Reseñas
Cultura e Representação (Stuart Hall)
. 2016. Rio de Janeiro, Brasil. PUC-Rio: Apicuri. 264pp.. 978-85-831-7048-8 |
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Os estudos sobre cultura na contemporaneidade perpassam vários autores, mas talvez um dos mais expressivos tenha sido Stuart Hall (1932-2014). De linguagem acessível e extremamente didático, o jamaicano que viveu na Inglaterra a partir de 1951, ajuda-nos a entender o mundo à nossa volta ao falar daquilo que nos parece mais básico e que nos liga ao outro: a representação. Além disso, o autor desenvolve uma análise política da cultura a partir da noção de representação, de “significados compartilhados”, onde são conceituados e relacionados os conceitos de cultura, significado, semiótica, signos, discurso, linguagem, dentre outros.
O livro se estrutura em dois grandes capítulos, sendo o primeiro centrado na discussão e conceituação da representação, assim como outras teorias essenciais para o entendimento do tema. O segundo capítulo se volta a exemplificação do conceito de representação na cultura, mais precisamente de acordo com o conceito de “raça”, como ele foi abordado no passado e como essa configuração está presente na atualidade.
O que torna o texto ainda mais interessante e que realça o seu tom científico e didático é a forma como os capítulos foram escritos, sempre permeados de atividades com exemplos muito claros dos conceitos tratados, incluindo não somente imagens, mas trechos de textos complementares de outros autores, revelando assim também as fontes primárias de Hall. O autor deixa explícito seus objetivos em cada capítulo, além de sempre incluir resumos ou conclusões a cada subitem tratado.
Inicialmente é apresentado o conceito de linguagem e sua importância para a cultura como um repositório de valores e significados. Segundo Hall “[A] linguagem é um dos ‘meios’ através do qual pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura” (2016, p.18). E de forma complementar, a cultura é colocada como o local de criação e troca de significados dentro de um grupo ou sociedade, além de estar relacionada a sentimentos, conceitos, ideias e o senso de pertencimento.
Dando continuidade, Hall nos permite perceber que o sentido das coisas é o que nos permite ter noção de nossa própria identidade, e que este sentido é continuamente reelaborado de acordo com o período em que vivemos, as experiências que temos e pela interação social. É a elaboração destes sentidos que irão regular nossas práticas e condutas na sociedade a qual pertencemos.
Os sentidos são criados e perpassados por intermédio da linguagem, que podem ser dos mais diversos tipos, escrita, falada, imagens, objetos, expressões faciais, linguagem corporal, música. Comunicar-se com o outro é entendê-lo de alguma forma e isso pode acontecer de maneiras diferentes que não a linguagem das palavras. O papel da representação e a associação com a linguagem é muito simples, as línguas operam por sistemas de representações e é a representação que liga o sentido e a linguagem à cultura.
Para a construção dos conceitos presentes no primeiro capítulo, Hall utiliza a abordagem construtivista da linguagem, onde o significado é construído na linguagem e por meio dela. O autor apresenta duas visões do construtivismo, uma semiótica trabalhada por Ferdinand Saussure e outra discursiva associada a Michel Foucault.
De acordo com o legado de Saussure, o signo pode ser analisado em dois elementos: o significante, que é a forma como a informação se apresenta (palavra, imagem, foto...) e; o conceito resultante que é desencadeado em nossa mente a partir dessa informação, que é o significado. Os dois são necessários para produzirem sentido, mas é a relação entre eles, de acordo com uma determinada cultura, código ou linguagem, que dá base a representação.
Uma característica muito importante apresentada por Hall a partir desse conceito é que um signo nunca apresenta um sentido fixo ou essencial, mudando de acordo com o contexto e o tempo. Esses estudos de Saussure sobre os signos na cultura é o que hoje conhecemos comumente como semiótica.
Em seguida, o autor introduz Foucault e sua abordagem discursiva da representação, destacando o conceito de discurso, sua relação com o poder e a questão do sujeito. O discurso está relacionado à produção de sentido pela linguagem. Para Foucault só podemos ter conhecimento das coisas se elas tiverem sentido, e conhecimento, além de ser uma forma de poder. O poder por sua vez, é exercido como em uma rede, permeando todos os níveis sociais e operando em todos os campos da vida social.
Passando para o segundo capítulo, o livro se torna ainda mais fluído, onde Hall procura dar ênfase às práticas da representação denominadas estereótipos, estabelecendo a discussão teórica por meio de exemplos. Passamos a compreender assim, de forma mais explícita o significado da representação e seu funcionamento.
Os exemplos abordados por Hall estão centrados nas imagens produzidas para a representação de negros em determinados contextos e somos guiados a fazer diferentes leituras de imagens e a relacionar a linguagem das imagens a outros tipos de linguagem. Entendemos assim que os significados não são fixos e que podem ser mais contundentes na presença de mais de um discurso.
A partir deste ponto, começamos a entender o significado do termo diferença, sua importância e seu perigo. Para Saussure, a diferença é o que permite a existência do significado; já em outra abordagem das teorias da linguagem, a diferença é essencial, pois somente construímos o significado a partir do diálogo com o outro; pela abordagem antropológica de Du Gay, a diferença é a base da ordem simbólica que chamamos de cultura; e por último a abordagem psicanalítica mostra que o outro é essencial para a construção do eu.
Hall introduz o debate sobre a diferença justamente porque em seguida inicia uma análise da representação racial, de forma histórica, perpassando desde a idade média aos dias atuais, mostrando a representação do negro na cultura ocidental e a criação dos estereótipos, reduzidos a características simplificadas, redutoras e essenciais. Esses vestígios dos estereótipos raciais perduraram até o final do século XX e, começaram a mudar, segundo o autor, a partir das agitações dos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos na década de 60. Mais especificamente sobre a estereotipagem, Stuart Hall mostra que ela reduz, naturaliza e fixa o diferente, além de tender a ocorrer onde existem maiores desigualdades de poder. Percebemos aí como os discursos foram construídos para enfraquecer os negros, ao infantilizá-los ou imbuí-los de certo fetichismo, de forma a hegemonia branca conservar o seu poder.
Após diversos exemplos de representações de raça na cultura popular ocidental em diferentes períodos, Hall finaliza o livro apresentando estratégias para modificar as representações, contestando imagens negativas e estereotipadas, rumo a algo mais positivo. O argumento que permite afirmar que as representações podem ser modificadas é o fato delas nunca poderem ser fixadas, sendo uma das estratégias a transcodificação, ou seja, a apropriação de um significado existente, colando-o a um novo significado, mais engrandecedor.
Temos assim, principalmente pelas indústrias publicitárias e do entretenimento uma tomada consciente e reversão de conceitos ou estereótipos falidos. O processo de reversão das representações é um exercício difícil, sem garantia absoluta, mas necessário.
Hall generaliza ao dizer que no lugar dos exemplos dados por ele a respeito de “raça”, poderiam ser aplicadas quaisquer dimensões das diferenças existentes no mundo. As mudanças culturais propostas não são algo que aconteça de forma programada e podem ser resultados de políticas culturais, fato é que as representações somente mudam quando atingem as esferas do poder econômico e cultural.
Recomenda-se a leitura a estudantes e profissionais da área de humanas e que se preocupam com a formação das representações em nossa sociedade, sejam elas construídas nas artes, na música, no design, dentre outras, e a nossa responsabilidade perante a criação dos significantes. O livro trata assim da tomada de consciência em relação à representação e o papel social de cada cidadão na sua constituição. O livro se mostra ainda uma leitura essencial para quaisquer pessoas interessadas em entender melhor a sociedade em que estão inseridas, e contribui com uma perspectiva de mudança de aspectos que estão enraizados em nossa cultura.