Resumo: Objetivo: caracterizar o papel social da Universidade mediante a integração ensino-serviço-comunidade em saúde no Brasil. Metodologia: Trata-se de uma revisão sistemática e de uma metassíntese realizadas mediante busca nas bases de dados LILACS, SciELO e MEDLINE. Resultados: foram identificados ao total 1224 estudos e, após a aplicação dos critérios de exclusão, 19 artigos foram analisados. Os achados apoiam que as práticas extramuros na área da saúde se mostram valorosas como aplicabilidade de práticas pedagógicas. Conclusão: o papel social da Universidade reflete nas práticas pedagógicas da integração ensino-serviço-comunidade e favorece a valorização dos usuários e do cuidado em saúde.
Palavras-chave:EnsinoEnsino,ServiçoServiço,ComunidadeComunidade,Literatura de Revisão como AssuntoLiteratura de Revisão como Assunto.
Resumen: Objetivo: caracterizar el papel social de la Universidad a través de la integración de la enseñanza-servicio-comunidad en salud en Brasil. Metodología: Esta es una revisión sistemática y meta-síntesis realizada mediante la búsqueda en las bases de datos LILACS, SciELO y MEDLINE. Resultados: se identificaron un total de 1224 estudios y, después de aplicar los criterios de exclusión, se analizaron 19 artículos. Los hallazgos respaldan que las prácticas extramurales en el campo de la salud demuestran ser valiosas como la aplicabilidad de las prácticas pedagógicas. Conclusión: El papel social de la Universidad se refleja en las prácticas pedagógicas de integración de enseñanza-servicio-comunidad y favorece la valorización de los usuarios y la atención de la salud.
Palabras clave: Enseñanza, Servicio, Comunidad, Revisar la literatura como tema.
Abstract: Objective: To characterize the social role of the University through the integration of teaching-service-community in health in Brazil. Methodology: This is a systematic review and meta-synthesis carried out by searching the LILACS, SciELO and MEDLINE databases. Results: A total of 1224 studies were identified and, after applying the exclusion criteria, 19 articles were analyzed. The findings support that extramural practices in the health field prove to be valuable as the applicability of pedagogical practices. Conclusion: The University's social role is reflected in the pedagogical practices of teaching-service-community integration and favors the valorization of users and health care.
Keywords: Teaching, Service, Community, Review Literature as Topic.
Artigos
O papel social da Universidade mediante integração ensino-serviço-comunidade no Brasil: revisão sistemática e metassíntese
El rol social de la Universidad a través de la integración enseñanza-servicio-comunidad en Brasil: revisión sistemática y meta-síntesis
The social role of the University through teaching-service-community integration in Brazil: systematic review and meta-synthesis

Recepción: 06 Abril 2020
Aprobación: 24 Junio 2020
Publicación: 29 Julio 2020
Historicamente, a universidade, no Brasil, foi orientada pelo modelo tradicional de ensino, arraigado numa vertente colonizadora. Segundo Faveró (2015), as Instituições de Ensino Superior conservadoras apresentavam posturas centralizadoras, caracterizadas pelos programas ilusórios e frágeis de ensino e pesquisa desvinculados da realidade, com compromisso e propostas de formação e produção comprometidas aos projetos hegemônicos das classes dominantes. Atualmente, a aproximação da universidade à comunidade, acontece pela integração das práticas institucionais de ensino, das abordagens dialéticas dos serviços e o controle social.
Em uma relação contraditória e complementar, as práticas de integração ensino-serviço-comunidade devem possuir elementos estruturantes externos à instituição universitária, públicoalvo, assim como necessita de uma estrutura conceitual de atores que reafirmem seus princípios, além de dispor de arenas para difusão das ideias de mundo do componente dos grupos que buscam o poder pela legitimidade, autenticidade e domínio dos sentidos, das interpretações, nos campos culturais que permeiam todas as relações humanas, em todos os espaços que fazem parte do social (Brandão, Rocha e Silva, 2013).
Freire (1980) afirma que, em atos de compartilhamento, deve haver a conscientização como um compromisso histórico, implicando o engajamento de homens que assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo.
As práticas extramuros de integração entre Universidade, serviço e comunidade investem no cuidado como processo vivo, tendo a integralidade como pilar fundamental para o desenvolvimento de projetos que redirecionem caminhos de comunicação e entendimento dos conhecimentos técnicos e práticos, na tentativa de superar as iniquidades das esferas de educação e saúde (Toassi e Lewgoy, 2016). Entretanto, a supracitada integração apresenta fragilidades que podem ser consideradas resultantes de ações descontextualizadas diante da importância política e social no processo formativo contextualizado (Fagundes, 1986; Paim e Filho, 1998).
É necessário atentar que a participação da comunidade nestes espaços é frutífera e deve ser considerada pelos centros de saúde e educação, a fim de abordar fatores culturais, sociais e comunitários que afetam o acesso e o uso de recursos relacionados à saúde, como, por exemplo, o cuidar (Emmi, Silva e Barroso, 2018).
Desta forma, questões atribuídas ao sentido da formação dos sujeitos, com as concepções de educação e de projetos societários que disputam as formas e as estratégias utilizadas para desenvolver a gestão e o processo de ensino-aprendizagem e a intencionalidade da produção do conhecimento, são formuladas. Isto coloca a universidade como uma instituição que impulsiona interesses, demandas e expectativas variadas, podendo coexistir propostas pedagógicas que tenham intencionalidades distintas e até antagônicas, que tomam materialidade na integração com o corpo social do serviço e com a comunidade nas instâncias deliberativas. Portanto, torna-se necessário analisar as concepções e os projetos que ratificam o compromisso social da universidade mediante práticas de integração ensino-serviço-comunidade como eixo de apoio do modelo de reorientação formadora que se materializa no seu espaço e tempo.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar o papel social da Universidade mediante a integração ensino-serviço-comunidade no Brasil, propondo a interpretação dos princípios orientadores, de como acontecem as participações e as contribuições frutíferas para os envolvidos destas práticas, por meio de uma revisão sistemática da literatura e metassíntese, identificando estudos sobre o tema publicado em periódicos nacionais ou internacionais.
O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica sistemática e metassíntese com a integração de estudos qualitativos. A metassíntese qualitativa é uma integração interpretativa de resultados qualitativos. Tais integrações vão além da soma das partes, uma vez que oferecem uma nova interpretação dos resultados. Essas interpretações não podem ser encontradas em nenhum relatório de investigação, mas são inferências derivadas do ato de se tomar todos os artigos em uma amostra, como um todo. As metassínteses oferecem descrição coerente ou explanação sobre determinado evento ou experiência. Sua validade não está em uma replicação lógica, mas sim numa lógica integradora, cujas conclusões são acomodadas no artesanato exposto no produto final (O’brien, et al., 2014; Zimmer, 2006).
A revisão seguiu delineamento metodológico específico de acordo com as recomendações da Colaboração Cochrane seguindo os itens de verificação preconizados pela ferramenta Preferred Reporting Items for Systematic reviews and MetaAnalyses (PRISMA) a partir da seguinte pergunta norteadora: Há evidências sobre o papel social da Universidade mediante práticas de integração de ensino-serviço-comunidade no Brasil? Definiu-se assim uma estratégia de busca bibliográfica adequada e que pode ser replicada (Liberati, 2009; Moher et al., 2009).
A estratégia de busca usará a ferramenta Sample, Phenomenon of Interest, Design, Evaluation, Reseach type (SPIDER), projetada especificamente para identificar estudos qualitativos. A busca foi desenvolvida de acordo com o modelo PUBMED e adaptada a outras bases de dados, respeitando as especificidades de cada uma. No período de outubro a dezembro de 2018, foi realizada a busca ativa nas bases de dados dos artigos pelas autoras L.G.L.F. S, V.M.B.S e acadêmicos. A busca se deu nas seguintes bases bibliográficas: LILACS e SciELO, via BVS, e MEDLINE, via PubMed. As palavras-chave usadas para a seleção dos artigos foram os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Ensino, Serviço, Comunidade, Educação Popular, Relações Comunidade-Instituição, Brasil – na base BVS – e respectivos Termos Medical Subject Headings (MeSH): Education, Health Services, Community, Population Education, Community-Institutional Relations, Brazil – na base PubMed. Também foram usados os nomes dos estados e regiões brasileiras (Centro-oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul) para aumentar a sensibilidade da busca. Para abranger a pesquisa e agrupar uma gama maior de publicações, cada descritor foi agrupado por meio de operadores booleanos (AND e OR) e seus sinônimos e subcategorias, sendo adaptados para cada base de dados.
Foram consideradas pesquisas realizadas no Brasil que tivessem, como objeto de estudo, a integração ensino-serviço-comunidade sob análise qualitativa dos dados, com período de publicação livre, sem restrição de idioma. Foram excluídos estudos que não houvesse necessidade de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
A seleção e análise crítica dos artigos foi feita pelas autoras B.C.O e H.G.N.S. no período de novembro de 2018 a janeiro de 2019. Na primeira etapa, foram avaliados os títulos e os resumos dos artigos com base nos critérios de inclusão e exclusão definidos no protocolo revisado por um doutor com tese abordando a temática. Posteriormente, todos os artigos selecionados nesta fase foram revistos integralmente pela autora principal, H.G.N.S, para avaliar a seleção e minimizar o risco de viés de seleção, diante da falta de medida específica de sumarização dos estudos qualitativos.
Para a avaliação da qualidade metodológica, foi utilizada a ferramenta Critical Appraisal Skills Programme (CASP). A lista de verificação do CASP consiste em 10 perguntas: duas para a seleção dos estudos e oito para o plano de pesquisa, coleta e análise de dados, ética, reflexividade e implicações da pesquisa qualitativa, oferecendo uma abordagem padronizada para avaliar o rigor dos estudos qualitativos (CASP, 2013). Se, para qualquer uma delas, a resposta for “não”, o artigo deve ser excluído. Assim, o artigo é considerado fora dos critérios de padrões metodológicos necessários e é excluído.
A estratégia metodológica de seleção dos estudos e desenho do estudo foi delimitada de forma categórica após o início da etapa de análise crítica, pois ficou evidente que a maioria dos artigos que se refere à integração ensino-serviço-comunidade tem, como desenho, a análise qualitativa dos dados das observações feitas de intervenção em grupo. A extração de dados seguiu um fluxograma, direcionado pela autora principal. Inicialmente foi realizada uma revisão em pares: cada artigo foi revisado por dois autores. Após revisão e leitura individual minuciosa dos artigos, cada autor estratificou os principais resultados e elegeu tópicos para formulação da discussão. O preparo da discussão foi mediado pela autora principal em sete rodas de conversas composta somente pelos autores. A técnica foi usada na tentativa de diminuir os vieses em decorrência da interpretação de dados qualitativos fragmentados, concretizando a possibilidade de construção do conhecimento com todos os requisitos e instrumentos para ser considerada e valorizada como um construto científico.
As principais limitações que podem afetar a revisão são o viés de publicação (e outros similares, como viés de linguagem), riscos de viés nos estudos primários (limitação metodológica dos estudos primários), além de dificuldades em combinar estudos que podem ter diferenças nas populações, intervenções, comparadores e definição dos desfechos, assim como dificuldade da análise semântica, devido à interpretação do grupo.
Uma limitação observada no estudo implica a concepção textual e cientifica das publicações acerca do assunto, a maioria se caracteriza como relato de experiência. Diante de rigor metodológico, tal tipo de abordagem não se mostrava suficiente para elencar o conteúdo da presente metassíntese.
Foram identificados ao total 1224 estudos, sendo 234 resumos elegíveis na busca via BVS e 990 resumos elegíveis via PubMed. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, e da identificação de duplicidades, restaram 19 artigos, conforme figura 1.
Na sequência, a tabela 1 apresenta os estudos sobre as integrações, em ordem cronológica (ano de publicação), para mostrar a evolução em nosso país do papel social da Universidade. A tabela segue o modelo orientado pelo protocolo PRISMA, descrevendo assim a população, o objetivo, a fonte dos dados, síntese dos resultados e analise quanto aos riscos de viés nos artigos, conforme preconiza o citado instrumento CAPS.


Os achados desta metassíntese apoiam a afirmação de que as práticas extramuros se mostram valorosas como aplicação de práticas pedagógicas democráticas fundadas nos princípios da liberdade/autonomia e da igualdade/equidade.
Os 19 artigos apontam que a integração beneficia a assistência em saúde devido a diversos fatores, dentre eles, a formulação e caracterização do trabalho interprofissional e interdisciplinar como consolidação do papel social da Universidade sob perspectiva das práticas extramuros envoltas pela comunidade e suas demandas. Deve ser ressaltado que 13 desses tiveram, como cenário de prática, o nível de atenção primária à saúde. Contudo, deve ser pontuada a prática paradoxal da integração ensino-serviço no contexto social fora do ambiente físico da Universidade. Dos artigos analisados, apenas dois colocam os usuários como protagonistas dos processos de estruturação da tríade.
Nesta seção, serão apresentados e discutidos os resultados de acordo com eixos estruturais, que foram obtidos da análise do material elaborado diante dos tópicos mais correlatos nos artigos.
A convergência epistemológica da Universidade aos princípios da educação, ponto de consolidação do papel social institucional, pode se dar por meio das práticas de ensino fora das tangentes dos espaços físicos das faculdades, diante da complexa disposição da integração entre os estudantes, em processo formação de saberes, trabalhadores dos serviços do sistema de saúde e a comunidade, orientada pelos conhecimentos empíricos não estruturados. Tal contexto mostra-se como ponto de inserção ao modelo acadêmico inovador de grades curriculares interdisciplinares, compatíveis às demandas acadêmicas, desconstruindo a formação tradicional, centrada no conhecimento unidirecional Professor - Aluno.
Forte et al (2015); Madruga et al. (2015); Luz e Toassi (2016) , Silva et al (2017 e 2018) e Sousa et al (2019) ressaltam a importância das vivências extramuros, frisando a Educação Interprofissional, que inverte a lógica vertical do ensino, por meio de estágios e extensões que propiciam a melhora da formação acadêmica, a promoção do engajamento social dos discentes, bem como a possibilidade de conhecimento das necessidades da população devido à inserção do estudante nas redes de atenção à saúde, proporcionando contato direto com o trabalho, apesar de reconhecerem limites e desafios para a integração ensino-serviço e comunidade.
Destaca-se também que os discentes possuem, como motivação e interesses mercadológicos, questões financeiras, afinidade com o tema e necessidade de experiência e de aprendizado. Além disso, as atividades extramuros estimulam o envolvimento dos sujeitos com a pesquisa e contribuem para o desenvolvimento de habilidades relacionadas à organização, planejamento, autonomia, permitindo maior proximidade com a educação em saúde. Cabe apontar que, no meio acadêmico, ainda é predominante a preferência por estágios, cursos e projetos de extensão voltados ao aprofundamento do conhecimento e da experiência na área técnica (Lima et al, 2018; Pivetta et al, 2010; Souza e Carcereri, 2011).
Percebe-se também que os preceptores compreendem os estágios supervisionados como espaço dialógico e reconhecem a necessidade de acolher o estudante no campo, visto que esse potencializa as ações do serviço, sendo um meio importante para a integração ensino-serviço de saúde (Forte et al., 2015). Em contrapartida Vasconcelos, Stedefeldt e Frutuoso (2016) relatam a distância existente entre o trabalho da Universidade e os serviços de saúde, no qual os profissionais permanecem distantes das ações de parceria ensino-serviço ou sobrecarregados pela presença dos discentes, de modo que alguns profissionais mostram um distanciamento do aluno-professor, reiterando a dicotomia entre teoria e prática. Desta forma, o tutor carece de identidade profissional e, apesar da variedade de papéis ocupados simultaneamente, exerce com maior intensidade o papel de motivador (Garcia e Silva, 2017).
O preceptor atua como agente de integração entre os discentes e a equipe de saúde multiprofissional, de modo que, ao demonstrar receptividade com o estudante, competência didático-pedagógica, integração teórico-prática e segurança no trabalho, promove a união da equipe e atua como facilitador de aprendizagem, pois, aproxima a realidade dos serviços dos conhecimentos teóricos (Luz e Toassi, 2016).
No entanto, Silva et al (2018) observa uma considerável falta de profissionais capacitados para o atendimento e ensino, sendo necessário maior investimento na preparação e qualificação desses profissionais. Assim, para fortalecer as políticas de integração ensino-serviço-comunidade, deve-se ampliar o conceito de saúde dos envolvidos e enfatizar a formação docente, possibilitando maior motivação dos profissionais, sensibilizando-os para uma efetiva integração com o sistema de saúde e para o reconhecimento de seu papel social como agente de mudanças, estimulando-os a mudarem conceitos num caminhar de permanente educação e democratização por meio da troca de saberes entre os mundos do ensino e do serviço (Neta e Alves, 2016; Albiero et al., 2018; Vendruscolo et al., 2018; Sousa et al., 2019).
Ademais, nota-se que, muitas vezes, os profissionais dos serviços são os que desempenham o papel de preceptores, logo, não possuem didática tampouco preparação para a docência, sendo importante a consolidação de políticas de recursos humanos que valorizem esses profissionais e incentivem a adesão ao projeto educacional (Forte et al., 2015; Silva et al., 2018).
Vale destacar que o papel social da Universidade no ensino dos discentes está constantemente em processo de mudança e desvinculação à fragmentação do ensino, pois, anteriormente, a integração ensino-serviço se limitava ao cumprimento de ações previstas nos projetos pedagógicos dos cursos, às vezes descontextualizados da realidade dos serviços e anseios da comunidade que envolve as práticas da integração. Hoje, há uma maior preocupação com o protagonismo dos discentes e da comunidade, permitindo aproximação gradativa deles com os serviços, somando-se ao trabalho da unidade, de maneira a potencializar essa relação, além da possibilidade de repensar a concepção de saúde, cuidado e trabalho em equipe (Silva, et al. 2018; Vasconcelos, Stedefeldt e Frutuoso, 2016; Vieira, Pinto e Melo, 2018).
A integração ensino-serviço-comunidade faz com que os trabalhos interprofissional e interdisciplinar em saúde se entrelacem ao papel social da Universidade na perspectiva ontológica do saber e fazer saúde em completude dialogada aos cenários socioculturais, com dimensão que circunda aspectos do entender as teorias (políticas, técnicas e normativas) e práticas em saúde que imbricam a formação de profissionais, além da capacidade crítica dos trabalhadores das demandas sociais do território, com resignação da força de trabalho atrelada ao conhecimento como instrumento de um serviço humanizado e acolhedor ao usuário.
Para Pereira e Francoli (2009), quando o serviço se transforma num lugar acadêmico, acaba melhorando a assistência à comunidade, promovendo engajamento social e o conhecimento das necessidades da população, colocando os estudantes em contato com as práticas e políticas em saúde pública, podendo ser um fator propulsor da prática reflexiva dos profissionais. Isto porque motiva o profissional a “executar” bem suas atividades e suscita dúvidas, porém, deve ser descrita a iniciativa unilateral das instituições de ensino, que incorporam profissionais do serviço nas atividades que buscam melhorar a formação discente e profissional (Caldeira, Leite e Neto, 2011; Luz e Toassi, 2016).
No estudo de Santos e Miranda (2016), nota-se que a inserção do serviço das práticas acadêmicas acabou gerando ações intersetoriais positivas para o serviço, dentre as quais, “um feedback de conhecimento” motivado pela “aproximação com a universidade”. Vendrusculo, Silva e Silva (2017) reitera que teoria e práxis, no contexto da reorientação da formação e do modelo de atenção, é uma possibilidade para a progressão na direção de um novo modelo de atenção.
Contudo, ainda assim, o serviço mostra-se desencorajado frente às ações do ensino, possivelmente por não participar do planejamento das propostas, que resultam em atividades desenvolvidas apenas pelo ensino. Para Sousa e Carcereri (2011), deve haver um diálogo prévio com os profissionais da equipe ainda nas fases de planejamento e orientação teórica. Esse intercâmbio pode melhorar a interação de profissionais e estudantes, possibilitando o reconhecimento da importância do trabalho interprofissional, além de não prejudicar a dinâmica das atividades dos serviços públicos (Vasconcelos e Frutuoso, 2016; Albiero et al., 2018).
As experimentações do contato dos profissionais ao com o meio universitário podem lograr aprendizado, reflexão e entusiasmo entre os estudantes, pois eles valorizam a oportunidade de estarem inseridos em uma equipe, se relacionando com um grupo diversificado de profissionais. Entretanto, é possível perceber que ainda há certa resistência e inflexibilidade, por parte dos profissionais dos serviços, em inserir os discentes na prática laboral das equipes (Albiero e Freitas, 2017; Madruga, et al. 2015).
A resistência se dá pelo grande número de estudantes inclusos no ambiente profissional e a alta rotatividade, que faz com que se dificultem a comunicação e o estabelecimento de relações de confiança, pois estes passam a ser percebidos como passageiros pelos profissionais, podendo causar constrangimento e inibindo a comunicação entre os membros da equipe (Caldeira, Leite e Neto, 2011).
Em contrapartida, a presença do estudante no ambiente de trabalho pode ser de grande valia para os profissionais, pois, o reconhecimento e o respeito dos estudantes podem ser muito importantes para a autoestima dos profissionais que se sentem valorizados pela possibilidade de contribuir com a aprendizagem dos estudantes, aumentando a satisfação com o trabalho, além de criar um intercâmbio de saberes e práticas com os profissionais da equipe. O estudante traz inovação ao trabalho em saúde, despertando no profissional a necessidade de educação permanente para a qualificação do cuidado em saúde, estimulando o conhecimento um do outro e favorecendo a criação de espaços para o diálogo na equipe (Caldeira, Leite e Neto, 2011; Souza e Carcereri, 2011; Forte et al., 2015)
No que tange à integração ensino-serviço-comunidade, o protagonismo dos usuários dos serviços de saúde deve ser evidenciado como orientação norteadora para as políticas e engajamentos sociais. Contudo, deve ser observado que a maioria das pesquisas sobre a integração está evidenciando as visões dos profissionais que estão inseridos no cuidado e do corpo docente universitário, caracterizando a insalutífera sobreposição Profissional – Paciente, não dando protagonismo à comunidade.
Nesses termos, se percebe que a visibilidade da comunidade e aceitação dos seus discursos conduz a inspiração capaz de oportunizar a formação universitária com ética enlaçada com prismas críticos, sociais e políticos no entendimento do papel da ciência em comunidades populares e da manifestação social e profissional junto aos grupos excluídos, descontruindo o sujeitos imbricando ao modelo de educação para libertação, na qual o sujeito coletivo e histórico sofre um processo de transformação e construção social desmascarando a dominação e exploração do sujeito solitário.
Para a educação em saúde se tornar mais humanizada, é necessário que sejam priorizadas, entre os profissionais, as práticas na comunidade, construindo mudança de paradigmas para a formação de profissionais de saúde mais sensíveis e habilitados para um trabalho crítico-reflexivo frente às necessidades do usuário. Nota-se também a necessidade de uma interação entre os trabalhadores, com troca de saberes e produção de um campo de cuidado comum a todos (Souza e Carcereri, 2011; Santos e Miranda, 2016).
Segundo Albiere et al. (2018), a integração ensino-serviço será efetiva para profissionais do serviço e representantes da comunidade quando possibilitar maior motivação dos profissionais; ampliar o conceito de saúde dos envolvidos e o atendimento do usuário for satisfatório. Para se chegar a esse objetivo, é necessária a inserção de práticas mais eficazes e menos tardias dos estudantes na comunidade.
Durante a graduação, geralmente os estudantes são inseridos na comunidade apenas no estágio obrigatório, já que as demais situações de aprendizagem tomam o hospital como cenário privilegiado da prática dos profissionais de saúde. Mas, através das extensões universitárias, as práticas na comunidade têm se tornado mais corriqueiras, com frequência semanal ou mensal, sendo os estudantes inseridos na comunidade no início do curso, o que favorece a vinculação deles às pessoas e aos equipamentos sociais (Vieira, Pinto e Melo, 2018).
A integração ensino-serviço-comunidade vem proporcionando, cada vez mais, uma troca de saberes, pois, ao mesmo tempo em que os profissionais compartilham seus conhecimentos e práticas com os discentes, estes também trazem informações atualizadas, além de ambos serem contemplados com os saberes populares. Dessa forma, observa-se a importância da inserção dos discentes nesse ambiente, contribuindo com um estímulo ao aprendizado dos profissionais e, ao mesmo tempo, animando-os diante dos obstáculos encontrados durante a vida profissional e humana (Santos e Miranda, 2016).
Segundo Neta e Alves (2016), a educação se faz no interior do serviço público em interação com a comunidade. A transformação da pedagogia da educação em saúde se faz em convergência com a participação de todos. Partindo de um anseio coletivo para o individual, de classes profissionais, estudantis, minorias sociais.
Freire (1987, p.10) aponta:
Só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo, aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. Pelo contrário, aquele que é “enchido” por outros de conteúdo cuja inteligência não percebe, de conteúdos que contradizem a própria forma de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, não aprende.
Práticas que rompem os muros da academia necessariamente se fazem no âmbito social para a comunidade. Quando os objetivos educacionais e o serviço estão integrados às necessidades da comunidade, todos são beneficiados. A necessidade de se produzir o cuidado deve ter, como base, o território, a comunidade, para melhora da saúde e bem-estar geral. Em suma, é possível perceber que os usuários são sensíveis e compreendem a importância de atividades de integração ensino-serviço-comunidade, além de afirmar que os projetos em saúde são uma prática eficaz para ensinar e divulgar boas práticas para promoção da saúde, trazendo bons resultados para a sua família e comunidade geral (Forte, et al., 2015; Pereira e Francoli, 2009; Souza e Carvalho, 2018).
Os eixos estruturantes da integração ensino-serviço, sob perspectiva do usuário, têm seus méritos e deméritos, conforme apontam os estudos, contudo, tais volições devem ser elencadas pela população. Historicamente, o olhar técnico-científico tem reduzido os medos, anseios, sentimentos da conjectura social em detrimento do achar profissional. Não dar voz à comunidade na ciência é descaracterizar o discurso, ação e reação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o próprio papel social educacional da Universidade enquanto instituição democrática, progressista e libertadora.
Segundo Faria et al. (2018), a universidade tem, como missão, promover o desenvolvimento social local e regional, de modo que o compromisso social das instituições de ensino superior contribui para que projetos de extensão e/ou pesquisa sejam construídos conjuntamente, envolvendo profissionais, comunidades e estudantes em propostas que fortaleçam a formação profissional por meio da oferta e garantia de formar profissionais capacitados.
Além disso, a universidade pode ainda criar um elo com a comunidade e os serviços de saúde num processo chamado de integração ensino-serviço e comunidade, originando espaço para trocas de conhecimentos, experiências e aproximação do contexto social e da realidade dos serviços e da comunidade, formando profissionais mais sensíveis e atentos ao fato de que o paciente é um ser biopsicossocial.
É possível observar algumas limitações nas observações desse estudo, dentre elas, a pouca participação da comunidade no processo de integração, embora todos os autores tenham citado, em suas falas, a comunidade como participante do processo de integração dessas três esferas.
Devido às definições metodológicas, a fim de minimizar os vieses do estudo, foram excluídos artigos originais de abordagem quantitativa que, apesar de terem sido a minoria durante a fase de seleção, mostram-se ricos em dados, podendo ser feita, posteriormente, outra revisão de literatura e metanálise. De igual modo, é notório o fato de que, nas bases de dados pesquisadas, uma grande parte da literatura seja formada por artigos do tipo relatos de experiência. Desse modo, foi necessário excluir da pesquisa estudos que poderiam contribuir para o desenvolvimento da temática em questão.
Em inferência a pesquisas de alcance mundial, ficou evidente, durante a fase de seleção, que, nas bases de dados internacionais, houve uma dificuldade em encontrar artigos de análise qualitativa que respondesse ao problema desta pesquisa.
Há evidências sobre o papel social da Universidade mediante práticas de integração de ensino-serviço-comunidade no Brasil? Em considerações finais, as evidências relacionadas apontam positivamente.
A literatura brasileira, apesar dos embates sócio-políticos-econômicos, tem mostrado que o papel social da Universidade se perfaz nas práticas pedagógicas educacionais voltadas à inovação curricular de inserção da academia aos serviços públicos que investem na valorização dos discursos dos usuários e no cuidado como processo vivo, tendo a integralidade como pilar fundamental para o desenvolvimento de projetos que redirecionem caminhos de comunicação e entendimento dos conhecimentos técnicos e práticos, na tentativa de superar as iniquidades das esferas de educação e saúde.
A revisão aponta ainda que há necessidade de mais estudos envolvendo a integração ensino-serviço-comunidade, principalmente sob perspectiva dos usuários.
Assim, as implicações práticas do estudo estruturam o pensar e agir crítico em observação ao papel social da Universidade diante da integração ensino-serviço-comunidade, reafirmando que a conjuntura é valorosa. Contudo, a integração ainda necessita de análise conceitual e metodológica quanto à inclusão da comunidade na tomada de decisões que norteiam as práticas voltadas à sociedade, fazendo com que os projetos sejam uma fonte de aprendizagem transformadora para todos que os compõem.
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/31262 (pdf)

