, afirmam que os papéis e as responsabilidades do governo naquele país foram reinventados nas décadas de 1980 e 1990, inspirado s por uma ideologia política neoliberal, que visava à desregulamentação da economia e à reestruturação estatal, na qual o turismo estava inserido. A partir dos anos 2000, após reformas políticas, o setor público tem adotado uma postura mais proativa na gestão do turismo local, com uma visão de regionalização, sem abandonar a ideia de descentralização, objetivando um mandato que leve à participação.
Sigala e Marinidis (2012) explicam que as aplicações de e-democracia capacitam os órgãos públicos de turismo a melhorar a participação das partes interessadas do turismo: os turistas (a demanda), os empresários e os anfitriões. A e-democracia, segundo os autores, possibilita às pessoas participarem dos processos de tomada de decisão de maneira informada, colaborativa e de baixo para cima, criando transparência e possibilitando o controle dos resultados das políticas. Assim, a e-democracia estimula a responsabilidade tanto pela formulação quanto pela implementação de políticas públicas.
Presenza et al. (2014) expõem que os agentes públicos responsáveis pelo turismo perdem oportunidades ao não usarem as TICs – como Facebook, Twitter, blogs, e sites – para engajar as partes interessadas locais, coletar as suas opiniões, facilitar o diálogo e monitorar os resultados dessas colaborações. Sigala (2010) destaca que os órgãos responsáveis pelo turismo nos destinos devem adotar a e-democracia para se beneficiarem da revolução da informação e envolverem, de maneira mais eficaz, as partes interessadas do turismo na formulação e na implementação das políticas públicas do setor.
No entanto, Christensen, Karjalainen e Lundell (2016) advertem que os efeitos positivos das inovações democráticas não podem ser tomados como garantidos. De acordo com esses autores, as inovações democráticas não são a cura para o mal-estar democrático. Contudo, é importante que sejam criados instrumentos participativos adequados a todos os cidadãos. Por isso a presença dos bens democráticos nas ações do setor público, ao lidar com o turismo, é o tema da análise exposta nas seções seguintes.
A pesquisa foi realizada a partir de uma análise qualitativa da e-democracia, sob a ótica dos bens democráticos transparência, inclusão, julgamento ponderado e controle popular. O recorte do estudo ficou situado ao caso da cidade de Curitiba, Paraná, Brasil, em função da representatividade do município em nível nacional, do trabalho que o setor público local desenvolve nas mídias digitais, dessa cidade possuir um órgão municipal de turismo que atua com as diferentes tecnologias e da facilidade de acesso aos dados por parte do pesquisador.
Foi realizada uma pesquisa documental envolvendo o sítio eletrônico do Instituto Municipal de Turismo de Curitiba – CURITIBA TURISMO, as páginas oficiais da Prefeitura Municipal e do Curitiba Turismo no Facebook. O roteiro para a coleta de dados foi construído a partir das variáveis do marco teórico, com um enfoque nos bens democráticos transparência, inclusão, julgamento ponderado e controle popular.
Para o cumprimento das etapas foi necessário realizar o recorte temporal, delimitado aos anos de 2016 e 2017. A escolha desse período se justifica em função da quantidade de informações a serem selecionadas face ao tempo disponível para a análise, e também por esse período permitir observar uma transição de gestão municipal.
Os dados foram transcritos para um editor de texto, criando um arquivo de texto para cada uma das fontes citadas acima. Após todos os dados estarem transcritos, iniciou-se a categorização, ou seja, cada frase coletada foi caracterizada de acordo com a variável com a qual estava relacionada. De acordo com o referencial teórico, as variáveis utilizadas para a análise qualitativa da e-democracia sob a ótica dos bens democráticos, foram a transparência, a inclusão, o controle popular e o julgamento ponderado. Para tanto foi criado um arquivo no Microsoft Excel, no qual cada coluna foi destinada a um dos bens democráticos. Nessas colunas foram inseridos os trechos dos textos relacionados a cada uma delas.
Seguindo o proposto por Gomes (2018) a respeito das etapas da teoria fundamentada, foi realizada a codificação aberta, ou seja, a análise escrita de frases ou parágrafos por meio de comparações e da inserção dos significados inferidos pelo pesquisador. Como parte dessa etapa final também foram analisadas a frequência, a intensidade e a direção dos temas relevantes, como proposto pela análise de conteúdo. Adotou-se apenas essa parte da teoria fundamentada, pois essa pesquisa não aspira à geração de novos conceitos – como proposto pelo conjunto de etapas da teoria fundamentada. O que se propõe aqui, conforme exposto na seção seguinte, é explicar o fenômeno estudado a partir do marco teórico.
Nesta seção é analisada a e-democracia no turismo a partir de uma investigação em Curitiba. Foram adotados como variáveis para a análise os bens democráticos de Smith (2009) abordados no marco teórico, a saber: transparência, inclusão, julgamento ponderado e controle popular.
A transparência nas políticas públicas requer a garantia e a facilidade de acesso público a informações que sustentem o controle popular. Ela também está diretamente ligada à qualidade da informação fornecida e à demonstração de ações e deliberações por parte do setor público para o público interno e externo. Deste modo, ao analisar o trabalho desenvolvido pelo Curitiba Turismo em sua página no Facebook, pode-se observar que as informações disponibilizadas pelas publicações estão mais voltadas ao marketing turístico. O mesmo enfoque é observado na página da Prefeitura no Facebook (“Prefs”), como ilustrado na Figura 1
A postagem do pôr do sol na Figura 1 não traz qualquer referência efetiva da cidade. Tão somente oferece um canal para que o público seja instigado a acessar e descobrir Curitiba. Assim a transparência, enquanto ações e deliberações, fica restrita a uma parcela reduzida de postagens e com deficiências na qualidade da informação. Por exemplo, ao informar que a Linha Turismo terá dois pontos novos no bairro de Santa Felicidade, a justificativa dada é que “...atenderá melhor o comércio desse importante bairro...” (SETOR PÚBLICO – JUL/17). A informação é superficial, ou seja, não é possível saber quais critérios foram tomados para a decisão, quem de fato será beneficiado, o que isso agrega ao turista, e não há um link para uma notícia que exponha o assunto com mais detalhes.
O site do CURITIBA TURISMO coloca à disposição do usuário todos os documentos oficiais relevantes. As leis, os decretos e os planos podem ser acessados com facilidade. As notícias também contribuem para que as ações do órgão sejam acompanhadas e o site oferece uma gama de informações e prestação de serviços aos usuários. Logo, a qualidade destas informações possibilita um controle popular mais apurado.
Todavia, os aspectos relativos à participação cidadã são praticamente inexistentes, resumindo-se ao canal “Fale conosco” que é, de fato, o único meio de interação permitido pelo portal do CURITIBA TURISMO. Nesse canal, os principais assuntos tratados são, respectivamente, “solicitação de materiais turísticos”, “trâmite legal para que o artesão tenha a possibilidade de ingressar em uma das feiras de artesanato da cidade”. O poder público tem as respostas de certo modo padronizadas, indicando aos usuários que busquem conhecer e acessar os editais, façam inscrições e participem dos processos seletivos.
A página da Prefeitura no Facebook (Prefs), no que diz respeito à transparência no turismo, não difere muito das publicações do CURITIBA TURISMO nessa mesma plataforma. No caso da Prefs, há algumas postagens sobre a revitalização de locais de interesse turístico como, por exemplo, a região do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, situado no centro da cidade. Após debates realizados no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC (SETOR PÚBLICO – ABR/17), pretendeu-se transformar essa região, por meio de um projeto e a partir de uma parceria público-privada, num pólo de turismo religioso nacional.
Em outros momentos as publicações da Prefs no Facebook têm um caráter mais informativo de suas ações, como por exemplo o trabalho de manutenção e recuperação de estruturas nos parques, cujo objetivo era proporcionar aos visitantes melhores experiências e, ao mesmo tempo, conter as cheias em períodos de chuva. A divulgação de editais públicos, o resgate e a importância do patrimônio cultural e as ações relacionadas ao Natal da cidade são outras formas mais frequentes de transparência observadas neste trabalho.
A inclusão como presença e voz dos cidadãos nos canais pesquisados apresenta uma peculiaridade bastante clara. Em nenhum momento o cidadão tem liberdade de colocar sugestões, reclamações e reivindicações.
Nesse sentido, esses canais são condizentes com o processo democrático ao mesmo tempo que a presença do cidadão não é tão efetiva. Isso varia de acordo com os modelos de cada canal de comunicação, bem como da forma de condução, abertura ou do estímulo à participação. Conforme advertido por Milner, Nielson e Findley (2016), o setor público deve considerar, ainda, a disposição dos usuários em se envolverem com os programas governamentais, se concebem o governo como corrupto ou clientelista e se não são apoiadores do partido que está no poder.
Como mencionado anteriormente, os moldes de publicações da página do CURITIBA TURISMO no Facebook, sobretudo as partes de promoção e de eventos, não estimulam o debate de ideias, não impedindo, todavia, um posicionamento mais incisivo dos cidadãos ou turistas. Isso ficou evidente, por exemplo, numa reclamação feita à Linha Turismo sobre o zelo com os atrativos: “Turista que vier em família (casal e 3 filhos) vai gastar R$ 200,00. Acho absurdo” (CIDADÃO 25 – JAN/16); “Pena que nem tudo está tão bem cuidado ou limpo. A gente leva as visitas, todo orgulhoso, mas, quando chega, fica-se até com vergonha por causa do descaso” (CIDADÃO 26 – DEZ/16).
Somado aos e-mails dos departamentos do órgão para assuntos específicos, o site do CURITIBA TURISMO apresenta, como opção para assuntos gerais, o canal “Fale Conosco”. A inclusão enquanto presença e voz é reduzida. Nesse canal se destacam os temas que tratam de feiras de artesanato, pedidos de colocação profissional, divulgação de eventos e solicitação de reuniões. Esses assuntos denotam um interesse mais pessoal do que coletivo, logo pouco material nesse canal contribui para uma discussão mais ampla acerca do turismo na cidade.
É notório, pelo número de seguidores da página da Prefs, que essa tem uma presença mais incisiva da população, e a presença e a voz aparecem em reclamações e sugestões. Porém, ao não considerar os assuntos gerados a partir desses diálogos, o poder público não se posiciona perante os problemas.
O julgamento ponderado está associado à apreensão de aspectos técnicos e das visões dos outros participantes. Ele também se relaciona à clareza de linguagem na mensagem transmitida pelo poder público. Em virtude das publicações do CURITIBA TURISMO no Facebook serem, em sua maioria, objetivas, a linguagem se torna bastante simples. Embora as discussões não sejam estimuladas, não há evidências de um entendimento equivocado daquilo que se queria informar. O julgamento ponderado não foi identificado no site do CURITIBA TURISMO.
A página Prefs no Facebook, por sua vez, gera um debate mais sincronizado e focado entre os usuários. A exemplo, o projeto de revitalização do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe para se tornar um pólo turístico gerou protestos incisivos dos cidadãos:
Se o estado é laico, não deveria usar recursos para favorecer os rituais de uma religião específica (CIDADÃO 29 – ABR/17).
Um projeto como esse deveria ser discutido e não simplesmente apresentado. (CIDADÃO 31 – ABR/17).
Queremos concurso de projetos de arquitetura! (CIDADÃO 32 – ABR/17).
O setor público, por sua vez, apenas apresenta as justificativas do projeto, sem dialogar diretamente sobre os temas levantados pelos cidadãos:
(...) a renovação da área, com terminais turístico e de transporte, estacionamento e área de shopping, vai preparar a região para receber um grande contingente de pessoas com a transformação do local em santuário nacional. O local será mais seguro e terá mobilidade” (PODER PÚBLICO – ABR/17).
O controle popular, mecanismo de influência sobre as decisões acerca de ações, deliberações, elaboração e formulação de políticas públicas, é o bem democrático mais frágil entre os abordados nesta pesquisa. O controle popular é destituído de instrumentos que lhe proporcionem sustentação para acompanhamento e fiscalização do poder público. Ambas as páginas no Facebook, administradas pelo CURITIBA TURISMO e pela Prefeitura, não possuem ferramentas que possibilitem ao usuário um monitoramento de determinada situação. São instrumentos importantes de comunicação, mas não têm a pretensão de atuar como um meio de controle popular. Isso fica evidente pelas respostas a determinados assuntos, em que a recomendação da prefeitura ao cidadão é que registre um requerimento na Central 156 – meio de comunicação municipal que recebe demandas dos usuários – para que, desta forma, tenha uma oficialização do seu pedido e, consequentemente, receba um retorno de sua demanda.
O site do CURITIBA TURISMO e as páginas no Facebook não se mostraram como um mecanismo de controle popular adequado. Em parte, pela natureza dos temas que ali são colocados, e também por convergir ao sistema emissor-receptor em mensagem direta.
Diante disso, a presença de bens democráticos no uso dos meios eletrônicos na ação pública do turismo em Curitiba é baixa. A partir dos resultados apresentados, constata-se a maior presença do julgamento ponderado, seguida pela transparência, sendo menos presentes a inclusão e o controle popular. Mattijssen, Behagel e Buijs (2015) expõem que uma mudança bem-sucedida de um modelo de democracia representativa para um modelo mais participativo requer a legitimação do último modelo pelo primeiro. Parece ser necessário, primeiramente, tornar-se um hábito coletivo dos usuários, ao escolherem os seus candidatos nas eleições, analisarem o quanto estes se preocupam com a democracia em suas propostas. Desta forma, os bens democráticos se institucionalizarão nas políticas públicas, principalmente nas de turismo, que possuem uma menor tradição democrática.
A e-democracia surge como uma inovação, uma vez que permite novas maneiras de participação. Os bens democráticos, que nesta pesquisa foram destacados como transparência, inclusão, controle popular e julgamento ponderado, foram utilizados com o fito de compreender a ação pública do turismo sob a ótica da e-democracia, a partir de um estudo na cidade de Curitiba, Paraná . A pesquisa demonstrou que a e-democracia e os bens democráticos têm aplicabilidade na análise das políticas públicas de turismo.
As ferramentas pesquisadas não podem ser caracterizadas como inovações democráticas, visto que na média os aspectos inerentes a e-democracia estão pouco presentes. As páginas do Facebook da Prefeitura (“Prefs”) e do CURITIBA TURISMO estão mais avançados em termos de julgamento ponderado, ao passo que o site do órgão de turismo se destaca pela transparência. Em todos eles a inclusão e o controle popular são os menos presentes.
Em Curitiba é baixa a preocupação ou intenção de expor quem decide, como decide, porque decide, e se há alguma forma dos usuários participarem deste processo. Não se trata de ocultação de informações, mas de uma forma de governar que não oportuniza um mecanismo institucional para fins de e-democracia. Também é nítido que o CURITIBA TURISMO segue a meta do Plano do Governo Municipal relacionada ao posicionamento da cidade entre os dez maiores destinos turísticos nacionais e os cinco maiores destinos de eventos. Assim, em Curitiba há uma tendência ao uso das TICs para a prestação de serviços públicos e menor esforço para a ampliação da e-democracia. A pouca presença dos bens democráticos no município o distancia da tendência da e-democracia e pode prejudicar a otimização das políticas públicas de turismo.
Essa pesquisa apresentou como limitação o recorte temporal, que excluiu outros momentos da interação do setor público com a sociedade, como a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS), em 2014, e o Plano Municipal de Turismo, em 2015. Assim, as pesquisas futuras poderão se ocupar em compreender as inovações democráticas em outros momentos bem como o que incentiva ou inibe os moradores e turistas a participarem e assim otimizar o exercício da democracia na atividade em Curitiba e em outros destinos.
Como demonstrado nessa pesquisa, é certo que os bens democráticos oferecem uma possibilidade de aprofundamento na prática dos estudos de democracia no turismo. Assim, em termos práticos, essa investigação contribui para dar visibilidade ao fato de que a participação nos processos decisórios não deve ser restrita apenas ao poder público e à iniciativa privada, nos conselhos de turismo. Logo, o tema aqui discutido propõe a inclusão de um grupo mais amplo de agentes, envolvendo também os turistas. Ao trazer à luz o panorama do uso dos meios eletrônicos no âmbito da democracia no turismo, oportuniza-se aos agentes públicos locais uma mudança de paradigma no trato desses assuntos, para que assim o turismo seja coerente com o preceito do Estado Democrático trazido pelo Constituição Federal de 1988.