Reseñas
Cobertura Jornalísticas (De)marcadas. A greve dos professores na mídia paranaense em 2015 (S.L. Gadini)
. 2015. Ponta Grossa, Brasil. Estúdio Texto. 217pp.. 978-85-67798-52-3 |
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Em uma era de multitelas, overdose informacional, redes e perfis sociais ativas e atuantes, nota-se uma ação avessa à mídia tradicional e suas coberturas pouco plurais e associadas indiretamente a quem financia o modelo de negócio destas mesmas empresas jornalísticas. O tom de diversidade de fontes, apresentação dos fatos e dos contradizeres dos fatos passam a não ser evidenciados nas coberturas jornalísticas hegemônicas do 29 de abril de 2015, grande ato de professores do Paraná em favor da educação. A desmistificação de acontecimentos, características da produção midiática e perspectiva crítica da participação da mídia e da população no ato são pautadas no livro Cobertura Jornalísticas (De)marcadas - A greve dos professores na mídia paranaense em 2015.
Pesquisadores reúnem na obra uma vasta apuração do que se publicou, pautou ou produziu sobre o 29 de abril, bem como relaciona com conceitos da comunicação importantíssimos para entender debate e esfera pública, democracia, rotinas produtivas, visibilidade midiática, valor notícia, ambiências digitais e seus formatos, além dos discursos e narrativas dos meios de comunicação. De tal forma, a publicação se coloca como única referência acadêmica organizada especialmente para a temática da greve dos professores do Paraná com discussão epistemológica atual e oportuna para estudantes de comunicação em suas diversas habilitações, bem como ciências políticas e sociais.
A organização do livro permite ao leitor entender a lógica da imprensa no estado do Paraná, Brasil durante um dos eventos mais impactantes daquele ano. Para entender o 29 de abril, recorremos a um dos artigos de apresentação feita pela professora paulista Denise Cogo, que destaca o massacre contra os professores que protestaram contra a aprovação de um projeto de lei (PL) que previa a modificação da Previdência Social da categoria e colocava em risco a aposentadoria dos educadores.
Os professores foram violentados durante o dia da votação do projeto na Assembleia Legislativa do Paraná, no dia 29 de abril. Também por isso a data ficou marcada como uma ação truculenta da Polícia Militar a mando do governo do estado sob comando do governador Beto Richa do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Policiais foram deslocados de todas as regiões para a capital Curitiba com o objetivo de garantir a votação na Assembleia Legislativa do Paraná, que aprovou o Projeto de Lei, enquanto estudantes, servidores e professores eram violentados no Centro Cívico curitibano, onde se localizam as casas públicas e, portanto, o governo. Balas de borracha, bombas de gás e jatos de água foram os elementos que marcaram a violência contra os manifestantes e que não foi mostrado pela mídia local. Pessoas ficaram gravemente feridas à época e algumas denunciaram o ato da polícia e do governo.
Não demorou para o fato se espalhar mundialmente, devido uma violência jamais vista contra educadores públicos. Frente a isso, a cobertura da mídia ficou mais visada e o livro Coberturas Jornalísticas Demarcadas além de ser um registro pontual e necessário para a história da mídia e história social do Paraná, coloca-se como uma das poucas publicações online e gratuitas sobre o tema, tornando acessível a discussão do massacre pelos meioa de comunicação com uma análise crítica e epistemológica dos assuntos que a norteiam.
Para explicitar a interconexão entre a descrição e debate conceitual do 29 de abril na mídia é ressaltada na apresentação do livro escrita pelo argentino César Arrueta o tom geral da publicação: rigorosidade científica e compromisso social com o empenho de pesquisadores regionais de entenderem e replicarem cientificamente os acontecimentos que os cercam e impactam diretamente o desenvolvimento regional:
Se aborda esta cuestión desde una mirada participativa, crítica y convergente que busca, en esa integración, sumar perspectivas complementarias a una problemática compleja e injusta. Así el conflicto puede entenderse, con horizonte teórico y base empírica, desde diferentes planos: publicitario, opinión pública, entornos digitales, movimientos sociales, prácticas periodísticas y discursos. En todos los casos, subyace un interés historiográfico desde el cual se intenta asignar sentido a las prácticas identificadas. (Arrueta, 2015, p. 7)
Arrueta quase resenha o livro e ressalta que a publicação concatena três polos importantes para a pesquisa em comunicação: construção do campo comunicacional, conhecimento social e integração dos pesquisadores/autores dos artigos com a temática.
São 217 páginas de debate com 16 artigos, cada um deles tratando de um segmento teórico ao qual o fato ocorrido em 29 de abril pode ser associado e analisado. Por falar em análises, o livro traz quanti e qualitativamente formas de pensar, entender e debater o acontecimento noticioso e social dentro da academia. A ciência, aqui, dá suporte à construção social, elucidando algumas características, bem como contrapondo outros.
Oportuno ressaltar que este deve ser o papel do pesquisador, associando à teoria a práxis, bem como a atuação orgânica. Fica evidente durante a leitura de ‘Coberturas jornalísticas (De)marcadas’ o engajamento com a pesquisa e com a sociedade que a cerca. Outro importante manifesto do livro é o desafio que a produção jornalística tem ao propor um debate social em mídias extremamente tradicionais como jornais impressos locais, televisão e sites que se diferenciam das críticas superficiais em rede trazidas pelos “memes” e gifs, ambos virais e que, nesse caso representaram a perspectiva crítica do tema em contraponto ao tempo dedicado pelas empresas jornalísticas no tratamento do mesmo assunto.
De um lado, as páginas do jornal Gazeta do Povo ou as imagens da RPC TV, que representam um monopólio de mídia no Paraná. Do outro, o Twitter e seus 140 caracteres de mais manifestos do que descrição dos acontecimentos (em tempo real), memes em redes sociais e charges como metáforas críticas do 29 de abril.
Outro bloco de textos presentes no livro trata do direito à comunicação e propaganda política, o jornalismo como legitimador da memória coletiva pautando uma discussão científica mais sociológica, a qual se precisa recorrer ao refletir sobre o 29 de abril.
Também se pode aproveitar a leitura para conferir como a linguagem e o humor digital, encontrado no formato dos memes, sugeriram crítica e olhares mais rigorosos às ações do governo parananense, o que ao ‘viralizar’, por meio das redes sociais proporcionou tanto abrangência nacional ao tema como uma divulgação dinâmica e rápida. A comunicação em rede pauta, então, um discurso diferenciado da mídia hegemônica e isso fica evidenciado nas análises e delimitações feitas no livro.
A obra organizada no mesmo ano do ato de violência contra os professores também traz uma convergência temática ao associar análise de conteúdo de mídia, cobertura de manifestações, práticas de produção e formatação de conteúdo. Tudo isso pode ser comparado com outras iniciativas latinas se pensarmos que as manifestações populares ainda sofrem com a cobertura midiática tradicionalizada e, muitas vezes, financiada pelo poder público.