Resumo: O discurso jornalístico é sempre resultado de condições de produção específicas que ancoram os dizeres sobre acontecimentos, temas, problemáticas e sujeitos diversos. Nesta pesquisa, refletimos especialmente sobre as condições de produção que possibilitam a reiteração de sentidos acerca da mudança climática na revista Superinteressante. Em nosso gesto interpretativo, mapeamos dizeres sobre a questão do clima construídos pela publicação entre os anos 1995 e 2015. Com base em contributos teórico-metodológicos da Análise de Discurso (AD), localizamos quatro Formações Discursivas (FD) e dez Redes de Paráfrases (RP) sobre a alteração climática. A discussão de tais categorias aponta como o veículo trabalha, em seu discurso, as diferentes dimensões da mudança do clima.
Palavras-chave:discurso jornalísticodiscurso jornalístico,construção de sentidosconstrução de sentidos,análise de discursoanálise de discurso,meio ambientemeio ambiente.
Abstract: Journalistic discourse always is result of specific conditions of production that anchor the sayings about events, themes, problems and diverse individuals. In this research, we reflect especially on conditions of production that allow the reiteration of meanings about climate change in Superinteressante magazine. In our interpretive action, we mapped sayings about the climate issues constructed by the publication between 1995 and 2015. Based on the theoretical-methodological contributions of Discourse Analysis (AD), we located four Discursive Formations (DF) and ten Paraphrases Networks (PN) about climate change. The discussion of such categories points out how this magazine works, in its own discourse, the different dimensions of climate change.
Keywords: journalistic discourse, construction of meanings, discourse analysis, environment.
Resumen: El discurso periodístico es siempre resultado de condiciones de producción específicas en que se basan los mensajes sobre acontecimientos, temas, problemáticas e individuos diversos. En esta investigación, reflexionamos especialmente sobre las condiciones de producción que posibilitan la reiteración de sentidos acerca del cambio climático en la revista Superinteressante. En nuestro gesto interpretativo, mapeamos mensajes sobre la cuestión del clima construidos por la publicación entre los años 1995 y 2015. Con base en contribuciones teórico-metodológicas del Análisis de Discurso (AD), localizamos cuatro Formaciones Discursivas (FD) y diez Redes de Paráfrases (RP) sobre el cambio climático. La discusión de estas categorías apunta como el vehículo trabaja, en su discurso, las diferentes dimensiones del cambio del clima.
Palabras clave: discurso periodístico, construcción de sentidos, análisis del discurso, medio ambiente.
Monográfico
As condições de produção do discurso da revista Superinteressante sobre a mudança climática (1995 – 2015)
The conditions of production in Superinteressante magazine’s discourse on climate change (1995 - 2015)
Las condiciones de producción del discurso de la revista Superinteressante sobre el cambio climático (1995 - 2015)
Recepção: 31 Julho 2017
Aprovação: 16 Dezembro 2017
A mudança climática está remodelando a forma como as pessoas pensam sobre si mesmas, suas sociedades e seus futuros (Hulme, 2015). O discurso jornalístico, especialmente o que possui caráter “revistativo” (Tavares, 2011), contribui estrategicamente na visibilidade, na mediação, na análise, na interpretação e na compreensão pública do problema. O jornalismo, compreendido como um gênero discursivo particular (Benetti, 2008), se destaca como um dos principais espaços de construção e circulação de sentidos em torno da questão do clima. Trata-se de um tipo de dizer específico, que se enquadra especialmente na modalidade do “discurso sobre”. Segundo Mariani (1998), esse tipo de discurso atua na institucionalização dos sentidos, ou seja, diz respeito aos efeitos de linearidade e homogeneidade da memória.
O tema da mudança climática, muitas vezes, fica restrito à discussão dos especialistas no assunto e isso se deve à própria complexidade do assunto (Loose, 2016), marcado por dimensões ambientais, econômicas, políticas, culturais e éticas (Carvalho, 2011). No discurso jornalístico, a questão do clima ganha contornos e angulações específicas, variando conforme o tipo de veículo, o sujeito-leitor imaginado, a pauta, além de aspectos mais amplos da conjuntura social em que determinado dizer é construído.
A construção de dizeres jornalísticos acerca da alteração do clima sempre se ancora num conjunto de condições de produção, na qual se congregam tanto os valores e constrangimentos de cada veículo, como também elementos de um contexto macro – social e ideológico – para além dos aspectos internos das organizações de mídia. Falar em ancoragens de dizeres significa, então, lembrar que todo discurso é sempre pronunciado a partir de determinadas condições de produção (Pêcheux, 2009). Como ensina Medeiros (2008), em estudos que tomam materiais do âmbito midiático para análise, é imprescindível que tais condições sejam discutidas, uma vez que o lugar de onde se fala é regulador de sentidos.
Segundo Orlandi (2005), as condições de produção que possibilitam a existência dos dizeres estão atreladas a dois tipos de relações: de sentidos e de forças. O primeiro tipo refere-se ao fato de que não existe discurso que não se relacione com outros, tanto os do passado quanto os que ainda serão produzidos futuramente. O segundo tipo, por seu turno, diz respeito ao entendimento de que o lugar do qual o sujeito fala sempre será constitutivo do que ele diz.
A partir deste artigo, reflete-se sobre os resultados de uma pesquisa de caráter mais amplo1, em que analisamos como a revista Superinteressante, editora Abril, construiu sentidos sobre a alteração do clima entre os anos 1995 e 2015. O presente trabalho busca dar conta, sobretudo, das ancoragens do discurso da revista, isto é, dos elementos que possibilitaram o aparecimento de determinados dizeres sobre a mudança climática em detrimento de outros. Após apontamentos sobre a questão do clima no discurso jornalístico, evidenciamos os procedimentos metodológicos, a constituição de categorias e o gesto de análise. Logo em seguida, partimos para discussão das condições de produção que ancoram os dizeres da revista acerca do tema. Por fim, tecemos breves considerações finais.
O jornalismo – reconhecido como uma das principais atividades do sistema midiático – funciona como um espaço de disseminação, interpretação e discussão de ideias em torno da alteração climática (Carvalho, 2011). Os meios, em seus mais diversos contornos técnicos e narrativos, atualizam a construção discursiva do problema. Nas abordagens dos meios, algumas perspectivas são intensamente mobilizadas em detrimento de outras, que recebem pouca atenção e, muitas vezes, são até mesmo silenciadas pelo discurso jornalístico. Cabe, por isso, a compreensão de que o jornalismo sempre posiciona o seu dizer, inscreve seu discurso num dado lugar (em um espaço e em um tempo). Afinal, como elucida Orlandi (2005), os sentidos não estão nas palavras, mas nas posições que os sujeitos ocupam ao produzirem seus dizeres.
Para Mariani (1998) o discurso jornalístico trabalha tanto o inesperado (aquilo para o qual ainda não há memória construída), como também o possível/previsível (fatos para os quais é possível dizer algo porque guardam semelhanças com eventos ocorridos em outro momento). Dessa maneira, inserido numa dada ordem, o discurso jornalístico organiza filiações de sentidos possíveis para o que relata “(...) não apenas em termos de uma memória, mas também no que diz respeito aos desdobramentos futuros” (Mariani, 1998, p. 60). A mudança climática como objeto recorrente de discursos diversos, incluindo o jornalístico, é um reflexo não somente do conhecimento científico sobre o assunto e das ações dos movimentos ambientalistas, como também da própria atuação da instância midiática que passou a visibilizar mais esse tema, sobretudo, a partir da década de 1980 (Carvalho, 2011). Nas notícias, reportagens, entrevistas e outros formatos, há uma constante atribuição de sentidos à questão do clima, onde se reitera a sua urgência e se oferta modos de pensá-la. O jornalismo, desse modo, contribui para a manutenção da temática na sociedade, mas não faz isso sem ser necessariamente atravessado por ideologias, imaginários e vozes circunscritas em lugares variados.
O discurso jornalístico sobre a problemática do clima é conformado por ações de diversos campos – científico, econômico, político e ambiental, são alguns exemplos – que buscam legitimar seus argumentos e posições. A batalha por visibilidade midiática faz com que os diferentes sujeitos desenvolvam vários tipos de estratégias comunicativas e discursivas para promoverem suas perspectivas (Carvalho, 2011). Ao mesmo tempo, os jornalistas também elaboram formas específicas de abordar o fenômeno, variando conforme cada veículo, tais como: critérios de noticiabilidade, normas e culturas profissionais e política editorial.
Superinteressante – veículo-alvo do nosso estudo – é reconhecida como uma publicação mensal que investe na diversidade de assuntos e enfoques, trazendo a ciência como principal voz autorizada a falar sobre assuntos variados e, várias vezes, controversos. Seja por meio dos resultados de pesquisas científicas ou entrevistas com especialistas, ao longo de sua história, a revista se inscreve em um permanente jogo entre o discurso da ciência e o discurso do cotidiano (Schwaab, 2011). A preocupação com a veracidade das questões que coloca em pauta é visível, em especial, no constante uso de fontes especialistas (experts) que ancora a produção de conteúdos do periódico. Dessa maneira, se percebe que “a voz, o dizer dos cientistas é constantemente citado para autorizar o dizer do jornalista” (Grigoletto, 2005, p. 116).
Em seu mídia kit, localizado no site PubliAbril, Superinteressante se apresenta como essencial para as cabeças que tem fome de conhecimento, inovação e novidades, além de destacar que é capaz de ajudar o leitor a separar o novo do velho; o importante do irrelevante; e a verdade do mito. Uma série de outras competências também é assumida pela revista, tais como: a linguagem clara e direta, o exame de tendências, as análises detalhadas, as abordagens inovadoras e o enfrentamento de questões polêmicas que estimulem o leitor a debater, refletir e formar uma opinião sobre os assuntos pautados. Atualmente, o preço de Superinteressante é de R$ 14,00. A revista possui tiragem média de mais de 374 mil cópias e 282 mil exemplares de circulação por mês. Seus conteúdos estão distribuídos em plataformas para além da versão impressa de periodicidade mensal. Há uma versão para tablet, que conta com 70 mil exemplares em circulação todo mês. Além disso, por vezes, são lançados livros e edições especiais que buscam aprofundar temáticas e que são publicados com o selo Superinteressante. O mídia kit também revela que 31 anos é a idade média dos leitores, sendo 60% são homens e 40% mulheres. Desses, 80% pertencem às classes A ou B e 96% comentam ou discutem com outra pessoa sobre o que leram na revista.
Ao longo de sua história, por vezes, Superinteressante trouxe a questão do clima como assunto principal da edição. Na edição 93, julho de 1995, pela primeira vez, a revista apresentou em sua capa o tema da alteração do clima.
Na sua oferta de dizeres sobre questões ambientais, incluindo a mudança do clima, Superinteressante também constrói determinados sentidos em torno de sua prática. Como já detectou Schwaab (2011), na dispersão do dizer da publicação, nota-se uma série de marcadores relacionados ao lugar que ela intenta ocupar, tais como: a precisão, a inquietude e a capacidade de antecipação, “(...) adjetivos de um fazer apto a dar respostas, advindo de um lugar da descoberta, do desvelar o obscuro mundo e descartar opiniões não avalizadas” (Schwaab, 2011, p. 111).
Dentre os anos 2007 e 2013, Superinteressante publicou sete edições especiais, também conhecidas como “edições verdes”. Essa visada ecológica da publicação está envolvida por um projeto de caráter institucional. Em 2007, o grupo Abril criou o Movimento Planeta Sustentável (MPS), iniciativa que visou tornar a problemática ambiental transversal, incluindo o tema em praticamente todas as revistas da editora. A questão da mudança climática não surge somente na dimensão estritamente jornalística de Superinteressante, sendo algo observado, ainda, em peças publicitárias e institucionais, como os anúncios do gibi “Heróis do Clima” nas edições mais recentes da revista.
Em nossa pesquisa, empregamos a Análise de Discurso (AD) como metodologia, sem desconsiderar que tal perspectiva discursiva possui um amplo quadro teórico, repleto de conceitos e noções. A AD é um modo de problematização da linguagem que nos permite destramar fios da complexa relação entre texto (materialidade linguística) e contexto (exterioridade). Essa linha teórica nos põe em estado de constante reflexão ao ensinar que não somos senhores dos nossos dizeres, isto é, fontes ou origens dos sentidos (Orlandi, 2005). Além disso, o discurso é construído a partir de uma série de esquecimentos que retomam e atualizam dizeres-outros.
Todo dizer possui uma dada historicidade, é dotado de memória e se constrói na relação a discursos já construídos e disseminados anteriormente, em outros lugares. Por isso, na ótica da AD, os sentidos não se fixam no espaço e no tempo, estando eles em pleno movimento, se atualizando em processos discursivos complexos. Logo, como afirma Orlandi (2005), não se trata de uma mera transmissão de informação, com produtores de um lado e receptores do outro. O que temos na constituição de sentidos são relações de sujeitos, sem qualquer amarra unilateral. De acordo com Benetti (2010), o sentido não está preso no texto, pois, se constitui nas relações entre quem enuncia e quem interpreta. Conforme os princípios da AD, inexiste transparência ou “pureza” nos discursos, visto que cada dizer se ancora, em algum nível, na história, na ideologia e no imaginário.
Mobilizamos importantes conceitos da AD neste estudo. Um deles é o de paráfrase discursiva. Para Orlandi (2005), a produção de sentidos se fundamenta numa permanente tensão entre o mesmo e o diferente, isto é, entre processos parafrásticos e polissêmicos. Se por um lado, a repetição e estabilização de sentidos dizem respeito à paráfrase. Por outro, os deslocamentos e as rupturas dos processos de significação se referem à polissemia. No que concerne à função da paráfrase, há sempre algo que se mantém, da ordem do dizível, da memória. Desse modo, ela pode ser apreendida como “um mecanismo de “fechamento”, de “delimitação” das fronteiras de uma formação discursiva” (Brandão, 2005, p.48).
Na esteira do ensinamento de Pêcheux (1995), o conceito de Formação Discursiva (FD) é compreendido como aquilo que pode e deve ser dito a partir de uma posição, conjuntura, contexto dado. De acordo com Petri (2009), toda FD precisa ser concebida como heterogênea, uma vez que comporta o mesmo e o diferente. Tal característica “coloca o analista de discurso face à agitação e tensão dos sentidos de um domínio de saber e seu gesto de individualização de uma FD consiste já em um gesto de interpretação analítica” (Indursky, 2007, p. 170).
O primeiro movimento metodológico do estudo foi a leitura completa de todas as edições de Superinteressante publicadas entre janeiro de 1995 e dezembro de 2015. Foram incluídas neste mapeamento as sete edições especiais (sobre meio ambiente) publicadas no mês de dezembro, entre 2007 e 2013. Neste período da pesquisa, localizamos textos noticiosos – nos formatos nota, notícia e reportagem – que diziam respeito à problemática do clima. Esta primeira observação contabilizou 102 textos relacionados ao tema do trabalho. Depois de várias releituras dessa compilação de conteúdos, foram selecionados apenas os relatos jornalísticos mais representativos de cada ano. Assim, definimos uma totalidade de 21 textos noticiosos. Na triagem final desses textos, empregamos dois critérios principais: espaço e relevância. Primeiramente, valorizamos o lugar e a extensão dos conteúdos na revista, separando os textos curtos das grandes matérias. Por isso, privilegiamos as reportagens de capa ou especiais que versaram sobre a mudança climática de forma mais central. Em seguida, priorizamos os textos que abordaram o fenômeno através da menção à suas causas, consequências, responsabilidades, entre outras implicações. Dos 21 textos selecionados (um por ano), cinco são notícias e dezesseis são reportagens, sendo que quatro destas foram matérias de capa da revista.
A partir deste material empírico, passamos a localizar movimentos parafrásticos (o que se repetia) concernentes à mudança climática. As regularidades mapeadas foram agrupadas em Redes de Paráfrases (RP), conjuntos de dizeres que abrigam sentidos que se repetem por meio de diferentes formulações. Toda RP faz parte de uma trama discursiva maior e, por isso, se relaciona com discursos-outros através dos efeitos da interdiscursividade. O modo de funcionamento das redes inclui a repetição de palavras, expressões e proposições que ofertam sentidos sempre a partir das formações discursivas nas quais são produzidas (Pêcheux, 1995). Nosso mapeamento de movimentos parafrásticos resultou em 343 sequências discursivas que foram inseridas em dez Redes de Paráfrases. Posteriormente, detectamos relações entre tais redes e, com o auxílio da revisão bibliográfica, situamos cada uma delas em quatro Formações Discursivas. Por seu turno, cada FD da nossa pesquisa representa uma perspectiva particular sobre a mudança climática, ou seja, fundamenta um domínio específico do tema.
Trata-se da FD predominante no discurso de Superinteressante sobre a mudança climática. O gesto analítico evidenciou que 47% dos dizeres da revista acerca do tema estão inscritos nesta Formação Discursiva. Tal visada do discurso é constituída por três redes de paráfrases, são elas: (RP1) O futuro pode ser pior; (RP2) Fatos comprovam o perigo; e (RP3) Há custos econômicos. A preponderância da FD evidencia a presença recorrente de elementos como o alarmismo e o catastrofismo nos dizeres da revista.
As reiterações de sentidos chamam a atenção para a gravidade e urgência da problemática do clima, sublinhando seus principais impactos, muitas vezes, com tons sensacionais e espetaculares. É a partir desta visada discursiva que Superinteressante ressalta o potencial da alteração climática no que se refere ao engendramento e articulação de riscos em diferentes âmbitos da sociedade. Cabe destacar que o elemento basilar desta FD são as consequências da alteração climática, tanto as antevistas pela ciência, quanto às já ocorridas em diversas regiões do planeta.
Tal Formação Discursiva é a segunda mais recorrente no discurso de Superinteressante (32%) e é formada por dizeres relacionados ao reconhecimento do caráter antropogênico do problema, assim como as maneiras de enfrentá-lo através de medidas mitigação e adaptação. As três Redes de Paráfrases que pertencem a esta Formação Discursiva são: (RP4) A culpa também é nossa; (RP5) É possível e preciso agir e (RP6) Crítica ao ceticismo.
A partir desta FD, a publicação assume a mudança climática como uma questão essencialmente vinculada as ações do ser humano, sobretudo no que concerne aos modos de produção e consumo predominantes no mundo contemporâneo. As causas, a possibilidade e necessidade de enfrentamento do fenômeno, assim como a visão crítica às perspectivas céticas integram essa Formação Discursiva, que possui como eixo central, portanto, o sentido de que a problemática do clima, além de ser uma realidade, também envolve – nas mais variadas formas – o ser humano.
Na terceira Formação Discursiva mapeada (16%), verificamos Superinteressante construir inúmeros dizeres que situam a mudança climática como um assunto repleto de interrogações e, por vezes, enganos. As três Redes de Paráfrases que formam esta Formação Discursiva são: (RP7) Ainda não há certeza; (RP8) Algumas visões são exageradas; e (RP9) Os cientistas divergem. Os movimentos parafrásticos empreendidos em tais redes acrescentam tons de ponderação e serenidade na compreensão sobre a mudança climática.
Por este viés do discurso, a revista coloca em primeiro plano, especialmente, a falta de consenso, os questionamentos ainda sem respostas, as recorrentes controvérsias e as interpretações alarmistas e confusas referentes à alteração do clima. Com isso, Superinteressante ressalta que, uma vez que a própria ciência é contornada por dúvidas e equívocos, torna-se necessário identificar e analisar a problemática do clima de maneira mais cuidadosa, dispensando representações exageradas e afirmações apressadas.
A partir desta FD, os dizeres construídos por Superinteressante chamam a atenção para os aspectos desiguais relacionados à contribuição para a geração e aceleração da mudança climática, além de também atentarem para as capacidades de adaptação e mitigação que variam em cada país. Essa região de sentidos é composta pela (RP10) Assimetrias entre nações, que evidencia os aspectos desiguais relacionados à contribuição para a geração e aceleração da mudança climática.
Por este caminho, a revista salienta que a distribuição das consequências do problema ocorre, muitas vezes, de maneira irregular e injusta. Logo, aspectos estruturais da sociedade emergem no discurso da publicação. Nas sequências discursivas pertencentes a esta Formação Discursiva, além de menções aos países mais pobres, há apontamentos da responsabilidade de nações como os Estados Unidos, que no decorrer da história, contribuíram de maneira mais significativa para que a mudança climática viesse a ser um problema grave e urgente como é reconhecido atualmente.
Na tabela abaixo, destacamos as Formações Discursivas mapeadas, nomeadas a partir de enunciados-sínteses, que sumarizam seus sentidos principais. Também evidenciamos as porcentagens de cada FD obtidas com base em nosso gesto interpretativo.
A maior parte dos dizeres de Superinteressante acerca da alteração do clima mantém relações interdiscursivas com saberes do conhecimento científico. Isso ocorre, certamente, por conta do próprio perfil editorial da revista, historicamente circunscrita no espaço da divulgação da ciência. Mas, para além das conformações editoriais do veículo em questão, também foram verificados aspectos que denotam condições de produção num espectro macro, isto é, elementos da conjuntura social a nível global.
Na escuta discursiva dos dizeres construídos por Superinteressante, detectamos a considerável predominância da (FD1) A mudança climática reúne efeitos indesejáveis, que congrega sentidos diretamente associados às consequências do problema. Os saberes suscitados nesta FD vão ao encontro da reflexão de Giddens (2010), que chama a atenção para o pensamento apocalíptico na atualidade. É neste contexto que sensações como insegurança, apreensão e medo se tornam mais frequentes e intensas na vida das pessoas.
A teia de sentidos articuladas pela (FD1) está atrelada a discursos-outros que enquadram a mudança climática como produtora de efeitos danosos nos mais diversos âmbitos sociais. Logo, os dizeres da revista não se alinham somente ao conhecimento científico que sublinha fatos do passado e prevê cenários futuros, mas também a uma ideologia que percebe a mudança climática a partir de uma visão catastrofista, permeada por angústia, pessimismo, medo e maus presságios. Essa visada do discurso, com elementos do que Hulme (2011) chama de pessimismo ocidental, não se refere somente à alteração do clima, visto que engloba uma série de outras preocupações do mundo contemporâneo, como a violência e o terrorismo.
Por sua vez, a (FD2) A mudança climática diz respeito à ação humana, evidencia especialmente as dimensões humanas relacionadas ao fenômeno. Os sentidos reiterados sinalizam a preocupação de Superinteressante em enfatizar que a mudança do clima está diretamente vinculada ao agir humano. O gesto interpretativo permite associar essa Formação Discursiva com a chamada narrativa do Antropoceno, sublinhada por Hulme (2015). Esse modelo de narrar, conforme elucida o autor, se refere a uma nova era geológica em que as ações humanas se tornaram dominantes no funcionamento do planeta.
Percebe-se, via (FD2), um forte investimento em dizeres prescritivos e utilitários, que conclamam os leitores a se engajarem na luta contra o problema. É uma das maneiras que o veículo encontra para dizer: “isso é importante!”, “isso é interessante!” e “isso diz respeito ao tempo presente, ou seja, ao agora”, algo bastante comum no trabalho desempenhado pelas revistas (Benetti, 2013) e que encontra um encaixe estratégico no discurso de Superinteressante sobre a mudança climática. Compõe esse tipo de dizer uma propriedade característica dos discursos do jornalismo de revista: a pressuposta e pretensa intimidade com o público, no qual ganha força uma produção centrada no indivíduo (Tavares; Schwaab, 2013).
Já a (FD3) A mudança climática é uma questão controversa congrega um espaço de sentidos específico no qual são reiterados dizeres em torno das suas dúvidas, equívocos e incertezas do problema. Essa Formação Discursiva suscita perguntas ainda sem respostas, as discordâncias entre os especialistas, bem como as abordagens desproporcionais de instâncias como a própria mídia. Assim, nota-se que os limites e os conflitos, aspectos inerentes à ciência (Hulme, 2009), são reformulados de diversas maneiras a partir desta FD. Nesta visada discursiva, Superinteressante não apenas oferta dizeres concernentes a questões bem específicas da mudança climática, como também à sua própria existência e dimensão antropogênica.
Já a Formação Discursiva mais residual verificada, a (FD4) A mudança climática é um problema desigual, engloba dizeres que denotam aspectos desiguais em torno do problema. É por esta visada do discurso que Superinteressante chama a atenção para o fato de alguns países contribuírem mais do que outros no que diz respeito à geração e aceleração do fenômeno, além de sublinhar que existem diferenças em relação às capacidades de adaptação e mitigação. Nesse caminho, a publicação evidencia os vários graus de desigualdade que marcam a distribuição das consequências da mudança climática em todo o planeta. Como enfatiza Giddens (2010), as localidades mais pobres do mundo serão mais atingidas pelos efeitos do problema devido a uma série de fatores, tais como a posição geográfica e a falta de recursos.
As distinções em relação às tecnologias mitigatórias e adaptativas colaboram para criar distinções significativas entre aqueles que produzem os riscos e daqueles que estão mais expostos aos mesmos (Valencio, 2009). Com a (FD4), Superinteressante reformula dizeres que evidenciam como as consequências da alteração do clima tendem a ser partilhadas de maneira irregular, visto que, muitas vezes, os que menos contribuem para o problema acabam sendo os mais afetados.
A investigação aponta a predominância de sentidos relacionados às consequências da mudança climática na discursivização de Superinteressante. Identificamos que a maior parte dos dizeres da revista sobre o tema estão associados à (FD1) A mudança climática reúne efeitos indesejáveis, região discursiva que enfatiza continuamente os efeitos do problema. Consideramos que a prevalência desta FD não é indiferente às conformações editoriais e mercadológicas de Superinteressante, que ao longo de sua história busca demarcar um lugar associado às descobertas, às inquietudes e previsões mais atuais sobre as temáticas que aborda. Disso, resulta uma atenção constante nos aspectos mais sensacionais e espetaculares em torno da mudança climática – que neste caso, estão diretamente associados às consequências do problema apontadas, sobretudo, pela ciência. Verificamos que os dizeres inscritos nesta Formação Discursiva também se ancoram em condições de produção mais amplas, se relacionado com o chamado pessimismo ocidental que caracteriza a contemporaneidade (Hulme, 2011) e também com o pensamento apocalíptico vigente (Giddens, 2010). Assim, de diferentes maneiras, as três Redes de Paráfrases constituintes da (FD1) reiteram construções discursivas carregadas de angústia, desamparo, medo, insegurança e fatalismo.
Em uma escala menor, reconhecemos a (FD2) A mudança climática diz respeito à ação humana como a segunda maior região de sentidos sobre o tema. Nesta zona do discurso, abre-se espaço para os sentidos associados ao agir humano na configuração da problemática do clima. Superinteressante, então, não apenas aponta a dimensão antropogênica do fenômeno, uma vez que também destaca a possibilidade e necessidade do homem enfrentá-lo com medidas de mitigação e adaptação. Notamos que em alguns momentos de sua discursivização, a revista se posiciona de maneira crítica e questionadora diante de perspectivas céticas. Por sua vez, percebemos em (FD3) A mudança climática é uma questão controversa uma sucessão de dizeres em torno das incertezas, interrogações, dúvidas e equívocos que conformam o problema. Inscrita nesta FD, em algumas passagens, Superinteressante, inclusive, produz críticas as chamadas abordagens alarmistas e sensacionalistas, que focalizam excessivamente as previsões e consequências. Já no que se refere aos sentidos mais residuais, mas ainda sim existentes e reiterados pela revista, localizamos a (FD4) A mudança climática é um problema desigual. Aqui, a publicação evidencia as assimetrias presentes tanto na geração da mudança do clima, como ainda na distribuição dos efeitos do problema. É no âmbito desta FD que aspectos como a vulnerabilidade dos países e comunidades mais pobres são suscitados por Superinteressante.
O mapeamento das quatro Formações Discursivas e de suas respectivas Redes de Paráfrases indica que entre 1995 e 2015 Superinteressante construiu discursivamente a mudança climática com base em diferentes contextos e enfoques. A reflexão desenvolvida a partir deste trabalho reforça a compreensão de que, ao construir sentidos sobre a mudança climática, o jornalismo acolhe um conjunto de dizeres já produzidos em outros lugares sociais, como o espaço político e científico. Nesse acolhimento, por vezes, se mostram frágeis o tratamento, a profundidade, a contextualização e a necessária visão crítica diante das diversas perspectivas que tomam o fenômeno como objeto de discussão. No caso de Superinteressante, constatamos que apesar de a revista incorporar uma diversidade de sentidos sobre o tema ao longo desses anos, nem todos se manifestam com mesma frequência e intensidade. O predomínio dos sentidos relacionados as consequências da mudança do clima, tanto as previstas como as já concretizadas, é resultado das condições de produção do discurso da publicação. Vale ressaltar que para além das condições de ordem macro, componentes da conjuntura social em que a revista se insere, a ênfase constante nos efeitos do problema também dialoga precisamente com suas dinâmicas jornalísticas e perfil editorial. Dessa forma, Superinteressante busca chamar a atenção para a gravidade e urgência da alteração do clima construindo uma sucessão de dizeres espetaculares, impactantes e sensacionais.
http://revistachasqui.org/index.php/chasqui/article/view/3283/2979 (pdf)