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Estado da arte dos marcos regulatórios brasileiros rumo à Ciência Aberta
State of the art of Brazilian Regulatory frameworks towards Open Science
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, vol. 25, pp. 1-25, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina

Artigos



Recepção: 06 Fevereiro 2020

Aprovação: 18 Maio 2020

Publicado: 04 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2020.e71370

Resumo: Objetivo: Apresentar um panorama brasileiro acerca de marcos regulatórios que influenciam diretamente a prática da Ciência Aberta considerando a esfera governamental, institucional e das agências de fomento.

Método: Estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa.

Resultado: As análises estão divididas em dois blocos: o primeiro com marcos regulatórios jurídicos brasileiros provenientes de instituições governamentais, que totalizam seis (6) normativas com tópicos referentes à transparência e abertura de dados, atos e do fazer científico; o segundo bloco traz marcos regulatórios provenientes das instituições científicas totalizando vinte e seis (26) políticas, uma (1) de agência de fomento e quatro(4) normativas de instituições provedoras de produtos e serviços em informação.

Conclusões: Conclui-se que o Brasil tem trilhado seu caminho de maneira singular e de destaque uma vez que a abertura do fazer científico está em uma fase considerada transitória, consolidando o movimento de Acesso Aberto e inaugurando a Ciência Aberta, tendo o governo como agente essencial para esta implementação.

Palavras-chave: Ciência Aberta, Dados de Pesquisa, Acesso Aberto, Brasil.

Abstract: Objective: To present a Brazilian overview of regulatory frameworks that directly influence the practice of Open Science considering the sphere of government, institutions and funding agencies.

Method: Descriptive and exploratory study with qualitative approach.

Result: The analyses are divided into two blocks: the first with Brazilian legal regulatory frameworks coming from governmental institutions, which total six (6) regulations with topics related to transparency and openness of data, acts and scientific practice; the second block brings regulatory frameworks coming from scientific institutions totaling twenty-six (26) policies, one (1) from funding agency and four (4) regulations from institutions providing information products and services.

Conclusions: It is concluded that Brazil has been following its path in a singular and outstanding way, since the opening of the scientific practice is in a phase considered transitory, consolidating the Open Access and inaugurating the Open Science, having the government as an essential agent for this implementation.

Keywords: Open Science, Research Data, Open Access, Brazil.

1 INTRODUÇÃO

A Ciência Aberta constitui uma transformação relevante na maneira de realizar pesquisas científicas. É uma visão, um novo modelo de ciência que se baseia no trabalho colaborativo entre acadêmicos e também na abertura e transparência de todas as fases da pesquisa (não apenas a publicação final, mas também a coleta de dados, revisão por pares ou critérios de avaliação, entre outros aspectos).

Fecher e Friesike (2014) realizam uma interessante revisão bibliográfica sobre o conceito de Ciência Aberta, na qual descrevem cinco “escolas de pensamento”: a infraestrutura (preocupada com a arquitetura tecnológica), o público (acessibilidade da criação do conhecimento), o medidor (medidas alternativas de impacto), o democrático (acesso ao conhecimento) e o pragmático (pesquisa colaborativa). Mais recentemente, Vicente-Sáez e Martínez-Fuentes (2018) analisam 75 estudos sobre Ciência Aberta entre 1985 e 2016 e propõem uma definição de síntese que comentaremos mais adiante. O projeto FOSTER (2019) preparou uma taxonomia e um amplo conjunto de materiais e documentos informativos que também são muito úteis e interessantes para esse campo. Por fim, o artigo “Ciência Aberta e o novo modus operandi de comunicar pesquisa” (PACKER, SANTOS, 2019, p. 1) analisa os elementos fundamentais da Ciência Aberta e os contextualiza no cenário brasileiro. Esses textos fornecem uma visão geral do assunto e também propõem definições que permitem uma compreensão mais precisa deste conceito. Vamos usar dois deles para aprofundar um pouco mais o conceito.

“Ciência Aberta é um conhecimento transparente e acessível, compartilhado e desenvolvido por meio de redes colaborativas” (VICENTE-SÁEZ; MARTÍNEZ-FUENTES, 2018, p. 7).

“Ciência Aberta é a prática da ciência de tal forma que outros podem colaborar e contribuir, onde dados de pesquisa, notas de laboratório e outros processos de pesquisa estão disponíveis gratuitamente, sob termos que permitem a reutilização, redistribuição e reprodução da pesquisa e seus dados subjacentes e métodos" (FOSTER, 2019, p. 10).

Ambas as definições descrevem as características que o conhecimento científico deve ter: transparência, acessibilidade, compartilhamento e colaboração e, no caso da FOSTER, a ênfase também está na reutilização. Em segundo lugar, fica claro que esse novo modo de fazer ciência deve ser aplicado a todas as fases e etapas do processo de pesquisa, não apenas na publicação, mas também durante a geração e dados de pesquisa, notas de laboratório, dentre outros. Antes da popularização do termo Ciência Aberta, outros nomes como e-science, ciência interconectada ou science 2.0 haviam sido utilizados e compartilhavam destes princípios previamente comentados (ABADAL; ANGLADA, 2020).

Além destes estudos científicos, faz-se necessário também citar importantes publicações institucionais, como por exemplo, o relatório "Tornando a Ciência Aberta uma realidade" (OECD, 2015) promovido pela OECD que versa sobre as vantagens que as características relacionadas à abertura e a colaboração podem trazer para a ciência. Outro desta também é da Comissão Europeia que tem publicado e encomendou vários relatórios e documentos relacionados à Ciência Aberta, especialmente Digital Science in Horizon 2020 (2013), as recomendações sobre acesso e preservação de informações científicas European Comission (2018a) e Open Science Policy Platform Recommendations (2018b).

Por outro lado, a Comissão Europeia também tem promovido a Ciência Aberta do ponto de vista prático: certamente um fato amplamente conhecido é a obrigatoriedade de publicar em Acesso Aberto e compartilhar dados de pesquisa imposta pela Comissão Europeia aos pesquisadores que desejam receber financiamento em suas pesquisas.

Embora a Ciência Aberta se refira a todas as etapas do processo de pesquisa, é fato que o Acesso Aberto a publicações e dados abertos de pesquisa são os dois elementos mais desenvolvidos contando com políticas que os promovem.

O Acesso Aberto refere-se à disseminação gratuita de conteúdo acadêmico e é um modelo que já atingiu a maturidade sendo amplamente conhecido por todos os agentes envolvidos (editores, autores, dentre outros). As primeiras manifestações públicas em favor do movimento de Acesso Aberto são datadas há quase vinte anos, por exemplo,La Carta Abierta de la Public Library of Science (2000) e a Declaração de Budapeste (2002). Eles propuseram uma mudança de modelo de comunicação científica baseada no acesso livre e aberto ao conteúdo acadêmico. Nestes anos, milhares de estudos foram publicados sobre o desenvolvimento do Acesso Aberto. Pienfield (2015) publicou uma revisão bibliográfica com os principais tópicos abordados: a relação entre as vias verde e dourada, as atitudes e comportamentos dos autores, o gerenciamento de repositórios, as políticas institucionais e também as questões relacionadas a impacto, dentre outras questões.

A abertura dos dados da pesquisa visa fundamentalmente facilitar sua reutilização por outros pesquisadores. Para que isso seja possível, os dados devem atender aos quatro critérios definidos pelas diretrizes FAIR.Findable, Accessible, Interoperable, Reusable): localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis (WILKINSON et al., 2016). Em outras palavras, os dados científicos devem possuir metadados essenciais para sua descrição, preservação e reutilização, devem estar armazenados em locais abertos e ter licenças abertas para que possam ser recuperados e eventualmente reutilizados. Por outro lado, entende-se que os dados de pesquisa não são valorizados somente no contexto científico, destaca-se sua importância inovadora para o avanço da economia e sociedade de maneira geral, como especificado no relatório da OECD (2015) mencionado acima.

No tocante ao compromisso político nas agendas governamentais, tem-se que políticas e estratégias precisam ser (re)formuladas visando a implementação de um verdadeiro cenário de Ciência Aberta ao nível internacional, respeitando os diferentes contextos e abordagens dos países, além de considerar os ambientes das instituições científicas que necessitam também de planejamentos e políticas voltados a esta abertura. Assim, parece correto afirmar que para que a Ciência Aberta seja efetivamente vivenciada no dia a dia do fazer científico, a implementação de políticas e marcos legais convida à mudanças comportamentais essenciais especialmente em se tratando do modus operandi, do fazer científico.

O Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition Europe .SPARC)[1] juntamente com o Digital Curation Centre .DCC.[2] elaboraram o documento An Analysis of Open Science Policies in Europe (DONELLY, 2017) que apresenta uma revisão das políticas de dados abertos e Ciência Aberta na Europa, atualizada anualmente (já é a versão 4). A análise se concentrou nos tipos de política em vigor, seus processos de criação e algumas de suas especificidades. Observou-se no estudo que a atual preocupação dos países está centrada na melhor maneira de se implementar tais políticas e não nos questionamentos iniciais que eram pautados nos benefícios da abertura dos dados e da Ciência (Ibid., 2019).

No contexto europeu, também se destaca o estudo "Políticas de Ciência Aberta na Europa” (ABADAL; ANGLADA, 2019) onde são analisadas as políticas de Ciência Aberta promovidas por parte da União Europeia - em especial as recomendações da Open Science Policy Platform .OSPP). os planos estatais de vários estados membro (Finlândia, França, Eslovênia e Países Baixos), assim como outras iniciativas propostas por organizações e associações europeias, tais como: European University Association, (EUA)[3], League of European Research Universities (LERU)[4] e Ligue des Bibliothèques Européennes de Recherche (LIBER[5]). O estudo destaca que o impulso à Ciência Aberta parece ser um caminho sem volta e sua implantação tem se multiplicado na Europa, destacando a clara liderança da Comissão Europeia, que tem uma incidência direta e imediata nas políticas e atuações dos países.

Outro estudo analítico que também merece destaque é o Livro Verde. Ciência Aberta e Dados Abertos: mapeamento e análise de políticas, infraestruturas e estratégias em perspectiva nacional e internacional, com a organização de Santos, Almeida, Henning, (2017). Apresenta experiências que lideram o movimento da Ciência Aberta objetivando entender o panorama internacional, a situação do Brasil e ainda apontar caminhos para avançar na abertura de dados de pesquisa. O estudo sistematiza as experiências, que vão desde políticas até a criação de infraestruturas de repositórios de dados e formação de pesquisadores na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Portugal, Reino Unido e União Europeia. Conclui que, apesar das especificidades, em geral os países declaram que os dados de pesquisa são considerados ativos de desenvolvimento científico, econômico e social, buscam viabilizar seu acesso, compartilhamento e reutilização nas pesquisas financiadas com recursos públicos. (SANTOS; ALMEIDA; HENNING, 2017). Os autores afirmam ainda que quando se trata da abertura de dados de pesquisa, a lacuna entre o cenário internacional e a realidade brasileira é ainda maior. O estudo destaca que, os países investigados possuem ações estratégicas, com visão de longo prazo e esforços que envolvem toda a comunidade científica num leque de ações intensas.

Assim, considerando o grau de prioridade com o qual o tema tem sido tratado na agenda internacional, culminando em reais avanços que orientam a considerar a Ciência Aberta não somente como perspectiva, mas como uma nova realidade em construção, o presente estudo questiona, de maneira geral: Quais marcos regulatórios brasileiros, tanto na esfera jurídica e governamental quanto no âmbito das instituições científicas, das agências de fomento e das instituições que fornecem produtos e serviços podem influenciar diretamente a prática da Ciência Aberta? Que tipo de influência tais marcos trazem para a abertura da Ciência?

Visando responder às indagações, objetiva-se apresentar um panorama brasileiro acerca de marcos regulatórios que influenciam diretamente a prática da Ciência Aberta considerando a esfera jurídica e governamental, institucional e das agências de fomento.

Entende-se a relevância de análises e comparações entre experiências em diferentes contextos geográficos na temática envolvendo a prática da Ciência Aberta, uma vez que podem trazer resultados que contribuem para o avanço das discussões e definição de melhores práticas, culminando na definição de políticas e diretrizes com regras claras de abertura e gestão dos dados de pesquisa nas nações que ainda estão em fase inicial no processo de abertura do fazer científico. Considerando que a prática da Ciência Aberta tem sido liderada por órgãos governamentais e de fomento atuando na conscientização e sensibilização do pesquisador, este estudo se justifica ao buscar localizar marcos legais que abranjam diretamente a Ciência Aberta tornando possível que o Brasil delineie um ambiente favorável para a abertura de dados científicos, transmitindo segurança e confiança ao pesquisador.

O próximo item traz uma breve descrição dos caminhos metodológicos percorridos ao longo do estudo visando facilitar o entendimento das análises dos dados mapeados que foram realizadas.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa desenvolvido entre abril e novembro de 2019, com base em análise documental e bibliográfica tendo como fontes informacionais: artigos científicos, documentos e sítios oficiais provenientes de instituições governamentais, de ensino e pesquisa, organizações temáticas, agências de fomento à pesquisa, dentre outros.

O referencial teórico levantado possibilitou estabelecer quais as unidades de análise deveriam ser observadas nos marcos regulatórios mapeados. Neste sentido, ao se estabelecer quais os elementos fundamentais que compõem a Ciência Aberta em linhas gerais foi possível identificar os seguintes temas: acesso aberto, dados abertos, ciência cidadã e novos modelos de avaliação da ciência. Destaca-se aqui que foram identificados somente marcos regulatórios que fazem referência aos dois primeiros temas supracitados. Uma vez que as principais instituições científicas e agências de fomento brasileiras fazem parte da esfera governamental, entende-se que alguns marcos regulatórios, embora façam referência à dados governamentais, contemplam os dados de pesquisa produzidos por estas instituições.

Para a seleção dos marcos, buscou-se analisar o conteúdo de cada um deles tendo como critério de seleção identificar aqueles que fazem referência essencialmente ao uso, reuso, compartilhamento e distribuição de dados ou informações consideradas públicas, provenientes da esfera governamental federal, e/ou privadas, em formato digital ou analógico.

Os marcos regulatórios jurídicos levantados inicialmente foram identificados no estudo feito por Santos, Almeida, Henning (2017) e em seguida atualizados por levantamentos realizados em sites de busca, da Presidência da República[6], Câmara dos Deputados[7], utilizando-se os seguintes termos e suas respectivas combinações:

  • “ciência aberta”, “dados abertos”, “acesso aberto”, “ciência cidadã” e “avaliação + ciência”.

  • “lei”, “decreto”, “edital”, “resolução”, “declaração”, “portaria”.

Outros marcos regulatórios contemplados são provenientes das instituições de ensino e pesquisa brasileiras: Políticas de Acesso Aberto e de informação ou específicas de seu repositório institucional ou biblioteca digital. Esta parte do levantamento foi realizada durante os meses de agosto e novembro de 2019, inicialmente em dois diretórios internacionais de políticas de Acesso Aberto e específicas de repositórios: Registry of Open Access Repository Mandates and Policies (ROARMAP)[8]e o MELIBEA[9]. Os resultados obtidos nestes dois diretórios foram provenientes de uma busca utilizando-se o parâmetro “país= Brasil”. Complementando esta pesquisa inicial de políticas institucionais, realizou-se também um levantamento em sites de busca no sentido de localizar outras políticas institucionais de informação ou específicas de repositórios ou bibliotecas digitais.

A outra parte do levantamento buscou identificar os marcos regulatórios das agências de fomento brasileiras, inicialmente no sítio web do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo promover uma melhor articulação dos interesses das 26 Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais (CONFAP, 2019). Compondo o universo investigado, verificou-se também as duas principais agências de fomento nacionais: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico[10] (CNPQ) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior[11] (CAPES). Diante do exposto, com base no entendimento das esferas que fazem parte do ecossistema das práticas da Ciência Aberta, definiu-se que os marcos regulatórios serão analisados tendo como base os seguintes indicadores e suas respectivas unidades de análise:

Quadro 1
Unidades de análise para marcos regulatórios brasileiros relacionados com Ciência Aberta

Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Seguem os dados coletados referentes aos marcos regulatórios jurídicos, políticas das instituições científicas, agências de fomento e instituições provedoras de produtos e serviços em informação.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

As análises estão divididas em dois blocos: o primeiro traz os marcos regulatórios jurídicos brasileiros provenientes das instituições governamentais, sendo as leis, resoluções e decretos identificados que estabelecem relação direta com a Ciência Aberta. Em seguida, as análises sobre os marcos regulatórios provenientes das instituições científicas (Universidades, Instituições de pesquisa), agências de fomento e instituições provedoras de produtos e serviços em informação.

No tocante ao mapeamento realizado junto aos marcos regulatórios jurídicos que apresentam relação direta com a Ciência Aberta tem-se um total de seis (6). Em relação ao segundo bloco de análises, obteve-se um total de vinte e sete (27) políticas institucionais de Acesso Aberto relacionadas aos Repositórios Institucionais ou Bibliotecas Digitais. Também foram selecionados uma normativa de agência de fomento relacionada com a temática da Ciência Aberta e dois manifestos brasileiros, uma política de Acesso Aberto e um plano estratégico para a Ciência Aberta provenientes de instituições provedoras de produtos e serviços em informação.

3.1 Marcos Regulatórios jurídicos brasileiros provenientes de instituições governamentais

Em se tratando dos esforços em prol da Ciência Aberta, Albagli (2015, p. 22) destaca o envolvimento de diferentes instâncias de ação e decisão, “internas e externas à Ciência que vão desde o pesquisador individual e equipes de pesquisa até o nível macro das políticas públicas e das regulações internacionais, passando pelo nível intermediário das instituições científicas e agências de fomento”. Inicialmente surgiram algumas questões quanto à categorização das normativas segundo os critérios e termos previamente definidos para os indicadores e as unidades de análise. No total foram identificados dezessete (17) marcos regulatórios jurídicos relacionados com a Ciência Aberta. Em um segundo momento, durante a análise do conteúdo de cada marco regulatório, foi possível entender que, embora seja inegável a importância destas normativas para a temática da Ciência Aberta, as relações identificadas nem sempre eram diretas, ou seja, em linhas gerais, não abordavam como temática principal tópicos referentes à transparência das informações e atos provenientes de instituições governamentais e abertura do fazer científico. Portanto, optou-se por desconsiderá-los, no entendimento de que suprimi-los não comprometeria as análises acerca das transformações entre ciência, tecnologia e sociedade que culminam em novas dinâmicas de produção do conhecimento, informação e da cultura pautando os marcos regulatórios que se delineiam na sociedade brasileira. O Quadro 2 traz os marcos regulatórios jurídicos da esfera federal identificados que possuem relação direta com a Ciência Aberta.

Quadro 2
Marcos Regulatórios Brasileiros na esfera federal com relação direta com a Ciência Aberta

Fonte: Os autores (2019).

As leis que foram consideradas como possuindo relação direta com a Ciência Aberta neste estudo possuem características em comum e específicas do contexto brasileiro que merecem ser aqui destacadas. Primeiramente, as leis fazem referência à abertura de dados governamentais, que no contexto brasileiro impactam diretamente o fazer científico visto que as principais instituições de ensino superior e pesquisa são públicas. A trajetória brasileira rumo à Ciência Aberta no contexto dos marcos regulatórios pode ser caracterizada em sua primeira fase, que vai desde 2009 a 2016, como de abertura e disponibilização de dados na esfera governamental priorizando a transparência, contemplando não somente os dados institucionais administrativos gerados, como também os científicos provenientes de instituições científicas públicas.

Destaca-se neste intervalo de tempo supracitado a chamada pública oficializada pelo edital FINEP/PCAL/XBDB Nº 002/2009 que alavancou a implementação de repositórios institucionais e a Parceria para Governo Aberto ou OGP (do inglês Open Government Partnership) firmada pelo governo brasileiro em 2011, quando oito países fundadores (África do Sul, Brasil, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia, México, Noruega e Reino Unido) assinaram a Declaração de Governo Aberto e apresentaram seus Planos de Ação. Trata-se de uma iniciativa internacional que pretende difundir e incentivar globalmente práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social (BRASIL, 2019b).

A segunda fase da trajetória brasileira rumo à Ciência Aberta no contexto dos marcos regulatórios, a partir de 2017 traz como destaque a criação de um grupo de trabalho do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) formado por membros provenientes de várias unidades deste ministério, dentre eles o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) objetivando a criação de uma política nacional para a Ciência Aberta que até então não foi concluída (BRASIL, 2019b).

Outro ponto a ser destacado é o quarto plano de ação (2018-2020) da Parceria OGP, que tem como compromisso nº 3: “Estabelecer mecanismos de governança de dados científicos para o avanço da Ciência Aberta no Brasil” (BRASIL, 2019b). Com isto, é possível observar um amadurecimento e ampliação do escopo dos compromissos firmados ao longo da Parceria, sendo que neste momento, começam a surgir mais explicitamente ações voltadas para a Ciência Aberta. Este compromisso tem como órgãos governamentais participantes o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT / MCTI), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e da sociedade civil a Open Knowledge Foundation .OKBR), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade de Brasília (UnB) e RNP. Os marcos das ações deste terceiro compromisso com seu status de implementação em novembro de 2019 são:

  • Marco 1 - Implantação de uma rede interinstitucional pela Ciência Aberta; (100% implementado)

  • Marco 2 - Realização de diagnóstico nacional e internacional da Ciência Aberta; (100% implementado)

  • Marco 3 - Definição de diretrizes e princípios para políticas institucionais de apoio à Ciência Aberta; (70% implementado)

  • Marco 4 - Promoção de ações de sensibilização, participação e capacitação em Ciência Aberta; (61,1% implementado)

  • Marco 5 - Articulação com agências de fomento para a implantação de ações de apoio à Ciência Aberta; (80% implementado)

  • Marco 6 - Articulação com editores científicos para a implantação de ações em apoio à Ciência Aberta; (25% implementado)

  • Marco 7 - Implantação de infraestrutura federada piloto de repositórios de dados de pesquisa; (50% implementado)

  • Marco 8 - Proposição de padrões de interoperabilidade para repositórios de dados de pesquisa; (73% implementado)

  • Marco 9 - Proposição de conjunto de indicadores para aferição da maturidade em Ciência Aberta. (5% implementado) (BRASIL, 2019c).

No tocante aos marcos regulatórios governamentais que estabelecem relação direta com a Ciência Aberta, parece correto afirmar que, embora seja recente a utilização explícita do termo, esta foi precedida pela temática do apertura aos dados governamentais, que facilitou abertura aos dados científicos provenientes das instituições públicas científicas. Destaca-se a relevância da parceria OGP que trouxe o compromisso de concretizar várias ações de abertura governamental, incluindo em 2018 a temática da Ciência Aberta. A criação de uma política nacional de Ciência Aberta promete nortear o país rumo à abertura do fazer científico, entendendo que um marco regulatório superior poderá alinhar as ações e unir esforços hoje dispersos.

3.2 Marcos regulatórios provenientes de instituições científicas brasileiras

As políticas institucionais a serem analisadas são provenientes de vinte e cinco (25) Universidades e duas (2) instituições de pesquisa. Tais documentos impactam as atividades dos pesquisadores, ou seja, a produção intelectual proveniente de sua atuação científica. A exceção de duas políticas mais amplas, que são institucionais de informação e/ou Acesso Aberto à informação, estas normativas são referentes ao repositório institucional ou biblioteca digital, termo que pode variar conforme cada instituição. Os tópicos principais são: acesso aberto e repositório institucional. A linha do tempo na Tabela 1 apresenta o quantitativo de políticas institucionais aprovadas ao longo dos últimos dez (10) anos.

Tabela 1
Quantitativo de políticas institucionais aprovadas (2009 - 2018)

Fonte: Os autores (2019).

O ano de 2009 foi marcado pelo início das implementações dos repositórios institucionais brasileiros, especialmente justificadas pelo edital FINEP/PCAL/XBDB Nº 002/2009 que objetivou apoiar tais implementações com disponibilização de equipamentos e suporte na instalação de softwares para tal finalidade (FUNCATE, 2009). Ressalta-se aqui que, em uma das instituições não foi possível identificar o ano de implementação da política. A seguir, a Tabela 2 traz o quantitativo de instituições por justificativas explicitadas para a criação de suas políticas de informação/acesso aberto ou de repositório.

Tabela 2
Justificativas para a criação das políticas institucionais

Fonte: Os autores (2019).

Estabelecendo relações entre as justificativas para a criação das políticas institucionais investigadas e a Ciência Aberta, destaca-se que todas as instituições concordam que os repositórios/bibliotecas digitais facilitam a gestão e acesso à informação científica produzida além da maciça preocupação quanto às questões referentes à preservação da produção científica em formato digital.

A próxima tabela traz as informações consolidadas referentes às ações descritas nas políticas que são praticadas pelas instituições.

Tabela 3
Ações descritas nas políticas institucionais por quantitativo de instituições contempladas

Fonte: Os autores (2019).

Foi possível identificar que doze (12) instituições incentivam seus pesquisadores a publicarem em canais de acesso aberto, sendo que destas, somente duas (2) tornam explícitas ações de valorização desta prática e também do depósito em seus repositórios institucionais: os pesquisadores são beneficiados ao concorrerem em editais internos de fomento à pesquisa. Em relação ao procedimento de inserção de conteúdo a ser depositado nos repositórios contemplados pelas políticas institucionais, a maioria das instituições (21) permite o depósito por duas vias: auto arquivamento ou pela equipe do sistema de bibliotecas. Duas (2) instituições não citam explicitamente em sua política que é permitido o depósito com o auxílio da equipe especializada e três (3) instituições não citam que permitem o auto arquivamento como opção de inserção de conteúdo. O auto arquivamento é uma opção que requer vir acompanhada de ações de conscientização e formação dos pesquisadores uma vez que existe certa complexidade nos passos e padrões de metadados a serem seguidos.

Em relação aos tipos de produção intelectual afetados pelas políticas, quinze (15) delas versam sobre o depósito de toda a produção intelectual da comunidade acadêmica sem especificar quais são. Em contrapartida, onze (11) instituições especificam que os trabalhos a serem depositados pela comunidade acadêmica devem ser aqueles avaliados por pares, incluindo artigos científicos, capítulos de livros, teses, dissertações, dentre outros. Vale destacar a portaria do Ministério da Educação (MEC) e CAPES n.13 de 15 de fevereiro de 2006[12] que institui a divulgação digital das teses e dissertações produzidas pelos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu, impactando no quantitativo deste tipo de produção nos repositórios das instituições.

No tocante à equipe gestora do repositório/biblioteca digital, foi possível verificar que a maioria das instituições (21) orientam e definem a criação de um grupo interdisciplinar descrevendo suas competências, destacando as ações de acompanhamento e avaliação. Todas as políticas institucionais tornam explícitas as questões referentes aos direitos autorais respeitando períodos e quesitos de embargos das editoras ou revistas. Em se tratando de Ciência Aberta no Brasil, embora os avanços obtidos nos últimos dez anos, pode-se afirmar que o ideal seria que não existissem embargos ou qualquer outra barreira que impeça ou atrase a divulgação das pesquisas científicas.

Dezenove (19) instituições de pesquisa descrevem tecnicamente o repositório/biblioteca digital em suas políticas quanto aos formatos de arquivos suportados, estrutura hierárquica, metadados, dentre outros itens. Talvez tais descrições técnicas pudessem ser suprimidas das políticas institucionais uma vez que tais documentos devem ser diretrizes gerais que expressam os parâmetros de ações de uma temática específica. Uma opção seria um plano de gestão do repositório que traria as especificações técnicas e tecnológicas de funcionamento mais detalhadas. A questão da obrigatoriedade do depósito da produção intelectual é tratada em todas as políticas investigadas. Do total, onze (11) instituições consideram como facultativo o depósito da produção intelectual da comunidade acadêmica em seu repositório. Em contrapartida, embora a maioria das políticas torne explícito seu caráter mandatário (14), elas não apresentam punição ou perda de benefícios para os pesquisadores que não depositam sua produção científica no repositório. Assim, parece correto afirmar que as políticas mandatárias também podem ser consideradas como facultativas uma vez que fica a cargo dos pesquisadores o cumprimento ou não dos depósitos recomendados.

Em suma, as políticas institucionais investigadas sinalizam para um cenário atual brasileiro ainda muito caracterizado pelos desdobramentos da chamada "via verde" da iniciativa de 2002 do Movimento de Acesso Aberto, que se caracteriza pelo auto depósito realizado por pesquisadores em repositórios digitais abertos, neste caso, institucionais (RIs) visando a organização e disseminação da produção científica de instituições de pesquisa complementando a publicação em periódicos científicos de acesso aberto, que é também conhecida pela via dourada (BUDAPESTE OPEN ACCESS INITIATIVE, 2002).

Neste sentido, faz-se necessário destacar que 74% da produção científica brasileira está em acesso aberto, o maior percentual identificado entre os países investigados segundo o relatório de 2018 da Science Metrix - Analytical Support for Bibliometrics Indicators .SCIENCE METRIX, 2019)[13].

3.3 Marcos regulatórios das agências brasileiras de fomento às pesquisas científicas

Dentre as vinte e oito (28) agências de fomento brasileiras pesquisadas, sendo duas delas de alcance nacional, foi possível observar que todas apresentam, mesmo que incipiente, alguma orientação voltada para a abertura do fazer científico. Os pesquisadores que recebem financiamento são orientados a publicar seus resultados de investigações em algum canal de comunicação científico (artigos de periódicos, apresentação em eventos científicos, dentre outras). Entretanto, formalmente somente uma delas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) possui desde 2019 a Política para Acesso Aberto às Publicações Resultantes de Auxílios e Bolsas FAPESP[14]. Especificamente, em determinadas modalidades e chamadas desta agência de fomento, o documento “Plano de Gestão de Dados” faz parte dos anexos obrigatórios de uma proposta submetida. (FAPESP, [2019-]).

No tocante às agências de fomento de alcance nacional, durante a presente investigação, foi possível identificar iniciativas em andamento por parte da CAPES, que em 2017 ingressou formalmente na iniciativa internacional Open Access 2020 que visa acelerar a transição para o Acesso Aberto, alterando o foco atual de sistema de assinatura de periódicos, redirecionando o gasto de subscrição existente em fundos para financiar os serviços essenciais que os editores oferecem para a comunicação acadêmica (UFRGS, 2018). Ressalta-se aqui o relevante papel da CAPES em disponibilizar acesso gratuito por meio do seu portal de periódicos[15] a uma enorme variedade de conteúdos científicos para a comunidade acadêmica – uma vez que os custos com assinatura de contratos são assumidos por esta instituição.

Em relação ao CNPQ a ação de destaque é a participação no grupo de trabalho do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) que objetiva a criação da política nacional para a Ciência Aberta, em andamento, fruto da parceria OGP, especificamente o terceiro compromisso voltado para o avanço da Ciência Aberta no Brasil. Comparando a situação brasileira com o contexto internacional, é possível observar o papel crucial das agências de fomento visando fortalecer as práticas pautadas na dinâmica da Ciência Aberta. Um exemplo emblemático é o Plano S europeu, lançado em 2018, conduzido pelo Consórcio do Conselho Europeu de Investigação (Science Europe) com a participação de dezesseis (16) agências de fomento de quatorze (14) países, visando a promoção das publicações em acesso aberto. Segundo o plano, a partir de 2021, as publicações originárias de pesquisas científicas europeias que foram financiadas por agências públicas devem estar em periódicos e/ou plataformas (repositórios) de acesso aberto sem nenhum período de embargo e com licença que permita a reutilização. As agências de fomento são os atores principais, uma vez que deverão conduzir as iniciativas em prol do efetivo cumprimento do plano S, dentre elas apoiar melhorias na qualidade dos periódicos científicos de acesso aberto e suas plataformas, arcar com as taxas de publicações aplicáveis, encorajar os governos, universidades, instituições de pesquisa e bibliotecas a adotarem estratégias e práticas transparentes, dentre outras ações previstas Science Europe (2019) e Abadal et al. (2019).

Necessário se faz neste sentido esclarecer que, para o contexto brasileiro, a referência ao plano S europeu visa destacar a importância das agências de fomento na dinâmica de abertura do fazer científico. No entanto, os países da América Latina possuem uma trajetória de abertura da ciência diferenciada, marcada pela forte presença dos repositórios institucionais que, como afirma Bambini (2019) têm sido prioridades, juntamente com os periódicos de acesso aberto. Assim, o Brasil tem trilhado caminhos em relação à Ciência Aberta que ainda carecem de uma participação mais ativa das agências de fomento, devendo entender o contexto nacional e internacional que se apresenta para então desvendar soluções que favoreçam o cenário de Acesso Aberto já conquistado em se tratando das vias verde e dourada.

3.4 Marcos regulatórios das instituições provedoras de produtos e serviços de informação

Em se tratando de marcos regulatórios identificados provenientes de instituições provedoras de produtos e serviços de informação identificou-se quatro (4) documentos, sendo dois manifestos oriundos do IBICT e dois documentos da Scientific Electronic Library .SCIELO). O IBICT lançou em 2005 o Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica, objetivando promover o registro e a disseminação da produção científica brasileira em consonância com o paradigma do acesso livre à informação além de defender que se estabeleça uma política nacional de acesso livre à informação científica com o apoio da comunidade acadêmica. Observa-se neste momento que o foco do manifesto foi o movimento de Acesso Aberto e especialmente a divulgação dos resultados de pesquisa[16].

Onze anos depois, com a forte presença de periódicos brasileiros de acesso aberto, conforme pode ser observado no portal Diadorin[17] do IBICT, este mesmo órgão lançou em 2016 o Manifesto de Acesso Aberto a Dados da Pesquisa Brasileira para Ciência Cidadã que objetivou demonstrar o valor estratégico e informacional dos dados de pesquisa, estimular e apoiar movimentos e iniciativas para Ciência Aberta no Brasil. O manifesto está dirigido aos institutos de pesquisa e universidades, sociedades científicas, agências de fomento, editoras e revistas científicas, profissionais da informação em geral envolvidos em curadoria e gestão de dados científicos[18].

A Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scientific Electronic Library Online - SCIELO) é uma biblioteca digital de livre acesso e modelo cooperativo de publicação digital de periódicos científicos brasileiros, resultante de um projeto de pesquisa da FAPESP em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde - Bireme. Desde 2002 a SciELO conta com o apoio do CNPQ (SCIELO, 2019). A Declaração de Acesso Aberto da SciELO objetiva formalizar o acesso aberto nos níveis de coleção, periódico e documento por meio da especificação de uma atribuição de acesso proveniente do sistema Creative Commons (CC)[19] que promove o reuso e distribuição dos artigos indexados em suas coleções (SCIELO, 2019).

Finalmente, o plano estratégico de 2019 a 2023 para os periódicos científicos da SciELO, embora tenha sido possível localizar somente a versão preliminar para consulta publicada em 2018, certamente pode ser considerado, dentre aqueles citados neste trabalho como um dos documentos mais bem orientados em Ciência Aberta. Primeiramente porque além de apresentar uma visão integrada e global do conceito de Ciência Aberta, se refere à vários elementos desta temática, não apenas o acesso aberto, mas também dados de pesquisa, o uso de pré-prints e a revisão por pares aberta (SCIELO, 2018).

Os quatro documentos provenientes de instituições provedoras de produtos e serviços em informação são de grande relevância no tocante à trajetória brasileira rumo à Ciência Aberta. O IBICT como órgão responsável por conduzir as discussões e ações de abertura do fazer científico no Brasil, a SciELO considerada o avanço de maior impacto para o fortalecimento dos periódicos de acesso aberto no Brasil e nos países da América Latina.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou apresentar um panorama dos marcos regulatórios brasileiros, em diferentes esferas, que influenciam diretamente a prática da Ciência Aberta. A ideia inicial foi entender como os marcos regulatórios têm avançado e contribuído rumo à efetiva abertura do fazer científico. De acordo com os levantamentos realizados, parece correto afirmar que a temática que faz parte do escopo da Ciência Aberta mais favorecida pelos marcos regulatórios identificados até o momento é a do Acesso Aberto. Estas regulamentações não contemplam os dados de pesquisa, avaliação por pares aberta, ciência cidadã.

Na esfera governamental, que contemplou as leis, decretos e resoluções ainda não existe uma política brasileira específica para a Ciência Aberta. Foi possível entender o contexto do movimento de Acesso Aberto no Brasil com forte influência de normativas pautadas prioritariamente na abertura de dados governamentais, como consequência, os dados provenientes de instituições científicas públicas também são atingidos por tais marcos regulatórios. Assim, para além do Brasil, entende-se um movimento regional, estendendo-se a toda a América Latina rumo à uma regulamentação efetivamente sustentável da Ciência Aberta, como afirma Fushimi e López (2019, p. 3, tradução nossa):

Nestes 17 anos, alguns países latino-americanos conseguiram desenvolver políticas públicas para promoção do Acesso Aberto ao conhecimento científico por meio de auto arquivamento em repositórios digitais (Peru, Argentina e México) e outros países contemplando projetos de lei que pretendem regulamentar juridicamente tal movimento de abertura ( Brasil, Colômbia e Equador)[20].

No contexto das instituições científicas, reafirmando o compromisso já efetivado do Brasil quanto ao movimento de Acesso Aberto, tem-se que as políticas identificadas estão maciçamente alinhadas à via dourada, uma vez que em geral são voltadas para os repositórios institucionais. Parece correto afirmar que é preciso incluir nas agendas de discussões sobre a temática da Ciência Aberta os novos caminhos de publicação que têm sido adotados pelos pesquisadores visando incremento na visibilidade de suas investigações, a saber: os pré prints e diversas redes sociais online acadêmicas. Este movimento talvez seja consequência, em primeiro lugar da dinâmica imposta pelos grandes editoriais internacionais marcada pelo alto valor cobrado para as publicações, em segundo a demora e falta de transparência no processo avaliativo e publicação dos trabalhos científicos, inclusive nos periódicos de acesso aberto. Tais caminhos influenciam diretamente a via verde da dinâmica do Acesso Aberto devendo servir de inspiração para as discussões sobre a sustentabilidade do fazer científico nesta região. Percebe-se também uma ausência de uma ação unificada, coordenada entre as instituições visando alinhar as políticas em prol da abertura do fazer científico.

Por último, as agências de fomento brasileiras ainda não se comprometeram efetivamente com ações que visem a Ciência Aberta. Tal panorama é contrário ao movimento mundial observado nos últimos anos e acaba por impactar negativamente um possível comprometimento por parte dos pesquisadores que recebem financiamento quanto à publicação e abertura dos dados científicos e seus desdobramentos. Futuras regulamentações referentes à Ciência Aberta parecem surgir diante das últimas ações observadas por órgãos competentes para tais formulações. Assim, dentre os vários documentos existentes, os manifestos do IBICT, por sua dosagem correta de abrangência e especificidade podem ser relevantes fontes de informação para uma política nacional.

Finalmente, sabe-se que existem várias dinâmicas internacionais relevantes em se tratando de Ciência Aberta, no entanto, entende-se que o Brasil, no tocante aos marcos regulatórios e como nação integrante da América Latina, tem trilhado seu caminho de maneira singular que merece destaque uma vez que a abertura do fazer científico identificada está em uma fase considerada transitória, consolidando o movimento de Acesso Aberto e inaugurando a Ciência Aberta, tendo o governo como agente essencial para esta implementação.

Material suplementar

Parecer 1 (pdf)

Parecer 2 (pdf)

REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Disponível em: https://sparceurope.org/. Acesso em: 19 nov. 2019.
[2] Disponível em: http://www.dcc.ac.uk/. Acesso em: 19 nov. 2019.
[3] Disponível em: https://eua.eu/. Acesso em: 19 nov. 2019.
[4] Disponível em: https://www.leru.org/. Acesso em: 19 nov. 2019.
[5] Disponível em: https://libereurope.eu/. Acesso em: 19 nov. 2019.
[6] Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br
[7] Disponível em: https://www.camara.leg.br/
[8] Disponível em: https://roarmap.eprints.org/
[13] O relatório da Science Metrix utilizou a Web of Science (Clarivate Analytics) e a 1Science Database
[14] Disponível em: http://www.fapesp.br/12592
[17] Disponível em: https://diadorim.ibict.br/
[19] Disponível em: https://creativecommons.org/
[20] “En estos 17 años, algunos países de Latinoamérica lograron desarrollar políticas públicas que promueven elacceso abierto al conocimiento científico a través del autoarchivo en repositorios digitales (Perú, Argentinay México), y otros tuvieron o tienen proyectos de ley esperando lograrlo (Brasil, Colombia y Ecuador)”.

Informação adicional

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA: Concepção e elaboração do manuscrito: L.V.R. Rezende, E. Abadal Coleta de dados: L.V.R. Rezende Análise de dados: L.V.R. Rezende, E. Abadal Discussão dos resultados: L.V.R. Rezende, E. Abadal Revisão e aprovação: L.V.R. Rezende, E. Abadal

CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no artigo e na seção “Materiais suplementares”.

LICENÇA DE USO: Os autores cedem à Encontros Bibli os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Estra licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.

PUBLISHER: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES: Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros.



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