Artigos Demanda Contínua

Recepção: 14 Agosto 2015
Aprovação: 10 Novembro 2015
DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5902/1984644415165
Resumo: As discussões sobre a profissão docente são retratadas de maneiras diversas e nos mais variados contextos, este artigo tem por objetivo abordá-la com o intuito de compreender como foi construída a(s) identidade(s) dos professores dos cursos de Arquitetura e Urbanismo do estado do Ceará. Tornar-se professor envolve um complexo processo de apoderação que implica muitos fatores, tais como a vida individual de cada sujeito e a história das suas práticas educativas. Sabendo disto perguntamos a 06 (seis) professores das diferentes instituições de ensino superior existentes no Estado do Ceará porque eles fizeram a opção pela docência. Percebemos pelos relatos que tornar-se professor de arquitetura e urbanismo envolve um complexo processo tais como, a estabilidade financeira, a vocação e realização pessoal.
Palavras-chave: Profissão docente, Formação de professores, Arquitetura e urbanismo.
Abstract: The discussions about the teaching profession are portrayed in various ways and in various contexts; this article aims to address it in order to understand how it was constructed the Architecture and Urbanism professors’ identity of the State of Ceará. Becoming a professor it involves a complex process of achievement that implicatein many factors, such as the individual life of each person and the story of their educational practices. Knowing this we asked to six (06) professors from different institutions of higher education existing in the State of Cearáto know why they made the choice for teaching. We realized by reports that becoming an architecture and urbanism professor involves a complex process such as financial stability, vocation and personal fulfillment.
Keywords: Teaching profession, teacher training, Architecture and urbanism.
O arquiteto-professor: a opção pela docência dos arquitetos urbanistas do estado ceará
Este trabalho é uma das contribuições do projeto de pesquisa intitulado “Processos formativos e indenitários dos professores dos cursos de bacharelado em arquitetura e urbanismo do estado do Ceará” vinculado a Universidade Federal do Ceará. É uma pesquisa exploratória, uma vez que esta temática é pouco explorada e não encontramos artigos, muito menos livros que retratassem da formação docentes nos cursos de arquitetura e urbanismo.
A formação de professores é uma temática importante, sendo percebida mais intensamente em pesquisas acadêmicas na década de 1990. Inúmeros pesquisadores dedicam-se a esse assunto com o intuito de tornar mais compreensível à complexidade que envolve o ofício docente como profissão e as questões que envolvem a identidade profissional do professor, pois, como afirma Selma Garrido Pimenta no prefácio do livro de Terezinha Rios (2010, p. 13) “[...] não é qualquer um que pode ser professor”.
Pesquisadores como Almeida (1997), Arroyo (2000), Masetto (1998), Nóvoa (1992; 1999); Imbernón (2010); Guimarães (2010); Lima (2001; 2004; 2008) e Pimenta (1999; 2004) percebem a necessidade de uma ressignificação da atitude profissional do professor que privilegie os desafios do contexto contemporâneo com suas possibilidades e limites. Guimarães destaca que:
Identidade profissional, além de relacionada a aspectos objetivos (formas e estratégias de sua configuração na sociedade, conjunto de saberes e destrezas profissionais), refere-se também a disposições pessoais em relação a uma profissão, a um determinado estado de espírito quanto a pertencer a um grupo de pessoas que têm, basicamente, um modo comum de produzir a existência. (GUIMARÃES, 2010, p. 59).
Essas discussões sobre a profissão docente são retratadas de maneiras diversas e nos mais variados contextos, mesmo de forma mitigada, ou seja, de maneira superficial. Este artigo, portanto, tem por objetivo abordá-la com o intuito de compreender como foi construída a(s) identidade(s) dos professores dos cursos de Arquitetura e Urbanismo do estado do Ceará, lembrando que antes de ser professores, estes são arquitetos.
Essa temática apresenta-se como relevante uma vez que se observa um crescente no número de bacharéis arquitetos que que fazem opção pela docência universitária, em detrimento ao trabalho em escritórios. Um estudo realizado por Serapião
relativos ao Prêmio Opera Prima, que há vinte anos vem destacando projetos de graduação das escolas de Arquitetura nacionais, dão conta de que cerca de 25% dos premiados estão fora da área ou em áreas correlatas. Dos que continuam na área da Arquitetura, 21,8% trabalham em escritórios de terceiros, e 48,43% possuem escritório próprio. Mas quase metade desses últimos concilia a atividade privada com a docência - importante campo de trabalho para arquitetos, atualmente - e, outra parte significativa, com atividades no setor público, com possibilidade, ainda, de prestar serviços para terceiros. O autor fala sobre jovens arquitetos que inauguraram a prática profissional em uma situação de distinguida excepcionalidade. Há todo um campo a ser desvendado relativamente à massa de arquitetos que saem, atualmente, das escolas de Arquitetura e que traçam suas estratégias profissionais a partir de competências pessoais médias. (SERAPIÃO, 2008 apud SALVATORI, 2008, p. 75).
Esse é um dado interessante uma vez que no decorrer da formação inicial, nos cursos de arquitetura e urbanismo, esses sujeitos não tiveram contato com disciplinas próprias das licenciaturas, tais como Didática, Fundamentos da Educação, Estagio e Docência, Teorias da Educação, etc. Sem uma fundamentação teórica sobre o trabalho docente esses arquitetos-professores tendem “a ser o que se espera dele e dependendo do seu espaço de trabalho “retoma os modelos dos seus antigos professores, na continuação dos seus métodos e formas de trabalhar os conteúdos propostos.” (LIMA, 2008, p. 4).
De uma maneira geral, as escolas de arquitetura e urbanismo, inseridas na universidade, dedicam-se no preparo profissional de seus estudantes a fim de tentar preencher uma suposta demanda do mercado que exige do ser arquiteto uma qualificação técnica especializada, não preparando esses alunos para uma formação universitária. Isso porque historicamente o estabelecimento, a localização e a disseminação dos cursos de Arquitetura e a constituição do campo profissional no Brasil estão relacionados às demandas institucionais e aos projetos modernizadores dos governos, ao fenômeno da urbanização e à ampliação dos segmentos populacionais médios, principalmente depois da Segunda Guerra.
Esse modelo de ensino percebe a formação do arquiteto e a constituição da sua identidade como algo pragmático, instrumental e por isso, é perceptível nesses cursos a precariedade das informações acadêmicas, tais como pesquisas, extensão, eventos, etc.
Almeida nos esclarece essa questão quando explica que esse ensino pragmático:
Preocupa-se essencialmente com a transmissão de informações, regras de composição do projeto, relativas às suas tipologias específicas e às matérias de apoio técnico. A orientação principal dessa visão de ensino é o exercício profissional. Sua fonte de inspiração são os modelos organizacionais, ou os padrões de projeto, provenientes da prática profissional da arquitetura. Tudo indica que as disciplinas universitárias afins da arquitetura, como Artes ou as Ciências Sociais, desempenham um papel secundário nesse tipo de ensino. Elas são consideradas, respectivamente, meio de treinamento da capacidade de desenho e fonte de informação para a elaboração de programas. (ALMEIDA, 1997, p. 26).
Em contrapartida, entendemos que o exercício profissional docente exige uma complexidade de saberes muito além do saber técnico especializado. Como um “(...) intelectual, crítico e reflexivo, que busca a competência e a qualidade do trabalho que desenvolve, o professor precisa da teoria para iluminar a prática e da prática para resinificar a teoria, o que constitui a práxis docente” (LIMA, 2001, p. 2). Colaborando com essa ideia, Rios ainda nos explicita:
O fazer a aula não se restringe à sala de aula, está além de seus limites, no envolvimento de professores e alunos com a aventura do conhecimento, do relacionamento com a realidade. Com efeito, fazer aula, realizar o exercício da docência é, para o professor, uma experiência que demanda o recurso a múltiplos saberes, entre os quais a Filosofia e a Didática. (RIOS, 2010, p. 27).
Mesmo assim, reconhecemos a atuação desses arquitetos-professores, como uma ação docente, pois, estes lidam diariamente com as questões que envolvem a construção dos conteúdos com os alunos, com criatividade e beleza, com a participação política sua e de seus alunos na sociedade, e com os princípios do respeito e da solidariedade no exercício do seu trabalho como docente (RIOS, 2010).
Em meio à problemática levantada, realizamos a seguinte indagação: o que leva os profissionais bacharéis do curso de Arquitetura e Urbanismo do estado do Ceará a fazerem opção pela docência?
Compreendendo os caminhos da pesquisa
Para compreender como um grupo de arquitetos fizeram a opção pela docência, sua ação docente e responder as perguntas suscitadas elaboramos um questionário aberto, inspirado no modelo desenvolvido por Almeida (1992), nosso referencial teórico-metodológico, em sua tese doutoral intitulada “O trabalho do artista plástico na instituição de ensino superior: razões e paixões do artista professor”, fazendo as adaptações necessárias para atender os questionamentos do presente estudo e, em seguida, enviamos o questionário vários professores de arquitetura e urbanismo do estado do Ceará. Segundo Gil,
Pode-se definir questionário como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou passado etc. (GIL, 1994, p. 121).
O referido instrumento foi dividido em quatro partes, a saber: Parte 1 – A escolha da profissão; Parte 2 – O trabalho do arquiteto na instituição de ensino; Parte 3 – Relações entre o trabalho do arquiteto urbanista e o trabalho do professor de arquitetura e urbanismo; e Parte 4 – Ensino de arquitetura e urbanismo. Nosso objetivo é que cada parte deste questionário seja problematizado e desenvolvido sob a forma de artigo. O presente trabalho é fruto da primeira parte do instrumento que intenciona responder a seguinte questão: Porque um arquiteto urbanista se torna professor?
Com relação aos docentes que foram procurados, enviamos o questionário para 06 (seis) professores de arquitetura e urbanismo e todos responderam o instrumento. Procuramos ter pelo menos um representante de cada instituição de ensino superior em Arquitetura e Urbanismo do estado do Ceará, sendo, 04 (quatro) localizadas em Fortaleza e 01 (uma) na cidade de Quixadá (região do sertão central do estado do Ceará), contemplando assim, as seguintes entidades: Universidade Federal do Ceará – UFC, Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Centro Universitário Christus – UNICHRSTUS, Centro Universitário Estácio do Ceará – Estácio/FIC, Faculdade 7 de Setembro – FA7 e Faculdade Católica Rainha do Sertão – FCRS. Destacamos ainda que, destas instituições, a FA7 e a FCRS ainda não graduou nenhuma turma.
Os professores dos cursos de arquitetura e urbanismo: traçando um perfil
Segundo Masetto (1998) os professores atuam no ensino superior podem ser enquadrado em quatro grupos: os que são profissionais de diferentes áreas do conhecimento (profissionais liberais) e atuam em tempo integral na docência; os que dividem exercício profissional no mercado de trabalho com a docência; os que pertencem a área pedagógica e das licenciaturas que atual exclusivamente na universidade; e os profissionais docentes da área pedagógica e das licenciaturas que dividem o trabalho na universidade com o a atuação na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e/ou médio)
Cada um desses grupos possui pontos positivos e problemas que precisam ser constantemente levantados e enfrentados para o melhor exercício da profissão docente. No caso dos cursos de arquitetura, os professores podem ser enquadrados tanto no primeiro, como no segundo grupo. Duas questões podem surgir a partir dessa realidade: no primeiro grupo, poderíamos questionar “como você ensina o que não vivencia na sua prática diária?” (Masetto, 1998, p. 62); no segundo, “como você ensina se não vivência a pesquisa, tendo sua experiência docente embasada no exercício de sua atividade profissional?
Temos aqui duas reflexões importante para conhecer quem são os professores dos cursos de arquitetura, mesmo que de um modo mais genérico. Uma parte, em maior número nas universidades públicas, que atua com dedicação exclusiva no ensino superior (média de 40 horas semanais), responsável por boa parte das publicações científicas e com “um envolvimento mais efetivo com os alunos, com seus pares, com o departamento e a instituição” (Masetto, 1998, p. 62), mas que ensinam o que nunca experienciaram ou vivenciaram; e outro que dedica apenas uma parte do seu tempo à docência, com um envolvimento limitado “com os alunos, os companheiros que lecionam no curso, o departamento e a própria instituição” (ibidem p. 63), mas que leva à universidade as práticas da sua área de atuação. “Contaminam os alunos com os desafios e as exigências do mundo mercadológico. Trazem a realidade para a sala de aula e contribuem significativamente na formação dos acadêmicos” (ibidem p. 64).
No caso dos professores envolvidos com esta pesquisa, quatro trabalham em instituições particulares e dois na universidade pública com dedicação exclusiva. Dos entrevistados que atuam no setor privado, quatro trabalham em mais de uma instituição de ensino, chegando a ministrar aulas em até três locais diferentes, o que gera os problemas de produção científica e (a falta de) vinculo institucional. Veremos a seguir o que levou estes arquitetos-professores a escolherem à docência como profissão.
Como me tornei um “arquiteto-professor”
Tornar-se professor envolve um complexo processo de apoderação que implica muitos fatores, tais como a vida individual de cada sujeito e a história das suas práticas educativas. Por este motivo, ser professor não significa reproduzir passivamente os modelos e arquétipos na formação profissional, embora saibamos que “os modelos com os quais o futuro professor ou professora aprende perpetuam-se com o exercício de sua profissão docente já que esses modelos se convertem, até de maneira involuntária, em pauta de sua atuação” (IMBERNÓN, 2001, p. 63).
Este é um processo que acontece na coletividade, onde o sujeito vai selecionando, reproduzindo, aceitando ou rejeitando suas concepções anteriores para elaborarem novas práticas que se adequem ao seu oficio diário, como bem expressa Fontana:
Tornamo-nos professores e professoras tanto pela apropriação e reproduções de concepções já estabelecidas no social e inscritas no saber dominante da escola (permanência), quanto pela elaboração de formas de entendimento da atividade docentes nascidas de nossa vivência pessoal com o ensino, nas interações com nossos alunos, e do processo de organização política, com nossos pares, em movimentos reivindicatórios (mudança). (FONTANA, 2010, p. 46).
Segundo Imbernón (2001, p. 43) existem diversos fatores que interferem no desenvolvimento da profissão docente: “o salário, a demanda do mercado de trabalho, o clima de trabalho nas escolas em que é exercida, a promoção na profissão, as estruturas hierárquicas, a carreira docente”. Quando perguntamos aos professores “como um arquiteto-urbanista se torna professor”, esses fatores apareceram.
Dois enfatizaram a docência como complementação da renda, como bem foi expresso pelo professor de Estética e Paisagismo (UNICHRISTUS): “Bom, no meu caso, foi por insistência da família. Acredito que parte pela oportunidade de um salário fixo e, no mercado de Fortaleza, atraente; não sei quantos por inspiração”.
Mas, as categorias que mais estavam presentes nos discursos eram afinidade, vocação e realização pessoal. Como bem podemos perceber na fala dos seguintes professores: “Vários motivos levam a carreira docente. Principalmente a vocação de trabalho com ensino – aprendizagem, é um campo de ação além do exercício da atividade profissional; é também uma oportunidade de estudos continuados e pesquisas.” (Universidade Federal do Ceará – UFC); e
É uma escolha pautada na realização pessoal. Gosto de trabalhar com ensino, em especial do ensino na universidade, ligado as atividades de pesquisa e extensão. Acredito que esse gosto e essa opção se deu muito por influência de bons professores, também envolvidos nessas atividades. Por outro lado, essa opção também se deu pela falta de identificação com o trabalho em escritório, ou em construtora que aparece numa oposição ao ensino, como pouco gratificante do ponto de vista da realização de projetos sociais mais amplos que a realização financeira individual. (Professor de Introdução a Arquitetura e Urbanismo e Paisagismo – FCRS)
A ideia de vocação docente está atrelada ao ato “divino” do ofício do magistério, conceito que foi incorporado a imagem docente na Idade Média, que se reflete numa espécie de missão (salifica) do professor para com o aluno (o sem luz). Neste sentido, tanto o sacerdote, quanto o professor acabam possuindo características bem semelhantes: vontade de promover algo em prol do outro, ritualizam a construção de técnicas e programas e doam-se não medindo esforços para que seus objetivos sejam alcançados.
Nóvoa discute esse ponto quando afirma que as influências morais e religiosas influenciam até hoje a prática docente, e “mesmo quando a missão de educar é substituída pela prática de um ofício e a vocação cede lugar à profissão, as motivações originais não desaparecem” (NÓVOA, 1999, p. 16). Assim, a vocação nada mais seria um resquício da visão religiosa do ofício docente que permanece no imaginário social, resultando em um descrédito na conquista da profissionalização do trabalho docente e a desvalorização financeira do exercício do magistério. (Arroyo, 2000).
Contudo, outras variáveis devem ser consideradas para tentar compreender a escolha pela docência por esses arquitetos. No caso da universidade pública, a garantia de uma estabilidade financeira é um atrativo, principalmente considerando a instabilidade enfrentada por esses profissionais no trabalho de escritório.
O professor da UFC relata um pouco dessa realidade quando diz que “embora a ‘estabilidade no emprego’ não fosse o fator determinante para esta escolha, esta característica do Serviço Público foi também considerada na tomada de decisão” (Professor de Projeto Arquitetônico – UFC). Este também relata que não apenas a estabilidade financeira, mas a identificação com o meio universitário e o reconhecimento dos seus “mestres” foram fator importante na decisão pela docência.
A maior parte das perguntas deste questionário é aberta e muito abrangente. Por este motivo, as responderei a partir da minha história profissional. Sempre gostei do ambiente universitário. O convívio fraternal e, ao mesmo tempo, instigante com alunos e professores, as discussões sobre temas profissionais de alta relevância e a presença de uma boa biblioteca (aspecto ainda mais importante em momentos anteriores à difusão do uso da internet) chamavam a minha atenção a respeito desta possibilidade. Decidi “experimentar” a atividade docente a partir do grande estímulo para tal que recebi de um dos meus mais admirados mestres, o Professor Roberto Castelo, submetendo-me ao concurso para Professor Substituto do CAU-UFC, Unidade Curricular de Projeto Arquitetônico, em 1994. Desde esta data, quando fui aprovado e pude comprovar a minha vocação para a atividade, permaneci ininterruptamente na profissão, tendo, na sequência, realizado mais dois concursos para este mesmo cargo e, finalmente, o concurso para Professor Auxiliar, no final do ano de 1996. (Professor de Projeto Arquitetônico – UFC).
O tornar-se professor aqui está vinculado ao reconhecimento de seus pares (um professor mais antigo) que o acompanhou durante sua vida estudantil e o “credenciou” a seguir pelo caminho do ensino. Este contexto corrobora com a ideia de Masetto (1998, p. 11) quando ele diz que:
Essa situação se fundamenta em uma crença inquestionável até bem pouco tempo, vivida tanto pela instituição que convidava o profissional a ser professor quanto pela pessoa convidada ao aceitar o convite: quem sabe, automaticamente, sabe ensinar. Mesmo porque ensinar significava ministrar grandes aulas expositivas ou palestras sobre um determinado assunto dominado pelo conferencista, mostrar, na prática, como se fazia; e isso um profissional saberia fazer.
Além da vocação, realização pessoal e as questões financeiras, o contato com a pesquisa nos cursos de Pós-graduação Stricto Sensu também foi citado como um “start” que desencadeou em um processo de formação docente, culminando na escolha da profissão de professor universitário, como podemos perceber no discurso do professor da UNIFOR:
No meu caso não foi uma escolha direta querer ser professor, foi uma conjuntura de fatores. Fui fazer mestrado por sentir uma deficiência na minha aprendizagem na área de urbanismo, que preferi a arquitetura. Durante o mestrado me inseri num grupo de pesquisa chamado Observatório das Metrópoles. Nesse grupo nós trabalhávamos com Cursos de Capacitação Social ligados às questões urbanas. Dei algumas aulas e palestras, e comecei a me interessar pelo assunto e pela temática. Minha orientadora, na época, começou um pós-doutorado, e precisou de ajuda na disciplina que lecionava na graduação de Arquitetura e Urbanismo, a disciplina de Legislação Urbana, e então me convidou para fazer estágio de docência com ela. Fiz e gostei da experiência. Quando terminei o mestrado, em meados de 2009, abriu um concurso para professor na UNIFOR, e uma amiga, que ensinava lá, me convidou para fazer o concurso. Fiz e passei. Assim me tornei professora. (Professora de Projeto Urbanístico - UNIFOR).
No caso do professor da UNIFOR podemos perceber o interesse pelo o oficio de professor a partir da disciplina de Estágio e Docência. Isso mostra a importância desta disciplina para a sensibilização do trabalho docente, como bem expressa Caires (2006, 89): “estágio pedagógico ser aqui entendido como palco de um dos processos mais ricos e decisivos da capacitação e da integração do jovem professor, no mundo da docência e no mundo adulto”.
Isso porque “o estágio [...] é uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 45), convertendo-se em uma estratégia positiva para a formação do futuro professor. Outro aspecto importante é essa atividade ajuda no desenvolvimento de uma postura e habilidade de pesquisador, permitindo compreender e problematizar as situações vivenciadas e observadas no cotidiano da vida acadêmica, formando professores “críticos-reflexivos”.
Percebemos que muitos são os fatores que podem levar um arquiteto urbanista a escolher a docência como profissão. No caso dos professores dos cursos de arquitetura e urbanismo do estado do Ceará aqui entrevistados, estes fatores transitam pela a estabilidade financeira (no caso da universidade pública), complementação salarial, que se faz necessário pela saturação de profissionais arquitetos atuando no mercado da capital cearense (só a Universidade de Fortaleza – UNIFOR forma cerca de 40 arquitetos urbanistas por semestre), a vocação e realização pessoal que por sua vez são confirmadas pelo reconhecimento dos pares e no contato com a pesquisa e a disciplina de estágio e docência.
Considerações finais
A formação de professores é uma temática importante, e muitas pesquisas já foram realizadas com o intuito de tornar mais compreensível à complexidade que envolve o ofício docente como profissão e as questões que envolvem a identidade profissional do professor. Este artigo, se propôs compreender como profissionais do campo da arquitetura e urbanismo do Ceará fizeram a opção de deixar/ou diminuir o exercício de sua profissão, para se dedicar ao trabalho docente.
Percebemos que está decisão está implicada com muitos fatores, e dentre os citados pelos sujeitos da pesquisa, pudemos destacar a estabilidade financeira, complementação salarial, a vocação e realização pessoal que por sua vez são confirmadas pelo reconhecimento dos pares e no contato com a pesquisa e a disciplina de estágio e docência. Disto podemos inferir algumas considerações:
O fator financeiro ainda é um ponto importante para a quem escolhe atuar na docência, principalmente quando nos reportamos ao ensino superior. Espera-se que o professor universitário ganhe bem, tenha sua hora/aula valorizada (ou seja, bem paga) e se possível adquira uma estabilidade financeira. Isso pode ser um despertar para a docência, principalmente, quando nos deparamos com um mercado de trabalho, no campo da arquitetura, saturado de profissionais que não sabem ao certo onde e como exercer sua formação e poucos, mas, grandes escritórios que absorvem quase todos os grandes projetos e licitações.
A questão da vocação é um ponto que envolve muita discussão. Vocação, na maioria das vezes, está relacionado com “dom”, algo quase que inato. O problema da vocação está em não perceber que a docência é uma carreira, e não um “dom”, e que exige do profissional esforço pessoal e formação pedagógica que o possibilite a dominar aspectos ligado a didática e a aprendizagem. Masetto nos explicita melhor está questão quando afirma que:
A docência no ensino superior exige não apenas domínio de conhecimentos a serem transmitidos por um professor como também um profissionalismo semelhante àquele exigido para o exercício de qualquer profissão. A docência nas universidades e faculdades isoladas precisa ser encarada de forma profissional, e não amadoristicamente. (MASETTO, 1998, p. 13).
E mais:
A docência no nível superior exige do professor domínio na área pedagógica. Em geral, esse é o ponto mais carente de nossos professores universitários, quando vamos falar em profissionalismo na docência. Seja porque nunca tiveram oportunidade de entrar em contato com essa área, seja porque a veem como algo supérfluo ou desnecessário para sua atividade de ensino. (MASETTO, 1998, p. 21).
A realização profissional é um outro ponto que deve ser questionado, uma vez que a realização profissional é algo muito pessoal e subjetivo. Pode estar atrelado ao bem-estar, a paixão, ao entusiasmo com que se exerce a profissão, mas também pode estar relacionado a valorização monetária. Mas, o que mais instiga neste ponto é o fato do profissional arquiteto e urbanista se ver realizado profissionalmente no exercício da docência e não no exercício da sua formação acadêmica. Podemos inferir que, em alguns casos, pelo fato de destes profissionais não conseguirem a estabilidade profissional em suas áreas de formação, eles fazem a opção pela docência, como uma segunda tentativa de se consolidar no mercado de trabalho; mas isso é uma hipótese. Não podemos expressar o que de fato levam esses profissionais a se tornarem professores, mas, sabemos que
Em geral, os docentes do ensino superior são aqueles profissionais que não fizeram a opção profissional primeira de ser professor(a). São profissionais das diferentes áreas do conhecimento, mas que, por alguma razão, acabam chegando a ser professor do ensino superior. Muitos docentes do ensino superior, ao serem questionados pela profissão que exercem, identificam-se primeiramente por serem o médico, o dentista, o advogado, o contador, o físico, o engenheiro, o jornalista, o radialista, seguindo, às vezes, pela identificação de professor universitário, por que responder apenas professor pode dar margem a uma identidade socialmente inferior. (MEDEIROS, 2007, p. 73).
A oportunidade de continuar estudando e pesquisando é outro fator importante para quem decide seguir pelo caminho da docência, mas, como estudar e pesquisar, construir o conhecimento científico se na grande maioria das vezes este professor, que é contratado no regime horista, tem que dar aulas em duas ou mais instituições de ensino, com uma carga horaria elevada? Logo, apenas aqueles professores que possuem dedicação exclusiva conseguem, de fato trabalhar para além do ensino na graduação, atuando também na pesquisa e na extensão, podendo sair de suas instituições para dar continuidade aos seus estudos não apenas a nível de mestrado e doutorado, mas na diversidade de possiblidades de formação continuada existente nos nossos dias.
É necessário que as Instituições de Ensino Superior – IES possibilite e assegure a formação continuada de seus professores, principalmente daqueles que tiveram pouco contato (ou nenhum) com os fundamentos da educação e da didática. Este é um ponto importante, uma vez que
Muitos professores do ensino superior acabam desvalorizando os saberes inerente à identidade profissional docente, porque entendem e defendem ser o conhecimento da área específica o carro-chefe do ensino, dado que a literatura especializada já demonstrou insuficiente. Os professores que desconsideram a especificidade do ensino acabam se comprometendo com o amadorismo no âmbito da docência, bem como acabam contribuindo com a desqualificação do trabalho docente no interior das universidades. (MEDEIROS, 2007, p. 77).
Muitos podem ser os fatores que levam um bacharel arquiteto urbanista abraçar a docência como profissão, contudo, estes fatores não são estanques e precisam constantemente serem discutidos e revisitados visando a melhoria do ensino nos cursos de arquitetura e urbanismo, a fim de explorar o perfil deste profissional para, a partir daí, tecer outras pesquisas que poderão subsidiar e colaborar na continua atividade e formação destes arquitetos-professores.
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Autor notes
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