Resumo: A intervenção analítico-comportamental ao autismo, de forma geral, enfoca duas frentes: o desenvolvimento dos repertórios que estão em déficit e a redução de excessos comportamentais. O uso de controle aversivo neste tipo de intervenção é relativamente pacífico nos casos em que o excessivo comportamento autolesivo e/ou agressivo da criança oferece risco proporcionalmente maior que o da exposição à estimulação aversiva programada. No presente estudo, é proposta uma discussão sobre diversos outros (e menos extremos) pontos de contato entre contingências aversivas e a intervenção analítico-comportamental ao autismo, com um enfoque maior no uso de punição. Muito do conhecimento disponível atualmente sobre punição, por exemplo, decorre de pesquisas básicas com choque elétrico como estímulo aversivo. O uso de formas moderadas de controle aversivo é relativamente frequente sob a identificação de termos como “time-out” ou reforçamento diferencial de outros comportamentos (DRO), tanto quanto o é em procedimentos de bloqueio de estereotipias, de comportamento agressivo ou auto lesivo. Pesquisa aplicada sobre o tema lançaria luz sobre uma possível controvérsia sobre o uso de controle aversivo na intervenção.
Palavras-chave:puniçãopunição, controle aversivo controle aversivo, intervenção analítico-comportamental intervenção analítico-comportamental, autismo autismo.
Abstract: Autism Spectrum Disorder (ASD) is a developmental disorder characterized by deficits in social interaction and communication, with presence of stereotyped behavior and/or restrict interest. ASD comprises a variety of levels of symptoms severity. Behavior-Analytic intervention is often the most effective way in intervention to autism. Behavioral interventions to autism, in general, focus two elements: the advancement of repertoires that are in deficit and reduction of behavioral excesses. The use of aversive control in behavioral intervention is relatively well accepted in cases in which self-injurious or aggressive behavior offers more risk than the exposition to the carefully programmed aversive stimulation. In the present work, we would like to go further than that and discuss other (and certainly less extreme) contact points between aversive contingencies and behavior-analytic intervention to autism, with particular attention to punishment. Much of the knowledge currently available on aversive control comes from basic research with electrical shock as aversive stimulus. Because of that, there is much to know about aversive control in applied contexts. The use of mild aversive control is relatively frequent under the term “time-out” or differential reinforcement of other behavior (DRO). In both cases, reinforcing stimulation is removed from the environment contingently up on the occurrence of a target-response. This is precisely a contingence of negative punishment. Aversive contingencies are also present at some level in procedures to block stereotyped, aggressive, or self-injurious behavior. Offering the most effective way of intervention is an ethical obligation. Sometimes, the most effective way of intervention might include some intervention procedures that feature aversive control. In opposition to that are less effective and longer lasting ways of intervention fully based on positive reinforcement. Applied research on the theme would bring light over the supposed controversy on the use of aversive control over the course of behavioral interventions.
Keywords: aversive control, behavior-analytic intervention, autism.
Podemos prescindir de controle aversivo na intervenção analítico-comportamental ao autismo?
Can we dismiss aversive control in behavior analytic intervention to autism?
Recepção: 25 Junho 2016
Aprovação: 27 Outubro 2016
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5, American Psychiatric Association, 2013), o termo “autismo”, ou mais propriamente Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), reúne uma variedade de casos de transtorno do desenvolvimento em que se detectam (já por volta dos dois anos de idade) prejuízos da interação social e comunicação, acompanhados de comportamento estereotipado e/ou interesse restrito. O desenvolvimento de um indivíduo diagnosticado com autismo pode ser muito bem caracterizado como assimétrico, no sentido de que pode ser mais fácil adquirir determinados repertórios comportamentais e mais difícil adquirir outros, se comparado com o desenvolvimento da maioria das pessoas com a mesma faixa etária. Uma criança, por exemplo, pode mostrar habilidades de coordenação motoras bem desenvolvidas, mas atraso no aparecimento da fala e repertório de autocuidado.
A intervenção analítico-comportamental ao autismo tem sido amplamente reconhecida como uma forma de intervenção eficaz na maioria dos casos (Barbera, 2007; Foxx, 2008; Green, 2011; Goulart & Assis, 2002; Howard, Stanislaw, Green, & Sparkman, 2014; Kodak & Grow, 2011; Martins, 2010; Reichow, 2012; Sallows & Graupner, 2005). Embora haja muita heterogeneidade no nível de comprometimento, com uma diversidade muito grande de perfis de indivíduos diagnosticados, é possível afirmar que, de forma geral, este modelo de intervenção enfoca duas frentes: a ampliação dos repertórios comprometidos e a redução dos excessos comportamentais. Por excessos comportamentais entendem-se excessos de comportamentos que se espera observar em pouca ou nenhuma frequência, como o comportamento não colaborativo, estereotipias, comportamento agressivo e autolesivo.
A pergunta geradora (e que dá nome ao presente texto) parece ter uma conexão natural e óbvia com a redução de excessos comportamentais. De fato, a polêmica sobre o tema poderia ser poupada, se a pergunta geradora fosse respondida simplesmente sugerindo que o uso de controle aversivo seja evitado até que não haja alternativa. A ausência de alternativa provavelmente se caracterizaria tão somente nos casos em que o excessivo comportamento autolesivo e/ou agressivo da criança estivesse oferecendo risco considerável a si e aos que a circundam (risco proporcionalmente maior que o da exposição à estimulação aversiva programada na intervenção). Contudo, é importante ir além, e discutir aqui diversos outros (e menos extremos) pontos de contato entre o uso de controle aversivo e a intervenção analítico-comportamental ao autismo. Por isso, a questão geradora será respondida diversas vezes ao longo do presente texto, algumas vezes afirmativamente outras vezes negativamente.
Tanto quanto o termo autismo, “controle aversivo” constitui um termo geral que reúne uma diversidade de casos. Diversos arranjos de contingência, a depender do critério, podem ser considerados instâncias de controle aversivo (para uma discussão mais aprofundada sobre o tema, ver Hunziker, 2011). Segundo Hunziker (2011), não há, na literatura, uma definição abrangente de controle aversivo, porém apenas listagens das relações operantes e respondentes que envolvem este tipo de controle. Dentre as relações operantes comumente identificadas como aversivas, pode-se citar: (a) punição positiva, quando há apresentação de estimulação aversiva contingente ao responder; (b) punição negativa, quando há remoção de estímulo reforçador contingente ao responder; e (c) reforçamento negativo quando há remoção de estimulação aversiva contingente ao responder (ver, por exemplo, Catania, 1998/19991; Hineline, 1984, Hunziker, 2011; Hutchinson, 1977; Perone, 2003). Considerando os efeitos sobre o responder, punição positiva e negativa apresentam efeitos supressivos e o reforçamento negativo, por se caracterizar pela retirada de um estímulo aversivo contingentemente ao responder, apresenta efeito fortalecedor. Sendo assim, no presente texto, a compreensão sobre controle aversivo incluirá todas as instâncias acima citadas, com destaque para contingências de punição.
O controle aversivo não é uma criação dos analistas do comportamento. Diversas relações corriqueiras estabelecidas entre os indivíduos e o ambiente no qual estão inseridos apresentam as características dessa forma de controle comportamental. Trata-se de uma relação comportamental que está presente em condições naturais e livres de manipulação experimental (Guedes, 2011; Horner, 2002; Hunziker, 2011; Perone, 2003; Vollmer, 2002). Entretanto, quando se trata particularmente da aplicação de punição em procedimentos de intervenção analítico- comportamental, é possível encontrar diversos posicionamentos tanto contrários como favoráveis, gerando calorosa discussão, a qual é conhecida na literatura comportamental como “controvérsia aversiva” (Horner, 2002; Horner et al., 2005; Iwata, 1988; Johnston, 1985; Lerman & Vorndran, 2002; Mulick, 1990; Murphy, 1993; Newson & Kroeger, 2005; Skiba & Deno, 2011). Em grande medida, a controvérsia está baseada na preocupação em relação aos possíveis subprodutos deletérios do controle aversivo, em especial os produzidos pelo uso de punição, normalmente dando-se pouca ênfase para possíveis subprodutos desejáveis (Mazzo & Gongora, 2007).
Com relação à utilização da punição como procedimento para supressão comportamental, verifica-se que há um posicionamento predominantemente contrário ao seu uso, seja por ser considerada como uma técnica de controle ineficaz, devido aos efeitos supressivos temporários, seja pela produção de efeitos colaterais indesejáveis (Skinner, 1948/1975, 1953/1989, 1968/1972, 1969/1980, 1971, 1974/2006, 1989 - ver também Epstein, 1985, Guedes, 2011 e Guess, Turnbull, & Helmstetter, 1990). Frequentemente encontra-se na literatura a posição de que o uso de punição é admissível somente quando não há alternativa de controle disponível, na condução de problemas comportamentais graves, como comportamento autolesivo e agressivo (Skinner 1969/1980; 1989 - ver também Griffin, Paisey, Stark, & Emerson, 1988). Faz exceção a esta postura, por exemplo, Sidman (1989/2009) para quem a punição não é uma alternativa mesmo quando nenhuma outra forma de controle se mostra efetiva. As alternativas à punição comumente citadas são o uso de extinção e de reforço positivo de resposta alternativa (Horner et al., 2005; Skinner 1948/1975, 1953/1989, 1968/1972, 1969/1980, 1971, 1974/2006, 1989). É interessante pontuar que, apesar de a extinção ser utilizada como um procedimento alternativo ao uso de punição, tal procedimento é considerado por alguns autores (Bravin & Gimenes, 2013; Hunziker, 2011) na literatura comportamental como tendo efeitos aversivos sobre o responder (para maiores informações sobre o tema, ver Bravin & Gimenes, 2013).
Embora minoritária, a posição de que o controle aversivo pode ser eficaz (ver Azrin & Holz, 1966/1975 e Todorov, 2001, para contribuições provenientes da pesquisa básica) e que na intervenção comportamental nem sempre é ruim (como o reforçamento positivo nem sempre é bom – Perone, 2003) pode ser depreendida do argumento de diversos outros autores (Cipani, 2004; Critchfield, 2014; Hineline, 1984; Lerman & Vorndran, 2002; Mazzo & Gongora, 2007; Newsom, Favell, & Rincover, 1983; Newsom & Kroeger, 2005).
Lerman e Vorndran (2002), por exemplo, pontuam que a aplicação de punição: (a) é efetiva na redução de comportamentos graves; (b) em alguns casos pode ser considerada um componente essencial no tratamento; (c) é eficaz principalmente quando as variáveis que mantêm o comportamento problema não podem ser identificadas; (d) é a opção de escolha quando o comportamento que produz danos físicos graves precisa ser suprimido rapidamente; e (e) outros tipos de intervenção podem não funcionar tão bem na redução comportamental para níveis aceitáveis sem a presença do componente punição.
Newson et al. (1983), em uma revisão da literatura (em sua maioria, estudos com crianças com diagnóstico de autismo) sobre os efeitos colaterais da punição, mencionam os possíveis subprodutos desejáveis: (a) a possibilidade de interações sociais apropriadas e de cooperação durante ou após períodos de punição de comportamentos inadequados em indivíduos com atrasos de desenvolvimento que apresentavam comportamentos agressivos; (b) a ocorrência de comportamentos emocionais considerados positivos (sorrisos, relaxamento e gargalhadas) foram observados quando houve a supressão de comportamentos autolesivos e de ruminação em crianças diagnosticadas com atrasos de desenvolvimento; (c) possibilidade de aumento de frequência do responder correto em tarefas específicas de treino (aprendizagem discriminativa), tanto como, uma facilitação para emissão de respostas de imitação em crianças com autismo; (d) possibilidade de ocorrência de interações sociais apropriadas como utilizar brinquedos de forma funcional, assim como, a participação em jogos e caminhadas foram efeitos colaterais positivos observados em pesquisas feitas com crianças diagnosticadas com autismo e esquizofrenia, por exemplo; e (e) um aspecto adicional ao aumento da ocorrência de comportamentos relacionados à aprendizagem discriminativa e do comportamento de imitação, refere-se à atenção, que pode ser observada através de maior contato visual, sinais de alerta e atenção por parte do indivíduo com relação ao ambiente no qual está inserido.
Quanto à contingência de reforçamento negativo, Iwata e Smith (2007) afirmam que esta tem sido utilizada como um dos meios pelos quais é possível estabelecer e manter comportamentos adequados. O uso de reforçamento negativo se mostrou efetivo para o tratamento de recusa crônica de comida em crianças com atraso de desenvolvimento (ver Ahearn, Kerwin, Eicher, Shantz, & Sewaringin, 1996, que descrevem um estudo experimental sobre o assunto) e também foi considerado um componente eficaz em estratégias de correção de erro também em indivíduos diagnosticados com atraso de desenvolvimento (Rodgers & Iwata, 1991; Worsdell et al., 2005 – ambos estudos experimentais que analisaram diferentes procedimentos de correção de erros).
Segundo Mazzo e Gongora (2007), a estimulação aversiva pode contribuir também para a aprendizagem de comportamentos importantes, que facilitam as chances de o indivíduo lidar com as adversidades que podem vir a acontecer, como por exemplo, o responder autocontrolado que tem, em sua base, componentes aversivos (ver Nico, 2001). Nesse contexto, pode-se citar, em particular, os comportamentos de enfrentamento, resolução de problemas, autocontrole e seguimento de regras, além do que nominaram de esquiva ativa. De acordo com Mazzo e Gongora (2007), tais comportamentos podem ser estabelecidos por meio de controle aversivo, seja em seus efeitos diretos ou indiretos.
Os argumentos aparentemente contraditórios apresentados até aqui deixam claro que mais pesquisa básica e aplicada a respeito da eficácia e da adequação do controle aversivo é benéfica para a área de conhecimento (Cameschi & Abreu-Rodrigues, 2005; Hunziker, 2003; Lerman & Vorndran, 2002; Perone, 2003; Todorov, 2001; Vollmer, 2002). De fato, muito do que se sabe sobre controle aversivo é conhecimento proveniente de resultados de pesquisas básicas com a utilização de choque elétrico como estímulo aversivo (Carvalho Neto et al., 2005; Carvalho Neto, Maestri, & Menezes, 2007; Rodrigues, Nascimento, Cavalcante, & Carvalho Neto, 2008; Silva, Carvalho Neto, & Mayer, 2014) diferentemente dos estudos realizados pela área aplicada, em que normalmente se usam estímulos aversivos considerados brandos (repreensões verbais, sabores, cheiros e sons - Lerman & Toole, 2011), se comparados com o choque elétrico, e eticamente aceitáveis. Pesquisa adicional sobre a especificidade do controle aversivo brando nestas situações contribuiria para um maior conhecimento sobre a sua utilização. Nessa perspectiva, propõe-se avançar a discussão relativa à questão geradora e caminhar mais especificamente na direção da intervenção analítico-comportamental ao autismo.
Um dos primeiros desafios para quem inicia intervenção de qualquer natureza a uma criança diagnosticada com autismo pode ser o de estabelecer as primeiras interações duradouras com a criança. É comum a criança fugir ou se esquivar da interação com o terapeuta, pois uma das características de indivíduos diagnosticados com autismo é a dificuldade de interação social (Gadia, Tuchman, & Rotta, 2004; Goulart & Assis, 2002). A criança pode responder, à aproximação do profissional, com indiferença ou afastamento. Por exemplo, uma criança, firmemente engajada em uma interação com um brinquedo, pode abandoná-lo se o terapeuta começar a brincar junto com ela.
Um aspecto considerado como fundamental para o início de uma intervenção de sucesso é o pareamento do terapeuta com a estimulação reforçadora (pairing – Greer & Ross, 2008; Kelly, Axe, Allen, & Maguire, 2015; Sundberg & Partington, 1998). Para a consecução desse objetivo, o terapeuta aumenta a oferta de reforçadores positivos acessíveis no ambiente (reforçadores tangíveis, como brinquedos, mas também atividades potencialmente reforçadoras como correr, saltar, girar sentado em uma cadeira com rodízio, ouvir música, assistir a vídeos). Dessa forma, ele pode conseguir que a criança mostre interesse por algum dos itens ou atividades disponibilizados. Então ele busca seguir o interesse da criança: se ela mostra interesse na réplica de um personagem de desenhos animados, por exemplo, o terapeuta pode se inserir na brincadeira imitando a fala do personagem, manipulando outro personagem do mesmo tema, trazendo outros brinquedos que podem enriquecer a brincadeira com aquele personagem. A criança pode abandonar essa brincadeira e mostrar interesse diferente, e o terapeuta deve acompanhar a criança mostrando interesse na nova brincadeira (ver Kelly et al., 2015; Sundberg & Partington, 1998). “Além do mais, é importante que o terapeuta não esteja associado com a retirada de atividades reforçadoras” (Sundberg & Partington, 1998, p. 76). Ou seja, nesse momento, não é recomendável bloquear a criança, se opondo à mudança de foco, ou tentar remover brinquedos dela. A ideia é que o terapeuta consiga não apenas que a criança brinque, mas que essencialmente brinque com o terapeuta e que ele seja parte importante da brincadeira (Sundberg & Partington, 1998).
Tanto quanto possível, a criança é imersa em contingências de reforçamento positivo, com o terapeuta claramente provendo e participando dessas interações reforçadoras (Kelly et al., 2015; Sundberg & Partington, 1998). O terapeuta habilidoso encontrará brinquedos ou atividades que requeiram ajuda, como brinquedos de montar (que o terapeuta pode ajudar a encaixar as peças enquanto faz comentários positivos sobre a atividade) ou brincadeiras como a de cavalgar sobre uma grande bola de borracha, o que requererá constantemente auxílio com o equilíbrio (além de muitas outras atividades, como estourar bolhas de sabão, brincar no balanço, pular corda etc). Dessa forma, e progressivamente, brincar no ambiente da intervenção (qualquer que seja ele) será tão melhor quanto maior for a participação do terapeuta (Sundberg & Partington, 1998). Sinais de que o pareamento está funcionando são evidentes quando a criança não só pára de mostrar respostas de afastamento em relação ao terapeuta como também começa a mostrar respostas de aproximação. Tal contexto revela um bom estabelecimento de pairing.
Os processos descritos anteriormente não parecem compatíveis com a programação de contingências aversivas e de fato não são. Bloquear estereotipias ou punir comportamento inadequado não são prioridade nesse momento dentro do processo da intervenção (a menos que algum desses comportamentos atente contra a segurança da criança ou do profissional). A ocorrência desses comportamentos deve ser registrada até com uma forma de aferir o tamanho do problema a ser enfrentado num momento a seguir (e próximo). Na medida em que progride o pareamento terapeuta-reforçador, é possível aprofundar a avaliação do repertório de entrada da criança (outra marca registrada de qualquer intervenção analítico-comportamental) e os níveis (pré-intervenção) de ocorrência de comportamentos inadequados e estereotipias podem então ser mais completamente conhecidos. Nesse ponto da intervenção, a pergunta geradora deve ser respondida afirmativamente. De fato, o terapeuta pode e deve prescindir de controle aversivo na sua interação com a criança. Em outras palavras, nesta parte inicial da interação, sugere-se que haja uma ênfase em contingências reforçadoras positivas na relação com a criança (Sundberg & Partington, 1998).
A intervenção, contudo, deve preparar a criança para sua integração no ambiente natural. Essa desnaturalização inicial do ambiente terapêutico (quanto ao isolamento de estimulação aversiva), tão importante para o sucesso da intervenção, constitui o desafio seguinte de, aos poucos, ensinar a criança a lidar com a estimulação aversiva.
Uma parte do que se ensina a uma criança diagnosticada com autismo sob intervenção analítico-comportamental é frequentemente o repertório verbal (Barbera,2007; Sundberg & Partington, 1998). Muitas dessas crianças, que não desenvolveram repertório verbal somente pela sua exposição às contingências naturais da interação com a família e na escola, aprendem a mobilizar as outras pessoas de forma não verbal. É comum constatar que elas manipulam as pessoas (como se fossem ferramentas), puxando-as pelo braço e conduzindo-as, de forma a produzir acesso a reforçadores (como brinquedos e atenção). Da mesma forma, essas crianças aprendem a emitir comportamento inadequado (birra, meltdown, comportamento agressivo e autolesivo) como forma de remover estimulação aversiva (ruídos incômodos, desconforto com a temperatura do ambiente, excesso de estimulação social etc). Boa parte do que se ensina para criança sobre o repertório verbal de mando (ver Peterson, 1978; Skinner, 1957/1992) pode ter a função de eliminar estimulação aversiva. A criança então aprende a lidar com estimulação aversiva, solicitando na forma de mandos apropriados a ajuda de outra pessoa. Esse, inclusive, pode ser um importante elemento na redução de comportamento inadequado (birra, comportamento agressivo), quanto uma cuidadosa análise funcional apontou que sua função é de mando.
Curiosamente, enquanto o terapeuta discute se deve ou não prescindir de controle aversivo na intervenção, a criança indiscutivelmente o usa tanto para acesso a reforçadores positivos, quanto para a remoção de estimulação aversiva. Em outras palavras, o comportamento inadequado da criança frequentemente funciona como estimulação aversiva para seus cuidadores, educadores, terapeutas. Inadvertidamente, essas formas de comportamento inadequado podem ser fortalecidas, por respostas de fuga e esquiva dos cuidadores em relação a elas (ver Fisher, Piazza, Alterson, & Kuhn, 1999; Lovaas et al., 2003; Sundberg & Partington, 1998).
As situações acima descritas deixam claro que, independentemente da discussão central levantada pela questão geradora, não se pode prescindir de conhecer sobre controle aversivo ao se propor intervenção comportamental ao autismo. Pais, educadores e outras pessoas não especializadas que lidam com a criança podem ter que aprender, com o analista do comportamento, como a criança manipula estimulação aversiva na sua interação com todos aqueles que mantêm controle sobre os eventos (reforçadores e aversivos) relevantes para ela.
Está claro, portanto, que não se pode escapar de dois aspectos da questão aqui tratada: preparar cuidadores para lidar com a estimulação aversiva provida pela criança e preparar a criança para lidar de forma adequada com estimulação aversiva inerente ao ambiente natural. Outra questão distinta, e mais central para os fins do presente texto, é a introdução/programação de contingências aversivas para controle do comportamento da criança como estratégia de intervenção. Alguns dos procedimentos que contem contingências aversivas, e são comumente aplicados na intervenção analítico- comportamental ao autismo, serão mencionados a seguir.
É fato comum na intervenção analítico-comportamental ao autismo que devemos utilizar de extinção para diminuir a ocorrência de comportamentos problemas mantidos por reforço positivo social (Vollmer & Athens, 2011). Por extinção, entende-se a suspensão de reforçamento previamente apresentado, de forma que independentemente da emissão ou não de um comportamento-alvo, não ocorre a apresentação do reforçador (Catania, 1998/1999; Harris & Ersner- Hershfiled, 1978). Outro procedimento específico utilizado para reduzir a frequência de comportamentos inadequados é o uso de time- out. Segundo Brantner e Doherty (1983) time-out refere-se à suspensão de qualquer contingência de reforçamento, por um período de tempo determinado, contingentemente a um comportamento-alvo e de forma sinalizada. De acordo com Harris e Ersner-Hershfield (1978), a remoção do estímulo reforçador é claramente marcada por eventos, como: a troca de ambiente, a saída do terapeuta, ou o terapeuta vira a face em direção oposta à da criança.
Outros procedimentos, como o bloqueio de resposta e restrição física, são considerados na literatura como variações do uso de punição (ver Cooper, Heron, & Heward, 2007; Lerman & Toole, 2011). O uso de bloqueio de resposta ocorre quando um breve contato físico é feito para prevenir a ocorrência de um comportamento inadequado que possa ser perigoso para o indivíduo ou para as pessoas a sua volta (Cooper, Heron, & Heward, 2007; Lerman & Toole, 2011). A restrição física é observada quando há o uso de contato físico para restringir ou limitar o movimento do indivíduo, não somente em termos preventivos (Lerman & Toole, 2011). De acordo com Lerman e Toole (2011), é um procedimento que tem se mostrado efetivo na redução de comportamentos autolesivos.
O uso de overcorrection também é comumente identificado na literatura como uma variação procedimental da contingência de punição (Lerman & Toole, 2011). A aplicação de overcorrection ocorre quando é necessário que o indivíduo, de alguma forma, se engaje em uma resposta, que normalmente exige esforço, como consequência contingente ao comportamento inadequado (Cooper, Heron, & Heward, 2007; Foxx & Bechtel, 1983; Lerman & Toole, 2011). Normalmente o uso de overcorrection consiste em dois componentes procedimentais que podem ser aplicados individualmente ou em conjunto: overcorrection restitutional e positive practice overcorrection. Um exemplo referente ao primeiro componente pode ser dado, considerando uma criança que, durante uma birra, derruba brinquedos ou deixa o ambiente desorganizado. O procedimento de overcorrection restitutional consistiria no engajamento da criança, contingentemente a esta resposta, em atividade de reorganização daquele e/ou de outros ambientes. A magnitude do elemento punidor no procedimento é proporcional ao custo do repertório de reorganização. No caso do segundo componente, positive practice overcorrection, poderia ser aplicado no treino de tato: uma vez que a criança mostre insucesso na emissão de um determinado tato (dizer “cachorro” na presença de um cachorro), contingentemente à resposta errada seria requerido o engajamento da criança em 10 oportunidades de ecoar a palavra “cachorro”.
Segundo Lerman e Toole (2011), diversos estudos têm mostrado que a remoção contingente de uma quantidade específica de estímulos reforçadores pode funcionar como uma contingência de punição efetiva. Esta prática é reconhecida na literatura como custo de resposta ou pelo termo em inglês response cost (Lerman & Toole, 2011; Pazulinec, Meyerrose, & Sajwaj, 1983; Van Houten, 1983). Normalmente a aplicação deste procedimento pode ser feita por meio do uso de economia de fichas, no qual a criança que obteve fichas ao emitir comportamentos adequados, pode perdê-las contingentemente ao emitir comportamentos indesejáveis.
Autores como Cooper, Heron e Heward (2007),Lermand e Toole (2011), Van Houten e Doleys (1983) e Van Houten (1983) identificam o uso de repreensões verbais como um tipo de punição. Segundo Lerman e Toole (2011), repreensões verbais se caracterizam como afirmações ou instruções de desaprovação que funcionam como um punidor efetivo para diversos comportamentos inadequados. Van Houten e Doleys (1983) afirmam que as repreensões verbais são a forma de punição comumente utilizada por pais, professores e a comunidade em geral.
A aplicação de programação de reforço como o DRO (Differential Reinforcement of Other Responses) é comumente utilizada na área aplicada como supostamente um procedimento alternativo ao uso de punição, pois pode reduzir as taxas de um comportamento inadequado pelo fortalecimento de outras respostas (LaVigna & Donnelan, 1986; Piazza, Fisher, Bowman, & Blakeley-Smith, 1999). Considerando-o na prática, o DRO consiste no provimento de reforçamento contingente à ocorrência de qualquer outra resposta que não seja a resposta-alvo (comportamento-problema). Assim, a ocorrência da resposta-alvo suspende a programação de reforços, enquanto qualquer outra resposta é reforçada (Catania, 1998/1999; Mace, Pratt, Zangrillo, & Steege, 2011). Essa instância poderia ser muito bem nomeada de punição negativa (remoção contingente de acesso a reforçador positivo). Portanto, a partir do que foi exposto, a questão geradora poderia ser respondida negativamente: de fato, não se pode prescindir de formas de controle aversivo como as acima descritas na intervenção comportamental ao autismo.
Observam-se ainda, diversos outros momentos comuns na intervenção ao autismo que têm características de controle aversivo programado. O bloqueio mecânico de estereotipias, a contenção de comportamento agressivo, o uso de dispositivos de imobilização contra comportamentos autolesivos (para maiores informações sobre as pesquisas na área, ver Cooper, Heron, & Heward, 2007; Lerman & Toole, 2011; Smith, 2011) e mesmo dispositivos de alarme para a presença de excrementos, que são auxiliares no treino de toillet, têm o potencial de estimulação aversiva e sua eficácia, em parte, se deve a isso (ver Azrin & Foxx, 1971).
Embora, pela própria lógica da construção da Análise do Comportamento, não pareça possível adotar posição contra ou a favor antes de se analisar o comportamento, com relação ao controle aversivo isso parece ocorrer (frequentemente com posicionamento apriorístico contrário). Diferentemente de adotar uma posição unilateralmente contra ou a favor do controle aversivo na intervenção, parece produtivo analisar algumas orientações. A análise do contexto no qual estas orientações se baseiam permitirá ao analista do comportamento verificar e encontrar qual a melhor estratégia analítico-comportamental a ser utilizada, considerando cada caso através do uso de análise funcional (ver Betz & Fisher, 2011; Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman, & Richman, 1994; Iwata, Pace, Cowdery, & Miltenberger, 1994). Dessa forma, o primeiro passo seria analisar em quais contextos os autores consideram que o uso de controle aversivo é justificável e de que forma a sua aplicação deve ser feita. Tal análise poderia ajudar os profissionais da área aplicada a decidir qual caminho escolher para oferecer o tipo de intervenção mais adequada e eficaz. Nessa perspectiva, é interessante verificar o que há sobre recomendações decorrentes de pesquisas. Na literatura analítico-comportamental, é possível identificar, de forma geral, alguns posicionamentos sobre esses aspectos:
De acordo com Griffin et al. (1988), ao falar sobre o uso de punição em uma carta publicada pelos referidos autores, afirma:
A punição é usualmente usada como vantagem pelo punidor, mas há exceções, e elas podem ser justificadas algumas vezes. Algumas crianças com autismo, por exemplo, poderão ferir-se gravemente ou se envolver em outros comportamentos excessivos, a menos que sejam dopadas ou tenham o seu comportamento restringido, e quando outros tratamentos são praticamente impossíveis. Se estímulos aversivos breves e inofensivos forem apresentados contingentemente à resposta auto lesiva ou a outro comportamento excessivo, suprimindo assim o comportamento e deixando a criança livre para se desenvolver de outras maneiras, eu acredito que o uso de punição é justificado (p. 104).
Observa-se, portanto, conforme apontado por Martins, Carvalho Neto e Mayer (2013) a aplicação de controle aversivo é justificável para Skinner em situações em que não haja alternativa disponível, desde que a estimulação aversiva seja feita de forma moderada, mínima e contingente ao comportamento alvo. Embora a posição de Skinner não precise ser tomada como palavra final para todas as questões na Análise do Comportamento, ela tem sido a posição a que se recorre frequentemente quando se trata de controle aversivo e aplicação (Jacovozzi, 2009).
Mazzo e Gongora (2007) consideram que os aspectos como a controlabilidade e a previsibilidade da estimulação aversiva devem estar presentes. De acordo com as autoras, é necessário que a apresentação de tal estimulação seja sinalizada (previsibilidade), do mesmo modo, que haja chances de o indivíduo apresentar comportamentos que a combatam (controlabilidade). O reforçamento de resposta alternativa que produza os mesmos mantenedores da resposta-alvo é, portanto, importante (ver também Horner, 2002; Vollmer, 2002). É ressaltado por Mazzo e Gongora (2007) que esses parâmetros são gerais e podem variar para cada indivíduo conforme a história de aprendizagem de cada um. Mulick (1990) acrescenta a necessidade de controle do comportamento do aplicador através da sua submissão aos procedimentos de aprovação e fiscalização éticas. Tal aspecto deve ser implementado em qualquer tipo de procedimento aplicado que contenha ou não contingências aversivas.
Para Iwata (1988),
contingências aversivas são usadas quando há falha ao estabelecer um reforçador positivo, quando há falha ao entregar tal reforçador de forma efetiva, quando há falha em encontrar uma resposta adequada para deslocar a resposta-alvo, quando há falha ao examinar as condições do estímulo que contribuem para o comportamento-problema e quando há falha em produzir fontes necessárias para manter um programa de sucesso (p. 152).
Vollmer (2002) considera que o uso de punição pode ser feito para tratar comportamentos perigosos que, ao diminuirem de frequência, podem facilitar que novas repostas alternativas mais adequadas ocorram, possibilitando assim que o indivíduo entre em contato com contingências de reforçamento.
De forma geral, essas orientações apontam que controle aversivo na intervenção comportamental: (a) deve ser utilizado apenas quando alternativa efetiva de intervenção não esteja disponível; (b) deve ser feito de forma moderada, mínima e contingente à resposta alvo; (c) aspectos como a controlabilidade e a previsibilidade devem estar presentes; (d) deve-se submeter às condições de aprovação (e estimular sua sofisticação desses mecanismos de controle) para o uso de controle aversivo e ao controle por pares quanto ao uso dentro de padrões considerados éticos; e (e) a aplicação deve ser em conjunto com o uso de reforçamento positivo, possibilitando que respostas alternativas e mais adequadas ocorram.
Tendo em vista o que foi exposto, o uso de controle aversivo é, e pode continuar sendo, uma ferramenta útil na intervenção comportamental ao autismo, em particular, mas não exclusivamente, na supressão de comportamentos severos inadequados sendo, muitas vezes, um componente essencial no tratamento (Lerman & Vorndran, 2002). Abdicar de tal tecnologia poderia suprimir ao indivíduo o acesso a formas efetivas de tratamento disponível (Iwata, 1988; Mulick, 1990; Van Houten et al., 1988). Segundo Van Houten et al. (1988), é obrigação do analista do comportamento disponiblizar o tratamento mais eficaz que a disciplina pode oferecer, mesmo que isso possa significar o uso de uma estimulação rápida ao agir, mas temporariamente restritiva. Mulick (1990) complementa tal posicionamento ao afirmar que independente do tipo de estimulação envolvida, seja ela aversiva ou não, cabe ao analista do comportamento apresentar o procedimento comportamental mais efetivo no sentido de ajudar a promover: a motivação individual em conseguir um maior autocontrole, uma maior participação nas atividades de vida e favorecer o mais pleno potencial humano. Para Van Houten et al. (1988), assim como é inaceitável expor o indivíduo a tratamentos considerados fora dos padrões éticos, da mesma forma é reprovável expor os indivíduos a intervenções não restritivas mas que prolonguem o tratamento, com o indíviduo continuadamente se engajando em comportamento prejudicial.
Segundo Murphy (1993), sem o tratamento mais adequado e eficaz para o comportamento indesejável, muitos clientes podem definhar por anos nas instituições em que estão internados, por exemplo, sem acesso a uma qualidade de vida, muitas vezes sujeitos a restrição física durante a maior parte do dia ou por todo o tempo, principalmente quando tal comportamento indesejável pode trazer danos tanto para si mesmo quanto para terceiros.
Uma decisão sobre usar ou não controle aversivo não deve ser uma decisão ideológica, mas técnico-científica (Iwata, 1988; Mulick, 1990; Van Houten et al. 1988). Para Van Houten et al. (1988),
a seleção de uma técnica de tratamento específica não deve ser feita a partir de convicções pessoais (...) Em resumo, as decisões relacionadas a seleção do tratamento devem ser baseadas na informação obtida durante a avaliação do comportamento em questão, no risco que ele pode causar, e nas variáveis que o controlam; em uma consideração cuidadosa das opções de tratamento disponíveis, incluindo a efetividade relativa, riscos, restrições e os potenciais efeitos colaterais e o exame de todo o contexto no qual o tratamento será aplicado (p. 384).
Esperamos ter contribuído para, ao menos, trazer à tona essa discussão no nível científico e mediante intervenções com acompanhamento de eficácia baseado em evidências científicas. De fato, uma análise técnica, com ponderação equilibrada sobre efeitos desejáveis e indesejáveis do uso de controle aversivo em formas de intervenção comportamental não apenas ao autismo, certamente contribuiria para redução da controvérsia. Pouca ênfase de pesquisa tem sido dada para possíveis subprodutos desejáveis (Mazzo & Gongora, 2007). Se dúvidas sobre o uso ou não de controle aversivo ainda permeiam a atuação do analista do comportamento, cabe a pesquisa básica e aplicada sobre o assunto.