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Bens culturais digitais: reflexões conceituais a partir do contexto virtual
Marina Gowert dos REIS; Juliane Conceição Primon SERRES; João Fernando Igansi NUNES
Marina Gowert dos REIS; Juliane Conceição Primon SERRES; João Fernando Igansi NUNES
Bens culturais digitais: reflexões conceituais a partir do contexto virtual
Digital cultural assets: conceptual reflections based on the virtual context
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 21, núm. 45, pp. 54-69, 2016
Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo: O patrimônio cultural digital, seja de gênese ou de duplicação, é categoria considerada em documentos oficiais sobre preservação, como é o caso da Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital, publicada pela UNESCO em 2003, sendo também prática compreendida por instituições patrimoniais, que buscam nesses recursos proteção e ampliação de acesso a acervos. O foco nesse artigo é problematizar os bens culturais digitais que surgem a partir dessas práticas. Para tanto, discute-se as modificações na dicotomia original-cópia, o bem digital passando pelas ações de lembrar, observar e imaginar, e a aproximação das diretrizes conceituais e preservacionistas com o patrimônio cultural imaterial.

Palavras-chave:Patrimônio Cultural DigitalPatrimônio Cultural Digital,Bens Culturais DigitaisBens Culturais Digitais,Meio DigitalMeio Digital,InteraçãoInteração.

Abstract: The digital cultural heritage, either of digital genesis or duplication, is a category considered in official documents on preservation, such as the Charter on Digital Heritage Preservation, published by UNESCO in 2003. It is also practice understood by heritage institutions, which pursue in these resources the protection of archives and the expansion of access by the public. The focus of this article is to discuss the digital cultural assets that arise from these practices. To this end, we discuss the changes in the original-copy dichotomy, the context of the digital asset as remembered, observed and imagined, and the approximation of the conceptual and preservationist guidelines with the intangible cultural heritage.

Keywords: Digital Cultural Heritage, Cultural Assets, Digital Media, Interaction.

Carátula del artículo

Artigos

Bens culturais digitais: reflexões conceituais a partir do contexto virtual

Digital cultural assets: conceptual reflections based on the virtual context

Marina Gowert dos REIS
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Juliane Conceição Primon SERRES
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
João Fernando Igansi NUNES
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 21, núm. 45, pp. 54-69, 2016
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 19 Outubro 2015

Aprovação: 15 Dezembro 2015

1 INTRODUÇÃO

Enquanto patrimônio versa sobre posse econômica, financeira, imobiliária, patrimônio cultural amplia essa visão para os recursos representantes de identidades sociais, essas étnicas, nacionais, comunitárias, que são símbolos e manifestação viva de realidades não mais presentes, em bens materiais ou imateriais (GONÇALVES, 2009), visão que orientará o que se pensa sobre patrimônio cultural digital. O patrimônio cultural funciona para simbolizar, representar e comunicar, mas também é meio de ação, uma vez que, “de certo modo, constrói, forma as pessoas” (GONÇALVES, 2009, p. 27). Exemplares dessa categoria de pensamento possibilitam evocações que ultrapassam a sua materialidade e seus elementos visíveis em um primeiro olhar. Não obstante, especialmente quando se considera o monumento histórico, são norteadores de valores sociais e constituem uma garantia de origem perante transformações sociais (CHOAY, 2006).

Ademais, o patrimônio cultural não é o passado, mas sim a presença do passado no presente (TORNATORE, 2009), uma vez que representa o passado ao mesmo tempo que é carregado de significados que não necessariamente relacionam-se à sua origem, estando inserido em um contexto que o modifica. É memória atualizada, e por isso não se defende aqui uma visão de que bens culturais devem ser tão somente protegidos, mas sim preservados e salvaguardados, entendendo aí a necessidade da comunicação para a existência como patrimônio cultural, da identificação e conexão à “biografia” do objeto, e aos seus sentidos sociais (MENSCH, 2009), possibilitando formas de acesso à “vida” desses bens. Toma-se uma postura de que se deve tornar “visível” algumas dimensões “invisíveis” (POMIAN, 1987) do patrimônio cultural, encadeamento que pode encontrar espaço nas novas tecnologias e no contexto social da internet.

Dessa forma, o patrimônio digital surge a partir do uso de tecnologias disponíveis e por vontade de tornar bens acessíveis ao grande público. É meio para educação patrimoniais, para difusão de informações ao mesmos tempo que possibilita proteção à originais, e, ao que parece no caso que será aqui analisado, para ativação patrimonial.

O objetivo nesse trabalho é discutir e problematizar os bens culturais digitais, considerando os seguintes pontos: a quebra na estrutura tradicional de original e cópia; o distanciamento de um patrimônio digital do de “pedra e cal”; o patrimônio digital como lembrado, observado e imaginado. Ainda se discute de aproximação dos bens digitais com o patrimônio imaterial, em especial no que concerne políticas de preservação, focando esse ponto no contexto teórico, e não aprofundando em técnicas de salvaguarda. Faz-se, para esse fim, uma breve apresentação do percurso histórico do uso de tecnologias digitais para fins de preservação patrimonial, e dos conceitos e categorias existentes para patrimônio cultural digital. Com base nessas questões observam-se algumas especificidades técnicas do patrimônio digital em relação às estruturas do ciberespaço.

2 PARADIGMAS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DIGITAL

Compreende-se o patrimônio digital e o patrimônio virtual, que é “o patrimônio intangível ou imaterial circulando na web” (DODEBEI, 2005, p. 2), identificando duas classificações: o patrimônio que nasce eletronicamente, de valor e significância duradouros (UNESCO, 2003); e também o uso de ferramentas digitais para fins de preservação, com a duplicação (especialmente através de digitalização) de espaços e acervos, que, em novo contexto, são potencializados pelas características do ciberespaço. Vale pontuar ainda que os bens culturais patrimoniais são aqui considerados como os exemplares que passam por processos de significação e ressignificação social, não sendo somente algo que é instituído como patrimônio cultural por uma chancela de poder.

Na Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) (2003), afirma que o patrimônio cultural digital:

[...] consiste de recursos únicos do conhecimento e expressão humana. Abrange recursos culturais, educacionais, científicos e administrativo, assim como técnicos, legais, médicos e outros tipos de informação criada digitalmente, ou convertida para forma digital a partir de recursos analógicos já existentes. Onde recursos são de ‘gênese digital’, não há outro formato que não o objeto digital. Materiais digitais incluem textos, bancos de dados, imagens estáticas e em movimento, áudio, gráficos, software e páginas web, dentre uma ampla e crescente variedade de formatos. Eles são geralmente efêmeros e necessitam produção, manutenção e gerenciamento intencional para serem preservados. Muitos desses recursos tem valor e significação duradouros, e, assim, constituem patrimônio que deve ser protegido e preservado para gerações atuais e futurais (UNESCO, 2003, p. 1-2, tradução nossa)

Esse documento, adotado na Conferência Geral da UNESCO em 17 de Outubro de 2003, vem reconhecer práticas já existentes, firmando sua importância, a necessidade de preservação, e algumas diretrizes para ação. Nesse trecho destacado comenta-se a grande variedade de formatos de arquivos quando se produz patrimônio digital; uma nova dicotomia entre original e cópia, uma vez que recursos produzidos digitalmente existem somente no formato digital; o fato do patrimônio digital se constituir a partir da efemeridade, do não-lugar, com constantes atualizações e modificações; e, ainda, as duas possíveis classificações para o patrimônio digital, já discutidas nesse texto.

Outras questões ainda são abordadas nesse documento, dentre essas a necessidade de disponibilização para acesso de recursos classificados como patrimônio digital, o que exalta o potencial da internet como um meio que conecta pessoas independentemente de fronteiras geográficas. Tal possibilidade também aparece quando é citado que em um contexto digital “minorias podem falar para maiorias, o individual para uma audiência global” (UNESCO, 2003, p. 3, tradução nossa). Outro ponto seria a obsoletude digital, que será tratado a seguir nesse trabalho, o que faz com que seja sublinhada a importância de que haja um planejamento em todas as etapas de projetos que proponham novos bens digitais, organização que facilitará sua posterior preservação. Ademais, o documento firma a prioridade de preservação do patrimônio de gênese digital.

Por fim, a UNESCO marca que a responsabilidade pela execução do que é ali afirmado é da sociedade como um todo, de instituições de preservação, do setor privado, dos meios de comunicação, da sociedade civil, e de organizações não-governamentais. Stuedahl (2009) afirma que esse documento “define um novo legado [...], onde recursos digitais de informação e expressão criativa produzidos, distribuídos, acessados e mantidos na forma digital definem o patrimônio cultural” (p. 3, tradução nossa). E com isso não se fala em um fim do patrimônio de “pedra e cal”, mas sim de uma visão que considera as tecnologias digitais como aliadas na preservação patrimonial, e que marca a importância cultural do que é produzido na e para a internet, posto que é, em algumas instâncias, testemunho da vida na atualidade.

De maneira objetiva, entende-se o patrimônio cultural digital como: a duplicação digital de bens culturais, sejam esses materiais ou imateriais, protegidos ou não por instituições de salvaguarda; a organização e gerenciamento de acervos digitais, que podem estar disponíveis para acesso na internet; o uso de ferramentas digitais para coleta de dados, obtendo maior alcance e precisão em comparação ao desempenho de aparelhos analógico; as interações e conteúdos produzidos na internet relacionados à bens patrimoniais; e o patrimônio de gênese digital. Tais práticas, para serem classificados como patrimônio cultural digital, precisam envolver tecnologias digitais em, pelo menos, uma etapa de desenvolvimento (GRUBER & GLAHN, 2009).

2.1 Breve percurso histórico das práticas de patrimônio cultural digital

Ainda que as possibilidades e práticas aqui explicitadas tenham acontecido de maneira orgânica e incipiente, fazendo uso de tecnologias disponíveis, e não projetando transformações a longo prazo, é possível comentar uma certa historiografia do patrimônio cultural digital. São três períodos compreendidos na trajetória de produção do que é considerado como patrimônio cultural digital, a partir do que afirma Addison (2008), sendo esses: o momento inicial, com o advento das tecnologias digitais, o Patrimônio Cultural Digital 1.0 e o Patrimônio Cultural Digital 2.0. Sobre esse momento inicial, pondera-se que:

Nos anos 1970, o advento da fotogrametria e estações primitivas de rastreio possibilitaram a obtenção de esboços de componentes visuais chave, como pedras de uma fachada patrimonial. Nos anos 1980, o crescimento de ferramentas de desenho assistido por computador (CAD) possibilitaram documentação e desenho de superfícies retilíneas e de bordas retas. Já nos anos 1990, sistemas de informação geográfica (GIS) começaram a possibilitar a ligação contextual de dados para mapas 2 ou 2.5D e contornos. E na última década, a disponibilidade crescente de varrimento laser 3D e softwares de nuvens de pontos associados possibilitou a captura detalhada de condições de superfícies (ADDISON 2008, p. 9, tradução nossa)

Já o que é chamado de Patrimônio Cultural Digital 1.0, relacionado à Web 1.0, advêm do uso do digital para a criação de modelos 3D de objetos e sítios patrimoniais, usando tecnologias para a construção dos mesmos, mas também para promover a sua visualização. Ainda que aí já se fale do aspecto comunicacional do patrimônio cultural digital, o que se observa em projetos desse período é uma resistência em disponibilizar essas informações através da internet para o público amplo e problemas de direitos autorais, o que fez, e ainda faz, com que essas digitalizações fossem focadas nos usos da arqueologia (ADDISON, 2008).

O patrimônio cultural digital hoje, que pode ser chamado de Patrimônio Cultural Digital 2.0 - derivado de uma quebra com esse momento anterior e pela relação estabelecida com o conceito de Web 2.0 – diferencia-se no que diz respeito a disponibilização de informações na internet, à criação de redes de esforços e à integração de pessoas não necessariamente ligadas a instituições patrimoniais. Sobre esse momento, Addison (2008) observa que embora as tecnologias seguem sendo usadas na construção de digitalizações, o foco está na difusão, na disseminação e nos usos para educação.

Dessa forma, um dos maiores desafios atuais desse em práticas de patrimônio cultural digital está em compreender as possibilidades trazidas pelo meio digital, em especial no que diz respeito aos espaços colaborativos para ativação patrimonial e acesso à memória coletiva. A título de exemplo, Addison (2008) pontua que embora exista uma vontade de criar uma grande rede de esforços em torno do patrimônio, os profissionais e as instituições que estão envolvidas nessas práticas muitas vezes não sabem como agir nesse intuito, o que, por sua vez, é exemplificado pelo fato de diferentes pessoas trabalharem em projetos relacionados sem ter o conhecimento dessas duplicações, ou pelo caso de quando diferentes empresas e profissionais trabalham em um mesmo projeto e acabam por não disponibiliza-lo online por questões de direitos autorais.

2.2 Algumas especificidades do patrimônio cultural digital

Um dos primeiros empecilhos do patrimônio digital é a obsoletude tecnológica. O acelerado ritmo de atualização das tecnologias digitais faz com que o que é atual hoje seja ultrapassado amanhã, o que pode, por vezes, impossibilitar o acesso à conteúdos online ou armazenados em bancos de dados. Compara-se essa questão com a estabilidade do patrimônio fora do digital (ADDISON, 2008), mencionando a permanência de monumentos construídos em pedra quando relacionados à volatilidade tecnológica:

[...] em uma área onde o objeto de preservação ou apresentação tem, normalmente, séculos ou milênios de idade, os dados digitais desse objeto raramente, ao menos com as tecnologias usadas atualmente, tem uma perspectiva de vida que ultrapasse alguns anos ou décadas (ADDISON, 2008, p. 13, tradução nossa)

Já a precisão e a facilidade que as tecnologias digitais trazem para a coleta de dados são significativas (ADDISON, 2001). Esses recursos não estão incluídos na classificação como de gênese digital ou para duplicação, mas sim são compreendidos nos usos de tais instrumentos para fins de pesquisa, de estudo, principalmente arqueológico. Entretanto, deve-se considerar o fato que “arqueólogos e pesquisadores de áreas afins não reconhecem com facilidade a validade de dados que não vem de fontes primárias” (ROUSSOU, 2006, p. 267, tradução nossa). Assim proscreve a possibilidade de utilização de modelos 3D para coleta de dados, prática que eliminaria a necessidade de contato exclusivo com esses objetos e sítios. Contudo, o uso de tecnologias digitais para coleta, visualização e interpretação de dados é prática corrente na arqueologia (ROUSSOU, 2006; ADDISON, 2001).

O recurso de modelos 3D tem sido explorado por outros nichos patrimoniais com fins diferentes do que uma suposta reprodução fidedigna de espaços. A possibilidade de imersão virtual no patrimônio cultural funciona para o propósito de complementar a experiência de quem vai a um museu, visita um sítio salvaguardado, ou deseja conhecer a história de um local. Nesse ponto enquadram-se projetos de educação patrimonial, recursos digitais de a complementação ou introdução à visitações, difusão digital de acervos, entre outras rotinas que não necessariamente fazem uso dos espaços virtuais tridimensionais. Essas práticas propõem a imersão através da duplicação digital, o que propicia tanto a proteção de originais quanto uma experimentação completa de bens patrimoniais.

Com base nessas virtualizações de experiências pode-se compreender a tese do meio digital como um facilitador de acesso e precursor de novas possibilidades de imersão tecnológica nos lugares de memória, afastando-se de uma concepção simplista do digital como mero repositório de informação. E, ainda pode-se afirmar que duplicações digitais funcionam melhor no que diz respeito ao acesso à informação, quando estão disponíveis para o público, do que como uma representação fidedigna que irá duplicar o estudo in loco.

Ademais, partindo da observação do meio digital como livre, aberto, de fácil uso, open source, com potencial de transformar qualquer pessoa em um emissor comunicacional (PRIMO, 2008), e propício para a criação coletiva, consideram-se essas mídias digitais no que oportunizam para o arranjo de novas estratégicas de preservação participativa. São características que incentivam a inclusão de cidadãos e não somente de instituições de preservação na salvaguarda do patrimônio cultural, além de abrirem espaço para a valorização de memórias antes descartadas da memória oficial e de memórias pessoais. Esse processo participativo pode acontecer na seleção patrimônio, na organização e categorização de acervos, e, ainda, nas tarefas de digitalização, sendo que já existem metodologias[1] e diversos projetos[2] que propõem tal inclusão.

As características comentadas anteriormente são eminentes a todos recursos classificados como patrimônio digital. Já quando se considera o patrimônio de gênese digital essas especificidades se complexificam. Isso porque, primeiramente, todos os recursos produzidos para a internet são potencialmente patrimonializáveis. Segundo porque não se parte de uma experiência que se fecha em si, como, por exemplo, uma ambiente proposto para educação patrimonial, mas sim de um website, um sistema de banco de dados, uma rede social, entre outros recursos amplamente ramificados e mutáveis.

3 O BEM CULTURAL DIGITAL: INTERAÇÃO, CONEXÃO E IMAGINAÇÃO

Tendo em vista uma concepção tecnicista de patrimônio cultural, com estruturas que deve ser preservadas de uma determinada maneira para que estejam disponíveis no futuro, com menores intervenções possíveis (CHOAY, 2006), o patrimônio digital distancia-se da mesma, uma vez é informação viva, expressão usada aqui em função da especificidade da linguagem digital operar em um código de execução, contextual e, em certos casos, generativos. Isso acontece pelas possibilidades de interação e diálogos, que criam infinitas atualizações, fazendo com que um bem digital esteja em constante formação (ORTH, 2014; KUJAWSKI, 2014). Já quando se pensa no patrimônio cultural como recurso de representação, de conexão com entes e realidades não mais presentes, que existe somente quando seus sentidos tem ressonância social (GONÇALVES, 2009), o patrimônio digital é passível de compreensão dentro do espectro patrimonial.

Exemplifica-se aqui brevemente o que se chama de “vivacidade” propiciada pelos bens digitais, focando aqui no patrimônio duplicado, oriundo de um original analógico. Supõe-se uma fotografia que mostra um grupo de pessoas no centro de uma determinada cidade brasileira na década de 1920. Essa digitalização, quando colocada na internet em sistema que propicie o diálogo e a recuperação de informações, pode ser acompanhada do nome das pessoas representadas, informações bibliográficas dessas pessoas, local onde a fotografia foi feita, eventos culturais relacionados tanto àquele local quanto àqueles indivíduos, conectar esse documento a outros que representem aquelas mesmas pessoas, informações da fotografia em um acervo físico. Essas informações existem quando se considera a fotografia fora do ambiente digital, mas nem sempre estão reunidas e colocadas ao alcance de quem a acessa.

Prosseguindo nesse exemplo, fala-se como essa digitalização é vetor de outras interações. Em um sistema que possibilite conexão entre usuários pode acontecer que novas informações sobre o bem em questão sejam apresentadas, como nome de pessoas que não estavam citados, relações com outros eventos sociais, outras fotografias relacionados que ainda não estão no acervo. E mais, comunidades virtuais podem estabelecer-se a partir do espaço propiciado pela fotografia digitalizada, uma vez que essas informações iniciais geram diálogos, que levam a interação entre pessoas, possibilitando conexões que ultrapassam os recursos iniciais. Dessa forma, um documento digitalizado pode ter significados e ressonâncias sociais identificados através da conexão propiciada pelo ambiente virtual.

É por esses conteúdos agregados aos bens digitais que se pode afirmar que a “coisa[3]” digital existe por informação. Isso porque é informação digital, dados em um sistema informacional, mas também porque o que a caracteriza é o conhecimento que apresenta e que possibilita. Primeiro porque um objeto digital traz informação consigo, seja em si ou nos textos, imagens, vídeos, áudios, que a esse podem ser agregados com uso um sistema digital. Segundo porque dados digitais podem virar potência de interação, sendo vetor de outros processos comunicacionais. Isso não só por se tratar de informações presentes em uma plataforma digital, mas também pela maneira característica com que essa informação é apresentada e a interação que possibilita.

Esse cenário comentado considera o bem digital compartilhado, sendo também necessário observar instituições e projetos que propõem digitalizações somente como forma de armazenamento e proteção digital. Tais práticas fazem uso de tecnologias digitais somente como ferramentas, e não como meios de interação. Pela definição de Gruber & Glahn (2009) esses bens são compreendidos como patrimônio cultural digital, contudo são isentos da possibilidade de interação, reutilização, reinterpretação, agregador de comunidades virtuais. Mesmo os lugares digitais de reunião e disponibilização online de bens digitais fazem uso de técnicas de aquisição, catalogação e organização da museologia, uma vez essa sistematização irá possibilitar um sistema explorável, onde se possa recuperar e identificar informações. Nisso se propõe o olhar, para pesquisas futuras, do panorama de proximidade entre o museu virtual e o museu “tradicional”, sendo que as diferenças entre os dois está, principalmente, no produto final apresentado ao público.

Quando se pondera essas características de fluxo e atualização constante nos bens de gênese digitais, observa-se uma ampliação de possibilidades, uma vez que não são limitadas pelas ferramentas do sistema nem centradas em um bem patrimonial. Toma-se como exemplo um grupo[4] formado na rede social Facebook pedindo a proteção do Centro Histórico da cidade de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, estudado pela autora em sua dissertação[5] de mestrado. Essa cidade foi local da redução jesuítica de Santo Ângelo Custódio, fazendo parte dos Sete Povos das Missões, posteriormente sendo destino de imigrantes europeus. As discussões que aconteceram no espaço do grupo são relevantes para o processo de patrimonialização do espaço, funcionando como documento da mobilização social, e, sendo assim, um patrimônio digital. É bem patrimonial, uma vez que registro de uma ação comunitária, e é referente para as pessoas que participaram da mesma. Sobre a formação desse patrimônio digital pode-se dizer que aconteceu de forma não controlada, com atualizações diárias, momentos ociosos, ampliação de participantes, modificações no perfil de usuários ativos, inclusão de conteúdos distantes da proposta de discussão inicial, entre outras características.

Uma ameaça iminente é o fim desse patrimônio digital, seja no ato de alguém apagar o grupo, seja em modificações do sistema do Facebook. A pesquisa que foi feita funciona como registro desse bem digital, contudo, mesmo apresentando capturas de telas de momentos relevantes e descrição de eventos do grupo, não existe a possibilidade de apresentar tão somente com dados descritivos tudo que esse patrimônio representa. Com o grupo ainda no ar é possível interagir com aqueles usuários, inserir-se em discussões, modificar características. Nesse relato pode-se perceber que os bens digitais realmente não chega à um momento quando está finalizado. Mesmo quando os usuários não são mais ativos no grupo, existe uma potencia de voltar a ser espaço de discussão.

Dessa forma, a possibilidade de interação fazem com que os bens digitais estejam em constante modificação, e representem parte da complexidade para representação desse patrimônio quando em processo de salvaguarda (ORTH, 2014). Enquanto o bem estiver online ele está sendo construído, e aqui se deve considerar que mesmo que uma instituição retire uma digitalização de seu website, esse elemento ainda pode estar na rede, uma vez que outros indivíduos podem salvar imagens e compartilha-las novamente. Deixa de ser o patrimônio reservado, mantido distante do contexto social, que necessita de mediação, e passa a ser elemento em fluxo, contextual. Contextual porque existe a partir de relações tecnológicas que operam (softwares, velocidade de banda internet, plugins, etc,), e também porque quando é colocado em outro contexto tecnológico, como outro website, assume novos sentidos em contato com outros usuários. É um bem que não é finito, e que não existe com a mesma potência quando retirado do convívio social. E assim, “a obra inacabada se apresenta como um paradoxo para a documentação, exigindo recolocar o problema do documento como um processo que permite apropriações” (ORTH, 2014, p. 150).

Esse cenário parece modificar o papel das instituições de preservação tradicionais, não sendo mais centralizadoras da proteção patrimonial, mas sim lugares para salvaguarda e legitimação do patrimônio cultural. Ainda que continuem tendo a missão de guardar para a posteridade, não o precisam fazer tirando bens culturais de seus contextos “vivos”, visto que as interações e informações que os acompanham são tão relevantes quanto mantê-los intactos.

A partir desse horizonte apresentado, observa-se que os bens culturais digitais, tanto os gerados no ciberespaço, como as replicações de bens originalmente analógicos, estão próximos das características dos bens imateriais e, possivelmente, dos estatutos de sua preservação (DODEBEI, 2005). O patrimônio cultural imaterial abrange as expressões culturais e tradições de grupos de indivíduos, que não estão tão somente gravadas em monumentos e objeto, mas sim na vida dessas pessoas. São os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, as celebrações, os lugares. Compara-se o bem digital ao bem imaterial por compartilharem as características de vivacidade, transformação pela intervenção, necessidade de uso de mais de um recursos para preservação, o que normalmente propõem a materialização de algum elemento dessas práticas.

3.1 Preservando o original ou a cópia?

Ainda que aqui o foco seja o ambiente virtual, vale comentar que os problemas para manter a vivacidade e o pertinência social na salvaguarda existem já em métodos e conjecturas tradicionais. Quando um bem cultural passa a fazer parte de um acervo, é protegido para que passe por menores interferências e que tenha maiores condições para manter suas características originais, ao menos em aspectos materiais. Essa mudança de local, retirada de contexto, faz com que perca seu sentido de uso (POMIAN, 1987), e passe a ser observado com um retrato de um momento histórico, fazendo com que não possa ser “aproveitado” de maneira vivencial.

Nisso vale falar das questões de cópia e original no contexto do patrimônio cultural digital. Quando um bem é digitalizado, normalmente seu original é mantido preservado, tendo o seu duplo digital como cópia. Voltando ao exemplo da fotografia, sua “matriz” ainda estará no arquivo de uma instituição, enquanto sua cópia digital é visualizada, copiada, utilizada. A digitalização não é a fotografia, e sim uma representação potencializada da fotografia (STUEDAHL, 2009), acompanhada de meios de interação.

Entretanto, como pensar essa dicotomia quando o bem nasce digitalmente, especialmente relacionado ao que é atestado pela UNESCO, da necessidade de preservação de interações oriundas da internet. O original é digital, o que faz com que essa distinção não exista, dado que cada vez que alguém visualiza a imagem ela é executada novamente. Como identificar um original em um contexto onde não existe a matriz (BURGIN, 1997)? O que preservar para manter a contextualidade desses bens? Essas são perguntas que ainda não tem respostas, ao menos não como forma de preservar tudo que está relacionado à um bem digital. O que se observa é que acervos digitais preocupam-se em apresentar digitalizações e oferecer o espaço de diálogo, deixando a preservação das informações possibilitadas pela conexão para uma próxima etapa; talvez o que possa, no futuro, ser chamado de Patrimônio Cultural Digital 3.0.

Já no contexto da arte digital observam-se algumas práticas e protocolos para preservação de obras, considerando que esses exemplares se assemelham aos bens patrimoniais digital. Faz-se um recorte dos “acontecimentos” da obra, por vezes preservam-se os sistemas interativos, faz-se capturas de telas que são organizadas no formato de museu virtual, entre outras ações. Ilustra-se esses meios com o exemplo da preservação do The World’s First Collaborative Sentence, criado por Douglas Davis em 1994, e estudado por Christiane Paul (2014). A obra foi construída como um sistema de criação colaborativa de uma frase sem fim, doado para o Whitney Museum em 1995. No ano de 2012 a instituição organizou um projeto para a preservação dessa que é considerada um clássico da web art, e o fez fazendo uso de diversos recursos (PAUL, 2014): através da versão interativa atualizada do sistema; da padronização do texto produzido em 1994, tornando-o legível; da gravação de texto antes de ser “limpo”, mostrando como o texto original.

Esse relato mostra que para salvaguardar uma experiência é necessário apresentar diversas faces da mesma, incluindo aí a própria possibilidade de interagir com os bens. Também se pode observar que dependendo da obra, ou do bem digital, deve-se seguir diferentes caminhos de preservação. Esse relato e apanhado de informações que é apresentado nesse momento tem o intuito de introduzir esse tema, apontando para possibilidades de ação e para estudos que serão desenvolvidos posteriormente. O binômio cópia e original foi considerado a fim de aproximar a visão do patrimônio digital das concepções tradicionais de preservação, pontuando que essa é somente uma das facetas da salvaguarda de bens patrimoniais preenchidos por interação.

3.2 Patrimônio cultural digital: lembrado, observado e imaginado

Bens culturais digitais são criados usando tecnologias digitais, para serem colocados em ambientes virtuais, e para serem experimentados por indivíduos incluídos no contexto de cibercultura, o que gera comportamentos de interação diferentes dos “tradicionais”. Essa estrutura acaba modificando o conteúdo dos arquivos, a maneira que são propostos, uma vez que “a estrutura técnica do arquivamento determina o próprio conteúdo do arquivo, tanto em sua atualidade como em sua relação com o futuro” (KUJAWSKI, 2014).

Kujawski fala da organização de arquivos digitais a partir de três vias: o arquivo lembrado, observado e imaginado. Seu estudo é focado principalmente na possiblidade de preservar bens digitais fazendo uso de técnicas de narrativas orais e contadores de história. O foco aqui não é a preservação em si, mas a constituição do bem cultural digital, e essa tripartição possibilita um viés para a discussão desse tema.

Primeiro, sobre o arquivo lembrado, Kujawski (2014) fala da necessidade de pensar as técnicas de preservação, que, em um contexto virtual, nem sempre estarão melhor direcionadas quando conduzidas por instituições tradicionais, uma vez que suas características demandam novas técnicas de salvaguarda. Observa-se essa questão pensando que o patrimônio cultural digital nasce numa tentativa de buscar a “preservação perfeita” (ADDISON, 2008), que pesquisadores acreditavam estar na digitalização, que possibilitaria lembrar de tudo. Hoje já se pratica uma diferente visão, do digital como meio de potencialidades, não de substituição. Outro encadeamento presente é a digitalização como forma de “reviver” patrimônios que já não existem, como é o caso dos modelos 3D e documentação digital feitos a partir de fotografias de monumentos destruídos do mundo árabe[6].

Já sobre o arquivo observado aborda-se, entre outros fatores, a estrutura interna de programação dos sistemas digitais de armazenagem, relevantes quando se estuda o arquivo digital, exatamente pelas adequações que o meio traz para os bens. Tais conjecturas suscitam novas preocupações, algumas já descritas aqui, como a tecnologia que se torna obsoleta rapidamente, a preservação de algo que está em constante atualização, e a necessidade de políticas de segurança de informação e de autoria em produções coletivas. Nesse contexto de transposição de bens patrimoniais para o ciberespaço também deve-se considerar que “não é a memória cultural que está em jogo, mas a alocação de memória em processos maquínicos e computacionais” (KUJAWSKI, 2014, p. 83). Com isso se observa que ainda que a ubiquidade tecnológica provoque mudanças nos modos de agir dos indivíduos, as características da memória social ainda seguem as mesmas. A memória faz parte da identidade individual e coletiva, acontece por procedimentos de atualização no presente, e tem o esquecimento como fator decisivo, como já acontecia antes da inclusão do digital nas questões patrimoniais. O que mudou, de maneira incisiva, foi o uso do digital para preservação e construção de determinados bens, o que implica mudanças técnicas de salvaguarda e acesso ao patrimônio cultural e à memória social.

Sobre o arquivo digital imaginado, Kujawski afirma que “documentação digital e imaginação podem ser intercambiáveis” (2014, p. 84), ponto que ancora sua proposição da utilização de contadores de história como forma de preservação para recursos digitais, uma vez que se assemelham à bens imateriais. O que se observa aqui são as construções subjetivas que acontecem a partir de um bem cultural digital. É claro que a imaginação também é possibilitada pelo patrimônio fora do ambiente digital, mas a virtualidade traz as potencialidades já comentadas, como interação, conexão entre indivíduos, formação de comunidades virtuais, que ampliam o espectro imaginativo e incitam a coletividade de tais experiências.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Bens patrimoniais são entendidos a partir do que simbolizam, do que representam e do que comunicam (GONÇALVES, 2009), sendo vetores de redes de conexões entre pessoas e outros bens. Essas relações também acontecem com os patrimônios culturais colocados ou gerados no ciberespaço, a diferença está na potencialização propiciada pelo meio. O patrimônio cultural digital não está traindo ou acabando com a importância dos acervos, das instituições de preservação, dos monumentos materiais, das manifestação que acontecem nas cidades. O que acontece é a expansão desses significados (STUEDAHL, 2009; ROUSSOU, 2006), seja na realidade aumentada, seja levando o conhecimento ao acesso de um maior número de pessoas, seja na possibilidade de facilitar processos de inclusão patrimonial, e ainda trazendo rapidez e precisão para fins de pesquisa.

O objetivo nesse artigo foi problematizar os bens patrimoniais digitais. Para tanto, observou-se as especificidades conceituais e técnicas do patrimônio digital, tanto de duplicação como de gênese digital (UNESCO, 2003). Chega-se ao bem cultural digital como um recurso não definido por finitudes temporais ou espaciais, que não demandam caminhos pré-definidos para experimentação (o que pode acontecer em certos casos, como em ferramentas desenvolvidas para educação patrimonial, como jogos digitais, visitas virtuais, entre outros), nem de originais analógicos, e que tem sua figura moldada a partir do uso que feito pelos seus experimentadores/participantes. Por isso é o bem de fluxo, pois está sempre acontecendo, ao contrário do patrimônio de “pedra e cal” que possibilita permanência material e figurada[7]. Ao que parece, o patrimônio digital, ainda mais o de gênese digital, propicia o estabelecimento de um referencial calcado nas pessoas, e não no lugar ou no recurso, uma vez que são essas que possibilitam a sua existência e a sua configuração.

A nova dicotomia original-cópia e a constante atualização de dispositivos são, ao que se conclui aqui, os maiores desafios da preservação do patrimônio digital. Nesse contexto não existe original, sendo que todos o são: toda vez que se acessa um website executa-se uma versão que é original; toda vez que se insere um novo comentário em um grupo de discussão, aquele momento do grupo é o original; uma fotografia digital não tem um referente analógico, assim sendo todas cópias e originais. Tal panorama quebra com os preceitos de preservação, que focam na origem, na restauração daquele elemento, na possível duplicação como forma de possibilitar acesso e, ao mesmo tempo, proteção, uma vez que os patrimônios analógicos também estão sujeitos à intemperes climáticas, acidentes, atentados e a própria deterioração natural. Junto a isso, a atualização tecnológica faz com que sistemas que funcionam deixem de existir tão somente por questões de formatos, aparelhos, tecnologias. E assim, ao que parece, a preservação do patrimônio digital aponta para a necessidade de uma duplicação analógica de recurso, que os tira da interatividade, mas mantém um retrato de um momento sob proteção.

Percebe-se, ainda, o estabelecimento de uma lacuna no patrimônio cultural (ao menos nas práticas patrimoniais) antes do digital e a partir do digital, isso porque mesmo os bens culturais que não são de gênese digital e nem executam projetos de duplicação encontram-se inseridos em um contexto de cibercultura, considerando a ubiquidade do mundo virtual. Assim, bens e instituições precisam e irão existir online, seja através de um website, de fotografias de visitantes, de grupos que se organizam na internet para defender esses espaços, recursos que, muitas vezes, serão considerados como patrimônio digital.

Um bem digital não é qualquer recurso digital, ou qualquer duplicação de bem analógico, ainda que se considera o potencial de patrimonialização presente em cada um desses. Um bem digital imprescinde ser parte integrante de algum movimento civil, ou funcionar como registro, e ser um recurso que provoque interação ativa na internet. Um acervo tão somente digitalizado não se transforma, automaticamente, em patrimônio, sendo mais um recurso de preservação, bem como um website qualquer não é patrimônio digital. Considera-se a possibilidade de instaurar processos de ativação para patrimônios digitais, transformando um material que tem potencial patrimonial em bem patrimonial, fazendo isso através de aguçamento de olhares, observação e experimentação orientada, incorporação de outros recursos não necessariamente digitais.

Partiu-se, ainda, da hipótese de proximidade do patrimônio cultural digital com o imaterial, tanto de um ponto de vista conceitual, quanto de adequação de políticas de preservação. No que se constatou nesse trabalho, que reúne conceitos de autores do patrimônio cultural e digital, e os ilustra através de exemplos, observados ou hipotéticos, essa semelhança é verdadeira, apontando para a necessidade de modificações dessas políticas para o ambiente virtual. Percebe-se o quão imprescindível é manter a interatividade do patrimônio digital, posto que quando não está mais ativo é tão somente retrato de um momento, seja de um grupo ou de um sistema, processo que, de certa maneira também existe no patrimônio imaterial.

Ademais, a partir do que foi dito sobre o arquivo observado, evocando as especificidades técnicas dos aparatos que possibilitam o contexto atual digital do patrimônio digital, vale pontuar que o patrimônio cultural ainda passa por processos semelhantes de significação social, inclui-se em chancelas de poder, necessita de ativação, salvaguarda, entre outros fatores do que seria o momento “pré-digital” na história patrimonial. E o prosseguimento desses pilares fazem com que o patrimônio, e com isso a memória social, ainda aconteçam a partir dos mesmo preceitos. O meio digital possibilita novos recursos, inclusão, acesso, abertura de barreiras geografias e temporais, o que é inegável e enriquecedor para o patrimônio, ainda que esse processo fixe a necessidade de cuidados e críticas, tanto para produção como para preservação. Entretanto, tal fato mostra que ainda que a cibercultura modifique a forma de agir do ser humano, seus princípios, suas vontades, seus meios de pensamento e sua memória ainda são as mesmas.

Material suplementar
Informação adicional

Editora do artigo: Rafaela Paula Schmitz

REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
[1] Sobre o assunto, consultar: https://www.zooniverse.org/about/ e o livro Crowdsourcing our Cultural Heritage organizado por Mia Ridge (2014).
[2] São exemplos de projetos que fazem uso de esforços coletivos e colaborativos para mapear e organizar informações patrimoniais: Old Weather (http://www.oldweather.org/), HERE SAY Story Maps (http://www.heresay.ca/), Patrimônio Cultural e Histórico: uma rede viva!!! (http://www.patrimonioredeviva.com.br/).
[3] Aqui se usa a expressão “coisa” para falar de todo e qualquer dado digital, colocado ou criado no ciberespaço, incluindo bens culturais digitais e digitalizados.
[4] Grupo criado em 6 de setembro de 2011, com o nome de Defenda Santo Ângelo! Quero nossa História Viva!. Esse grupo funciona, uma vez que ainda tem usuários ativos, como extessão de mobilizações ocorridas no espaço da cidade, onde se pedia uma preocupação patrimonial em frente à espanção imobiliária que se instaurava, levando à demolição de prédios de importância histórica. O grupo, em conjunto com a Oscip Defender, entregou, em junho de 2012, um abaixo-assinado pedindo ao Iphae (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul) a preservação do patrimônio de Santo Ângelo.
[5] A dissertação de Marina Gowert dos Reis, orientada pela Profa Dra Renata Ovenhausen Albernaz, no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, intitulada A internet como ferramenta de participação social: Uma análise das mobilizações para preservação do Centro Histórico de Santo Ângelo-RS, defendida em dezembro de 2014, está disponível em: http://www2.ufpel.edu.br/ich/ppgmp/dissertacoes/defesas-2014/marina-gowert-dos-reis/.
[7] Aqui se refere aos bens culturais como recurso de evocação de memórias, que ainda que sejam interpretadas de diferentes maneiras por cada pessoa, estabelece um referencial memorial.
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