Avaliação Psicológica
Recepção: 28 Novembro 2018
Aprovação: 03 Junho 2019
Resumo: O objetivo deste estudo foi buscar evidências de validade de critério para a versão de rastreio do teste de Bender - Sistema de Pontuação Gradual por meio do desempenho escolar. Participaram 333 crianças, com idades entre 6 e 10 anos (M = 8,39; DP = 1,37), matriculadas entre o primeiro e o quinto ano. Por meio da Anova, verificou-se que as três figuras dessa versão foram capazes de diferenciar apenas o grupo de crianças com baixo desempenho escolar, indicando que elas cometeram mais erros de distorções. O coeficiente de Pearson apresentou correlações significativas entre a versão de rastreio e as disciplinas de português e matemática, indicando que a maturidade perceptomotora bem desenvolvida tende a ser facilitadora na consolidação dos conteúdos propostos nas disciplinas do ensino fundamental I. Destarte, sugere-se que a versão de rastreio é uma medida com potencial para avaliar possíveis dificuldade de aprendizagem.
Palavras-chave: Habilidade perceptomotora, psicologia escolar, avaliação psicológica, avaliação infantil, avaliação cognitiva.
Abstract: This investigation’s objective was to search for evidence of criterion validity for the screening version of Bender’s Graded Punctuation System test through school performance. The subjects of the research were 333 children, aged between 6 and 10 (M = 8.39; SD = 1.37), enrolled between the first and fifth grade. Through Anova, it was verified that the three figures in this version were able to differentiate the group of children with low school performance, indicating that they committed more distortion errors when reproducing the figures. The Pearson coefficient showed significant correlations between the screening version and the Portuguese and mathematics classes, which indicated that well-developed percept motor maturity tends to be a facilitator to consolidate the contents proposed in Elementary School I. In conclusion, it is suggested that the screening version is a measure with the potential to assess possible learning difficulties.
Keywords: Perceptual-motor skills, scholar psychology, psychological evaluation, child assessment, cognitive evaluation.
Resumen: El estudio buscó por evidencias de validez de criterio para la versión de rastreo del Test de Bender - Sistema de Puntuación Gradual por medio del desempeño escolar. Participaron 333 niños, con edades entre 6 y 10 años (M = 8,39; DP = 1,37) matriculados entre el primer y el quinto año. La prueba de Anova verificó que las tres figuras de esta versión fueron capaces de diferenciar el grupo de niños con bajo desempeño escolar, sugiriendo que estos cometen mayores errores de distorsión. El coeficiente del Pearson mostró correlaciones significativas entre la versión de rastreo y las clases de portugués y matemática. Indicando que la madurez perceptiva bien desarrollada tiende a ser facilitadora en la consolidación de los contenidos propuestos en las clases del enseño fundamental I. Siendo así, se sugiere que la versión de rastreo es una medida con potencial para la evaluación de posibles dificultades de aprendizaje.
Palabras clave: Habilidad perceptomotora, psicología escolar, evaluación psicológica, evaluación infantil, evaluación cognitiva.
1. Introdução
Entre os diversos motivos pela busca de avaliação psicológica estão as queixas de dificuldades de aprendizagem (Vagostello, Albuquerque, Queiroz, Lopes, & Silva, 2017). De acordo com Vagostello et al. (2017), a imaturidade cognitiva é uma das principais causas que levam as crianças a ter dificuldade de apresentar um bom rendimento escolar. Nessa perspectiva, Pires e Simão (2017) apontam para a importância de se compreender quais funções cognitivas estão envolvidas no processo de aprendizagem e como elas podem influenciar o desempenho das crianças que ainda estão no início da escolarização. Conhecer os fatores cognitivos que tornam a aprendizagem deficitária poderia contribuir para a criação de estratégias de intervenção que possam minimizar o impacto de comprometimentos mais graves (Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2008; Silva, Oliveira, & Ciasca, 2017; Soto, 2014). Sendo assim, no processo de avaliação psicológica, o psicólogo precisa recorrer a testes que permitam avaliar aspectos cognitivos subjacentes ao processo de aprendizagem, como a percepção visual, a linguagem, a coordenação motora, o raciocínio lógico, a capacidade de organização temporal e espacial, a atenção e a memória (Batista & Gonçalves, 2016; Silva et al., 2017).
Nesse contexto, por estar associado a possíveis dificuldade de aprendizagem, um dos instrumentos que têm sido bastante utilizados no Brasil é o Teste Gestáltico Visomotor de Bender, corrigido pelo Sistema de Pontuação Gradual - B-SPG (Rueda, Sousa, Santos, & Noronha, 2016; Sisto, Noronha, & Santos, 2006; Suehiro, Santos, & Rueda, 2015). De acordo com Bender (1955), precursora desse instrumento, dificuldades em reproduzir adequadamente o desenho das figuras poderiam ser provenientes de imaturidade perceptomotora ou comprometimento intelectual. Desse modo, o B-SPG tem sido utilizado para avaliar a maturidade perceptomotora, compreendida como a capacidade de perceber visualmente estímulos externos e expressá-los uma ação motora (Bender, 1955).
Composto por nove figuras que seguem os princípios de proximidade, similaridade e fechamento, Bender (1955), Kacero (2005) e Sisto et al. (2006) sugerem que, ao copiar os desenhos do teste, a criança é livre para perceber e integrar os traços e as formas das figuras. A partir dessa consideração, pode-se considerar que esses princípios são formas primitivas da experiência que biologicamente tendem a apresentar um padrão sensório-motor de ação e um caráter evolutivo. Sendo assim, a maturidade perceptomotora avaliada pelo Teste de Bender é considerada como um fator que opera de forma constante e que acompanha o desenvolvimento evolutivo da criança e está integrada com o sistema neurológico. Os autores ainda afirmam que é a observação dessas cópias que permite ao psicólogo compreender a maneira como as crianças estão orientadas dentro de um determinado quadro de referência e como conseguem lidar com as relações espaciais (Bender, 1955; Kacero, 2005; Koppitz, 1989). Nesse contexto, Kacero (2005) considera que o processo de reprodução das figuras do Teste de Bender ocorre como um esquema no qual o input sensorial se refere à integração, elaboração e planificação, gerando o output motor e efetivando a junção da percepção visual com a ação motora. Para Soto (2014), esse esquema sensorial tende a influenciar no processo de aprendizagem de crianças no início dos anos escolares. Koppitz (1989), por sua vez, sugere que a tarefa de copiar figuras gestálticas é uma atividade complexa, pois ver, perceber e copiar figuras é um processo de integração que demanda uma gama de habilidades cognitivas, como percepção visual, conceitos espaciais, organização, planejamento, atenção, memória e coordenação motora.
Nessa perspectiva, Sousa e Salgado (2015) ponderam que a maneira como os estímulos são percebidos exerce grande influência na execução das ações, e a evocação das informações tende a ser transmitida de acordo com a percepção visual e consequentemente reproduzida da mesma forma. Desse modo, Sousa e Rueda (2017) sugerem que a capacidade atentiva é um dos fatores mais importantes e fundamentais para a percepção visual, pois é a atenção que possibilitará a seleção dos estímulos mais relevantes a serem fixados. Alves e Brito (2007), por sua vez, defendem que a memória é tão importante quanto a atenção, pois, quando se seleciona um estímulo, é essencial que ele seja armazenado, uma vez que é a evocação dessas informações que contribuirá para a formação de uma imagem concreta. Sendo assim, a maneira como a criança irá desenvolver a percepção visual dependerá de diversas habilidades a ela subjacentes. Destarte, diversos autores sugerem que a maturidade perceptomotora bem desenvolvida é uma habilidade facilitadora no processo de aprendizagem, uma vez que bem consolidada se torna um aspecto importante para um bom desempenho escolar (Batista & Gonçalves, 2016; Silva et al., 2017) e está atrelada ao desenvolvimento neurológico da criança (Bender, 1955; Sisto et al., 2006).
Estudos realizados com o B-SPG indicaram correlações significativas quando associado a instrumentos que avaliam habilidades escolares (Batista & Gonçalves, 2016; Carvalho, Noronha, Pinto, & Luca, 2012; Noronha, Santos, & Rueda, 2013; Suehiro & Santos, 2005; Suehiro et al., 2015). Suehiro e Santos (2005) buscaram comparar o desempenho de 287 crianças, com idades entre 7 e 10 anos, no B-SPG e na Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE). As autoras verificaram que crianças sem indícios de dificuldades na escrita e em fase final do processo de alfabetização formaram o grupo com melhor desempenho no B-SPG, diferenciando-se daquelas que apresentaram níveis leve e médio. Esses resultados evidenciam que crianças que apresentam dificuldades importantes em relação à escrita tendem a apresentar dificuldades perceptomotora.
Carvalho et al. (2012), por sua vez, verificaram a relação entre a maturidade perceptomotora e o Teste do Reconhecimento de Palavras. A pesquisa foi desenvolvida com 297 crianças, com média de 9,04 anos. A correlação estatisticamente significativa (r = - 0,29; p < 0,001) entre os instrumentos indicou que, conforme a pontuação no B-SPG diminui, melhor é a compreensão em leitura e escrita. Em estudo semelhante, Suehiro et al. (2015) analisaram protocolos de 199 crianças com idades entre 7 e 10 anos. A correlação significativa e de magnitude moderada (r = - 0,56; p < 0,001) entre o B-SPG e a Escala de Avaliação da Escrita (EAVE) permitiu às autoras inferir que a maturidade perceptomotora bem desenvolvida tende a facilitar o processo de aprendizagem da escrita. Silva et al. (2017) compararam o desempenho entre o B-SPG em crianças com e sem queixas de dificuldades de aprendizagem. Participaram 26 crianças com idade entre os 7 e 9 anos. De acordo com as autoras, o grupo sem queixa escolar apresentou desempenho muito superior ao dos alunos com queixas de aprendizagem, indicando que crianças sem comprometimento intelectual tendem a cometer menores erros de distorção na reprodução das figuras do Bender.
A partir do exposto, verifica-se que as nove figuras do B-SPG têm capacidade para predizer possíveis dificuldades de aprendizagem, pois crianças com facilidade em reproduzir os desenhos tendem a apresentar melhor desempenho nos instrumentos que avaliam habilidades cognitivas intrínsecas ao processo de aprendizagem (Carvalho et al., 2012; Silva et al., 2017; Suehiro et al., 2015). Recentemente Rueda et al. (2016) tiveram o interesse de verificar se com um conjunto menor de figuras seria possível obter uma medida de maturidade perceptomotora, consonante com a proposta original do B-SPG. Os autores aplicaram as nove figuras do teste em 787 crianças com idades entre 6 e 10 anos e, por meio da análise fatorial, observaram que as figuras 3, 4, 7a e 7b explicaram 80% da variância do escore total do B-SPG. Verificaram ainda que essa versão é capaz de diferenciar o desempenho das crianças em função da idade, pois, conforme a idade aumentava, melhor era o desempenho. Diante desses resultados, os autores afirmam que essas quatro figuras são capazes de mensurar a maturidade perceptomotora e poderiam ser utilizadas para avaliar possíveis dificuldades de aprendizagem.
Nesse contexto, pretende-se confirmar empiricamente o potencial dessa versão de rastreio para mensurar o desempenho escolar e, para fornecer resultados confiáveis, é essencial que todos os instrumentos psicológicos apresentem propriedades psicométricas que lhes assegurem avaliações mais adequadas das variáveis a serem medidas (American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education, 2014). Portanto, este estudo tem como objetivo buscar evidências de validade de critério para a versão de rastreio do Bender - B-SPG por meio do rendimento escolar de crianças estudantes do ensino fundamental I.
2. Método
2.1 Participantes
Participaram deste estudo 333 crianças mineiras (53,8% meninas), com idades entre 6 e 10 anos (M = 8,39; DP = 1,37), todas estudantes de escola pública, matriculadas entre o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental I. A Tabela 2.1.1 indica a distribuição dos participantes considerando a idade e o ano escolar.
2.2 Instrumentos
Neste estudo, utilizou-se a versão de rastreio do Teste Gestáltico Visomotor de Bender do B-SPG (Rueda et al., 2016).
A versão de rastreio do Bender B-SPG (Rueda et al., 2016) avalia a maturidade perceptomotora por meio dos erros de distorção da forma, que se referem aos aspectos estruturais do desenho. O instrumento é composto por três figuras (figuras 3, 4 e 7), formadas por linhas contínuas ou pontos, curvas sinuosas ou ângulos, no qual a atribuição de notas é de 0 a 2 pontos. Considerando o fato de a figura 7 poder ser corrigida duas vezes (7a e 7b), a pontuação máxima pode ser de 8 pontos. Ressalta-se que são pontuados os erros, portanto, quanto maior a pontuação, pior o desempenho no teste. Além da vantagem de se utilizar apenas uma folha em branco e um lápis de escrever, o instrumento pode ser aplicado de forma individual ou coletiva.
2.3 Procedimentos
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE: 73102617.1.0000.5514), foram entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos alunos para que os pais assinassem. No momento da administração dos instrumentos, as crianças foram informadas sobre o objetivo da pesquisa, assim como a não obrigatoriedade de suas participações. A coleta de dados foi acompanhada pela professora e mais uma psicóloga. Inicialmente, estabeleceu-se um rapport grupal com as crianças, para que elas se sentissem motivadas a fazer o teste da melhor forma possível. Os alunos foram direcionados para uma sala de aula, na qual havia o data show para a projeção das figuras do Bender. Todos receberam um lápis de escrever preto e uma folha sulfite, na qual deveriam escrever o nome, a idade e o ano escolar. O teste foi administrado coletivamente em uma única aplicação, de aproximadamente 30 minutos, e as salas de aula contavam com uma média de 20 crianças.
Posteriormente à aplicação do teste, a supervisora responsável pelo ensino fundamental I da escola permitiu que a pesquisadora tivesse acesso às notas escolares das disciplinas de português, matemática, geografia, história, ciências, artes e educação física referentes ao semestre em que ocorreu a aplicação do teste. Assim, as professoras forneceram as notas de todos os alunos, e nessa escola a pontuação dos alunos ocorria da seguinte forma: 3 = era para o aluno com ótimo desempenho que até aquele momento havia alcançado todos os objetivos propostos; 2 = o aluno apresentava um bom desempenho, porém ainda faltava consolidar alguns objetivos propostos; e 1 = o aluno apresentava baixo desempenho, indicando dificuldades de aprendizagem.
2.4 Análise de dados
As análises deste estudo foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences 21 (SPSS). Após verificar a precisão entre avaliadores, por meio da correlação de Pearson, realizaram-se as estatísticas descritivas e inferenciais das médias dos participantes. Em seguida, recorreu-se à correlação de Pearson para verificar a relação entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e os níveis de desempenho escolar. Por fim, realizaram-se novas correlações entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e as disciplinas que compõem a grade curricular do ensino fundamental I.
3. Resultados
Para assegurar maior confiabilidade sobre os resultados desta pesquisa, 20% (n = 66) dos protocolos foram submetidos à avaliação às cegas. O coeficiente de precisão entre os dois avaliadores indicou correlação estatisticamente significativa, positiva e de magnitude forte (r = 0,90; p < 0,001). Sugere-se que a correção dos protocolos não apresenta viés e que os resultados apresentados tendem a ser confiáveis. Com o propósito de atender aos objetivos deste estudo, primeiramente se verificou que a média geral na pontuação da versão de rastreio do B-SPG foi de 4,07 (DP = 2,04). Pode-se observar que apenas 2,3% das crianças não apresentaram nenhum erro de distorção ao reproduzirem o desenho das figuras. Com relação ao nível de desempenho escolar fornecido pelas professoras e obtido pela junção das notas gerais das crianças, constatou-se que 44,7% (n = 150) dos estudantes não apresentavam dificuldades de aprendizagem. Alunos que apresentavam bom desempenho, mas ainda sem consolidar alguns objetivos propostos nas disciplinas, foram classificados como medianos (31,2%; n = 104); por fim, 24,1% (n = 80) apresentavam baixo desempenho, indicando dificuldades de aprendizagem.
Na sequência, buscou-se verificar se a versão de rastreio seria capaz de diferenciar crianças com alto, médio e baixo desempenho escolar. Os resultados da análise de variância (Anova) indicaram diferenças estatisticamente significativas na reprodução das figuras da versão de rastreio do B-SPG entre os grupos [F (131, 1308) = 65,53; p < 0,001]. No entanto, conforme exposto na Tabela 3.1, a prova post hoc por método de Tukey indicou que apenas dois grupos se diferenciaram entre si.
De acordo com a Tabela 3.1, verificou-se que as crianças com alto e médio desempenhos formaram um grupo diferenciando significativamente daquelas que apresentavam maiores dificuldades de aprendizagem. Observou-se que o primeiro grupo apresentou maior facilidade em reproduzir os desenhos do Bender, e as crianças com baixo desempenho escolar reproduziram os maiores erros de distorção. Também foi realizada a correlação entre o desempenho na versão de rastreio e as disciplinas da grade curricular do ensino fundamental I. Os resultados são apresentados na Tabela 3.2.
Verificou-se que todas as correlações foram estatisticamente significativas, negativas e de magnitude variando de fraca a moderada (Cohen, 1988). Ressalta-se que no Teste de Bender são pontuados os erros de distorção, portanto, quanto maior a pontuação, menor é a maturidade perceptomotora. Já a distribuição das notas escolares indica que, quanto maior a pontuação, melhor é o desempenho do aluno. Assim, os resultados sugerem que, à medida que os erros de distorção na reprodução das figuras do Bender diminuem, melhor tende a ser o rendimento escolar das crianças, o que justifica o valor negativo das correlações. De modo geral, a correlação entre as disciplinas de português (r = - 0,50) e matemática (r = - 0,49) foi a que apresentou as magnitudes mais fortes. Por fim, buscou-se averiguar se a magnitude das correlações entre a versão de rastreio no B-SPG e o desempenho nas disciplinas se manteria quando considerada a idade. Os resultados podem ser observados na Tabela 3.3.
A partir da Tabela 3.3, pode-se verificar que, para o grupo de crianças com 6, 7 e 8 anos, as correlações foram estatisticamente significativas e negativas apenas para as disciplinas de português e matemática. Em relação ao grupo de estudantes com 9 e 10 anos, todas as disciplinas indicaram correlações significativas. De modo geral, a magnitude das correlações foi de moderada a forte (Cohen, 1988), e os coeficientes variaram de r = - 0,34 a r = - 0,59.
4. Discussão
Este estudo teve a finalidade de verificar se, assim como na versão original do B-SPG (Sisto et al., 2006), as três figuras que compõem a versão de rastreio seriam capazes de diferenciar crianças em diferentes níveis de aprendizagem. Os resultados obtidos sugerem que a versão de rastreio do B-SPG é capaz de diferenciar apenas o rendimento escolar daquelas crianças que têm apresentado maiores dificuldades de aprendizagem. Esses achados ainda permitem inferir que as professoras da instituição onde foi realizada a coleta de dados apresentam maior clareza para diferenciar os alunos com ótimo desempenho escolar daquelas crianças que têm apresentado possíveis dificuldades de aprendizagem. Além disso, observou-se também que as professoras tendem a diferenciar os alunos com nível médio de desempenho das crianças com dificuldades de aprendizagem, pois estas ainda conseguiram aprender alguns objetivos propostos nas disciplinas que compõem a grade curricular do ensino fundamental I. Nessa perspectiva, pondera-se que a versão de rastreio do B-SPG não apresenta uma limitação para diferenciar os níveis de desempenho escolar, mas sim que a forma de avaliação das professoras em relação às crianças de desempenho médio pode não ser tão objetiva.
De modo geral, verificou-se que, conforme aumentam os erros de distorções na reprodução das figuras do Bender, maior é a dificuldade de as crianças reterem o conteúdo proposto em sala de aula. Segundo os professores da escola na qual foi realizada a coleta de dados, as crianças com baixo desempenho escolar apresentam dificuldades de aprendizagem, pois ainda não conseguiram consolidar os conceitos ensinados nas disciplinas. Esses resultados corroboram o estudo de Silva et al. (2017), que constataram que crianças com dificuldades de aprendizagem tendem a ter um menor desempenho no Teste de Bender. Isso ocorre porque a ampla gama de habilidades cognitivas que são intrínsecas à maturidade perceptomotora pode facilitar o processo de aprendizagem, pois elas são subjacentes à capacidade de reter, integrar e processar informações que possibilitarão a emissão de uma resposta endereçada a algo (Batista & Gonçalves, 2016).
Quando se verificaram o desempenho nas diferentes disciplinas e sua relação com a pontuação da versão de rastreio do Bender, observou-se que, conforme diminuem os erros de distorção na reprodução das figuras, maior é a tendência de os alunos se saírem melhor nas disciplinas de português, matemática, ciências, geografia, história e artes. Quando se pensa na aprendizagem como parte de um processo de aquisição e assimilação de novas formas de perceber, compreender e agir, a maturidade perceptomotora bem desenvolvida seria um facilitador para a evolução das habilidades escolares, podendo favorecer e potencializar a integração e a interpretação do conteúdo apreendido (Batista & Gonçalves, 2016; Sousa & Rueda, 2017). Com base nessas considerações, pode-se afirmar que a maturidade perceptomotora avaliada pela versão de rastreio do B-SPG é uma medida bastante associada ao rendimento escolar, uma vez que foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre a versão de rastreio do B-SPG e o desempenho nas disciplinas acadêmicas.
Quando se considerou o caráter evolutivo da maturidade perceptomotora e da aprendizagem, decidiu-se comparar separadamente o desempenho nas disciplinas e na versão de rastreio do B-SPG em razão das idades. Os resultados evidenciaram que as crianças que estão no início da escolarização (6, 7 e 8 anos de idade) apresentaram correlações significativas apenas nas disciplinas de português e matemática. Esses resultados já eram esperados, pois, de acordo com Oliveira et al. (2008), essas disciplinas (português e matemática) são básicas para a aquisição de novos conteúdos. Ademais, a supervisora da escola em que se coletaram os dados informou que, embora todas as disciplinas sejam cobradas com os mesmos critérios, a quantidade de horas aulas das disciplinas de português e matemática é maior e que grande parte desse conteúdo é ensinada de forma lúdica. Deve-se ainda considerar que, por estarem no início da escolarização, as crianças estão em processo de alfabetização e ainda não consolidaram alguns conceitos necessários para um melhor rendimento nas demais disciplinas, como o planejamento, o monitoramento e a regulação do próprio processo de aprendizagem (Carvalho et al., 2012; Oliveira et al., 2008). Outro ponto que sustenta essa suposição é o fato de que, para o grupo de crianças de 9 e 10 anos, a versão de rastreio do B-SPG foi significativa para todas as disciplinas. Além disso, a não correlação significativa de algumas disciplinas com o grupo de crianças com idades entre 6 e 8 anos sugere que o aprendizado nas disciplinas de ciências, geografia, história e artes também poderia estar relacionado a valores culturais e experiências. Ainda que o eixo temático de ensino-aprendizagem seja o mesmo, é preciso considerar que as especificidades do local podem influenciar na interação com o objeto de conhecimento.
Para Soto (2014), a idade tende a influenciar o processo de aquisição da maturidade perceptomotora e da inteligência não verbal à medida que favorece o maior desenvolvimento da capacidade de visuoconstrução, da percepção visual e da coordenação motora fina. De acordo com Pires e Simão (2017), a aprendizagem é um processo lento, individual e estruturado, no qual a criança aos poucos vai consolidando os conceitos simbólicos que envolvem a leitura, a escrita e o cálculo que vão propiciar melhor rendimento escolar. Desse modo, a maturidade perceptomotora bem desenvolvida possibilita que a criança selecione e estabeleça uma relação hierárquica entre as diferentes informações de um estímulo (Alves & Brito, 2007). Nesse sentido, os diferentes tipos de traçado das figuras do Teste de Bender permitem compreender como as crianças integram as informações externas e como lidam com as orientações espaciais e temporais que também envolvem o processo da escrita (Kacero, 2005).
De modo geral, verificou-se que as correlações de magnitude forte foram entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e as disciplinas de português e matemática. Ao retomarem o conceito de que a maturidade perceptomotora é a junção da capacidade de integrar a percepção visual com movimentos motores, Suehiro e Santos (2005), Carvalho et al. (2012) e Suehiro et al. (2015) já apontavam para a estreita relação dessa habilidade com a leitura e a escrita. As autoras verificaram que crianças com baixo desempenho no B-SPG tendem a ter dificuldades na compreensão da leitura e execução da escrita. Com relação à matemática, a integração da percepção visual também é essencial na resolução de tarefas matemáticas, pois é um processo que requer uma compreensão analítica e sintética das informações recebidas (Alves & Brito, 2007).
Sabe-se que uma das principais formas de se avaliar a aprendizagem é por meio de provas didáticas, nas quais o aluno deve escrever o que compreendeu do conteúdo administrado pelos professores. Nessa perspectiva, pode-se considerar que uma percepção distorcida poderia resultar no baixo rendimento escolar. Para além dessas considerações, Oliveira et al. (2008) indicam que apenas saber ler e escrever não é o bastante para um melhor desempenho escolar, é preciso também ter uma compreensão crítica e reflexiva que permita demonstrar o que se aprendeu do conteúdo proposto.
Diante dos resultados obtidos neste estudo, pode-se afirmar que foram encontradas evidências de validade de critério para a versão de rastreio do B-SPG pelos níveis de desempenho escolar, pois, conforme os erros de distorções diminuem, melhor é o rendimento nas disciplinas administradas no ensino fundamental I. Quando se verifica que crianças com problemas para reproduzir as figuras do Bender também tendem a apresentar dificuldades para aprender o conteúdo ministrado nas disciplinas, considera-se que a versão de rastreio pode ser útil na avaliação de possíveis dificuldades de aprendizagem. É importante ressaltar que, para Rueda et al. (2016), as figuras da versão de rastreio do B-SPG abarcam diferentes tipos de traçado, possibilitando uma interpretação mais adequada dos erros de distorção cometidos por cada criança. Portanto, quando utilizadas no processo de avaliação psicológica, poderão contribuir para o diagnóstico precoce de dificuldades de aprendizagem, além de possibilitarem a criação de estratégias de intervenção que minimizem o impacto de dificuldades de aprendizagem ainda no início da escolarização.
Embora os resultados tenham sido positivos em relação à capacidade da versão de rastreio do B-SPG para avaliar o desempenho escolar, esta pesquisa apresenta algumas limitações. Uma delas é o fato de a amostra ser composta apenas por crianças de escola pública e de uma única região do Brasil. Além disso, não foram utilizados outros instrumentos relacionados ao desempenho escolar que permitissem a comparação do desempenho das crianças em diferentes tarefas. Espera-se que a realização de novos estudos possa sanar essas limitações e buscar outras evidências de validade para a versão de rastreio do B-SPG. Uma sugestão é utilizar instrumentos que avaliem medidas relacionais e que permitam verificar como a maturidade perceptomotora pode servir de incremento para avaliar outras habilidades cognitivas.
Referências
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Autor notes
Correspondências referentes a este artigo devem ser encaminhadas para Fernanda Otoni Silva, Avenida Engenheiro Antonio Francisco de Paula Sousa, 2601, Campinas, SP, Brasil. CEP 13044-502. E-mail: fer_ottoni@hotmail.com