Informe
Resumo: Este trabalho analisa o cenário acadêmico da pós-graduação stricto sensu e a produção de teses e dissertações em comunicação que têm o Mercosul como questão de pesquisa. As técnicas utilizadas foram: análise dos dados da Fundação Alexandre Gusmão e do Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais (FUNAG/IPRI), levantamento bibliográfico e análise documental. Conclui-se que, em vinte e cinco anos de existência, as produções acadêmicas na área de comunicação sobre o Mercosul foram poucas pois: i) faltam incentivos institucionais às pesquisas em comunicação; ii) persiste certa indiferença frente ao debate sobre democratização das comunicações; iii) os governos optaram pela manutenção da diplomacia tradicional, o quê dificulta o acompanhamento de negociações e restringe espaços de participação social.
Palavras-chave: democracia, participação social, pesquisa acadêmica, Mercosul.
Abstract: This paper studies the postgraduate academic field stricto sensu and those theses and dissertations which aimed Mercosur as its research focus. The techniques used were: data analysis at archives of Alexandre Gusmão Foundation and Research Institute of International Relations (FUNAG/IPRI), bibliographic search y document analysis. We infer that, in twenty-five years of existence of Mercosur, academic production in communications was modest, due to: i) the lack of institutional incentives for research; ii) some indifference towards debates on democratization of communications; and iii) the continuance of traditional diplomacy by governments, which hampers the monitoring of the negotiations and obstructs spaces for social participation.
Keywords: democracy, social participation, academic research, Mercosur.
Resumen: Este trabajo trata sobre el entorno académico de posgrado stricto sensu y la producción de tesis y disertaciones en comunicación que tienen al Mercosur como tema de investigación. Las técnicas utilizadas fueron: análisis de datos de la Fundación Alexandre Gusmão y el Instituto de Investigación de Relaciones Internacionales (FUNAG/IPRI), relevamiento bibliográfico y análisis documental. Llegamos a la conclusión de que, en veinticinco años de existencia del Mercosur, las producciones académicas en el área de la comunicación fueron escasas, pues: i) faltan incentivos institucionales para la investigación; ii) persiste cierta indiferencia frente al debate sobre la democratización de las comunicaciones; y iii) los gobiernos han optado por mantener una diplomacia tradicional, lo que dificulta el seguimiento de negociaciones y restringe el espacio para la participación social.
Palabras clave: democracia, participación social, investigación académica, Mercosur.
1. Introdução
O Mercado Comum do Sul, Mercosul, fundado em 1991, a partir da assinatura do Tratado de Assunção entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, é objeto de pesquisa nos mais diversos campos de saber. Inicialmente criado para favorecer a integração econômica, o bloco teve sua estrutura definida e formalizada com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 1994. Sendo personalidade jurídica de direito internacional, a primeira questão colocada é: quem são os sujeitos de direito no contexto do Mercosul? Pode-se tratar o indivíduo como sujeito de direito no direito internacional público? Outro ponto de reflexão é o caráter intergovernamental da organização, o que determina que cada país mantenha sua própria soberania, diferente dos blocos regidos pelo direito comunitário, a exemplo da União Europeia, onde a soberania é compartilhada. Este aspecto jurídico contribui para compreender o processo de integração regional e a participação social no bloco em questão.
No Mercosul, a estrutura decisória está constituída em: Conselho do Mercado Comum (CMC), órgão político que formula as decisões dos Ministros de Economia e Chanceleres do bloco; o Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo que define as resoluções dos diplomatas do bloco; e a Comissão de Comércio Mercosul (CCM), que elabora as diretrizes do comércio. Outras instâncias, de caráter não-decisório, merecem destaque por sua atuação e representatividade cidadã: o Foro Consultivo Econômico e Social e o Parlamento do Mercosul.
O GMC criou o Subgrupo de Trabalho 1, das comunicações, para debater infraestrutura e tecnologias de comunicação. Porém, no quesito integração de normas para as comunicações –infraestrutura e televisão digital– os países do Mercosul decidiram fazer suas próprias discussões, o que resultou em diferentes escolhas do modelo de televisão digital por cada país. O GMC também criou a Reunião Especializada de Comunicação Social (RECS), com objetivo de promover a instituição e debater temas de comunicação social pertinentes ao processo de integração regional. No caso da RECS, não avançaram os debates sobre o papel da comunicação no bloco e o foco esteve limitado, por muitos anos, à comunicação institucional. Em 2014, o GMC requisitou que a RECS elaborasse uma proposta para a Diretriz Comunicacional do Mercosul. Por fim, em dezembro de 2014 a RECS submeteu a proposta ao GMC. Aprovada pelo órgão executivo, a proposta seguiu imediatamente para apreciação do CMC, órgão político, que aprovou no mesmo mês o documento DECISÃO CMC nº 47/2014, a Diretriz para a Política Comunicacional do Mercosul.
Segundo a Diretriz, a comunicação do bloco deve ser tratada como direito humano, e sinaliza a formulação de uma política pública com a construção de uma estrutura formal para sustentá-la. O público, além da cidadania Mercosul e cidadania estrangeira, é pensado de modo a trabalhar a opinião pública sobre o Mercosul –academia, mídia, formadores de opinião– dentro do bloco, nações estrangeiras e em outros blocos regionais. O pensamento comunicacional posto na Diretriz, aliado às discussões para uma possível participação popular nos debates da RECS Mercosul, a medida em que tomam devida relevância no processo de integração regional, fazem perceber a tentativa de se adotar elementos de diplomacia pública, embora o termo não apareça nos documentos do Mercosul (Nubiato Matos & Silva, 2016, p. 13). Em contraponto, nota-se que a diretriz também traça mecanismos de opacidade, marca da diplomacia tradicional, quando inclui que os assuntos em negociação somente serão divulgados após a conclusão. Deste modo, muitos documentos são mantidos em reservado, dificultando os debates com a sociedade civil e a atuação dos pesquisadores.
A sociedade civil busca mais espaço de participação e debate nas estruturas do Mercosul. A RECS debate esta participação social nas reuniões, mas nota-se certa resistência por meio de uma permissão com restrições aos representantes da sociedade civil. Discutir democratização das comunicações, política pública de comunicação e diplomacia pública fortalecerão o debate em defesa do cidadão, do indivíduo, como sujeito de direitos no direito internacional. Este pode ser o caminho para alcançar o sentimento de pertencimento a uma cidadania mercosulina.
O Estado é tratado como sujeito de direito internacional, diferente do direito interno, onde o Estado disciplina por meio de normas o convívio em sociedade. Bárbara Mourão dos Santos explica que “O Estado foi o primeiro sujeito de Direito Internacional Público a ser criado e, até hoje, é considerado o mais importante” (Santos, 2011, p. 94). Os sujeitos de direito constituem personalidade jurídica para atuar na sociedade internacional, a exemplo dos organismos internacionais criados da associação entre Estados, por meio de tratados internacionais. Com a valorização dos direitos humanos e a constituição de organizações internacionais que defendem tais direitos, a discussão muda. Neste novo cenário, o indivíduo deixa de ser apenas sujeito de deveres, como tratado pelo direito internacional tradicional, e passa a ser o cidadão sujeito de direito internacional.
Neste aspecto, cabe ressaltar que o Mercosul incluiu espaços para promover a participação social que valorizam o cidadão como sujeito de direitos. A exemplo, entre os propósitos do Parlamento do Mercosul, artigo 2 do Protocolo Constitutivo (2005), “[R]representar aos povos do Mercosul, respeitando sua pluralidade ideológica e política” e ainda “[G]garantir a participação dos atores da sociedade civil no processo de integração”. Segundo o artigo 4 do Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul (2005), que versa sobre competências, o Parlamento deve “[R]receber, examinar e se for o caso encaminhar aos órgãos decisórios, petições de qualquer particular, sejam pessoas físicas ou jurídicas, dos Estados Partes, relacionadas com atos ou omissões dos órgãos do Mercosul”. Quanto ao reforço da participação popular, o artigo 4º ainda dispõe que é competência do Parlasul “[F]fomentar o desenvolvimento de instrumentos de democracia representativa e participativa no Mercosul”.
Quanto ao Parlamento, questiona-se apenas a representatividade indireta, pois, como previsto no Protocolo Constitutivo, os parlamentares do Mercosul devem ser eleitos por sufrágio universal direto. Até o momento apenas o Paraguai e a Argentina elegeram seus representantes por meio de eleições diretas. Brasil, Uruguai e Venezuela ainda discutem a modificação de suas leis eleitorais para inclusão dos parlamentares do Mercosul. Por enquanto, as representações destes países acontecem por indicação indireta de deputados e senadores com mandatos, feitas pelas lideranças partidárias dos respectivos Congressos Nacionais. Para uma estrutura verdadeiramente democrática, o sufrágio universal direto ainda é uma pendência no Parlamento do Mercosul.
A estrutura do Mercosul está apta para ser democrática e representativa, como assinala Ribeiro (2012, p. 14), mas o que impede é desejo dos governos de manter o atual modelo de estrutura, onde as decisões e o poder são centralizados nos governantes. Em um cenário onde as decisões da diplomacia tradicional e a centralidade de poder prevalecem, os discursos sobre participação social e a pouca eficiência dos órgãos que objetivam o impacto social regional se tornam figurativos, não contribuindo para o avanço da integração. Compreendendo que a academia pode contribuir –não apenas como formadora de conhecimento e como público alvo mencionado na Política Comunicacional, mas como espaço para o debate das discussões, com potencial para agendamento do debate na mídia e nos espaços públicos–, perguntamos: onde estão os pesquisadores de pós-graduação stricto sensu e os debates sobre comunicação social do Mercosul no Brasil? Tal agenda, com apoio da academia, poderá desencadear a construção de uma política pública de comunicação.
2. Intercom e o chamado à academia
O ano de 1996 marca o início dos estudos em políticas de comunicação para o Mercosul por meio do Congresso da Sociedade Brasileira de Ciências da Comunicação, conhecido pela sigla Intercom. Os organizadores foram José Marques de Melo, fundador da Intercom e diretor da Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, e Maria Immacolata Vassallo de Lopes, presidente da Intercom. A proposta para aquele ano, no XIX Ciclo de Estudos Interdisciplinares de Comunicação, foi refletir sobre os desafios do Mercosul para uma política regional de comunicação. Também foi uma oportunidade para retomar as discussões da Intercom 1995, quando o tema foi globalização e regionalismos. Em 1996, havia cinco anos que o bloco ratificara o Tratado de Assunção, e há dois anos, o Protocolo de Ouro Preto. O evento reuniu, de 2 a 7 de setembro, 1,6 mil pesquisadores na Universidade de Londrina (UEL), no Paraná. Um ano depois, a editora UEL formatou as palestras do congresso e lançou o livro Políticas Regionais de Comunicação, os desafios do Mercosul.
Os primeiros anos de existência do Mercosul, ao mesmo tempo em que apresentavam uma oportunidade de desenvolver um espaço de debate para as políticas regionais, também eram desafiadores pela incipiência do processo de integração. O congresso buscou primeiro conhecer as experiências de outros blocos para as políticas de comunicação social, a exemplo da União Europeia e NAFTA1; em segundo, os aspectos econômicos, políticos e culturais a serem considerados na construção de uma política regional. Para os organizadores, José Marques de Melo e Maria Immacolata Vassallo de Lopes:
Uma resposta a esses desafios é promover a articulação entre os países envolvidos por esse tratado, com suas identidades históricas e culturais. Outra é incentivar a revisão dos campos específicos de conhecimento e dos quadros de referência mentais: valores, conceitos, categorias explicativas. Faz-se urgente o trabalho de estudo teórico e de investigação empírica que lide de forma estrutural e fenomenal, interativa e dialética com tudo isso. (Lopes & Melo, 1997, p. 16)
Ao mesmo tempo em que cobravam iniciativas da academia para um mergulho no tema, enxergava-se a urgência da formulação de diretrizes para uma política regional de comunicação “sintonizada com as demandas das respectivas sociedades civis” (Lopes & Melo, 1997, p. 16).
Em 2008, a editora universitária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), do Rio Grande do Sul, lançou o estudo Mercosul Sob os Olhos do Mundo, como jornais de 14 países apresentaram o Mercosul a seus eleitores. A obra foi organizada por Jorge Duarte, coordenador da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e da Reunião Especializada de Comunicação Social do Mercosul (RECS) pelo Brasil, e por Maria Cristina Gobbi. A publicação também contou com a consultoria de José Marques de Melo. O trabalho teve participação de 34 pesquisadores para levantamento de dados em 14 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, México, Paraguai, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. No prefácio da obra, já sinalizando a realidade do bloco para o que se tornou um tema ausente da agenda jornalística, Marques de Melo destaca:
O grande paradoxo da globalização é o escasso interesse coletivo pelo que ocorre no globo. Excetuando os acontecimentos inusitados ou espetaculares, que conquistam as manchetes da mídia, a vida cotidiana no planeta suscita pouca atenção da cidadania. A aldeia global de Marshall MacLuhan continua a ser metáfora, talvez confirmada por pequenas janelas que se abrem nos veículos eletrônicos para noticiar o mundo em poucos segundos. (Melo, 2008)
Assim, tanto para os acadêmicos da comunicação social quanto para o público mais amplo, o Mercosul não se fortaleceu no agendamento da mídia. Segundo Marques de Melo (2008), tal fato seria compreensível enquanto um bloco em construção, na primeira fase da pesquisa sobre a cobertura jornalística. Mas, a caminho da segunda década de existência, quando estava mais competitivo, disputando espaços ou negociando novas parcerias, por que este cenário não mudou? “Devemos formular estratégias de comunicação internacional no mesmo patamar daquelas urdidas pelos nossos parceiros regionalizados”, defendeu Marques de Melo (2008). Pertinente a observação de Steinberger-Elias que, ao relacionar o jornalismo e o imaginário internacional sobre o Mercosul compara: “assim como o cientista, o jornalista também procede a partir de uma espécie de ‘marco de ignorância’, embora não trabalhe cegamente” (2005, p. 69). Resgatando o Congresso Intercom 1996, Antônio de Andrade concluiu, a partir da pergunta “O Mercosul é notícia?”, que o grau de noticiabilidade está na “razão direta que o tema tenha a ver com a demanda econômica que ele representa” (Andrade, 1997, p. 349), considerando, entre outros elementos, que o Mercosul é notícia quanto maior for a proximidade geográfica dos países para o público consumidor. Deste modo, temos a experiência empírica de observar como a região sul do Brasil, além dos estados brasileiros que fazem fronteira com os países parceiros do bloco, têm maior interesse pelo tema. É necessário lembrar a relação que a dimensão econômica mantém com as demais dimensões do processo de integração. Desde o seu início, as pesquisas e debates sobre cultura e comunicação no Mercosul estavam mais propensos às questões da indústria cultural, a exemplo da análise sobre o impacto do Mercosul sobre a produção editorial (McCarthy, 1997). Mais adiante, a pesquisa da Fundação Alexandre Gusmão e do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais confirma que a questão geográfica também se apresenta no universo acadêmico.
3. Instrumentos de Pesquisa
Os instrumentos utilizados neste trabalho para a observação científica da produção de pesquisas em comunicação, cujo objeto ou cenário são o Mercosul, foram: 1) análise documental de atas da Reunião Especializada de Comunicação Social do Mercosul (RECS), com objetivo de identificar os temas em discussão e atores integrantes nos debates sobre a comunicação social do Mercosul. Foram analisadas Atas desde 1998 até 2015, totalizando 28 atas de reunião; 2) análise dos dados quantitativos sobre a produção acadêmica do Mercosul: o uso dos dados produzidos pela FUNAG/IPRI foi relevante na verificação dos campos científicos que mais produzem sobre o Mercosul no Brasil, bem como as regiões brasileiras e as universidades que obtiveram maior número de teses e dissertações sobre o tema; também foram utilizados os buscadores Google Acadêmico, o banco de dados do portal domínio público e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (Capes); 3) levantamento bibliográfico de obras, pesquisadores e anais de congressos cujos teores apresentam pesquisas sobre o Mercosul sob as lentes da comunicação social. Dentro do levantamento, destacamos os anais da Intercom 1996, que podemos considerar como a primeira publicação brasileira em livro de comunicação social sobre o Mercosul.
Tratada como instrumento complementar, porém não menos importante, consideramos ouvir duas pesquisadoras do tema Mercosul no campo da comunicação social: As doutoras Juçara Brittes e Chalini Torquato Gonçalves de Barros que, obtiveram respectivamente, títulos de mestrado e de doutorado a partir de pesquisas em comunicação social que discutiam o Mercosul como objeto e/ou cenário. Interessante observar os anos de defesa de cada uma: a professora Juçara Brittes obteve título de mestre em comunicação em 1997, seis anos após a assinatura do Tratado de Assunção, colocando-a entre as pioneiras da pesquisa em comunicação sobre o tema. A professora Chalini Torquato Gonçalves de Barros concluiu o doutorado em 2014. Por e-mail, foram enviadas, para ambas, perguntas com objetivo de saber a motivação pessoal e profissional pelo tema Mercosul, dificuldades que enfrentaram em suas pesquisas, visões sobre a estrutura institucional do bloco e sobre as contribuições possíveis que o campo pode fazer ao Mercosul.
As observações das pesquisadoras foram somadas aos dados quantitativos, os temas e atores destacados pela RECS, e contribuíram para a construção da análise e pontuação das causas do referido cenário da produção acadêmica brasileira em comunicação social sobre o Mercosul.
4. Vinte anos depois do Congresso
Em levantamento prévio, constata-se a existência de artigos e publicações em comunicação que fazem uma abordagem sobre o Mercosul, essencialmente, como delimitação geográfica para referir-se aos estudos comparados entre os países. Nota-se que é frágil ou mínima a abordagem a partir do aspecto institucional do bloco, que visa harmonização de normas2 em comum entre os Estados Partes.
A defasagem de teses e dissertações sobre o Mercosul no campo da comunicação social é um ponto de reflexão. Venício Lima (1997, p. 142), no Congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Social (Intercom), em 1996, destacou a necessidade de participação da academia nos debates e na construção de políticas de comunicação para o Mercosul. Depois de 1996, por que tal interlocução não aconteceu ou descontinuou-se? No mesmo congresso, Lima colocou questões pertinentes sobre a atuação de outros atores no contexto de globalização, que além do Estado e dos cidadãos, têm outros interesses, com foco no mercado e no consumidor. Ele registra a própria ausência da expressão políticas públicas, substituído por políticas regionais. São pertinentes e ainda atuais os questionamentos de Lima (1997, p. 143): ”Como resistir à transformação da esfera pública em mercado, da opinião pública em comportamento de compra e do cidadão apenas em consumidor?”. E por fim, Lima (1997, p. 142) destaca a ausência dos pesquisadores da área no processo de formulação das políticas, não apenas no Brasil, mas em outros países do Mercosul, como um agravante no processo de construção das políticas públicas.
Um levantamento realizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais (IPRI), do governo federal, de 1994 até 2015, revela que foram produzidas 271 teses de doutorado e dissertações de mestrado no Brasil sobre o Mercosul. No geral, cerca de 60 % dos trabalhos foram feitos em nível de mestrado. De acordo com a FUNAG/IPRI (2015), “a escolha dos objetos de pesquisa revela clara preocupação com o mundo produtivo e suas repercussões sobre os campos social, político e ambiental”. Porém, quando se trata do campo da comunicação, as pesquisas feitas sobre o Mercosul ainda não alcançaram relevância quantitativa. A pesquisa FUNAG/IPRI3 (2015) mostra dois registros de dissertação e uma tese no campo da comunicação sobre o tema Mercosul. A base jurídica do Mercosul faz menção à comunicação social como um instrumento importante para a integração, em contrapartida, o espaço de discussão do campo em nível intergovernamental é pouco aproveitado pela academia.
No que tange às áreas do conhecimento, vale sublinhar a força da produção jurídica (em vários ramos do direito), seguida de trabalhos de economia (com ênfase em temas comerciais), ciências sociais e políticas, relações internacionais e integração latino-americana (as universidades UFSM – Santa Maria e USP dispõem de um departamento específico dedicado à integração). Além dessas áreas, que concentram o essencial da produção acadêmica sobre o Mercosul, há numerosas teses e dissertações produzidas pelos departamentos de (em ordem decrescente) administração, educação, políticas públicas e serviço social, antropologia e cultura, sociologia, meio ambiente, artes, história, agronomia e agronegócios, geografia, filosofia, linguística, mineração, engenharia e ciências da saúde. (FUNAG/IPRI, 2015)
Vários trabalhos aprovados em 2015 ainda não figuram nas bases consultadas. Um dos resultados que não aparece é a tese “Democratização da Comunicação:
Discussão Teórico-Conceitual e Análise Comparada de Ambientes Regulatórios para o Setor de Televisão nos Países do Mercosul”, defendida em 2014 por Chalini Torquato Gonçalves de Barros na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Este resultado aparece apenas entre os 21.9004 do Google Acadêmico, em pesquisa a partir da soma dos termos Mercosul e Comunicação, onde aparecem também muitos artigos de periódicos, livros e congressos, nem sempre organizados ou promovidos pelos pesquisadores em comunicação social.
Segundo Barros (2016), a motivação para a tese, que também rendeu cerca de dez artigos em periódicos e congressos, surgiu da identificação da “necessidade em integrar as pesquisas sobre comunicação nos países da América do Sul”. Deste modo, ela optou por desenvolver uma pesquisa comparativa. A escolha do Mercosul partiu da busca por uma profundidade qualitativa e diversidade em ambientes regulatórios, sendo o bloco limitador da quantidade de países com distintas experiências regulatórias: “[O]o objetivo era verificar o quanto a discussão sobre democratização da mídia partia de uma pauta da sociedade civil para refletir em instrumentos institucionalizados” (Barros, 2016).
Ainda segundo a FUNAG/IPRI, a produção científica sobre o Mercosul é liderada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com 36 trabalhos, e a Universidade de São Paulo (USP), com 30. A terceira colocada é a Universidade de Brasília (UnB), com 21 teses e dissertações.
O segundo quadro permite observar o interesse pelo tema Mercosul no Brasil, de acordo com a unidade federativa. Este resultado reforça o que foi colocado anteriormente: o tema é mais presente nas regiões de acordo com a demanda econômica que representa, neste caso, nas regiões Sul e Sudeste, prevalecendo uma visão limitada do que representa o processo de integração regional.
A partir de uma busca atualizada apenas no banco de teses CAPES5, dos 2366 registros com o tema Mercosul 46 são teses de doutorado, 172 são dissertações de mestrado acadêmico e 18 são de mestrado profissional. Dos programas de comunicação, há apenas um registro. Trata-se da dissertação de Helton Costa, defendida em 2012, e, a mesma é uma análise de um site de notícias comercial com o nome Mercosul News, na cobertura das ações do Exército do Povo Paraguaio (EPP) entre 2009 e 2010. O EPP só veio a ser assunto institucional para o Mercosul a partir das ações que motivaram o impeachment de Fernando Lugo, o que resultou na suspensão do Paraguai das decisões do Mercosul e da Unasul, em julho de 2012.
Nota-se que ainda há confusão ao recortar e abordar questões pontuais de países que integram o Mercosul, como as questões que não partem de um caráter institucional ou as que recebem o tratamento de estudo comparado, carregando a marca Mercosul para esses estudos sem que se façam as considerações sobre a integração dos países, internalização e integralização de normas e acordos a partir do bloco.
A dissertação “Políticas Regionais de Comunicação: do macro ao megarregional”, defendida por Juçara Brittes em 1997, pela Metodista de São Paulo, traz a visão institucional da organização. Ela é a primeira a identificar que a atuação da Reunião Especializada de Comunicação Social do Mercosul (RECS) está focada em comunicação institucional em detrimento da comunicação pública e do espaço de debate da comunicação social, numa atuação semelhante a uma assessoria de imprensa. Segundo Brittes (2016), por meio de questionamentos encaminhados por e-mail, este trabalho surgiu de uma visão engajada na crença de que
[...] a união de esforços dos países do cone sul possa fortalecer os propósitos democráticos, sistematicamente boicotados por blocos ou países mais fortes. Foram as teses do imperialismo cultural que me ajudaram a despertar para o ideal bolivariano, hoje traduzido por outras correntes analíticas e outras bandeiras de luta –as políticas públicas para o campo da comunicação são um exemplo. (Juçara Brittes, correio eletrônico, 2016)
O engajamento verificado em Brittes, colocando o ideal de integração LatinoAmericana, é uma corrente de pensamento que encontra resistência institucional no Brasil. Amorim (2011) argumenta que, a respeito do Mercosul, o Brasil nos anos 2000 resolveu adotar um discurso de integração Sul Americana e não de integração Latino-Americana, mesmo enquanto todos países do Mercosul estavam alinhados em defesa das plataformas sociais. No entanto, acadêmicos do direito, das relações internacionais e de outros campos compreendem e fazem referência ao Mercosul como projeto de integração Latino-Americana.
O trabalho encontrado na base Capes que mais se aproxima da linha Políticas de Comunicação e de Cultura, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC-UnB), é a tese de Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino, defendida em 2008 no programa de Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. O título da referida tese é “O Processo Constituinte em Formas Estatais Regionais: A Experiência da União Europeia e do Mercosul”. Este não está sob as lentes do campo comunicacional, mas, assim como a linha de pesquisa da FAC-UnB, também trata de políticas públicas; e como esta proposta de pesquisa, em questão, tem a política regional do Mercosul como tema de referência.
No portal Domínio Público7 foram encontrados 758 trabalhos. Destes, duas dissertações e uma tese em comunicação. A tese “Comunicação, novas tecnologias e informacionalização da política: o governo eletrônico no Mercosul”, de autoria de José Antônio Martinuzzo, foi defendida em 2008 na Universidade Federal Fluminense (UFF). Outras duas dissertações foram defendidas em 2009: 1) “O jornal ‘O Estado de S. Paulo’, no processo de integração do Mercosul, de autoria de Meirecler Mieto, para o programa de comunicação e cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e; 2) “O ciberespaço e o ambiente virtual da bienal do Mercosul: possível espaço de criação/exposição”, de autoria de Franciele Filipini dos Santos, para o programa de Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Iniciativas de incentivo para a produção de pesquisas em comunicação, além de dar maior abertura e acesso aos documentos para que pesquisadores possam conhecer e aprofundar os debates sobre o pensamento e as ações do Mercosul poderiam contribuir para o aumento da produtividade acadêmica. O pesquisador, via de regra, atua sozinho, com seus próprios recursos. Para ir ao campo, pesquisar in loco, o custo das viagens internacionais pode ser outro empecilho. O uso de recursos tecnológicos, da internet, facilitam e diminuem distâncias, mas não garantem os dados com a mesma qualidade e profundidade nas observações científicas.
5. Considerações finais
O levantamento organizado pela FUNAG/IPRI confirma a baixa produtividade em pesquisas no campo da comunicação que apresentam o Mercosul como objeto ou cenário. Desde o congresso INTERCOM 1996 até o ano presente se passaram vinte anos. Desde lá, o debate sobre os temas regulamentação, democratização, integração das normas no campo da comunicação, políticas públicas de comunicação social para o Mercosul perderam força porque, de um lado, o interesse dos governantes em manter a estrutura decisória como está não permitiu inserir uma agenda para fortalecimento da comunicação social, do outro lado, pesquisadores atuando de modo solitário e com recursos próprios e limitados, dificultou uma ampliação das pesquisas.
Faz-se necessário que as instâncias do Mercosul definam suas estratégias de atuação para a comunicação social e compreendam seus papeis nos debates. Um último ator, a espera de um espaço institucionalizado é a sociedade civil, que também não pode usufruir daquilo que está previsto nos protocolos e na própria estrutura institucional do Mercosul. Nubiato Matos (2017) destaca que o Mercosul incluiu espaços para promover a participação social que valorizam o cidadão como sujeito de direitos –como o Parlamento, a Cúpula Social do Mercosul, o Fórum Econômico e Social e a Unidade de Participação Social–, mas o desconhecimento dos cidadãos quanto aos usos desses espaços como esfera pública em potencial e pouca vontade política para garantir o direito de participação são entraves à cidadania.
O aumento da produtividade das pesquisas em comunicação, bem como a ampliação do debate sobre as políticas públicas de comunicação no Mercosul permitirão que, além da inserção desta agenda na sociedade, os pesquisadores sejam atores, de fato, na construção das políticas públicas de comunicação no Mercosul. Também pode contribuir para o enfrentamento daqueles que não têm interesse em efetivar a participação social no Mercosul. Por fim, garantirá que o cidadão, individual ou coletivamente, seja sujeito de direitos no Mercosul. Barros (2016) afirma que não existem muitas pesquisas integradas entre os países do bloco, e as pesquisas comparadas necessitam de atualização. Tal observação mostra a necessidade de retomar os estudos que já foram realizados, e promover novos questionamentos e objetos de pesquisa sobre comunicação social e Mercosul.
A perspectiva é otimista, tomando como referência a posição dos que pesquisam ou já pesquisaram o Mercosul como cenário ou objeto no campo da comunicação. A aprovação de uma Diretriz para a Política Comunicacional do bloco é outro ponto favorável para atenção e observação dos acadêmicos da comunicação social. Considerar como premissa a comunicação como um direito humano coloca as discussões no patamar do direito internacional, valorizando o indivíduo e a cidadania como sujeitos de direitos, e não apenas o Estado. A partir desta visão, garantida na Diretriz para a Política Comunicacional do Mercosul, abre-se um novo caminho para debate, onde o cidadão não é mais um sujeito em segundo plano. É o maior interessado. A dinâmica das relações e da atuação de organismos internacionais, pode promover avanços ou retrocessos nesta discussão, sobretudo, porque atualmente, as decisões executivas e estratégicas estão restritas aos diplomatas e aos cenários políticos. A Diretriz também traz o acesso à informação como premissa. A academia é um público estratégico da diplomacia e da política comunicacional do Mercosul. Deste modo, uma maior abertura à sociedade e uma política de diplomacia pública, que garanta uma real participação social, poderão ser iniciativas que, além de modificarem a opinião pública e darem sentido à cidadania Mercosul, serão transformadoras do processo de integração regional.
Referências bibliográficas
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Notas