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Turismo e (res)significações da imagem de Nordeste brasileiro: uma análise a partir dos livros didáticos de Geografia e da Revista Veja
Tourism and image (re)signification of Northeast Brazil: an analysis from Geography books and Veja Magazine
El Turismo y la (re)significación de la imagen del nordeste de Brasil: un análisis de los libros de Geografía y la Revista Veja
Caderno Virtual de Turismo, vol. 21, núm. 2, 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Artigos originais


Recepción: 18 Diciembre 2020

Aprobación: 01 Junio 2021

DOI: https://doi.org/10.18472/cvt.21n2.2021.1894

Resumo: O Nordeste brasileiro foi por anos associado às condições negativas, como a miséria e subdesenvolvimento. Entretanto, quando o Turismo se consolida, a região também passa a ser associada à positividade. Objetiva-se aqui discutir como o Turismo contribuiu para redefinição da imagem do Nordeste, a partir da análise dos livros didáticos de Geografia e da Revista Veja. Através da diversificação econômica no Nordeste e da consolidação do Turismo, ocorreram mudanças nas narrativas sobre a região, possibilitando a constituição de um novo imaginário associado à positividade, destacando as belezas naturais. Tais mudanças não suprimiram a imagem de seca e pobreza pela de paraíso tropical, mas se antes o imaginário nordestino era negativo, hoje, ele é dual.

Palavras-chave: Imaginário, Turismo, Região Nordeste do Brasil, Revista Veja, Livros didáticos de Geografia.

Abstract: For years, the Brazilian Northeast was associated with negative living conditions, such as misery and underdevelopment. However with the growth of tourism, the region has also become associated with positivity. This paper aimed to discuss how tourism has contributed to redefining the image of the Northeast, based on the analysis of Geography textbooks and Veja magazine. It was verified the evolution and economic diversification of the Northeast portrayed by the textbooks and by Veja. Additionally, it was noticed that, as the Tourism industry was consolidated, there were changes in the narratives about the region, allowing the constitution of a new imaginary associated with positivity, highlighting natural beauty. Such changes did not suppress the image of drought and poverty for that of a tropical paradise, but it was understood that if, before, mostly, the Northeastern imagination was negative, today, it is dual.

Keywords: Imaginary, Tourism, Northeast Region of Brazil, Veja magazine, Geography textbooks.

Resumen: El nordeste brasileño se ha comparado por años a una imagen negativa, como miseria y subdesarrollo. Todavía, en los diez últimos años, cuando el Turismo se estructuraba, la región nordeste brasileña también ganaba una imagen positiva. El objetivo de este trabajo es hacer una discusión como el Turismo ha contribuido para redefinición del imagen de esta región, a partir de los análisis en libros didácticos de Geografía y en la revista Veja. Ante esta investigación fue posible verificar la evolución y la diversificación económica del nordeste brasileño, observando-se que, a medida que el Turismo se desarrollaba, ocurrieron cambios en la narrativa sobre la región, posibilitando la construcción de una imagen positiva, destacando sus potencialidades. Los cambios siguen sin suprimir-se a la imagen de la sequía, del hambre y de la pobreza. Sin embargo se ha comprendido que, antes, en mayoría, el imaginario del nordeste fuera negativo, por ahora, se asume una doble imagen.

Palabras clave: Imaginario, Turismo, Región nordeste de Brasil, Revista Veja, Libros didácticos de Geografía.

1. Introdução

A região Nordeste do Brasil foi por muitos anos estigmatizada, sendo associada às condições negativas, tais como a miséria em decorrência da seca, subdesenvolvimento e atraso socioeconômico. Essa imagem do Nordeste foi construída no discurso nacional através de diversas mídias (jornais impressos, revistas), livros didáticos, literatura e cinema.

A partir de 1960, se verifica o início de uma mudança da imagem regional que se torna mais incisiva a partir de 1990. Após o surto de industrialização, decorrente das ações da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, eclodem novas economias, como a fruticultura irrigada no sertão e o Turismo no litoral, tal como aponta Dantas (2013), contribuindo para um reposicionamento do Nordeste brasileiro, onde o Turismo assume papel central na constituição de uma positividade da imagem regional.

Assim, o objetivo do presente trabalho é discutir como o Turismo contribuiu para redefinição da imagem do Nordeste, a partir da análise dos livros didáticos de Geografia e da Revista Veja

2. Procedimentos metodológicos

O recorte espacial da pesquisa engloba os nove estados[1] da região Nordeste do Brasil, cuja regionalização oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ocorreu em 1969. O recorte temporal se inicia em 1960, portanto, antes da atividade turística efetivamente ocorrer no âmbito regional, e segue até 2017, quando o Turismo já está consolidado e é uma das atividades mais relevantes no Nordeste brasileiro.

Com a finalidade de discutir como a imagem do Nordeste brasileiro foi construída e ressignificada no imaginário nacional, foram avaliadas duas ferramentas de acesso à informação: a) alguns autores mais expressivos de livros didáticos de Geografia, a partir de 1960, buscando compreender como o Nordeste era concebido, e incitado seu imaginário na formação escolar de um adolescente, sendo as leituras obrigatórias para estes; b) Revista Veja que também iniciou sua circulação desde os anos sessenta, sendo a primeira edição no ano de1968, e continua sendo publicada semanalmente até os dias atuais, apesar da retração que sofreu nos últimos anos. Na análise dos documentos identificados à leitura, do tipo revista e livros didáticos, foi aplicada a técnica de análise de conteúdo.

A análise de conteúdo, para Bardin (2011, p. 34), traspassa a sua ideia inicial de investigação rigorosa por meio de métodos quantitativos, como a análise de frequência, e evolui para entendimentos mais qualitativos, dizendo não “à ilusão da transparência dos fatos sociais, recusando ou tentando afastar os perigos da compreensão espontânea”. Desse modo, tal procedimento explora o que foi falado para além de sua literalidade, mas compreende seu vínculo a um contexto (trabalhista, ético, econômico, social, etc.), existindo, muitas vezes, ponderações nas falas, momentos de recuos e hesitações, assim como assertivas incisivas, que “falarão” mais que as palavras.

Como ambos os veículos investigados possuem imagens, a relação estabelecida entre textos e imagens também ajudou a análise de conteúdo, uma vez que as imagens também “falam” por si. Os livros didáticos selecionados para a análise foram aqueles de circulação nacional, de autores conceituados na área de Geografia, amplamente utilizados nas escolas públicas e privadas, uma vez que esta disciplina condensa informações gerais e propicia a discussão sobre as regiões brasileiras entre os estudantes do Ensino Médio[2]. Foram analisadas sete obras, largamente utilizadas entre 1963 a 2010, conforme apresentado no Quadro 1, abaixo.

Quadro 1
Livros didáticos de Geografia selecionados para pesquisa – 1960/2010

Fonte: Elaboração das autoras

Já a Revista Veja foi escolhida como veículo midiático a ser analisado, por seu alcance de ampla circulação nacional e por ser ininterrupta desde sua criação, com periodicidade semanal. Obteve-se acesso a todas edições do periódico de forma online. A princípio, filtrou-se o termo Nordeste, depois foram consultadas outras matérias que continham informações consistentes para construção da imagem regional. Para esta análise, categorizou-se sete aspectos apresentados nas matérias atrelados ao Nordeste: Seca; Problemas Socioeconômicos; Irrigação; Investimentos; Problemas e Soluções; Turismo; Propagandas Turísticas.

3. Imagem, Imaginário e Turismo: (re)construções possíveis

Pesquisas socioantropológicas e de marketing evidenciam que uma imagem pode comunicar mais que palavras ou sintetizar em si longos textos. Não é fácil conceituar o termo “imagem”, uma vez que este pode ser tomado por inúmeros contextos e disciplinas, criando diversas conotações (Jenkins,1999).

São diferentes perspectivas de análise, cada uma atribuindo definições, de acordo com seus objetos e necessidades dos estudos. Aponta-se que o termo leva em consideração a existência de um receptor, aquele que vê, identifica, lê, analisa, contextualiza ou compra uma imagem – ou faz todo esse processo conjuntamente.

As imagens que se formam para cada indivíduo podem provir de variados âmbitos, seja de sua relação com o outro, com seu lugar de morada ou de nascimento, de seu convívio social, do seu cotidiano, e “sempre são sociais e espaciais ao mesmo tempo” (Hiernaux & Lindón, 2012, p.16). Também se formam imagens desejadas, aquelas que não estão presentes no cotidiano, mas que almejam ser vividas. Assim, formam-se desejos de viagens e conhecimento de locais e culturas díspares do “seu” (Hiernaux & Lindón, 2012).

Imagens e imaginário caminham lado a lado, se as imagens vistas podem ser transformadas, sócio ou individualmente, em imaginário; o imaginário, por sua vez, pode produzir imagens, que podem não ser, por assim dizer, verídicas. O imaginário “funciona como um reservatório de ideias, de valores e de modelos de ação que não determinam necessariamente os comportamentos. Por sua diversidade e suas contradições potenciais solicita a criatividade e autonomia do sujeito” (Berdoulay, 2012, p.51).

Para Lindón (2008, p. 41), os imaginários constituem “um patrimônio de ideias e de imagens mentais acumuladas, recriadas e tecidas em uma trama, por parte do indivíduo no curso de sua socialização”. Assim, “nenhum indivíduo elabora estas construções de sentido isolado dos outros, senão no diálogo e interação”. Nogué (2012) discute o conceito de imaginário nesta mesma perspectiva.

Expõem-se aqui, portanto, duas situações: a do imaginário particular, construído por cada indivíduo a partir de imagens e informações por este adquiridas, e o imaginário social, conduzido por diversos atores sobre determinada situação e/ou localidade, país, nação, povo, cultura. Estes dois níveis do imaginário estão conectados e nutrem-se mutuamente (Cherifi, Smith, Maitland & Stevenson, 2014; Bignami, 2002; Hiernaux-Nicolas, 2002).

As imagens e imaginários também são difundidas visando a alcançar algum objetivo, seja político, econômico, cultural ou social. Dessa forma, vão se construindo e consolidando imaginários coletivos sobre determinado lugar, cultura, povo.

Abre-se um parêntese dentro da formação do imaginário coletivo para distinguir imagem e estereótipo, pois ambos estão atrelados ao imaginário e podem ser confundidos. Enquanto os estereótipos são fruto de imagens coletivas amplamente compartilhadas e com significados socialmente construídos (Cherifi, Smith, Maitland & Stevenson, 2014), generalizando a imagem (Kotler & Armstrong, 2003), a imagem é bastante particular, é subjetiva.

A aceitação do estereótipo funciona, assim, como uma “miopia” que não quer ser curada, aceitando “verdade” promulgada amplamente, sem o exercício da crítica individual, limitando e sabotando a sua própria visão e posicionamento sobre algo.

Tomado a partir desse ponto, o estereótipo pode interferir na construção particular do imaginário: “os estereótipos, pela vasta difusão e aceitação que têm nas sociedades, acabam influenciando o processo de formação das imagens subjetivas” (Bignami, 2002, p.15), que é cada vez mais veiculada no contexto de comunicação do mundo globalizado.

A partir das considerações acima, é importante questionar se: a imagem negativa do Nordeste resulta de estereótipo? Até que ponto os sujeitos apenas absorveram informações e imagem veiculadas, sem reflexões críticas? Da mesma forma, atualmente, será que os sujeitos que vislumbram a imagem do Nordeste paraíso, também visualizam que esta traduz parte de uma região que permanece com seu clima similar àquele, cuja imagem vendida era da seca e da fome? Que esse Nordeste ainda possui áreas deprimidas e pujantes? Ou seja, que no final, os dois lados (abundância e pobreza) sempre existiram concomitantemente?

No pós-Segunda Guerra, o mundo passou por uma transição econômica e, já em finais do século XX, comunicacional, resultando em comportamentos de consumo nunca vistos antes. Neste contexto, a imagem e o imaginário tornaram-se fonte geradora de curiosidades e necessidades, tantas quantas fossem precisas para movimentar o capital de bens e serviços, nascendo aí uma “sociedade do descarte”, como aponta Harvey (1989). Com isso, no sentido de manipular com vistas ao consumo, os gostos e opiniões do público, precisavam ser dominados pelo capital. Para tanto, a construção de imagens, imaginário e símbolos foi fundamental. Inclusive, “as imagens se tornaram, em certo sentido, mercadorias” (Harvey, 1989, p. 260).

Imagens e imaginário possuem hoje uma função para além da comercialização de bens e serviços. Fabricam-se imagens institucionais e/ou políticas de localidades, regiões, nações, de acordo com necessidades políticas e empresariais, de acordo com o capital.

Sobre formação da imagem de um local, consideram-se dois níveis: o orgânico e o induzido[3]. A imagem orgânica se constrói a partir do que se ouve, se vê e se aprende do local, por meio da educação, das artes e da socialização, tornando-se uma imagem inicial – talvez correspondendo, nesta pesquisa, ao Nordeste da seca, repetidamente caracterizado em livros didáticos, nas artes e literatura. Já a imagem induzida, como o nome anuncia, é resultado de uma produção e promoção do local, por meio de campanhas publicitárias (guias turísticos, propagandas, folders, cartazes, brochuras, outdoors). Neste caso, o Nordeste do lazer e do Turismo, intensamente publicizado.

Há casos em que não há referências anteriores sobre um local, não existindo uma imagem primária, o que leva ao conhecimento apenas da imagem induzida. E ainda pode haver caso da inexistência de qualquer contato prévio, formando-se a imagem por meio da vivência presencial, que com os meios comunicacionais da sociedade contemporânea é mais difícil ocorrer (Bignami, 2002). Nesse ponto, Bignani (2002, p.16) avalia que: “de qualquer modo, a imagem irá se constituir por aquelas características que, por uma razão ou outra, se destacaram ou foram impostas como padrão representativo da realidade e que irão posteriormente caracterizá-la”.

No caso aqui estudado sobre a Região Nordeste brasileira, a imagem da seca e subdesenvolvimento foi muito forte, ainda havendo resquícios, mas trabalhada de tal forma que passou a dividir espaço com a imagem turística de belas praias.

4. A formação imagética do Nordeste brasileiro através do livro didático

Como discutido, a formação de um imaginário sobre algo, algum local, pode iniciar-se organicamente cedo em nossa mente, desde a nossa infância, acumulando-se durante a vida. No caso pesquisado, o brasileiro durante sua passagem pelo ensino formal, estudou sobre a formação histórica, econômica, política e natural do Nordeste. Nessa perspectiva, os livros didáticos participam da construção imagética de cada indivíduo.

Portanto, qual a imagem pôde ser construída através desses livros, instrumentos de estudo para alunos do segundo grau (ensino médio) de todas as regiões brasileiras? Sob perspectiva aqui adotada, os livros trazem textos e figuras/fotos, que permitem compor a imagem do Nordeste.

Iniciando a análise com “O Brasil e o Mundo: as regiões brasileiras” de Aroldo de Azevedo (1963), tem-se a peculiaridade da divisão regional brasileira não ser igual à vigente. No caso do Nordeste, este se subdividia em Nordeste Ocidental (MA e PI) e Nordeste Oriental (CE, RN, PB, PE, AL e Fernando de Noronha), e os Estados de Sergipe e Bahia estavam alocados na Região Leste. Além disso a autor repete por vezes a expressão “Nordeste propriamente dito” se referindo à porção Oriental.

Nesse livro são descritos como personagens humanos mais típicos do Nordeste o jangadeiro, para o litoral, e o vaqueiro para o sertão (Figuras 01 e 03). Notadamente, essas duas figuras até hoje são fortes no imaginário popular, sendo constantemente utilizadas pelo Turismo de várias formas (Figuras 02 e 04).


Figura 01
Jangadeiros ilustrados na obra de Azevedo
Fonte: Azevedo (1963, p. 88).


Figura 02
Jangadeiros de Porto de Galinhas/PE, uma das imagens locais mais vendidas
Fonte: Perval Del Carlo (2018)[4]


Figura 03
O vaqueiro sertanejo na obra de Azevedo.
Fonte: Azevedo (1963, p. 86).


Figura 04
O artesanato cearense retratando as vestimentas e acessórios de couro
Fonte: Site Ceará Cultural[5] 2018.

Na descrição do Nordeste Ocidental, apresenta-se a natureza exuberante que garante a transição entre o Norte do país e o “Nordeste propriamente dito”. Apresentando o Nordeste Oriental, o que realmente o caracteriza é seu clima e regime de chuvas, dos quais resulta um violento contraste. A descrição do litoral traz paisagem exuberante[6], sobretudo pelos coqueirais que bordeiam a costa. Sobre o sertão, além de informações sobre geologia, temperaturas, rios, precipitações pluviométricas e vegetação, há passagens que merecem destaque por proporcionar construção imagética aos leitores:

Normalmente as secas duram de cinco a seis meses, castigando rudemente o sertão do Nordeste; mas o homem as suporta com resignação, porque espera as chuvas do fim do ano. Entretanto, muitas vezes estas não chegam e o mês de abril vem, sem que nenhuma gota de água umedeça aquele solo ressequido; inicia-se, então, a grande tragédia: desaparecem as plantações, morre a vegetação natural, secam as ‘cacimbas’, caem mortos de fome e sede os animais, e o homem não tem outro caminho senão abandonar suas terras, em busca de zonas até onde o flagelo não se tenha feito sentir tão duramente. (Azevedo, 1963, p.77).

Somado ao exposto acima outras passagens colaboram com a formação imagética, por exemplo, ao apresentar a população nordestina o autor coloca que em alguns lugares, há mais pessoas do que “favorecem” as condições de habitabilidade, e elas “lutam tenazmente contra o meio ingrato e só abandonam o seu torrão quando as secas assumem um aspecto de invencível calamidade” (Azevedo, 1963, p.85).

Este livro de 1963 inclui imagens fotográficas que enriquecem a obra e facilitam a formação de imaginários. As caracterizações naturais ganham mais destaques do que as político-sociais, o que, talvez, levem o leitor mais à visualização estética da região do que ao entendimento do quadro social.

O segundo livro é novamente de Aroldo de Azevedo: “O Brasil e suas regiões”, edição de 1971, quando as regiões brasileiras já tinham sido redefinidas e o Nordeste foi apresentado conforme delimitação atual[7].

Azevedo (1971, p.59), apresentando o litoral, expõe: “praticamente em toda a extensão do litoral nordestino, dominam as praias, de extraordinária beleza, muitas vezes contendo dunas, que chegam a atingir alturas de 30-50m, ou enfeitadas por compactos coqueirais, típicos do litoral oriental”. Descreve-o ainda como entrecortado por rios, com formação de lagunas, manguezais e coqueirais, conferindo seu juízo de valor: “Ali se encontram praias constituídas de areias alvas e muito finas, consideradas das mais belas do país”. O autor impõe seu juízo de valor, contribuindo para a formação de uma imagem positiva.

Ao trazer as atividades econômicas, insere a descrição de seus habitats de desenvolvimento e suas críticas sociais, que, por sua vez, possibilitam compor uma imagem:

(...) outros problemas ainda existem, que não dependem das condições criadas pela natureza. São problemas sócio-econômicos, cuja seriedade ninguém pode ignorar: a desigual distribuição de riqueza, acumulada nas mãos de uns poucos, ao passo que a miséria domina na maioria da população; o regime de trabalho dos que vivem nas áreas rurais; o baixo padrão de vida de enorme parcela dos nordestinos. (Azevedo, 1971, p.89).

Ao descrever o sertão, o autor utiliza praticamente a mesma descrição do livro anterior, transcrevendo os horrores da seca: “ficam esturricadas as plantações, morre a vegetação natural, secam as cacimbas, caem mortos de fome e sede os animais, e o sertanejo se transforma no retirante, constituindo os chamados paus-de-arara” (Azevedo, 1971, p. 111).

As imagens provenientes desse discurso circulam entre indivíduos de outras regiões do país e dos próprios nordestinos, até porque muitos deles ou seus parentes vivenciaram estas dificuldades. Assim, nessa narrativa, o sertão continua sendo associado à negatividade, enquanto o litoral passa a ser veiculado de uma forma mais positiva, sendo destacadas suas belezas naturais.

Já o livro de Igor Moreira, “O Espaço Geográfico: Geografia geral e do Brasil”, de 1977, trouxe informações e descrições sucintas sobre o Nordeste. Aponta o Nordeste com alto índice migratório, reverberando, portanto, a imagem de difíceis condições de vida e do retirante. Chama atenção a apresentação do sertão, após o autor mencionar que o pior não é a falta de chuvas, mas sua má distribuição durante o ano.

Sette e Andrade (1977) em “Geografia do Brasil: 2º Grau”, apresentam os diversos relevos, climas, vegetação, população, demografia e economia brasileiros, caracterizando as cinco regiões. Trazem pinceladas da realidade nordestina que nada distam dos anteriores em suas descrições sobre condições climáticas, migração, sertão e litoral. O destaque nesse livro está no final do capítulo sobre o Nordeste pela menção à atividade turística em Fernando de Noronha/PE, Oeiras/PI, Olinda/PE, Marechal Deodoro/AL, São Cristovam/SE e Salvador/BA, sendo essa última, segundo os autores, de atração turística nacional e internacional. Quando abordadas as atividades econômicas, apontam o Turismo como grande possibilidade de desenvolvimento na região, ou seja, ainda como uma pretensão.

Da década de 1980, tem-se o “Brasil: sociedade e espaço”, de Willian Vesentini (1986). Ao abordar os contrastes regionais do Brasil, o autor aponta: “Foi, pois, no final da década de 50 que o debate sobre a questão regional no Brasil, em especial o atraso do Nordeste frente ao Sudeste, se tornou mais agudo” (p.194). A assertiva talvez tenha possibilitado a visualização de uma região atrasada e, sobretudo, mais atrasada que o Sudeste, constituindo-se uma ‘região-problema’.

Sobre o sertão, Vesentini (1986, p.209) afirma: “O fato que mais marca o sertão nordestino, para a imprensa e a opinião pública em geral, são suas secas”. E, ao falar sobre o Litoral oriental, comenta os problemas sociais ali encontrados: “aí domina a pobreza, as cidades são cheias de favelas ou ‘mocambos’, a mão-de-obra em geral é mal remunerada e boa parte dos trabalhadores rurais recebem menos que o salário mínimo” (1986, p.209).

Analisou-se também o “Geografia: volume único” de João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene, de 2005, portanto, já do século XXI. Uma única ponderação a ser feita de sua leitura é quando abordada a Vegetação Litorânea, caracterizada pelas restingas e manguezais, apontam que esta é ameaçada pelo avanço da urbanização, pela pesca predatória, poluição dos estuários e pelo Turismo desordenado. O livro não traz contribuições relevantes à formação imagética sobre o Nordeste, inferindo-se que não viabiliza uma imagem negativa, tampouco positiva.

Por último, foi analisado “Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil”, de Lygia Terra, Regina Araújo e Raul Borges, de 2010. Temáticas como o êxodo rural do Nordeste para o Sudeste e a desigualdade social na região permanecem. A agropecuária e a agroindústria representam manchas de modernização no interior, segundo os autores, destacando a soja e a fruticultura irrigada.

Nesta obra há uma metodologia pertinente a este trabalho, propondo a “leitura de imagens”. Na abertura sobre o Nordeste, tem-se a seguinte citação[8]: “No imaginário popular, o sertão nordestino é o lugar da seca, da terra inóspita e da miséria. Datam do final do século XIX os relatos do escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, sobre a aridez e a pobreza dos rincões do Nordeste”. Com a citação e quatro imagens (Figura 5), os autores questionam: “o que você pode supor sobre a Região Nordeste baseando-se nos dados e imagens apresentadas?” (Terra, Araújo & Borges, 2010, p. 195).


Figura 05
Conjunto de imagens retratado na abertura do capítulo sobre Nordeste.
Fonte: Terra, Araújo e Borges (2010, p.195)

A citação conjugada a três imagens apresentam dados negativos e apenas uma imagem positiva. Ou seja, a abertura do capítulo direciona uma leitura mais negativa do que positiva do Nordeste. Sobre ocupação territorial, duas menções possibilitam imagens diferentes: a dos latifúndios e seus coronéis, ainda no século XX, que acentuou a pobreza e, somado às condições climáticas, incentivou as migrações para outras regiões do país; e, atualmente, investimentos têm favorecido atividades econômicas no semiárido, como a fruticultura, a piscicultura, a caprinocultura, a apicultura e o enoturismo.

Sobre a economia e os recursos naturais, os autores afirmam que a economia da região mostrou-se mais dinâmica nas últimas décadas do século XX, e o Turismo é abordado como atividade de “grande importância para a região, desenvolvido a partir das potencialidades naturais e dos atrativos culturais” (Terra, Araújo & Borges, 2010, p. 201).

Os autores destacam as “maravilhosas paisagens naturais” no litoral e os parques naturais no interior do Nordeste. Também são feitas referências: aos eventos culturais do Carnaval, destacando Salvador/BA, Olinda e Recife (PE); as festas juninas em Caruaru/PE e Campina Grande/PB; bem como ao grande número de Patrimônios Culturais e Naturais da Humanidade instituídos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (Figura 06).


Figura 06
Imagens para divulgação do Turismo
Fonte: Terra, Araújo, Guimarães (2010, p. 204)

Infere-se, num balanço das leituras didáticas, que, até os anos 2000, sobressaem informações e descrições que levam o leitor à formação de imaginário mais negativo que positivo do Nordeste. Até mesmo quando abordado o litoral a partir de suas paisagens exuberantes, área que esta pesquisa aponta como o local onde se desenvolve o Turismo de modo mais significativo, por vezes, seus problemas sociais são enfatizados em detrimento das condições naturais. Somente a partir do século XXI, os livros trazem dados ponderados sobre elementos de positividade e negatividade da região Nordeste. No que tange ao Turismo, esta atividade apareceu parcamente em dois livros didáticos analisados, um de 1970 e outro de 2010 – neste último, de maneira mais enfática e informativa, com inclusão de várias imagens e denotando importância a sua prática, no contexto regional.

5. A (re)construção da imagem de Nordeste brasileiro através da Revista Veja

A Revista Veja, de circulação nacional, foi selecionada por sua continuidade histórica, sua amplitude temática e sua inserção na leitura cotidiana do brasileiro, desde 1968. Seu valor está no alcance de um amplo público leitor até o final do século passado. Nas duas últimas décadas perdeu relevância, mas continua em circulação.

A partir da proposta objetivada neste estudo, isto é, entender como fora formada e ressignificada a imagem do Nordeste, os temas foram categorizados, contabilizados e analisados. Foram estabelecidas sete categorias que nortearam as matérias lidas, são elas: “seca”; “irrigação”; “problemas socioeconômicos”; “investimentos”; “Turismo”; “problemas e soluções” e “propagandas[9]”. Com isso, contabilizados por década em números absolutos e percentuais, tem-se o Quadro 2 apresentado abaixo:

Quadro 2
Revista Veja, segundo categorias analisadas – 1968/2017

Fonte: Elaboração das autoras, 2018.

Iniciando pela temática da seca, em números absolutos, ela aparece em maior quantidade no período de 1968-1979, com 11 exemplares trazendo a conjunção da palavra Nordeste a matérias de seca, um número expressivo comparativamente às décadas posteriores, sendo que entre 2000-2009, ela não ocorre. A primeira menção à seca foi no ano de 1970, trazendo o drama dos famintos e o risco de saques a estabelecimentos. Foram encontradas mais seis matérias sobre a seca nesse ano; em três dessas, aborda-se a seca como uma condição contínua desde o tempo do Império.

Apesar da lacuna ocasionada pela década 2000-2009, compreende-se que esta é uma temática que acompanhou a trajetória da Revista e foi, crítica e repetidamente reportada, sempre questionando qual o motivo de não se efetivarem projetos coerentes para sua resolução ou que, no mínimo, combatessem suas consequências e dessem uma vida digna a quem com ela convive. Várias denúncias de desvios de verbas públicas em prol de proprietários privados, favorecendo suas terras com a construção de poços e açudes, também se fizeram presentes.

Algumas das principais manchetes da Veja vinculadas à seca e ao Nordeste, no período analisado, são: “A seca chegou à SUDENE”, “O poder da seca”, “Seca: já ou ainda?” (1968 – 1979); “A descoberta da seca” (1980 – 1989); “A indústria da miséria”, “Os poços da Bíblia e os do DNOCS[10]”, “O marketing da fome” (1990 – 1999); “Vida seca na cidade grande” (2010 – 2017).

A temática da irrigação correlaciona-se com a da seca, pois infere uma mudança importante na imagem que se tinha da miséria no sertão nordestino, já que o obtido com a irrigação são plantações de alta qualidade, que, sobretudo com a fruticultura, começaram, ainda na década de 1970, a ganhar destaque nacional e viraram produtos de excelência para a exportação, possibilitando que o Nordeste se relacionasse diretamente com os países importadores de seus produtos. Atualmente, a irrigação faz parte de uma nova imagem de Nordeste e também de um novo Turismo nordestino a partir do enoturismo, ainda pouco descoberto, mas que reverbera esse “novo” Nordeste.

A temática problemas socioeconômicos reportados na Veja compõe um quadro que melhorou com os anos, mas que, em certo grau, ainda persiste, como deficits educacionais e o acesso à saúde, por exemplo. O período que apresentou maior número de reportagens dessa categoria foi de 1968 a 1979, quando 16 matérias apresentaram questões socioeconômicas do Nordeste, parte delas associadas à desigualdade, abordando a relação entre coronéis e trabalhadores, ou sobre a reforma agrária, apresentando a desproporcional divisão de terras nordestinas, havendo grandes porções nas mãos de poucos, enquanto uma divisão mais justa proporcionaria melhores condições econômicas e sociais para essas comunidades.

Os problemas socioeconômicos mudaram, conforme os anos de publicação, saíram de assuntos como inchamento das cidades, seca e fome, para disparidades socioeconômicas do país e à violência urbana. Convém frisar que, mesmo possuindo certo destaque nos dados das matérias após os anos de 1990, o Nordeste deixou de ser o centro das atenções, passando a figurar dentre as estatísticas nacionais. Como principais manchetes da Veja, retratando os problemas socioeconômicos, temos: “O Nordeste poderá explodir: o estopim tem a forma de crescimento populacional desordenado” (1968 – 1979); “O flagelo das águas” (1980 – 1989); “A fome ou a lei”; “O mapa da fome da ONU[11]”, “Sem choro nem escândalo” (1990 – 1999); “O tsunami da violência”, “E agora, Brasil?”, “O horror cotidiano” ( 2010 – 2017).

Adentra-se agora nas categorias que implicam imagens mais positivas do Nordeste e participaram da mudança imagética da região, transitando de matérias mais negativas para aquelas mais positivas. De 1968-1989, muitas foram as propagandas da SUDENE buscando investimentos para a região, bem como apareceram atuações desse órgão visando ao desenvolvimento. Ao longo dos anos foram sendo expostos os investimentos que os Estados também realizavam, mais proeminentemente no Ceará, Pernambuco e Bahia.

As matérias sobre investimentos demonstram como a modificação da região foi requisitando investimentos em tecnologias mais avançadas. Se antes pensava-se em levar luz elétrica aos municípios e construir estradas, atualmente, os investimentos estão em portos, aeroportos, complexos portuários e turísticos, usinas de energia limpa, etc. Entretanto, percebe-se a lacuna de matérias sobre investimentos em saúde, educação e segurança pública, questões ainda problemáticas do quadro social nordestino.

Na temática problemas e soluções, apresenta-se, majoritariamente, as ações individuais dos Estados no tangente a suas melhorias, como eles venceram os problemas existentes. A edição da Veja nº 67 de 1969, compreende um apanhado histórico dos 10 anos de criação da SUDENE, e, resumindo-o, tem-se a seguinte frase: “não é justo dizer que os resultados obtidos têm o mesmo nível da grandeza e da generosidade da ideia inicial. Mas não é justo também culpar a SUDENE pelo muito que deixou de fazer ao lado do muito que fez” (p. 29, 1969).

Apesar de a ideia inicial não ter alcançado seus propósitos totais, a SUDENE fez com que a industrialização deslanchasse na região: em 1967, o Nordeste cresceu 5%, enquanto o Brasil crescia 4,2%. Entretanto, “os números do crescimento industrial contrastam com a dramática estagnação dos índices de emprego, saneamento e saúde” (Veja, nº 67, p.29). Acontece que os problemas sociais estruturais do Nordeste iam além do que a SUDENE poderia resolver com políticas econômicas.

“A SUDENE é, inicialmente, filha da seca. Até 1958, a seca era mãe de todas as desgraças do Nordeste. Salvar a região era construir açudes, prática iniciada no começo do século, depois da terrível estiagem de 1877” (Veja, nº 67, p.29). Esta é uma frase marcante, pois traz a imagem da seca como grande vilã das desgraças nordestinas, das econômicas às sociais.

A primeira matéria da década de 1990, traz o histórico de 20 anos sobre as mudanças no Nordeste (Veja nº1134, pp. 50-54). Com título “A derrota do atraso – No posto de região que mais cresce no país, o Nordeste desmente as profecias e mostra um conjunto de mudanças na paisagem”, a matéria aponta que, há 20 anos, a maioria da população residia no campo em casebres, enquanto hoje mais de 55% mora nas cidades, que esbanjam seus arranha-céus e shopping centers. Afirma ainda que a região continua sendo a mais pobre do país e com indicadores sociais arrasadores, mas, concomitantemente, exibe estatísticas positivas que impressionam.

A temática Turismo alcançou 24 reportagens exclusivas, pouco menos que a seca (27), sendo os períodos de 1968-1979 e de 1990-1999 aqueles que agregam maior número de matérias, 06 e 11, respectivamente (Quadro 02). De 1968 a 1979, as matérias reportam os luxuosos hotéis e as redes internacionais que chegam ao Nordeste. São focadas as cidades de Salvador/BA e São Luís/MA.

A década de 1990-1999 tem o maior número de matérias sobre o Turismo (11). Em 1992 a revista traz duas reportagens, sendo a primeira uma matéria exclusiva sobre Maceió/AL, contando sobre suas belas praias de águas translúcidas e também dos políticos alagoanos; e a segunda, apresenta a costa pernambucana como “Caribe Nordestino” (Figura 07), descrevendo seu litoral e seus frequentadores, dando ênfase aos endinheirados que possuem suas mansões por ali ou usufruem dos sofisticados hotéis, das lagostas e camarões, de passeios de jet-ski e ultraleve, das “festas de arromba” (Veja nº 1240, pp.76-77, 1992).


Figura 07
Matéria intitulada “Caribe brasileiro” sobre o Estado de Pernambuco.
Veja nº 1240, pp.76-77 (1992)

O ano de 1993 traz cinco matérias relevantes ao Turismo nordestino e à imagem regional. A primeira delas relaciona aumento do Turismo à aparição de localidades em programas televisivos (novela, no caso). A reportagem menciona que a exibição da novela “Renascer”, ambientada no sul baiano, principalmente na cidade de Ilhéus, e cujo enredo esteve nas fazendas e produção do cacau, fez com que o valor de imóveis subisse, e a procura por hotéis disparasse. A fala do Prefeito anuncia: “Ilhéus está nas TVs do país inteiro e é isso que faltava para consolidar nossa vocação para o Turismo” (Veja nº 1291, p.104, 1993), e uma turista adiciona: “Já conhecia a Bahia, mas fiz questão de visitar uma plantação de cacau igual as que eu vi na televisão” (Veja nº 1291, p.105, 1993).

Essas duas citações resumem o pensamento das duas pontas de um mesmo processo, do setor público que planeja o Turismo (início) ao turista que o vivencia (fim). Esses dois atores sociais confirmam o vínculo existente entre a exibição de locais em programas de alcance e audiência nacionais e o crescimento do fluxo turístico.

A edição nº 1292, estampa o Nordeste em sua capa com o chamativo “O paraíso do sol” e uma imagem da praia de Calhetas, sul pernambucano (Figuras 08 e 09).


Figura 08
Capa de matéria sobre o Nordeste.
Fonte: Veja nº 1292, 1993


Figura 09
Abertura de matéria sobre o Nordeste
Fonte: Veja nº 1292, 1993

A reportagem de sete páginas traz frases como: “Com hotéis cinematográficos e pousadas para a classe média, um novo Nordeste seduz brasileiros e estrangeiros” (p.70); “Este território ensolarado não é o Nordeste de alguns anos atrás” (p.70); “O Turismo é a maior indústria do mundo e o Nordeste está começando a descobrir que tem uma vocação para explorar essa mina de ouro: sol o ano inteiro” (p.70); “Os roteiros incluem paraísos à beira-mar” (p.71); “O Nordeste tem mais charme que o Caribe e uma culinária mais vasta e criativa” – diz turista alemão (p.72).

As duas primeiras frases dessa reportagem sinalizam que o Nordeste passou por uma transformação a ponto de causar surpresa quando comparadas às imagens outrora formadas da região. Já a terceira frase confirma a ressignificação sobre o sol, que de vilão, na seca, passa a salvador, no Turismo. E as duas últimas traçam esse imaginário de paraíso atrelado ao Nordeste, tanto de forma impositiva – como a frase da redação da revista, como quando se compara a outro destino já “reconhecido” como paraíso (o Caribe) – na frase do turista. São apontamentos importantes para verificar essa mudança de imagem e do próprio olhar para o Nordeste, anunciando que sua exposição e percepção estavam passando (passaram) por uma transição.

Outras edições vão trazer: os climas amenos das regiões serranas nordestinas, o que desconstrói a imagem negativa de sol escaldante; a prosperidade do Ceará; o aumento do fluxo turístico e do número de residentes estrangeiros na região; o clima constante de sol que favorece o Turismo; a boa relação custo benefício de se visitar o Nordeste em vez do Caribe; outras, com destinos turísticos pontuais.

Compreende-se que as matérias sobre Turismo puderam mostrar um Brasil ainda pouco conhecido pelo Sul e Sudeste, composto de praias, coqueirais e uma culinária própria, promovendo uma “nova cara” ao Nordeste. Enfatizando as belezas naturais, as águas mornas, a culinária apetitosa e a hospitalidade, compuseram um cenário de descobertas a serem feitas e convidou o público a conhecer essa região muitas vezes marginalizada. Algumas matérias fizeram menção à economia crescente e ao novo contexto moderno das cidades nordestinas, como se quisesse desvencilhar-se da imagem de atraso outrora impressa.

A última temática refere-se às propagandas turísticas, que somaram 14 matérias no período analisado. Analisando o conteúdo das propagandas, pode-se verificar a intenção de cinco Estados nordestinos (CE, PE, AL, SE, BA) para atrair turistas e investidores, três deles aqueles que se mantêm atualmente como os mais visitados: Pernambuco, Ceará e Bahia. Interessante perceber que, nas últimas décadas, não houve a identificação de mais propagandas turísticas pagas, possivelmente o veículo deixou de ser interessante para comunicação dos Estados, já que perdeu importância diante das novas mídias que emergiram.

Acredita-se, com as análises das matérias da Revista Veja, que este veículo midiático retratou os mais diversos “Nordestes”, ou melhor, o Nordeste em suas diversas e até contraditórias características, reais e ainda atuais. Não se percebem exageros ou omissões nos textos da revista quando se apresentam as situações nordestinas, nem as positivas, nem as negativas. Quando se abordou a pobreza, a fome, a miséria, não foram alusões sem fundamento: o quadro nordestino exibiu e, em parte, ainda exibe tais problemáticas. Do mesmo modo, ao retratar as possibilidades, prosperidades e mudanças, as reportagens trataram do que realmente vem ocorrendo por décadas na região, incluindo a atividade turística. Nas matérias sobre o Turismo, o retratado é o que, de fato, encontra-se exuberante natureza, um mar de águas mornas, sol por muitos dias do ano, rica culinária e rico artesanato e, em geral, pessoas alegres e hospitaleiras.

Portanto, a “interferência” na imagem divulgada do Nordeste pela Veja não parece negligenciar a realidade encontrada. Se ela oportunizou uma imagem mais dramática em certos momentos e mais paradisíaca em outros, não se entende que haja nisso omissão dos fatos, mas que não nos é permitido afirmar, o que pode ter havido é uma política de formação de quadros ora negativos, ora positivos.

6. Considerações Finais

Ao longo do século XX, no imaginário brasileiro, a região Nordeste era associada ao atraso econômico, social e tecnológico. Até os anos de 1970, grande parte da nação relacionava o Nordeste apenas às condições precárias para a sobrevivência humana. A pobreza era outra marca, somada à baixa escolaridade e ao parco crescimento econômico em relação ao Sul e ao Sudeste do país.

No entanto, ao longo das últimas décadas, aos poucos foram sendo incorporadas imagens positivas nos discursos que se referiam ao Nordeste. A partir da análise dos livros didáticos e da Veja, é possível afirmar que o início de uma nova imagem que passa a ser veiculada da região emergiu a partir das ações da SUDENE. A industrialização proporcionada pela SUDENE possibilitou a concepção de um novo Nordeste urbano e apto para receber grandes investimentos, amplamente reforçado pela revista Veja, entre os anos de 1960 e 1980, utilizando o apelo de destino turístico para incentivar os possíveis investidores.

Assim, o Turismo foi um dos setores que participou de forma determinante dessa mudança de imagem regional, sendo apresentada ao país uma paisagem diferente do solo rachado, das pessoas com balde d’água na cabeça e carcaças de animais mortos de sede e fome, difundidos por diversos meios de comunicação (livros, filmes, fotografias, reportagens), até então. Investidores da hotelaria foram grandes propagadores da imagem de um Nordeste que crescia e divulgadores de suas belezas naturais para todo o Brasil. O agrobusiness foi e é outra fonte propulsora dessa nova imagem nordestina, reportada pelos livros didáticos e pela Veja, viabilizando o cenário de um sertão que dá frutos e prospera.

É possível verificar a evolução e a diversificação econômica do Nordeste retratada pelos livros didáticos e pela Revista Veja, desde a década de 1960 até os dias atuais, e perceber que o Turismo foi se fazendo presente na realidade da região. Com a consolidação do Turismo, as imagens e textos descritivos sobre o Nordeste também vão se modificando nesses dois veículos, buscando informar, para além das condições naturais favoráveis, as condições físicas, econômicas e culturais que se agregam a esse destino.

O Nordeste foi mudando no que se refere à sua economia e paisagem, acarretando uma nova percepção sobre a região. O Turismo, associado a um novo arranjo produtivo regional, possibilitou este novo imaginário. Se por um lado, para promoção do Turismo foi necessário redefinir a imagem regional, particularmente do litoral onde a atividade se concentra, ressaltando sua positividade (beleza natural e diversidade cultural); por outro lado, o desenvolvimento do Turismo ajudou a promover uma imagem mais moderna e atrativa do Nordeste brasileiro.

A projeção de um lugar para o Turismo (segunda região mais procurada e visitada do país) levou o litoral do Nordeste a um patamar de paraíso tropical (Caribe Brasileiro para alguns), e se impôs ao imaginário nacional como um espaço de lazer, alegre, de bem-estar, distinto dos imaginários traçados anteriormente nos livros didáticos e matérias da Veja, nas últimas décadas do século XX. Contudo, essa mudança não suprimiu a imagem de seca, fome e pobreza pela de paraíso tropical e belezas, mas é possível verificar que, se antes, majoritariamente, o imaginário nordestino era negativo, hoje, ele é dual: ainda há imagens negativas que permeiam as mentes dos brasileiros, contudo, há também as imagens positivas associadas à região Nordeste.

Esta pesquisa pôde evidenciar a participação do Turismo na ressignificação da imagem do Nordeste brasileiro, encadeando os processos de modificação da paisagem, da imagem e da própria economia nordestina que compactuaram para esse novo imaginário regional. Concluiu-se, por fim, que não houve uma superposição de imagens, e sim uma sobreposição, pois elas falam, conjuntamente, de um mesmo espaço.

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Notas

[1] São estes: Maranhão/MA, Piauí/PI, Ceará/CE, Rio Grande do Norte/RN, Paraíba/PB, Pernambuco/PE, Alagoas/AL, Sergipe/SE, Bahia/BA
[2] A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, instituída em 1996 traz a nomenclatura da divisão da educação brasileira “Ensino Médio”, que corresponde a três anos de ensino que atendem às idades de 15 a 17 anos, e que anterior a sua instituição conhecia-se como “Segundo Grau”.
[3] Britton (1979); Gartner (1993); Baloglu & Mccleary (1999); Bignami (2002); Gallarza, Gil & Calderón (2002); Cherifi, Smith, A., Maitland, R. & Stevenson (2014).
[4] Recuperado em 21/08/18 de www.flickr.com/photos/turismopernambuco
[5] Recuperado em 27/11/18 de: https://cearacultural.com.br/artesanato/imagens/Artesanato-couro.png.
[6] Os juízos de valores correspondem aos trazidos pelos respectivos autores em seus livros e descrições do Nordeste.
[7] São estas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
[8] Os autores do livro citam um trecho da matéria da Revista Exame intitulada “O sertão agora é assim”, de 09/07/2009, de autoria de Fabiane Stefano
[9] Esclarecendo a condição de “propagando” como aquela publicidade paga.
[10] Departamento Nacional de Obras Contra à Seca – DNOCS.
[11] Organização das Nações Unidas – ONU.


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