Artigo
Recepção: 28 Outubro 2013
Aprovação: 05 Agosto 2016
DOI: https://doi.org/10.4013/arq.2016.121.08
RESUMO: O tema da sustentabilidade nunca foi tão discutido como nos últimos anos, porém ainda não existe um consenso em relação a seus conceitos e abrangência. Utilizou-se de revisão bibliográfica sobre sustentabilidade urbana, conceituando-a e definindo-a através do uso de indicadores derivados de atributos de sustentabilidade urbana para aplicá-los em dois bairros residenciais da cidade de Caxias do Sul. Para isso, elaboraram-se matrizes de análise confrontando autores, conjuntos de atributos e indicadores assim como análise de estudos de caso. Foram analisados mapas da cidade levando em consideração os atributos selecionados para fazer a escolha de dois bairros residenciais a serem verificados quanto à sua sustentabilidade através de levantamento detalhado do local a ser estudado. Como resultado, a metodologia foi aplicada para os bairros Exposição e São Pelegrino, concluindo-se que a sustentabilidade urbana pode ser identificada conforme alguns atributos.
Palavras-chave: sustentabilidade urbana, indicadores de sustentabilidade urbana, atributos do urbanismo sustentável.
ABSTRACT: The issue of sustainability has never been as discussed as in recent years, but there is still no consensus on its concepts and coverage. A literature review about urban sustainability was made, and the latter was conceptualized and defined by using indicators derived from attributes of urban sustainability to employ them in two residential neighborhoods in the city of Caxias do Sul. For this purpose, analysis matrices were made to confront authors, sets of attributes and indicators, as well as analysis of case studies. City maps were analyzed taking into account the selected attributes to choose two residential neighborhoods to be verified for their sustainability through a detailed survey of the site to be studied. As a result, the methodology was employed in the residential neighborhoods of Exposição and São Pelegrino, concluding that urban sustainability can be identified according to some attributes.
Keywords: urban sustainability, urban sustainability indicators, attributes of sustainable urbanism.
Introdução
As atuais necessidades humanas da vida contemporânea possuem uma indissociável dependência da infraestrutura instalada nos centros urbanos, seja nas questões que envolvem o acesso aos serviços de saúde e educação, para habitantes de cidades de pequeno porte, ou no acesso aos meios de transporte e áreas verdes, para as populações tipicamente urbanas. Por isso, o planejamento adequado dos centros urbanos constitui um ponto essencial para que os complexos ciclos de ocupação humana sejam acompanhados e qualificados ao longo do tempo. A mitigação dos impactos sobre o ambiente urbano se revela um problema complexo, mas que pode ser pensado em consonância com as variáveis que determinam a degradação ambiental e comprometem o desenvolvimento sustentável das cidades.
Nesse sentido, a sustentabilidade urbana pode contribuir para uma reavaliação das atividades humanas nas cidades, seja na escala regional, urbana ou mesmo dos bairros, que são mais perceptíveis nas atividades diárias da maior parte da população.
Desde 2002, o município de Caxias do Sul está entre os três municípios gaúchos classificados como “críticos” em termos do volume da produção industrial e do risco ambiental, em especial das indústrias metalmecânica, de bebidas e de alimentos (FEEE-RS, 2012). Além disso, a elevada atividade industrial é um constante atrativo de mão de obra, composta por migrantes de diferentes municípios gaúchos e brasileiros.
Esse fator foi determinante na acelerada expansão urbana da cidade e, na consequente e urgente necessidade de medidas para mitigação dos riscos ambientais decorrentes da concentração populacional na ocupação do solo urbano e na demanda habitacional.
Conceituando a sustentabilidade urbana
O tema sustentabilidade nunca foi tão discutido como nos últimos anos. Conforme Edwards (2008), “o conceito de sustentabilidade envolve a noção do meio ambiente como um sistema holístico e interdisciplinar”. Segundo Acselrad (2001), a sustentabilidade não se refere apenas ao meio ambiente, mas também às questões econômicas, sociais e políticas, e estas devem estar entrelaçadas em todas as suas esferas para embasar uma discussão. De acordo com a Comissão Brundtland, de 1987, definiu-se o desenvolvimento sustentável como aquele que “satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (CMMAD,1988, inLeite e Awad, 2012).
Leite e Awad (2012) afirmam que o mundo possui recursos finitos que não estão sendo utilizados adequadamente, fazendo-se necessária uma mudança de comportamento. O autor também enfatiza que, para uma avaliação de um contexto global, devem-se observar os três pilares da sustentabilidade: ambientais, econômicos e sociais. Pode-se observar que o conceito de sustentabilidade ainda não está completamente finalizado e que dificilmente vai se chegar a um consenso final acerca deste tema.
Um dos temas mais estudados atualmente são os temas físico-ambientais relacionados à sustentabilidade. Há muitas pesquisas sendo desenvolvidas com o intuito de definir quantitativamente os limites da agressão sofrida pelo meio ambiente devido ao aumento populacional, demandas por alimentos, industrialização, dentre tantos outros fatores que produzem impactos ambientais.
“Muito se especula sobre os efeitos da economia mundial no ambiente […] a economia mundial se encontra em um momento com tantas questões, que somente a palavra incerteza pode caracterizá-la” (Leite e Tello, 2010). Em relação à sustentabilidade urbana, a economia necessita de uma reestruturação para atender a uma população cada vez mais urbana, pois a população mundial continuará crescendo nas cidades. Observando-se isso, os desafios da economia serão cada vez maiores, pois as demandas devem ser atendidas, porém sem que isso gere impactos impossibilitando o desenvolvimento sustentável.
A sustentabilidade urbana também depende da esfera social, tendo em vista que as ações do homem são as responsáveis pelas mudanças ocorridas no planeta. “Em relação à sustentabilidade, a sociedade urbana está ligada a uma série de impactos positivos e negativos para seus habitantes […]” (Leite e Tello, 2010).
Os primeiros assentamentos humanos iniciaram-se há mais de cinco mil anos devido à agricultura e domesticação de animais, que propiciaram aglomerações nos arredores das áreas de cultivo. Por sua vez, estas pequenas aglomerações estimularam as trocas comerciais e as relações sociais. Segundo Tickell (inRogers e Gumiuchdjian, 2001), a introdução da agricultura, a especialização das atividades humanas e o crescimento das cidades acarretaram um rápido crescimento no número de habitantes no planeta. Este incremento de pessoas no planeta induziu a formação dos grandes centros urbanos. Segundo Bernardes et al. (1983, p. 6),
O conceito tradicional de urbano refere-se à concentração, num ponto do espaço, de edificações e de pessoas que não exerçam atividades rurais ou o façam em proporção não significativa em relação às atividades ditas urbanas, desempenhadas no interior do nucleamento resultante dessa concentração.
Ao se conceituar o meio urbano, deve-se entendê-lo como um espaço físico, o qual se refere às cidades. Partindo desta premissa, podem-se então conceituar as cidades como sendo um “complexo demográfico formado por importante concentração populacional, dada as atividades de caráter mercantil, industrial, e cultural” (Ferreira, 1995).
Leite e Awad (2012), por sua vez, afirmam que o Planeta Terra já é um planeta urbano, e atualmente soma-se mais de 50% da população mundial vivendo em cidades. Os autores ainda consideram que “a cidade é o lugar onde são feitas todas as trocas, dos grandes e pequenos negócios à interação social e cultural […]”.
Pode-se então considerar que o meio urbano é o hábitat do ser humano, é o espaço físico onde acontece a maioria das atividades humanas, atividades essas que são indispensáveis na vida moderna.
São inúmeras as questões abordadas ao se tentar conceituar a sustentabilidade urbana. Tendo em vista que aquilo que se refere ao meio urbano nos direciona às cidades, Leite e Awad (2012, p. 135) afirmam que
o conceito de cidade sustentável reconhece que a cidade precisa atender aos objetivos sociais, ambientais, políticos e culturais, bem como aos objetivos econômicos e físicos de seus cidadãos. É um organismo dinâmico tão complexo quanto a própria sociedade e suficientemente ágil para reagir com rapidez às suas mudanças que, num cenário ideal, deveria operar em ciclo de vida contínuo, sem desperdícios […].
Edwards (2008) considera que, quanto mais a cidade se torna densa, maior sua compactação física, e neste contexto o ideal seriam os incentivos aos deslocamentos a pé, com bicicletas e transporte público.
Pode-se definir que as cidades com desenvolvimento sustentável representam um local mais igualitário a todos, com preocupação com o meio ambiente e a população que nela vive […] a sustentabilidade urbana é um conceito interdisciplinar e de difícil caracterização. Para atingir a aplicabilidade no meio urbano, depende de ações políticas, sociais e ambientais (Sampaio, 2009, p. 7).
Dentro desse contexto, a sustentabilidade urbana é um tema imprescindível para viabilizar o desenvolvimento das cidades sem o esgotamento de recursos e com qualidade de vida.
O uso de indicadores de sustentabilidade urbana
Uma análise de como é definida a sustentabilidade urbana leva em conta diversos estudos sobre o desenvolvimento e aplicação de indicadores assim como definição de atributos. Indicadores são compostos pela identificação e análise de atributos de algum determinado tema. Indicadores e atributos são empregados para se caracterizar a sustentabilidade urbana. “O termo indicador é originário do latim indicatore, que significa descobrir, apontar, anunciar, estimar, servindo de medida, parâmetro que indica uma tendência do que está acontecendo” (Guilhon, 2012). Eles funcionam como estatística e nos fornecem informações sobre os fenômenos abordados, informam sobre uma determinada meta ao longo de uma linha do tempo. Fornecem dados para se obter uma visão ampliada das condições de algum local. Os principais objetivos dos indicadores de sustentabilidade urbana são agrupar e mensurar as informações de tal modo que determinadas características fiquem mais visíveis. Os indicadores tornam as informações mais simplificadas no que se refere a questões complexas; eles tentam melhorar o processo de comunicação de dados de um determinado local em um determinado período.
Acerca da caracterização de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, Silva (2000, inSampaio, 2009) “discute que o termo ainda está em processo constante de construção, os conceitos antes eram diretamente relacionados com a questão ambiental, hoje incorpora as dimensões políticas, econômicas e sociais”.
Conforme Edwards (2008), para um desenvolvimento sustentável urbano, os princípios são a compactação, ruas livres de tráfego intenso, maior densidade nas áreas suburbanas, mais uso misto do solo, edificações residenciais de quatro pavimentos e legibilidade. O autor afirma que o único modelo de cidade sustentável possível é a cidade compacta e de uso misto.
Leite e Awad (2012) definem atualmente a cidade compacta como aquela que pode ser considerada um modelo de desenvolvimento urbano e também aquela que promove altas densidades (maior do que 250 habitantes por hectare) com adequado e planejado uso misto do solo, onde há a mistura das funções urbanas, que são a habitação, o comércio e os serviços.
Conforme uma pesquisa coordenada por Leite e Tello em 2010, com o intuito de construir indicadores de sustentabilidade urbana, foram definidos nove temas dos quais derivam 176 indicadores. A definição dos temas e indicadores veio do mapeamento de referências nacionais a fim de trazer subsídios à pesquisa. Os indicadores de sustentabilidade urbana analisados vieram do CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável) e do Selo Casa Azul da Caixa Econômica Federal e artigos científicos, dissertações e teses acadêmicas que vêm sendo desenvolvidas em universidades. Os nove temas definidores de indicadores de sustentabilidade urbana utilizados são: construção e infraestrutura sustentáveis, governança, mobilidade, moradia, oportunidades, planejamento e ordenamento territorial, questões ambientais, segurança, serviços e equipamentos.
Já para Douglas Farr (2008), são cinco os atributos essenciais do urbanismo sustentável que devem ser analisados: a vizinhança, a compactação, a diversidade, a conectividade e a relação com a natureza:
Vizinhança: delimitação de uma rede social para estimular a sociabilidade, o comprometimento, responsabilidade e vínculo com o seu ambiente. Escolas, associações comunitárias, etc.
Compactação: densidades e concentrações de usos para racionalização e integração de redes de infraestrutura.
Diversidade: oferta de serviços e usos que atendam às necessidades sem precisar utilizar um meio de transporte, e variedade tipológica de moradias.
Conectividade: possibilidades de caminhar, correr, andar de bicicleta e também utilizar cadeira de rodas pela vizinhança.
Relação com a natureza: existência de áreas com natureza intocada em uma distância de caminhada razoável dos assentamentos humanos.
Acselrad (2001) apresentou três matrizes discursivas que podem ser vistas como indicadores ou atributos de sustentabilidade urbana. Estas matrizes resultam em propostas de ações para a questão ambiental urbana. Essas matrizes são: representação técnico-material da cidade, a cidade como espaço da qualidade de vida e a restauração da legitimidade das políticas urbanas.
O autor considera que os temas para análise da sustentabilidade urbana são interligados e cita como exemplo que para se obter a racionalidade ecoenergética é preciso buscar uma maior eficiência no uso dos recursos naturais, equidade no acesso aos serviços urbanos, incentivando o uso de meios de transporte menos poluentes, aproximando-se do modelo da pureza.
De acordo com Rogers e Gumuchdjian (2001), a cidade autossustentável é o modelo de cidade densa, e acima de tudo esta cidade deve ser sinônimo de qualidade de vida para as próximas gerações. Os autores também afirmam que, além da oportunidade social, o modelo de cidade densa pode trazer benefícios ecológicos maiores; estas cidades, através de um planejamento integrado, podem ser idealizadas visando-se a um aumento da eficiência energética, diminuindo o consumo de recursos e evitando a sua expansão para as áreas rurais. Devido a estas razões, os autores acreditam que deve haver um investimento na ideia de cidades compactas. “[…] uma cidade densa e socialmente diversificada onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham e onde as comunidades sejam concentradas em torno de unidades de vizinhança” (Rogers e Gumuchdjian, 2001).
Matriz de análise de autores
Os atributos citados pelos autores podem ser analisados em conjunto, a partir de uma matriz, para a verificação do cruzamento de dados (Quadro 1).
Levantou-se um total de 28 atributos citados pelos autores; com isso, foi feito um agrupamento levando em consideração sua natureza e proximidade de assunto. Deste agrupamento resultaram 10 grupos contendo cada um deles um ou mais atributos (Quadro 2).
Em relação ao Grupo 1, alguns de seus atributos são citados por Edwards (2008), Farr (2008) e Rogers e Gumuchdjian (2001). Conforme Edwards (2008), para um desenvolvimento sustentável urbano, os princípios são a compactação, maiores densidades nas áreas suburbanas e residências de quatro pavimentos. Para Farr (2008), a compactação é necessária para gerar densidades e concentrações de usos para racionalização e integração de redes de infraestrutura. Segundo Rogers e Gumuchdjian (2001), o modelo de cidade autossustentável é o modelo de cidade densa.
Quanto ao Grupo 2, Edwards (2008), que cita seus atributos, considera que um dos princípios para um desenvolvimento sustentável urbano são as ruas livres de tráfego intenso, o que caracteriza o atributo de mobilidade. Já Leite e Tello (2010) definem a mobilidade como um de seus nove atributos de sustentabilidade urbana. Farr (2008) cita a conectividade como um atributo essencial do urbanismo sustentável que se caracteriza por “possibilidades de caminhar, correr, andar de bicicleta, e também utilizar cadeira de rodas pela vizinhança” (Farr, 2008).
O Grupo 3 engloba o uso misto do solo e a diversidade, Edwards (2008) afirma o uso misto do solo como um dos atributos que pode tornar possível o modelo de cidade sustentável. Farr (2008) tem a diversidade como um de seus atributos essenciais do urbanismo sustentável onde essa diversidade seja a oferta de serviços e usos que atendam necessidades sem a necessidade de utilizar um meio de transporte, e variedade tipológica de moradias. Para Rogers e Gumuchdjian (2001), a cidade autossustentável é uma cidade diversificada onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham.
O Grupo 4 possui apenas o atributo da legibilidade, que é citada por Edwards (2008), sendo este atributo mais um dos princípios para um desenvolvimento sustentável urbano.
No Grupo 5, o atributo da construção e infraestrutura sustentável é citada por Leite e Tello (2010) como um dos seus temas definidores de indicadores de sustentabilidade urbana. Já o atributo “ambiente construído” é citado pelo relatório GEO Cidades como pertencente a uma de cinco categorias que compõem os seus indicadores.
O Grupo 6 possui seis atributos agrupados, e Leite e Tello (2010) citam quatro deles, que são os de governança; planejamento e ordenamento territorial; segurança; serviços e equipamentos. Farr (2008) define a vizinhança como um atributo essencial, sendo este atributo apresentado como a delimitação de uma rede social para estimular a sociabilidade, o comprometimento, responsabilidade e vínculo com o seu ambiente. Rogers e Gumuchdjian (2001) também citam a vizinhança como um atributo segundo o qual as comunidades devem ser concentradas em torno das unidades de vizinhança. Os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) definem o atributo da “dimensão institucional” como uma de suas quatro dimensões constituídas por indicadores.
No Grupo 7, Leite e Tello (2010) citam a moradia e as oportunidades como temas definidores de indicadores de sustentabilidade urbana, ou seja, atributos. Rogers e Gumuchdjian (2001) também definem as oportunidades sociais como um atributo de um modelo de cidade autossustentável. O IDS do IBGE define a “dimensão social” como uma de suas quatro dimensões.
No Grupo 8, as “questões ambientais” são citadas por Leite e Tello (2010) como um de seus nove temas definidores de indicadores de sustentabilidade urbana. Já o relatório GEO Cidades indica a água, o ar, o solo e a biodiversidade como quatro de cinco diferentes categorias de recursos. O IDS do IBGE coloca a dimensão ambiental como uma de suas quatro grandes dimensões.
O Grupo 9 possui dois atributos: a relação com a natureza e a qualidade de vida. A relação com a natureza é citada por Farr (2008); segundo o autor, deve haver a existência de áreas com natureza intocada em uma distância de caminhada razoável dos assentamentos humanos. A qualidade de vida é citada por Rogers e Gumuchdjian (2001); segundo os autores, a cidade autossustentável deve ser sinônimo de qualidade de vida.
O Grupo 10 apresenta apenas o atributo da dimensão econômica, que é definida pelo IDS do IBGE com uma de suas quatro grandes dimensões.
Matriz de análise de estudos de caso
Foi elaborada uma segunda matriz de análise (Quadro 3) confrontando os dez grupos criados – conjunto de atributos – e oito estudos de caso, para que se verificasse o cruzamento de dados a fim de observar que conjunto de atributos são mencionados em cada estudo de caso. Os casos foram selecionados com base na disponibilidade de informações sobre as metodologias dos estudos.
No estudo de caso de Mossoró/RN, foram verificados como atributos aspectos sociais e aspectos culturais em “dimensão social” (Grupo 7), aspectos políticos em governança (Grupo 6), aspectos econômicos em “dimensão econômica” (Grupo 10) e aspectos ambientais em “dimensão ambiental” (Grupo 8). Estes aspectos foram locados na matriz de análise como atributos referentes a esses grupos citados.
Em relação ao estudo de caso de João Pessoa/PB, foram identificados três atributos; são eles: “atividades licenciadas de comércio e serviço”, assim como “faturamento anual das áreas”, locados no Grupo 10 como atributo de dimensão econômica; “índices de qualidade de vida urbana”, locado no Grupo 9 como atributo de qualidade de vida.
Em estudo realizado por Guilhon (2012) com o Parque Residencial de Manaus/AM, identificaram-se sete quesitos que podem ser associados a atributos de sustentabilidade urbana. Os quesitos “projeto flexível” e “materiais e processos construtivos” foram locados no Grupo 5 como atributo de construção e infraestrutura sustentáveis. O quesito “modelo de mobilidade” foi locado no Grupo 2 como atributo de mobilidade; já os quesitos “controle de impacto ambiental”, “gestão de energia”, “gestão de água” e “gestão de resíduos” foram locados no Grupo 8 como atributo de dimensão ambiental.
No estudo de caso de Hobsonville em Auckland, Nova Zelândia, foram identificadas três áreas principais e quatro esferas de indicadores. As três áreas principais são: “morfologia urbana e otimização ecológica”, que foi locada no Grupo 1 e 6 como atributo de planejamento e ordenamento territorial; já a “inclusão social e acessibilidade” foram locadas no Grupo 7 e Grupo 2 como atributos de oportunidades e mobilidade, respectivamente. A terceira área principal refere-se à “integração cultural”, locada no Grupo 7 como atributo de dimensão social. As quatro esferas de indicadores identificados no estudo de caso de Hobsonville são: “ambientais”, “econômicos”, “sociais” e “culturais”, locados nos Grupos 8, 10 e 7, respectivamente, como atributos de dimensão ambiental, dimensão econômica e dimensão social.
No estudo de caso de Vitória da Conquista/BA, identificaram-se dois atributos, chamados de subsistemas, que são “sociedade” e “meio ambiente”. O primeiro foi locado no Grupo 10 e Grupo 7 como atributo de dimensão econômica e dimensão social, respectivamente. O segundo subsistema foi locado no Grupo 8 como atributo de dimensão ambiental.
No estudo de caso de Santo Tirso, em Portugal, foram verificados cinco atributos: “infraestruturas”, locado no Grupo 5 como atributo de construção e infraestrutura sustentáveis; “resíduos”, locado no Grupo 8 como atributo de dimensão ambiental; “saúde” e “educação”, locados no Grupo 7 como atributos de dimensão social; “produto da cidade”, locado no Grupo 10 como atributo de dimensão econômica.
Na análise do estudo de caso de 36 municípios da Região Metropolitana de São Paulo e 21 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram identificados três índices: “ambiental”, locado no Grupo 8 como atributo de dimensão ambiental; “índice de capacidade político-institucional”, locado no Grupo 6 como atributo de governança, planejamento e ordenamento territorial e dimensão institucional; “índice de desenvolvimento humano municipal”, locado no Grupo 7 e 10 como atributo de dimensão social e dimensão econômica, respectivamente.
Análise da sustentabilidade urbana
O objeto de estudo desta análise é a cidade de Caxias do Sul, que se encontra na escala de centro urbano. A partir da análise do resultado do mapeamento e cruzamento dos indicadores de sustentabilidade, pretende-se identificar possíveis bairros que apresentem aspectos que os promovam à categoria de bairros sustentáveis.
Para a proposta neste estudo, foi realizado outro agrupamento dos atributos, com a finalidade de elaborar sínteses através de mapas temáticos. Consideraram-se os grupos cujos atributos tiveram maior indicação pelos autores estudados (Grupos 1, 2, 3, 6 e 9) e os grupos com mais atributos identificados nos estudos de caso (Grupos 6, 7, 8 e 10). Desta forma, a “Compactação” foi analisada através de mapas temáticos de uso do solo e altura das edificações, “Conectividade” foi verificada através da disponibilidade de transporte público e da topografia, e “Relação com a natureza” foi identificada nos mapas com as localizações de parques e praças. Para a análise foram escolhidos os seguintes itens para mapeamento: espaços abertos, escolaridade, domicílios, transporte público, população e renda. Os dados foram retirados de três fontes: IBGE, Prefeitura de Caxias do Sul e Visate (empresa responsável pelo transporte público na cidade). Como base para o mapeamento dos dados, foi utilizado o mapa político mostrado na Figura 1.
Escolha de dois bairros residenciais de Caxias do Sul para análise
Para a escolha dos bairros residenciais de Caxias do Sul a serem verificados quanto à sua sustentabilidade foram analisados mapas do município como o de densidade de domicílio, densidade demográfica, transporte público e localização de parques e praças. Essas informações são alguns dos indicadores dos atributos de compactação, conectividade e relação com a natureza.
Após a análise destes mapas a partir do cruzamento de dados referentes aos atributos citados, observou-se que os bairros São Pelegrino e Exposição eram os mais incidentes nestes quesitos, sendo os dois bairros escolhidos para esta pesquisa. O bairro São Pelegrino e o bairro Exposição possuem de média a alta densidade de domicílios e densidade demográfica, porém tanto um quanto o outro não são os de maior população em Caxias do Sul. Sobre a localização de parques e praças, o atributo referente é a relação com a natureza: observou-se que o bairro com maior incidência em Caxias do Sul é o Exposição, com um parque e uma praça, seguido do bairro São Pelegrino, com duas praças. Em relação ao transporte público, referente ao atributo de mobilidade urbana, o bairro São Pelegrino é o de maior fluxo de transporte em relação à sua densidade populacional, seguido do bairro Exposição, com pouca diferença.
Algumas características foram observadas durante a análise: ambos os bairros escolhidos possuem uma alta densidade de domicílios permanentes, porém uma média população residente por bairro. Ambos possuem uma renda nominal média por domicílio de 5 a 10 salários mínimos, sendo os bairros de classe econômica mais alta da cidade de Caxias do Sul. Observou-se, igualmente, nos mapas da cidade de Caxias do Sul, que os bairros de maior densidade eram os de maior poder aquisitivo. Ressalta-se que os bairros São Pelegrino e Exposição possuem altas taxas de alfabetização, o São Pelegrino com uma taxa entre 92,05 e 94% de pessoas de 10 anos ou mais alfabetizadas, seguido pelo bairro Exposição com 88,61 a 92,04%.
O bairro Exposição
Através da elaboração de mapas de uso do solo (Figura 2) e da altura das edificações (Figura 3), pode-se verificar o atributo de sustentabilidade urbana referente à compactação.
Analisando-se o mapa de uso do solo do bairro Exposição, percebe-se que, apesar de ter uma alta densidade de residências, há uma distribuição heterogênea dos usos. Em relação ao uso institucional, destacam-se a sede da prefeitura do município, a sede da polícia civil e escolas de ensino fundamental e médio, tanto da rede pública como da rede privada. Os estabelecimentos identificados com uso para comércio e serviços são, em sua maioria, bancos, padarias, lojas de confecções e restaurantes.
Ao se analisar a altura das edificações, verifica-se que as maiores alturas, ou seja, maior densidade de domicílio, estabelecem-se mais perto do centro, localizado na parte norte do bairro. Há também uma concentração de edificações altas na parte centro-leste do bairro, local onde se verifica uma menor densidade na ocupação do solo. No bairro Exposição, a compactação, entendida como maiores densidades e concentrações de usos, é interrompida pela presença dos espaços verdes, considerado outro quesito relevante nas considerações sobre sustentabilidade urbana.
Em relação ao atributo de conectividade, cujo indicador é o transporte público, foi elaborado o mapa de pontos de ônibus do bairro a fim de se verificar sua mobilidade (Figura 4). Esta mobilidade depende também dos desníveis topográficos apresentados no mapa da topografia do bairro (Figura 5). A topografia no mapa está representada numa escala de cores que representa desníveis de 10 m em 10 m, para que se possa verificar onde estão as maiores barreiras topográficas que acabam por impedir deslocamentos muito longos a pé ou de bicicleta.
Percebe-se que o bairro Exposição é altamente acidentado, possuindo grande desnível de cerca de 70 metros em sua parte sul, nos arredores do Parque. Porém, ao longo da Rua Os 18 do Forte, a topografia mantém-se praticamente plana. Apesar da diferença de nível, a diversidade de usos se mantém ao longo da maior parte do bairro. Destaca-se que na parte sul do bairro é verificada maior concentração de uso residencial com alturas até quatro pavimentos. Pode-se indicar que a dificuldade de locomoção nessa área do bairro Exposição não constitui um fator relevante em função do baixo adensamento populacional.
Para se verificar o atributo de sustentabilidade urbana referente à relação com a natureza, foi elaborado um mapa caracterizando e localizando estas áreas verdes (Figura 6).
Ao observar este mapa, verifica-se a presença de um grande parque na cota mais baixa do bairro, conhecido como Parque dos Macaquinhos, e na região leste a Praça Monteiro Lobato. O Parque dos Macaquinhos é um dos principais da cidade e atrai grande parte da população em atividades de lazer nos feriados e finais de semana. Quanto a este atributo, pode-se afirmar que o bairro Exposição contempla este quesito.
O bairro São Pelegrino
Para se verificar o atributo de sustentabilidade urbana referente à compactação, fez-se necessária a elaboração de um mapa de uso do solo (Figura 7) e um mapa da altura das edificações (Figura 8). O atributo de compactação refere-se ao indicador de densidade.
Ao observar-se ambos os mapas, verifica-se heterogeneidade quanto ao uso do solo, assim como a altura das edificações, que têm em média quatro pavimentos, porém suas alturas variam até 15 pavimentos. O uso do solo identificado como comércio e serviços é muito diversificado; além dos serviços bancários, restaurantes e de lojas de confecções, o bairro conta com estabelecimentos de saúde, rede hoteleira, comércio de móveis e eletrodomésticos. O bairro São Pelegrino possui alta densidade de domicílios e, ao mesmo tempo, alta densidade populacional, confirmando, assim, sua sustentabilidade perante o atributo de compactação.
No que diz respeito ao atributo da conectividade, seu respectivo indicador é o transporte público e as barreiras topográficas; estes dois indicadores deram origem ao mapa de pontos de ônibus (Figura 9) e ao mapa da topografia (Figura 10).
Ao observar-se o mapa de pontos de ônibus, verifica-se uma deficiência entre as proximidades de pontos de ônibus em alguns setores do bairro, como no setor oeste, porém, ao observar-se o mapa da topografia do bairro, verifica-se que o São Pelegrino é relativamente plano, propiciando os deslocamentos a pé e de bicicleta; com isso, contempla em parte o atributo da conectividade.
Por fim, para se verificar o atributo da relação com a natureza, que corresponde ao indicador de sustentabilidade urbana da localização de parques e praças, fez-se necessária a elaboração do mapa destas áreas (Figura 11).
Ao observar-se o mapa do atributo da relação com a natureza, percebe-se que o bairro São Pelegrino possui apenas duas praças pequenas e um largo. No entanto, o bairro possui alta densidade populacional, sendo necessários mais espaços verdes para que se possa contemplar este atributo. O indicador aqui em questão apresenta-se insuficiente, não podendo ser considerado sustentável frente a este quesito.
Considerações finais
A dinâmica de crescimento das cidades e a pressão exercida pela população em busca de melhores oportunidades e qualidade de vida acarretam danos ao meio ambiente, e a própria cidade sofre as consequências dessa acelerada ocupação humana. Diante disso, torna-se imprescindível abordar as questões de sustentabilidade, pois a infraestrutura instalada nas cidades e os demais investimentos sociais precisam ser entendidos como benefícios perenes, a serem usufruídos também futuramente.
Neste trabalho, buscou-se aplicar alguns princípios para a identificação de atributos de sustentabilidade urbana em dois bairros de uma cidade de médio porte. Os dois bairros analisados apresentam maior adensamento e altura das edificações; além disso, o uso do solo é diversificado e não está restrito a áreas menores. No entanto, comparativamente pode-se identificar um caráter mais residencial no bairro Exposição, pois no bairro São Pelegrino a presença do comércio mais diversificado, que inclui redes varejistas de eletrodomésticos, estabelecimentos de saúde e rede hoteleira, constitui um fator de atração de residentes em outros bairros da cidade durante os dias e horários tradicionais de funcionamento do comércio e serviços. Por outro lado, o bairro Exposição apresenta características que indicam a predominância de atividades geradas pelos próprios moradores durante a semana e maior fluxo da população externa ao bairro em dias e horários que possibilitem o lazer no parque localizado na área mais baixa. Desta forma, pode-se também concluir que os indicadores de sustentabilidade podem ser aplicados para condições de usos diferentes, mas o caráter dos locais referenciados deve ser analisado com o cruzamento dos dados coletados.
Infelizmente, o catalisador das discussões sobre a qualidade de vida nas cidades passou a ser a falta de qualidade de vida urbana, o que nos leva à busca de conceitos, estudos e aplicações visando à sustentabilidade também nas cidades.
O conceito de sustentabilidade urbana ainda requer amplas discussões para que as cidades possam qualificar seus instrumentos na forma de normas e leis nos planos diretores.
Muitas das principais medidas a serem tomadas passam por decisões do poder público, que pode, através da diversidade do uso do solo, da acessibilidade adequada e do planejamento da localização de parques e praças, proporcionar a melhoria na qualidade de vida da população atual e futura.
Os estudos aplicados em determinadas cidades e bairros urbanos permitem o entendimento mais prático e simplificado da sustentabilidade urbana, uma vez que eles representam recortes temáticos representativos de questões contemporâneas da vida nas cidades.
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Autor notes
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