Artigo
Recepção: 11 Dezembro 2017
Aprovação: 11 Junho 2018
DOI: https://doi.org/10.4013/arq.2018.142.08
RESUMO: O texto discute os processos de desconcentração das atividades produtivas da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), buscando investigar variáveis implicadas na emergência de novas centralidades e suas interações com os deslocamentos moradia-trabalho. Adota-se uma análise multivariável relacionando processos de conurbação e dados censitários de comutação às propriedades morfológicas da configuração espacial, descritas pela metodologia da Sintaxe Espacial. Através da Sintaxe Espacial, principal metodologia utilizada, identificam-se tendências de potenciais de movimentos e probabilidade de fluxos na rede metropolitana. Verificou-se na pesquisa: (i) intensidade e sentido de movimentos pendulares; (ii) hierarquias de acessibilidade relativa/integração do sistema espacial; (iii) hierarquias de centralidade na rede de circulação/rotas com maior probabilidade de fluxo. Presume-se que há relação entre a desconcentração de atividades econômicas, as mudanças nos padrões de acessibilidade relativa regional, a emergência de centralidades funcionais e o sentido de fluxos pendulares metropolitanos.
Palavras-chave: Reestruturação metropolitana, centralidades, Sintaxe Espacial, Região Metropolitana de Porto Alegre.
ABSTRACT: The article discusses the process of deconcentration of productive activities in the Metropolitan Region of Porto Alegre (Brazil) in order to investigate variables implicated in the emergence of new centralities and their interactions with commutation (home-work displacements). By adopting a multivariate analysis, conurbation processes and commutation census data were related to the morphological properties of the spatial configuration, described by the Spatial Syntax methodology. Through Spatial Syntax, which is the main methodology used, trends of movement potentials and probability of flows in the metropolitan network are identified. The following was verified: (i) intensity and direction of commutation flows; (ii) hierarchies of relative accessibility/integration of the system; (iii) centrality hierarchies in the network/routes with higher probability of flow. It is assumed that there is a relation between the deconcentration of economic activities, changes in regional accessibility patterns, the emergence of functional centralities, density and direction of metropolitan commuting flows.
Keywords: Metropolitan restructuring, centralities, Spatial Syntax, Metropolitan Region of Porto Alegre.
Introdução
As regiões metropolitanas brasileiras atuais caracterizam-se por processos de descentralização e redistribuição espacial de atividades econômicas, dispersão da urbanização e mudanças nas tendências de emergência e difusão espacial de centralidades funcionais. Interações multivariáveis complexas alteram dinâmicas de fluxos, bens, serviços, mercadorias e pessoas entre os municípios dessas aglomerações, tendendo a modificar hierarquias regionais e centralidades (Soares e Schneider, 2012). Desse modo, a supremacia dos municípios polo na captura de fluxos pendulares é modificada em função da desconcentração das atividades produtivas e da emergência de centralidades funcionais difusas, dispersas no espaço metropolitano, e que modificam os sentidos dos fluxos pendulares. A emergência entra neste contexto como a propriedade da teoria da complexidade de criar organização a partir de estruturas simples e que não foram desenvolvidas ou construídas para tal, como os fenômenos complexos das cidades (segregação social, movimento de pessoas, bens e mercadorias e movimentos sociais) por ações locais que geram padrões de ordem global (Zampieri, 2012).
Esta pesquisa investiga o processo de desconcentração das atividades econômicas em curso na Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA utilizando um recorte que compreende oito municípios da região3. Apresenta-se como hipótese a emergência de novas centralidades para além do polo central posicionado em Porto Alegre e adota-se uma análise multivariável que relaciona processos de conurbação e dados de comutação (IBGE, 2015) às propriedades morfológicas da configuração espacial, analisando-se potenciais de movimento/probabilidade de fluxos descritos através de métodos da Sintaxe Espacial4.
A vantagem dos métodos quantitativo-qualitativos da Sintaxe Espacial é que eles se apoiam na medição de variáveis morfológicas normalizadas para analisar e interpretar fenômenos socioespaciais e econômicos complexos, o que permite comparar sistemas e recortes espaciais de tamanhos diferentes. É, assim, de grande aplicabilidade na análise de aglomerados metropolitanos, caracterizados pela diversidade dos municípios constituintes em termos de indicadores socioeconômicos, populacionais, densidades e áreas, capturando uma estrutura de integração que, matematicamente, define um sistema e possibilitando a mensuração de suas propriedades.
A desconcentração espacial de atividades econômicas está interacionada com padrões espaciais de expansão urbana e fluxos multiescalares, tais como os fluxos pendulares. A Sintaxe Espacial é uma ferramenta útil na descrição desse processo, pois permite analisar potenciais de movimento e probabilidades de fluxos, promovendo evidências para interpretar dinâmicas urbanas e metropolitanas e subsidiando alternativas de planejamento para o desenvolvimento do espaço metropolitano.
Parte-se do entendimento de que municípios que tendem a se tornar novas centralidades regionais ou locais capturam potenciais de movimento e probabilidade de fluxos na rede metropolitana, manifestando centralidade topológica do tipo betweenness5 (Freeman, 1979), bem como de que a hierarquia de acessibilidade relativa ou centralidade por proximidade (closeness) – menor número de mudanças de direção origem-destino – captada pela medida de Integração Global na configuração espacial é um fator que contribui para a intensificação de transformações locais, potencializando o desenvolvimento socioeconômico desigual à escala regional.
Método de análise da configuração espacial – Sintaxe Espacial
A Teoria da Sintaxe Espacial (Hillier e Hanson, 1984) busca descrever e medir sistemas espaciais analisando como as suas partes se relacionam (cada parte em relação às demais) e como a multiplicidade dessas relações é capaz de produzir uma estrutura subjacente (Peponis, 1992; Rigatti, 2014b).
Na Sintaxe Espacial, o sistema urbano é definido como um conjunto complexo de elementos relacionados entre si, interagindo em limites definidos, e cujas estruturas emergentes informam tendências evolutivas, isto é, uma configuração espacial, modificada por processos de expansão urbana e conurbação. A premissa é que o espaço arquitetônico influencia movimento e visibilidade, funcionando como um sistema de continuidades e descontinuidades cujos padrões espaciais captam tendências de organização espacial das atividades econômicas (Hillier e Hanson, 1984). Ugalde e Rigatti (2007) apontam que a configuração espacial contribui tanto para a integração quanto para a segregação socioespacial, informando diferenças locacionais na concentração/dispersão de usos do solo.
A Sintaxe descreve as relações espaciais através de mapas nos quais são representadas todas as linhas do sistema. No mapa axial, cada linha (linha axial) está conectada com as demais, seja diretamente ou por meio de espaços intermediários necessários para nos movermos de cada lugar a todos os outros (Rigatti, 2014b). A transformação da estrutura do sistema espacial em uma rede, a partir da decomposição das linhas axiais em segmentos ponderados pelo ângulo entre as conexões, permite uma análise mais acurada dos padrões de acessibilidade relativa na rede de circulação6. Desta forma, através da análise angular de segmentos (ou modelagem segmentada), representada em mapas angulares segmentados, captura-se melhor o desempenho da configuração espacial sobre o fenômeno dos deslocamentos e, sobretudo, sobre a difusão espacial de usos do solo (Ugalde, 2013).
Neste estudo, analisa-se a configuração espacial a partir das medidas indicadoras de acessibilidade relativa: Integração Axial Global (HHRn – representada em mapas axiais) e Integração Angular Segmentada (representada em mapas angulares segmentados).
A medida de integração mapeia a acessibilidade relativa de todos os segmentos da rede urbana entre si e da qual se obtém uma hierarquia quanto a potenciais de movimento origem-destino que pode indicar a emergência de centralidades por proximidade (closeness), ou seja, ao longo de segmentos mais rasos (contínuos e com maior densidade de conexões).
Estudos empíricos sugerem que a medida de integração está relacionada à previsibilidade de movimento no espaço (Hillier et al., 1993; Ugalde e Rigatti, 2007). Espaços ou vias com maior medida de integração detêm maior potencial de movimento, influenciando a distribuição de usos do solo no espaço urbano. Sistemas mais rasos ou integrados detêm maior distributividade de acessibilidade entre as partes, isto é, apresentam estruturas anelares traduzidas em baixa hierarquia de integração e, portanto, geram maior potencial de indistinção locacional entre usos do solo. Ao contrário, sistemas mais profundos ou segregados, que são formados por espaços organizados de forma sequencial a partir da origem (que tendem a estruturas em árvore), têm maior hierarquia de acessibilidade entre as partes, o que provê maior potencial de diferenciação na distribuição de usos do solo.
Assim, estes modelos dicotômicos se relacionam a diferenças hierárquicas na distributividade de vantagens locacionais, informando tendências à concentração/dispersão de usos do solo relacionados à emergência de centralidades funcionais. Os sistemas mais integrados tendem a dar emergência a áreas centrais; os mais profundos a centralidades lineares, localizadas ao longo de poucos eixos viários que capturam potenciais de movimento. Os mapas resultantes das modelagens possuem uma gradação de cores, sendo representadas com cores quentes as vias que possuem maior integração, ou seja, que correspondem àquelas com maior potencial de movimento. Ao contrário, cores frias informam menores medidas de integração, ou seja, vias mais segregadas.
A medida de Choice – escolha de rotas – captura probabilidade de fluxos ao longo das rotas mais curtas através da malha urbana (through movement) (Al-Sayed et al., 2014). Esta medida é baseada na centralidade betweenness (Freeman, 1979), calcula a probabilidade de cada segmento (via) ser usado a partir de todos os outros pontos de origem e destino. Deste modo, identifica os segmentos com maior probabilidade de serem escolhidos como caminhos através da rede urbana ou metropolitana de circulação. Assim, pode-se analisar sua interação com as dinâmicas territoriais e movimentos pendulares.
A modelagem segmentada da medida de Choice (Choice angular), utilizada nesta pesquisa, indica uma melhor correlação com o fluxo veicular (Turner, 2001), revelando o sistema de rotas preferenciais através da região metropolitana. Nos mapas de Choice, as cores mais quentes representam os segmentos de rotas com maior probabilidade de fluxos; ao contrário, as cores mais frias indicam os espaços com menor probabilidade de serem utilizados como caminhos dentro do sistema analisado.
Desconcentração produtiva e transformações das metrópoles brasileiras
A partir da década de 1970, as metrópoles brasileiras, inseridas no processo de globalização e influenciadas pela reestruturação do sistema capitalista, passaram por significativas mudanças físico-funcionais e em suas dinâmicas. As aglomerações metropolitanas atuais são marcadas por mudanças nos processos de polarização relacionados à desconcentração produtiva e caracterizados pela intensificação e diversificação das dinâmicas pendulares, redistribuição espacial das atividades econômicas, dispersão e fragmentação da urbanização e emergência de novas centralidades (Capel, 2003; Mattos, 2010).
A diversificação das formas de mobilidade regional expandiu as possibilidades de ocupação do território metropolitano, tanto para as famílias quanto para as empresas (Capel, 2003; Mattos, 2010). Alterações significativas na estrutura de circulação/acessibilidade da rede rodoviária regional também contribuíram para modificar e transformar as polaridades preexistentes. Áreas antes periféricas agora são modificadas em função dos padrões de conurbação desigual no território metropolitano. O deslocamento das atividades de comércio, serviços e lazer para estas áreas está relacionado a esta estrutura de acessibilidade do sistema regional e passa a alterar as dinâmicas pendulares e a originar o desenvolvimento de novas centralidades no espaço metropolitano. Estas, em interação com a centralidade exercida pelos polos metropolitanos, incorporam a espacialização de diferentes formas e segmentos de comércio, serviços e de produção do espaço, modificando padrões de comutação, movimentos pendulares e criando novas dinâmicas socioespaciais.
Mattos (2010) comenta que novas centralidades estão relacionadas ao fortalecimento, diversificação e mudanças na concentração e no tipo de atividades comerciais que abrangem desde o consumo cotidiano local até centros de negócios e grandes projetos imobiliários de uso misto. Passam a desempenhar, assim, papéis significativos modificando padrões de organização espacial, econômica e o funcionamento de regiões metropolitanas. Estudos empíricos apontam que, nos aglomerados urbanos, há correlação positiva entre a tipologia de centralidades funcionais descritas acima e diferentes medidas de centralidade morfológica captadas pelas medidas sintáticas de integração e choice. Desta forma, quando os processos de desconcentração espacial de atividades econômicas se articulam à configuração espacial do sistema, são modificadas as tendências de emergência de polos e centralidades funcionais à escala local e metropolitana.
Novas tendências de produção e apropriação do espaço metropolitano podem, inclusive, inverter lógicas consolidadas de expansão urbana (Mattos, 2010) e concentração de atividades, devido à diversificação e à complexidade das relações entre o polo metropolitano e os municípios periféricos. Emergem, deste modo, desigualdades locacionais, mudanças nas dinâmicas urbanas e nos padrões de mobilidade intrarregionais que contestam o modelo centro-periferia. Nos aglomerados metropolitanos, na medida em que a dimensão econômica dos processos de periferização da população (Queiroz Ribeiro, 2009) se associa a mudanças na configuração espacial, tendem a se formar novas concentrações populacionais nos municípios periféricos. Assim, a centralidade da região metropolitana, antes polarizada pela metrópole, desloca-se visto a competição com outros municípios da aglomeração, alterando os padrões de comutação e a intensidade de fluxos periferia-centro aos quais se somam outros fluxos internos no espaço periurbano (Capel, 2003; Mattos, 2010).
RMPA: Caracterização e recortes de análise
A Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA foi institucionalizada na década de 1970 com 14 municípios7. Historicamente, passou por desmembramentos, emancipações e inclusões, sendo composta atualmente por 34 municípios. Porém, ainda hoje, os municípios que apresentam as dinâmicas pendulares mais acentuadas e maior intensidade nos processos de conurbação são os integrantes da delimitação original.
A aglomeração metropolitana foi estruturada a partir de Porto Alegre, centro econômico e capital do Estado, sendo este o polo metropolitano. Contudo, nas últimas décadas, observa-se, tanto empiricamente quanto através da literatura (Maraschin et al., 2014; IBGE, 2015), um processo de desconcentração da atividade econômica do polo em direção a outros municípios da aglomeração metropolitana. Considera-se que esse fenômeno é potencializado pelas formas de expansão urbana desiguais no município polo e pela influência do sistema de circulação regional sobre a localização de atividades produtivas (Campos, 2012; Ugalde, 2013).
A RMPA possui características intrarregionais peculiares, relacionadas ao processo de configuração territorial, que contribuíram para a diversidade econômica, populacional e espacial dos municípios integrantes. Embora existam continuidade espacial e interações relevantes entre alguns municípios, são identificadas três áreas principais de concentração econômica: Porto Alegre e dois vetores de desenvolvimento (Maraschin et al., 2014). A constituição dos dois eixos estratégicos (N-S, O-L) é oriunda do processo de estruturação metropolitana, com Porto Alegre primeiramente polarizando a industrialização; seguido pela expansão do desenvolvimento manufatureiro ao longo das rodovias nacionais: BR-116 (N-S), através dos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Estância Velha e, posteriormente, pela BR-290, junto a Cachoeirinha e Gravataí (O-L). Nesses eixos localizam-se os municípios considerados polos de crescimento, de maior representação na economia metropolitana (Alonso e Brinco, 2009) (Figura 1).
Na publicação Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil (IBGE, 2015) são identificadas dinâmicas pendulares existentes entre municípios da RMPA. O estudo revela fluxos pendulares não relacionados a Porto Alegre (Tabela 1), apontando a atratividade de outros municípios da aglomeração e indicando mudanças nas dinâmicas históricas, de onde podem emergir novas centralidades metropolitanas independentes do polo irradiador.
A partir das principais dinâmicas pendulares identificadas no estudo, delimitou-se o recorte analítico da pesquisa segundo os parâmetros: (i) municípios geograficamente mais próximos a Porto Alegre, (ii) municípios com intensas interações com Porto Alegre e (iii) municípios com dinâmicas pendulares significativas independentes da metrópole. Obtiveram-se quatro conjuntos de municípios para os quais se analisam as relações entre processo de conurbação, movimentos pendulares e configurações espaciais (Figura 2):
Agrupamento 1: Porto Alegre, Alvorada e Viamão.
Agrupamento 2: Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul.
Agrupamento 3: Cachoeirinha e Gravataí.
Agrupamento 4: Junção dos (oito) municípios dos agrupamentos 1, 2 e 3.
Os oito municípios selecionados caracterizam-se pela intensidade dos processos de conurbação, sendo difícil discernir seus limites territoriais. Juntos correspondem a aproximadamente 70% da população da RMPA (25% da população estadual) e ocupam 26,96% (2.789,62 km2) da área da RMPA (0,99% da área estadual), o que demonstra sua relevância. Historicamente, o Agrupamento 1 foi marcado pela forte dependência para com Porto Alegre, polo gerador de empregos e serviços para Alvorada e Viamão. Nos Agrupamentos 2 e 3 estão alguns dos municípios com maior crescimento populacional e econômico da RMPA na última década. O Agrupamento 4 reúne todos os municípios das amostras parciais, visto que, embora existam novas relações independentes de Porto Alegre, as dinâmicas pendulares com a metrópole mantêm sua importância.
Dados do IBGE informam sobre o processo de desconcentração espacial da população na RMPA e indicam que, nas últimas décadas, a metrópole teve crescimento populacional inferior à maioria dos demais municípios analisados (Tabela 2). Municípios como Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada e Viamão tiveram significativo aumento populacional nos períodos analisados (1991-2010). Infere-se que o crescimento populacional dos municípios limítrofes a Porto Alegre se relaciona às interações entre migrações para fora da metrópole, desconcentração espacial de atividades econômicas e dinâmicas imobiliárias na metrópole.
Canoas (323 mil hab.) e Gravataí (255 mil hab.) são, respectivamente, segunda e terceira maiores cidades da aglomeração (IBGE, 2010). Se consideradas as interações entre tamanho da população e desempenho socioeconômico, essas se destacam entre as quatro cidades da RMPA com maiores VABs (Valor Adicionado Bruto)8 industriais e de serviços. Na posição contrária, com os menores valores de VAB, estão Viamão, Esteio, Alvorada e Sapucaia do Sul, que tendem à dependência de outros polos de emprego (Tabela 3).
As economias de Canoas e Gravataí baseiam-se na indústria e nos serviços. Em Canoas, o setor terciário (serviços) cresceu significativamente na última década (Tabela 4), aumentando sua participação em quase 13% do VAB entre 2010-2011. Os processos de difusão espacial das atividades terciárias e as mudanças nos padrões de mobilidade metropolitana modificaram as bases econômicas e as tendências de desenvolvimento socioeconômico nos municípios limítrofes a Porto Alegre, destacando sua atratividade para investimentos privados vultosos, principalmente nos setores terciário e habitacional9, o que tem exponencializado sua autonomia em relação a Porto Alegre.
RMPA: interação entre variáveis espaciais e comutação
Pesquisas pregressas (Rigatti, 2009, 2014) sintetizam a análise de distributividade da acessibilidade metropolitana (Figura 3), demonstrando que a integração axial global dos 14 municípios originalmente integrantes da RMPA reforçava a importância das principais rodovias federais como caminhos necessários nos deslocamentos através da estrutura de circulação metropolitana e regional. As rodovias BR-116 (A) e BR-290 (B) se destacam como eixos de maior acessibilidade relativa no sistema. Os entroncamentos rodoviários de ambas com a rodovia estadual RS-118 (C) indicam a tendência de difusão da integração a partir das suas conexões, configurando um sistema de ring roads envolvendo a periferia N-NE do polo metropolitano onde a urbanização é contínua. Em oposição, o quadrante Sul-Sudeste do aglomerado é marcado por baixas medidas de integração global, denotando a descontinuidade espacial e urbanização fragmentária do território.
Estudos de caso
(i) Agrupamento 1 − Porto Alegre, Alvorada e Viamão
A pesquisa de Matriz Origem/Destino10 de 1997 indicava deslocamentos diários, tanto de Alvorada quanto de Viamão, de cerca de 50% da população de cada município em direção a Porto Alegre, demonstrando o poder atrator da metrópole e a dependência da população ativa destes municípios em relação ao mercado de trabalho do polo metropolitano. A análise de dados quantitativos de movimentos pendulares (IBGE, 2015) indica que existe forte comutação entre os municípios de Alvorada e Porto Alegre, computando-se 55.114 deslocamentos por motivo de trabalho e/ou estudo em dias úteis (Tabela 1). Migrações intermunicipais cotidianas da ordem de 66.390 deslocamentos com a mesma motivação foram registrados entre Viamão e Porto Alegre.
Nota-se (Figura 4b) que o conjunto de linhas mais integradas globalmente do agrupamento se concentra em Porto Alegre e nas regiões Norte e Leste da cidade, em correspondência ao processo de expansão da metrópole que incorpora seu centro histórico e adjacências. O núcleo de integração11 é similar ao exposto por Ugalde (2013) e Rigatti (2009) quando estudaram os 14 municípios da RMPA12 (Figura 3). Assim, verifica-se que, tanto à escala dos três municípios quanto à escala metropolitana, os espaços de maior acessibilidade relativa do subsistema estão concentrados em Porto Alegre.
Portanto, segundo a modelagem axial (Figura 4b), os municípios de Alvorada e Viamão são periféricos dentro do sistema, confirmando o entendimento da Teoria da Sintaxe Espacial de que predominam valores mais baixos de integração nos espaços onde há função habitacional, enquanto naqueles em se que concentram as maiores densidades de linhas com maior medida de integração tendem a se concentrar as funções centrais (funcionais e simbólicas). A segregação dos quadrantes S-SE do Agrupamento 1, próximos à borda do sistema, é reforçada pela fragmentação e descontinuidade da malha urbana.
Na modelagem da Integração Segmentada (raio n) (Figura 4c), que permite uma leitura mais precisa da rede de circulação intermunicipal, vê-se que os segmentos com valor mais alto de integração correspondem aos principais eixos viários de ligação com outros municípios da região metropolitana: avenidas Assis Brasil, Protásio Alves e Bento Gonçalves, importantes vetores da expansão atual de Porto Alegre em direção a Alvorada e Viamão.
Alvorada e Viamão são municípios com baixa participação econômica no contexto metropolitano e que, historicamente, possuem significativa dependência em relação a Porto Alegre. Na análise configuracional do Agrupamento 1, verificou-se que a estrutura espacial não contribui para que haja um deslocamento da centralidade de Porto Alegre em direção aos mesmos, pois a maior densidade de segmentos da rede com maior acessibilidade relativa (integração) está contida dentro dos limites do município polo, reforçando a segregação espacial de Alvorada e Viamão e caracterizando-os como periféricos. Medidas de integração axial baixas (ao Sul de Porto Alegre e em Viamão) informam a tendência ao predomínio do uso habitacional que supõe maior segregação relativa na rede urbana.
No limite municipal entre Porto Alegre e Viamão, verifica-se a tendência à emergência de uma centralidade difusa ao longo das vias que possuem as medidas mais altas de integração (Figura 4c), que se difundem a partir do eixo da avenida Bento Gonçalves e Protásio Alves. Em que pese a descontinuidade da malha urbana de Porto Alegre, na sua periferia Leste é possível inferir a força do sistema rodoviário na estruturação do processo de conurbação com o município de Viamão. Alvorada, mais densamente urbanizada, tem maior continuidade e interpenetração entre sua malha urbana e a da periferia NE de Porto Alegre, indicando a dependência do processo de expansão urbana deste município em relação à área de influência da centralidade funcional difusa da Assis Brasil, ao Norte de Porto Alegre.
A análise da medida Choice angular (Figura 4d) indica que a rota de maior probabilidade de fluxos na rede de circulação do Agrupamento 1 corresponde à Av. Bento Gonçalves no trecho de Porto Alegre próximo ao limite com Viamão, incorporando o trecho da via em Viamão (quando essa passa a se chamar Av. Sen. Salgado Filho). A tendência de maiores fluxos na rede viária do Agrupamento 1 informa a emergência de uma centralidade funcional próximo ao limite intermunicipal, irradiando a partir do segmento de maior probabilidade de fluxos.
(ii) Agrupamento 2 − Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul
A análise dos movimentos pendulares (IBGE, 2015) entre os três municípios do Agrupamento 2 aponta para comutações com origem em Sapucaia do Sul e Esteio e destino em Canoas. Entre Sapucaia do Sul e Canoas, 8.828 pessoas deslocaram-se diariamente principalmente para trabalho e, em menor proporção, para estudo (Tabela 1). Entre Esteio e Canoas, a maior parte dos deslocamentos também ocorre em razão de trabalho, totalizando 9.354 deslocamentos mistos. A pesquisa de Matriz Origem/Destino de 1997 indicava que, naquele momento, os maiores deslocamentos ocorriam: (i) em direção a Canoas, com 11,14% do total das viagens com origem em Esteio; (ii) entre Esteio-Sapucaia do Sul, com 12 a 13% da população se locomovendo, nos dois sentidos.
A modelagem de integração axial (HHRn) do Agrupamento (Figura 5b) destacou a BR-116 como o eixo de maior integração global, a partir do qual essa se irradia linearmente (N-S) através do sistema urbano dos municípios de Canoas e Esteio, o que reduz a acessibilidade relativa entre estes municípios e o de Sapucaia do Sul, obtendo-se resultados similares aos de Ugalde (2013) e Rigatti (2009). Em Canoas, na periferia imediata do núcleo de integração, existem diversos vazios urbanos, indicando que a expansão urbana tende ao sentido N/NE, onde a rede é contínua e o parcelamento do solo intenso.
Estudo anterior de Rigatti (2009) indicou que a conurbação entre Esteio e Sapucaia é robusta. Porém, quando Canoas é incluída no sistema aqui analisado (Esteio-Sapucaia-Canoas), a interpenetração das malhas das três cidades faz com que o núcleo de integração do sistema seja deslocado em direção a Esteio, indicando a emergência de um polo de centralidade entre as cidades de Canoas e Esteio, mas na periferia de ambas. O processo está relacionado à captura de integração pelo sistema rodoviário regional, que entra em competição com as centralidades consolidadas das três cidades, modificando tendências capturadas localmente à escala regional do aglomerado. O processo informa a tendência à desconcentração espacial de atividades econômicas à escala do Aglomerado, com a tendência à emergência de novas centralidades e polos de emprego.
Na integração segmentada (Figura 5c), a BR-116 captura a maior acessibilidade relativa devido à continuidade linear do sistema rodoviário e à descontinuidade espacial entre as partes do agrupamento. Ugalde (2013) já salientou que as grandes estruturas do transporte localizadas em Canoas (BR-116, Trensurb) favoreceram com mais ênfase as relações do município com o restante da RMPA, enquanto as relações internas do mesmo foram prejudicadas devido às barreiras espaciais impostas por estas estruturas, que seccionam a cidade em duas partes. Destaca-se, também, com alta integração, a Av. Presidente Vargas (Esteio), no trecho onde há uma concentração de usos não residenciais (especialmente comércio varejista diversificado e serviços), atrativos à população local, bem como à de Sapucaia do Sul (Ugalde, 2013), coerente com os padrões observados de alta acessibilidade de uma centralidade funcional.
A medida Choice angular (Figura 5d) indica que a maior probabilidade de fluxos através da rede de circulação do agrupamento ocorre no trecho da BR-116 ao norte de Canoas, seguido do trecho da BR-116 na conexão com a rede urbana de Esteio. Destaca-se, ainda, a Rua Boqueirão, via de ligação com Cachoeirinha, próximo à qual estão sendo construídos empreendimentos de grande porte em Canoas. A RS-118, que liga Sapucaia do Sul a Gravataí, importante na Rede Metropolitana de Escolha descrita por Ugalde (2013)13, tem pequeno destaque na configuração espacial do Agrupamento.
A análise das variáveis censitárias e configuracionais (Sintaxe Espacial) do Agrupamento 2 reforça a tendência de Canoas se tornar uma centralidade funcional, cujo polo irradiador é o entroncamento entre a BR-116 e a RS-118, ao Norte do município. Os padrões de acessibilidade e de maior probabilidade de fluxos depreendidos na análise configuracional corroboram a tendência à prevalência dos fluxos intermunicipais sobre os locais, relacionando-se a escolhas locacionais de empreendedores interessados na consolidação de serviços e empreendimentos de alcance metropolitano. Isto é, destaca-se a importância do sistema rodoviário na organização espacial do Agrupamento 2 e suas correlações com as dinâmicas pendulares.
(iii) Agrupamento 3 − Cachoeirinha e Gravataí
Cachoeirinha e Gravataí são municípios que possuem forte dinâmica pendular com Porto Alegre e intensos fluxos cotidianos entre si. Diariamente 18.192 pessoas se deslocam entre os dois municípios para trabalho e/ou estudo − 13.808 para trabalho, 3.349 para estudo e 1.035 para ambos (Tabela 1). Segundo a pesquisa de Matriz Origem/Destino de 1997, cerca de 48,25% das viagens diárias originárias em Cachoeirinha tinham como destino outros municípios: 25,77% a Porto Alegre e 17,36% a Gravataí (Ugalde, 2013). Naquele momento, Gravataí ocupava o quarto lugar como atrator de viagens na RMPA, a maior parte proveniente de Porto Alegre, Cachoeirinha e Canoas. Deslocamentos originários em Gravataí se destinavam 10,87% a Cachoeirinha e 22,66% a Porto Alegre (Ugalde, 2013). A comutação entre Porto Alegre-Cachoeirinha-Gravataí tende à equivalência nos dois sentidos, o que indica que a oferta de postos de trabalho e serviços dos municípios da periferia é atrativa aos habitantes da metrópole, coerente com a rápida expansão urbana da área.
A integração global (HHRn) desse Agrupamento (Figura 6b) difunde-se a partir das rodovias que cortam os dois municípios e os conectam à BR-290 (Sul) e à BR-116 (NO), medida também observada por Rigatti (2009). Deste modo, no processo de conurbação, a potencial centralidade do Agrupamento 3 é deslocada para o centro do município de Gravataí, difundindo-se no entorno da conexão entre a Av. Dorival Cândido de Oliveira e a RS-118. Estas vias se caracterizam pela localização de atividades industriais e comerciais, respectivamente, e por alguns dos novos empreendimentos de grande porte recentes no município (ver atratores monopolistas indicados na Figura 6d). A Av. Brasil, via que faz a conexão entre ambas, também se destaca dentre as vias de maior integração (Figura 6c). O núcleo de integração está localizado no município de Gravataí (inclui o centro histórico da cidade a as áreas adjacentes à conexão entre as vias citadas). Assim, o processo de conurbação em curso tende a transformar o centro de Cachoeirinha numa periferia do Aglomerado 3, sendo que, no sistema conurbado, a integração é capturada integralmente pelo sistema urbano de Gravataí. Este dado é confirmado através da análise da integração segmentada.
A conurbação entre os dois municípios ocorre em suas periferias, irradiando-se descontinuamente a partir do limite intermunicipal. O aumento da densidade de ocupação do solo nesse limite tende a intensificar as dinâmicas pendulares entre os municípios, dadas as restrições de conexões entre Cachoeirinha-Porto Alegre (limitadas à Av. Flores da Cunha, continuação da Av. Dorival Cândido de Oliveira). A interpenetração entre as redes urbanas de Cachoeirinha e Gravataí torna provável que a continuidade entre essas prevaleça sobre a rede periférica de Porto Alegre, potencializando a distributividade e o aumento de integração entre o sistema Cachoeirinha-Gravataí.
A conexão entre as rodovias RS-118 e BR-290 se destaca na medida de Choice angular (Figura 6d), bem como no sistema de escolha de rotas da RMPA (Ugalde, 2013), articulando os segmentos de maior probabilidade de fluxos em ambas as escalas. Confirma-se, assim, a importância de Gravataí como polo de centralidade na escala metropolitana, coerente com a intensidade de deslocamentos pendulares nesse sentido. Destaca-se ainda, no agrupamento, e na escolha de rotas metropolitanas, a Av. Dorival Cândido de Oliveira.
Verificou-se que a rede de circulação de Gravataí concentra os espaços com maior acessibilidade relativa do Agrupamento 3, tendendo a atrair fluxos intermunicipais e metropolitanos. Se relacionada a análise configuracional aos dados pendulares, obtêm-se evidências da tendência do município se consolidar como centralidade no subsistema local e na RMPA, dada a reiteração multiescalar das medidas de centralidade baseadas em potencial de movimento (acessibilidade relativa) e probabilidade de fluxos (betweenness) que reforçam sua posição hierárquica como nó de integração regional.
(iv) Agrupamento 4: Porto Alegre, Alvorada, Viamão, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha e Gravataí
Porto Alegre tradicionalmente concentrou as atividades industriais, comerciais e de serviços da RMPA, capturando as dinâmicas pendulares metropolitanas. Porém, embora a capital ainda seja um importante polo atrator, vê-se o aumento das dinâmicas pendulares entre outros municípios independentes da relação com a metrópole (Figura 2).
A integração global (HHRn) do Agrupamento 4 (Figura 7b) informa a tendência de deslocamento da centralidade de Porto Alegre em direção ao Norte/NO, ao longo das vias intermunicipais contínuas. O núcleo integrador se desloca em direção ao 4º Distrito (antiga zona industrial próxima ao centro histórico de Porto Alegre) e a Canoas. No quadrante N-NO da capital, destacam-se as áreas próximas à Av. Assis Brasil, que conecta Porto Alegre a Cachoeirinha-Gravataí, e à BR-290, monopolizando a acessibilidade relativa do sistema, ou seja, captando o maior potencial de movimento nestas direções.
A integração segmentada destaca os principais eixos viários estaduais e federais como os de maior acessibilidade na rede, sobressaindo-se o entorno da BR-116 e da BR-290 (Figura 7c). Tende-se à anelaridade através da conexão desses eixos com a RS-118, delimitando-se a área onde a integração segmentada se difunde entre Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha e Gravataí, e reforçando-se a segregação de Alvorada e Viamão na rede de circulação regional. A conurbação a N-NO de Porto Alegre aponta tendências de expansão urbana configurando um novo polo de centralidades diversificadas, compartilhadas, complementares e de alcance metropolitano, que captura movimentos pendulares e a densificação nesta direção, passando a competir com a centralidade historicamente consolidada da metrópole.
A medida Choice angular (Figura 7d) destaca como rotas de maior probabilidade de fluxos a Av. Bento Gonçalves em Porto Alegre próximo a Viamão e a Av. da Legalidade, que conecta a capital à BR-290, repetindo-se a rota que se destacava no Agrupamento 1 (Figura 4). Cria-se uma estrutura anelar de circulação metropolitana conectada à RS-118 e à BR-116, delimitando uma área intermunicipal que apresenta transformações significativas no uso do solo nos últimos dez anos, constituindo-se em novo polo regional.
A análise desse agrupamento indica que a rede de circulação contida dentro dos limites de Porto Alegre ainda exerce influência sobre a integração do sistema, mas aponta para a tendência de deslocamento das centralidades funcionais em direção Norte e Leste, na periferia da metrópole. O fenômeno está relacionado à probabilidade de captura de fluxos multiescalares sobre determinadas rotas intra e extrarregionais que incorporam estradas e tendem a configurar centralidades lineares na periferia da metrópole, onde a continuidade e interpenetração dos sistemas urbanos é mais robusta.
A pesquisa possibilitou descrever e analisar interações entre configuração espacial e a emergência de novas centralidades funcionais que incorporam mudanças nas formas de organização espacial do comércio (difusão espacial de shopping centers e de centros de abastecimento integrados − hipermercados e assemelhados) e a migração da centralidade funcional de Porto Alegre em direção às suas periferias N-NE. Esta tendência é informada pela preponderância da probabilidade de fluxos, sobretudo veiculares, na desconcentração espacial das atividades econômicas à escala regional. Estes fatores, relacionados à intensidade desigual dos processos de conurbação entre a metrópole e os municípios de sua periferia imediata, contribuem para salientar a importância da rede rodoviária nas dinâmicas regionais, bem como para modificar e transformar vantagens locacionais no sistema espacial da região metropolitana. Isso, por sua vez, altera a intensidade e direção dos movimentos pendulares existentes entre as partes do aglomerado metropolitano, estreitamente relacionados a mudanças nas hierarquias da rede de circulação regional quanto à probabilidade de fluxos, criando novas polaridades multiescalares.
Considerações finais
Neste artigo destacaram-se algumas relações entre mudanças multiescalares na configuração espacial da região metropolitana de Porto Alegre e processos de transformação das dinâmicas urbanas e metropolitanas relacionadas à intensidade e direção de fluxos pendulares. Buscam-se, assim, evidências analíticas para interpretar o processo de desconcentração espacial das atividades econômicas no âmbito do município polo e suas relações com os municípios do seu entorno imediato.
A desconcentração espacial de atividades econômicas em regiões metropolitanas é capaz de deslocar, modificar e transformar vantagens locacionais que informam a emergência de polaridades e centralidades generalizadas ou difusas no espaço metropolitano, independentes daquelas dos polos metropolitanos. Na aglomeração metropolitana analisada, os dados obtidos na dimensão espacial possibilitaram relacionar as desigualdades nos processos de conurbação entre Porto Alegre e seus municípios limítrofes e as diferenças de intensidade e sentido de fluxos de comutação metropolitana. A partir da análise dos diferentes agrupamentos estudados, pode-se concluir que a probabilidade de fluxos veiculares depreendidos através de medidas configuracionais, aplicadas à rede de circulação regional, está relacionada à emergência de centralidades que se diferenciam quanto à escala, tipo e tendência à difusão.
Verificou-se que a intensidade dos processos de conurbação está relacionada a polos de trabalho/emprego, mudanças na distribuição das concentrações populacionais e localização de centralidades funcionais. Neste caso, pode-se verificar a tendência à desconcentração espacial de atividades econômicas do polo metropolitano para localizações que capturam maior probabilidade de movimento à escala regional. Isto é, conclui-se que a rede de circulação rodoviária influencia a distribuição desigual de vantagens locacionais à escala metropolitana, contribuindo para a desconcentração espacial de atividades econômicas no âmbito do município polo, o que nos permite descartar os modelos centro-periferia como ferramentas descritivas dos processos de emergência de centralidades. Este fator também permite interpretar a tendência à emergência de diferentes tipos de centralidades no contexto metropolitano, dado que os padrões de integração e continuidade entre a rede rodoviária e a de circulação urbana informam os processos de densificação e concentração de atividades relacionadas à emergência de centralidades funcionais dispersas ou concentradas a partir dos nós vitais de articulação entre ambas, o que é coerente com as transformações tipológicas na produção do espaço habitacional e comercial contemporâneo.
A configuração espacial que emerge à escala regional da RMPA aponta, a partir da análise da medida de integração global, a evidência da dominância exercida pela rede rodoviária na estrutura de circulação metropolitana. Induzida pelas vantagens locacionais relacionadas à acessibilidade regional, esta dominância se difunde linearmente, potencializando a formação de centralidades em áreas antes consideradas periféricas em relação ao core. Os polos se deslocam em direção às periferias imediatas do município core, seguindo rotas de transporte público e movimento veicular, estando em consonância com os processos multivariáveis de valorização imobiliária e a suburbanização rápida da população dos municípios-sede.
Sabe-se que a mobilidade e os movimentos pendulares se baseiam em escolhas individuais complexas que desenvolvem um sistema auto-organizado de relações origem-destino, nas quais estão implícitas interações entre oferta e custo de imóveis, serviços de transporte público, infraestrutura (como comércio, serviços públicos e privados – escolas) e qualidade de vida. Esta pesquisa aponta que, na RMPA, potenciais de emergência de centralidades metropolitanas depreendidos das medidas da configuração espacial tiveram correlação estatística positiva com dados censitários de movimentos pendulares.
Reforça-se, assim, a tendência de municípios como Canoas e Gravataí-Cachoeirinha se tornarem polos econômicos e centralidades com especialização funcional (serviços educacionais, logísticos, etc.) em função das propriedades morfológicas da rede de circulação regional. Isso se observa dada a acessibilidade regional desses municípios, bem como à sua posição destacada na hierarquia de centralidade do tipo betweenness (nós de controle do movimento através da rede) e ao incremento de anelaridade conferida por ring roads solidárias ao sistema de rodovias existentes.
Porto Alegre ainda se apresenta como polo importante do ponto de vista econômico e configuracional. No entanto, as análises dadas pela Sintaxe Espacial indicam que seu centro histórico tende a perder sua importância como centralidade funcional à escala metropolitana, visto a desconcentração das atividades econômicas que emerge do processo desigual de expansão urbana. Vê-se uma dicotomia marcante entre o Sul e o Norte da metrópole e a atração exercida pelo sistema rodoviário no quadrante N-NO do município, que desloca linearmente a centralidade funcional nesta direção.
Alvorada e Viamão (S-SE) são os municípios mais segregados no sistema espacial analisado, devido à urbanização descontínua, fragmentada e com poucas linhas longas, reforçando a tendência de segregação espacial observada na Zona Sul da configuração espacial estudada. A dependência destes municípios em relação ao mercado de trabalho do município-polo da RMPA, demonstrada através da intensidade e desigualdade entre os sentidos dos movimentos pendulares, denota a tendência consolidada de uso habitacional periférico e segregado que caracteriza as cidades-dormitório. Isto se relaciona ao baixo potencial de integração espacial entre esses municípios e a metrópole e reduz a influência destes municípios à escala local.
A linearidade da estrutura de integração espacial da RMPA, conferida pelo sistema rodoviário regional, é reforçada pelas restrições apresentadas por seu contexto físico. Barreiras impostas às expansões urbanas e aos processos de conurbação a Oeste, como o Rio Guaíba, somadas à inexpressividade das expansões ao Sul, informam as desigualdades locacionais que modificam as tendências à concentração espacial das atividades econômicas no core do polo metropolitano. A interação entre este contexto e a complementação da rede de circulação regional dada pela introdução de ring roads − que incrementam a anelaridade do sistema de circulação tanto urbano, com perimetrais, quanto intermunicipal, com rodovias estaduais como a Rodovia do Parque – acarretam mudanças significativas na configuração espacial da região e transformam o potencial de formação de centralidades metropolitanas.
Neste contexto, os municípios de Canoas e Gravataí, por concentrarem as conexões inter-regionais e intermunicipais, tendem a capturar a integração na escala metropolitana (Figuras 3 e 7), modificando os padrões de continuidade e interpenetração entre as malhas urbanas dos dois municípios e difundindo a integração de forma mais equânime neste quadrante do sistema espacial conurbado. Isso tende a mitigar os efeitos negativos das centralidades lineares (organizadas a partir da rede rodoviária), que limitam a difusão das próprias atividades e concentram fluxos veiculares, possibilitando a formação de polos que difundem espacialmente funções centrais, modificando padrões de uso do solo no seu entorno imediato e contribuindo para a desconcentração espacial das atividades econômicas à escala metropolitana.
Os resultados desta pesquisa indicam que, na RMPA, a emergência de centralidades tende a ocorrer nos municípios limítrofes à metrópole, cuja polarização, decorrente, sobretudo, da oferta de empregos, é suficiente para modificar a intensidade e o sentido dos deslocamentos pendulares, constituindo-se em polos concorrentes à metrópole. Observou-se que estas novas polaridades estão relacionadas à hierarquia de acessibilidade da rede de circulação metropolitana, que diferencia tipo e intensidade de movimentos pendulares em função das escalas local e metropolitana.
Os múltiplos recortes espaciais são, portanto, indispensáveis para a análise do fenômeno de desconcentração de atividades econômicas, sendo significativas as evidências obtidas através da análise multiescalar. Essa análise se torna relevante, assim, não apenas para investigar relações de dependência econômica entre municípios da aglomeração metropolitana, mas também para subsidiar ações de planejamento integrado, ao prover dados quantitativos e qualitativos que possam fundamentar estratégias e políticas públicas que tenham como meta mitigar desigualdades no território metropolitano.
Esses resultados são preliminares e carecem de aprofundamento futuro das análises. Correlações com outros indicadores, tais como densidades demográficas e construtivas, que permitam interpretar as tendências capturadas aqui com maior acuidade, são algumas das variáveis que podem ser consideradas. Em relação à dimensão espacial, podem ser estudadas através da Sintaxe Espacial medidas locais tomadas a partir de distâncias topológicas e métricas que possibilitem hierarquizar as centralidades emergentes quanto ao seu raio de influência à escala metropolitana e local.
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Notas