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Falsas Memórias na Perspectiva da Análise do Comportamento: Uma análise da literatura
False memories in a Behavior Analysis’ Perspective: A literature analysis
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 25, núm. 3, pp. 379-393, 2017
Universidad Veracruzana



Recepção: 11 Janeiro 2017

Aprovação: 10 Abril 2017

Resumo: A Análise do Comportamento propõe uma perspectiva operante dos fenômenos mnemônicos. Segundo esta visão, o lembrar é um comportamento que ocorre na interação do homem com o seu ambiente e, portanto, pode ser descrito e estudado em termos de relações de controle de estímulos. É observado, porém, que pessoas podem ter lembranças discrepantes da experiência vivida. Tal fenômeno foi denominado como falsas memórias. Por meio de diferentes modelos de pesquisas, psicólogos cognitivistas produziram um corpo de dados robusto que permite afirmar que o referido fenômeno é determinado, pelo menos em parte, por relações semânticas entre estímulos. Considerando estes achados, analistas do comportamento, recentemente, têm começado a produzir os primeiros análogos comportamentais de falsas memórias. A principal diferença da proposta de pesquisa comportamental é o emprego do paradigma da equivalência de estímulos como recurso para o estabelecimento e manipulação de relações semânticas. Os resultados das primeiras pesquisas comportamentais apontam para a viabilidade e adequação do uso do paradigma de equivalência de estímulos como um recurso teórico e metodológico para os estudo de falsas memórias. Disto decorrem novas possibilidades de manipulações experimentais que podem originar uma promissora linha de pesquisa.

Palavras-chave: falsas memórias, equivalência de estímulos, lembrar, análise do comportamento.

Abstract: The Behavior Analysis proposes an operant perspective of the mnemonic phenomena. According to this view, remembering is a behavior that occurs in the interaction of man with his environment and therefore can be described and studied in terms of stimulus control relations. It is noted, however, that people may remember things different of the lived experience. Such a phenomenon has been termed as false memories. Through different research models, cognitive psychologists have produced a robust data body that allows affirming that this phenomenon is determined, at least in part, by semantic relations between stimuli. The two main paradigms used in those researches are the DRM Paradigm and the Misinformation Paradigm. In the first a participant sees a list of words semantically related and later has to remember these words. Results consistently indicate participants remember words from the list and others that are also semantically related to those but were not presented in the list. In the second paradigm, a participant sees or read about an event and later answers questions about this event. In a question, a false implicit information is inserted. When asked to recall the previously observed event, participants usually report memories that contain elements that were not present in the original situation, but which have similar meanings to the implicit information provided by the experimenter. Considering these findings, behavioral analysts have, recently, begun to produce the first behavioral analogs of false memories. The main difference of the proposal of behavioral research is the use of the stimulus equivalence paradigm in addition to those traditionally used in cognitive psychology investigations, as a resource for the establishment and manipulation of semantic relations. The stimulus equivalence paradigm has been used with the DRM Paradigm in three investigations. In all of them the memory list is composed of stimuli from the same equivalence classes. Participants remember stimuli from the list and other stimuli from the same equivalence class as the ones in the list. One investigation was conducted using the misinformation and the stimulus equivalence paradigm. Participants first learned patterns of stimuli compound of geometric shapes. Later participants learned equivalence classes in which one of the stimuli were a shape from the pattern and the others were different shapes and a letter. When, in a recognition test, participants saw the original patterns; patterns compound of stimuli from the same equivalence classes; and patterns compound of new stimuli, they consistently recognize the originals and the ones formed of stimuli form equivalence classes as the original patterns. The results of the first behavioral researches point to the feasibility and adequacy of the use of the stimulus equivalence paradigm as a theoretical and methodological resource for the study of false memories. This gives rise to new possibilities of experimental manipulations that can originate a promising line of research

Keywords: false memories, stimulus equivalence, remembering, behavior analysis.

Uma pessoa está contando a história de sua festa de aniversário de nove anos, em que algo inusitado aconteceu. Sua priminha caiu na piscina enquanto carregava o bolo da festa nas mãos. Todos já estão rindo quando sua tia lembra “mas sua prima não tinha nascido ainda nessa época”. Como a pessoa poderia ter tão claramente esta lembrança que agora mostrou-se impossível de ser verdadeira? Este exemplo ilustra um curioso fenômeno conhecido como falsa memória, em que um indivíduo lembra-se de algo que nunca correu ou que não ocorreu exatamente da forma que se recorda (Roediger & McDermott, 1995).

Em maior ou menor grau, lembranças não acuradas fazem parte do dia a dia das pessoas. Errar o dia da consulta ao dentista, confundir quem forneceu uma certa informação ou errar a cor do vestido que sua irmã usou no seu casamento são distorções no lembrar que não necessariamente trazem grandes problemas. Por outro lado, errar o reconhecimento de um criminoso, ou lembrar-se de ter sofrido um abuso sexual que nunca aconteceu são distorções que afetam significativamente a vida das pessoas envolvidas (ver Stein (2010) para discussão de implicações em diversas áreas).

A compreensão sobre esse fenômeno e as variáveis que contribuem para que ele ocorra são de grande importância. Ainda assim, na Análise do Comportamento são poucas e recentes as pesquisas acerca deste tema. O presente artigo pretende apresentar e sintetizar os resultados das pesquisas analítico-comportamentais sobre falsa memória e, com isso, mostrar como este fenômeno começa a ser entendido dentro dessa abordagem. Para tanto, serão apresentados brevemente alguns conceitos relevantes para a compreensão da visão analítico-comportamental do lembrar. Em seguida serão relatados os estudos clássicos sobre falsa memória em uma perspectiva cognitivista e como esses estudos inspiraram as investigações em Análise do Comportamento. Por último, serão apresentados os resultados das pesquisas comportamentais e como elas estão contribuindo para a compreensão do fenômeno das falsas memórias. As pesquisas comportamentais relatadas foram apresentadas em artigos selecionado no banco de dados PsycInfo (dois artigos) e nas referências encontradas nesses artigos (um artigo). Além disso, uma única tese foi encontrada no Google acadêmico. Foram usadas as palavras chave “falsas memórias”, truncada com “análise do comportamento” (em inglês e em português).

Lembrar na perspectiva da Análise do Comportamento

A memória é um tópico pouco discutido por analistas do comportamento. Isso se deve, em parte, à conotação internalista desse substantivo, que remete ao lugar em que os dados do mundo seriam armazenados. Distante disso, em seus escritos, Skinner, por vezes, preferia adotar o verbo (ação) “lembrar” ao referir-se a esse tema. Neste sentido, o autor propôs que“[Lembrar] significa nos comportar como, numa situação anterior, nos comportamos na presença de um determinado estímulo” (Skinner, 1974/2003, p.97). Ao fazer essa afirmação, Skinner deixa claro o entendimento analítico-comportamental de que lembrar é comportamento. Sendo comportamento, ocorre na interação do organismo com o ambiente e é produto de seleção, assim como todos os outros comportamentos operantes (Skinner, 1981).

A tríplice contingência esquematiza a interação organismo/ambiente que ocorre no comportamento operante. A resposta de um organismo sempre ocorrerá diante de certos estímulos (classe de estímulos antecedentes) e, provavelmente, provocará mudanças no ambiente (consequências). As consequências deverão afetar a probabilidade de que no futuro, diante de estímulos antecedentes similares, respostas similares voltem a ocorrer. Nesse sentido, a relação entre o estímulo antecedente e a reposta é selecionada pelas consequências (Skinner, 1981; 1953/1998).

Observa-se que esta forma de interação do organismo com o ambiente faz com que certas respostas ocorram com maior ou menor frequência na presença de certos estímulos e não de outros. Uma vez que nem os estímulos nem as respostas serão sempre idênticos, diz-se que um determinado conjunto ou classe de estímulos antecedentes passa alterar a probabilidade de um conjunto ou classe respostas, ou seja, passa a controlar classes de respostas. Com isso, a possibilidade de se estabelecer relações entre estímulos e entre respostas permite também que se estabeleça o controle de certos estímulos sobre certas respostas no futuro. Dentro da proposta da Análise do Comportamento, compreender o lembrar envolve compreender as variáveis que afetam a estabilidade desse controle de estímulos (Aggio, Varella, Silveira, Rico, & de Rose, 2014; Arantes, Melo, & Domeniconi, 2012).

Para compreender o que influenciará a estabilidade do controle de estímulos, é primordial entender o próprio estabelecimento das classes de estímulos. Sabe-se que classes de estímulos podem ser compostas tanto por estímulos que possuem semelhança física, quanto entre aqueles que não as possuem (de Rose, 1993). Estímulos que apresentam propriedades físicas semelhantes poderão controlar respostas de uma mesma classe, por exemplo, dizer “carro” diante de modelos sedan, conversível, esportivo. Uma criança que aprende a dizer carro diante do carro sedan da família, também o fará em um outro momento, diante do carro esportivo do tio. Nesse sentido, pode-se dizer que a criança lembrou o nome daquele meio de transporte.

Há ainda os casos em que classes de respostas são controladas por classes de estímulos sem similaridade física. Por exemplo, quando se está diante de um armário com uma saia de lã, um shorts jeans e uma camiseta de seda. Esses estímulos não compartilham semelhança física, mas controlam respostas de uma mesma classe de resposta: vestir-se. Se um novo estímulo for adicionado, como por exemplo um casaco de pele, será preciso ensinar que essa também é uma peça de vestuário e que pode ser vestida. Com isso, todos esses estímulos, sem semelhança, controlam respostas de uma mesma classe, caracterizando uma classe de estímulos funcionalmente equivalentes como definido por de Rose (1993). Além disso, quando um dos estímulos dessa classe deixar de evocar uma dada resposta, provavelmente, todos os outros também deixarão. Por exemplo, se um adulto pega um shorts em uma loja, mas ao experimentar percebe que esta peça é do setor infantil, esse estímulo não mais evocará a resposta de vestir, assim como qualquer outra peça desse setor. Quando não pegar mais qualquer peça do referido setor, pode-se dizer que o cliente lembra-se de que naquele setor não há roupas que lhe sirvam.

Existem ainda respostas que são controladas por diferentes estímulos que não possuem semelhança física e cuja relação entre o estímulo antecedente e a resposta nunca foi ensinada (diferente do exemplo do casaco). Por exemplo, alguém está aprendendo uma nova língua. Essa pessoa, falante nativa de português, aprendeu a dizer “livro” (resposta falada) na presença do estímulo auditivo “livro” (palavra ouvida) ou na presença de um livro. Com isso ela aprendeu a relação nome-palavra ouvida e nome-objeto. Quando aprende a dizer “book”, na presença do livro, essa pessoa pode passar a dizer “book” diante da palavra ouvida “livro”, sem que precise de um treino adicional. Nesse caso a palavra “book” passou a fazer parte da classe de equivalência2 formada pelos estímulos “livro” (palavra ouvida) e do livro em si. Por isso a resposta falada “book” ocorrerá diante de qualquer uma desses estímulos. Assim, diz-se que essa pessoa se lembrará da palavra em inglês “book” quando ouvir a palavra “livro” em português. Deste modo, compreender o lembrar, dentro de uma perspectiva analítico comportamental, envolve em grande parte o estudo e o entendimento sobre controle de estímulos3. Do mesmo modo, a compreensão sobre o lembrar e o esquecer envolve a compreensão acerca das variáveis que influenciam a probabilidade de estímulos de uma dada classe evocarem ou não respostas de uma dada classe.

Este artigo porém, não pretende tratar de lembrança ou esquecimento, mas sim de lembrar-se de algo que nunca ocorreu. Em outras palavras, como um estímulo de uma certa classe poderia controlar respostas de dada classe sem que essa relação S-R tenha sido reforçada.

Só recentemente pesquisas sustentadas por uma perspectiva analítico-comportamental acerca deste fenômeno começaram a ser publicadas. O estudo, na psicologia, das chamadas falsas memórias, porém, já foi alvo de inúmeras investigações. Tendo em vista o grande corpo de dados gerados por pesquisas experimentais baseadas em perspectivas cognitivistas (e.g. Anastasi, Rhodes, Marquez, & Velino, 2005;Deese,1959; Fazio & Marsh, 2010; Huang & Janczura, 2013; Loftus, 1975, 1977; Neufeld, Brust, & Stein, 2008; Roediger & McDermott, 1995; Stein & Pergher, 2001), parece bastante relevante revisitar alguns desses resultados, antes de passar à interpretação comportamental aqui proposta, visto que essas pesquisas revelaram variáveis importantes para a compreensão do fenômeno, que inspiraram a maneira pela qual as pesquisas comportamentais se iniciaram.

Paradigmas Cognitivistas no Estudo das Falsas Memórias

Como já mencionado, a linha de investigação empírica sobre falsas memórias foi inaugurada por pesquisadores de base cognitivista. O estudo de Bartlett (1932) é conhecido como uma das primeiras investigações experimentais sobre distorções no lembrar. Nesta pesquisa, foram identificados indícios de que a experiência prévia dos sujeitos pode afetar o que esses recordam sobre um evento. O tema falsas memórias foi explorado por outros pesquisadores dentre os quais destaca-se o trabalho de Loftus e colaboradores, (1974, 1975) que produziram dados robustos sobre os determinantes do fenômeno em questão. O método usado nestas pesquisas inspirou o desenvolvimento de um paradigma para estudo de falsas memórias, denominado Paradigma da Falsa Informação, que consiste em expor os sujeitos a uma nova informação, implícita, que pode afetar o que esses recordarão de um evento anteriormente vivido.

Loftus e Palmer (1974) conduziram uma série de experimentos em que verificaram como a lembrança de um evento era alterada pela maneira como se perguntava a respeito do evento. Inicialmente, os pesquisadores solicitaram que os participantes assistissem a filmes de acidentes automobilísticos e, posteriormente, respondessem uma série de perguntas sobre os fatos observados nos mesmos. Entre os referidos questionamentos existiu uma pergunta crítica, que correspondeu a: “About how fast were the cars going when they ______ into each other?4” Os voluntários foram divididos em grupos, que receberam esse mesmo questionamento, porém, com diferentes expressões para se referir ao choque dos veículos como: smashed, collided, hit5. Os pesquisadores observaram que aqueles que receberam o questionamento com expressões com conotação semântica de maior intensidade, como: “smashed” e “collided” deram estimativas de velocidade mais altas do que aqueles que foram questionados com o uso de expressões que indicam menor gravidade ou intensidade como “hit”.

Em uma segunda versão desse experimento, os participantes assistiram aos filmes e também passaram por uma entrevista posterior, na qual constava a pergunta crítica sobre a velocidade dos veículos. Além disso, uma semana após esta fase, os mesmos foram convidados a retornar ao laboratório e a responder a novas perguntas sobre os filmes. Nesta ocasião, a pergunta crítica questionava sobre a existência de vidros quebrados nas cenas. Os pesquisadores observaram que o grupo de participantes que na semana anterior foi questionado sobre a velocidade dos veículos com o uso de uma expressão com conotação de maior gravidade ou intensidade relataram, com maior frequência, terem visto vidros quebrados nas imagens de acidentes automobilísticos, embora tal elemento não estivesse presente em nenhum dos filmes apresentados. Estes dados, replicados em estudos posteriores (Loftus, 1975,1977), apontam que aspectos semânticos da linguagem são variáveis importantes para a ocorrência de falsas memórias.

Outro modelo de pesquisa amplamente empregado em investigações sobre falsas memórias é conhecido como Paradigma DRM. O paradigma DRM foi proposto por Roediger e McDermott (1995) a partir do estudo desenvolvido por Deesse (1959) sobre a recordação de itens de listas de palavras. Deesse (1959) observou que havia uma maior probabilidade dos participantes recordarem de uma palavra que não estava presente em uma lista originalmente apresentada, se essa fosse associada semanticamente às palavras da lista, segundo os padrões de uso da língua.

Nesta perspectiva, as pesquisas realizadas a partir do paradigma DRM são comummente divididas em duas fases: fase de estudo e fase de teste. Na fase de estudo, é solicitado que os participantes estudem ou tentem memorizar listas de palavras (ou outros tipos de estímulos) semanticamente relacionadas entre si, e com uma palavra de mesma base semântica (palavra crítica) que não é apresentada na lista da fase de estudo. Por exemplo, em uma lista formada pelas palavras cama, noite e cansaço, a palavra sono poderia ser a palavra crítica. Posteriormente à fase de estudo, é realizada a fase de teste, em que os participantes passam por testes de reconhecimento ou recordação livre6. Os resultados da pesquisa de Roediger e McDermott (1995) e de estudos posteriores (e.g., Gallo & Roediger, 2002; Neuschatz, Benoit, & Payne, 2003; Stein & Pergher, 2001; Watson, McDermott, & Balota, 2004) indicam que na fase de teste, os participantes costumam recordar-se da palavra crítica, embora, essa não estivesse presente na lista apresentada na fase de estudo.

Esses estudos iniciais impulsionaram diversas pesquisas que têm apresentado fortes evidências de que a lembrança de um evento pode ser afetada por outros estímulos ou eventos que apresentam relações de conteúdo ou de significado como evento original, de forma a ocasionar recordações não correspondentes aos fatos originalmente vividos, ou seja, falsas memórias. O referido fenômeno vem sendo largamente explorado por pesquisas de abordagem cognitivista que, além de relações semânticas, têm se dedicado a investigar efeitos de diversas variáveis como emoções e contexto (e.g., Huang & Janczura, 2013).

Um Modelo Comportamental para o Estudo das Relações de Significado

Diante do exposto até este ponto, pode-se concluir que relações semânticas entre estímulos são variáveis críticas para ocorrência de falsas memórias. Deste modo, uma abordagem analítico-comportamental deste fenômeno deveria basear-se em um modelo de interação entre organismo e ambiente que levasse à compreensão de processos de atribuição de significado. de Rose e Bortoloti (2007) argumentam que o paradigma da equivalência de estímulos, ao apresentar critérios operacionais para verificação de relações simbólicas, fornece embasamento teórico e metodológico para a compreensão e manipulação experimental de processos simbólicos, pertinentes às relações semânticas.

Classes de estímulos equivalentes são estabelecidas a partir de relações arbitrárias entre estímulos, que após uma história específica de emparelhamento se tornam substituíveis entre si, em determinadas condições, ao mesmo tempo em que mantêm suas características individuais (Sidman, 1994). Sidman e Tailby (1982) propuseram que o caráter simbólico de relações entre estímulos pode ser aferido por meio da verificação de propriedades de reflexividade, simetria e transitividade, análogas as observadas na teoria dos conjuntos. Em um experimento típico, a partir do ensino de no mínimo duas relações de linha de base do tipo “se...então...” como: escolher B diante de A (A-B) e escolher C diante de B (B-C), emergem relações arbitrárias que indicam a preservação da relação de reflexividade (A-A); a simetria, que ocorre quando a reversão no posicionamento dos estímulos não altera a resposta (B-A/C-B); a transitividade e a transitividade simétrica que correspondem ao surgimento de relações entre estímulos que anteriormente não foram pareados (A-C/C-A).

Desde a proposição do paradigma de equivalência de estímulos até os dias atuais, muitas pesquisas replicaram e forneceram novos indícios sobre os achados de Sidman e Tailby (1982) e a sua validade como recurso teórico e metodológico para a compreensão de processos simbólicos da linguagem (e.g., de Rose, de Souza, & Hanna, 1996; de Rose, McIlvane, Dube, Galpin, & Stoddard, 1988; Hübner, Gomes, & McIlvane, 2009;Matos, Avanzi, & McIlvane, 2006). A partir do sucesso das pesquisas com este objetivo, estudos mais recentes dedicaram-se a produzir resultados que ampliassem a generalidade externa do paradigma da equivalência de estímulos e, com isso, dessem força à sua utilização como um modelo de relações de significado.

Por exemplo, Barnes-Holmes et al. (2005) demostraram efeito de priming semântico em uma tarefa de decisão lexical entre pares de estímulos de uma mesma classe de equivalência, comparado a estímulos de classes distintas. Os estudos de priming semântico costumam ser estruturados com a apresentação de pares de estímulos com e sem relacionamento semântico, como “bolo e torta” e “bolo e caneta”. Inicialmente é apresentado um estímulo do par e após em determinado tempo, o segundo estímulo é apresentado, também individualmente. É solicitado aos participantes que emitam uma resposta específica (que pode variar a depender da tarefa) após a visualização do segundo estímulo. Os resultados destes estudos demostram que os participantes apresentam tempos de reação menores quando os estímulos são relacionados semanticamente como “bolo e torta” do que quando não são relacionados, a exemplo de “ bolo e caneta”, o que é conhecido como efeito de priming semântico.

No estudo de Barnes-Holmes et al. (2005), os participantes realizaram uma tarefa de decisão léxica, isto é, uma tarefa em que os participantes deveriam dizer se o segundo estímulo do par era ou não uma palavra. O estímulo alvo era sempre antecedido de um estímulo que fazia ou não parte da mesma classe de equivalência - aprendida durante o experimento- do estímulo alvo. Os resultados demostraram que, de forma análoga ao que acontece com pares de palavras semanticamente relacionadas, os participantes tiveram um menor tempo de reação diante do par de estímulos que faziam parte da mesma classe de equivalência.

A generalidade externa do paradigma da equivalência de estímulos também têm sido ampliada por meio de experimentos que investigaram correlatos eletrofisiológicos de relações de equivalência (Barnes-Holmes et al., 2005; Bortoloti, Pimentel, & de Rose., 2014; Haimson, Wilkinson, Rosenquist, Ouimet, & McIlvane, 2009; Tabullo, Yorio, Zanutto, & Wainselboim, 2015). Novamente baseados em achados envolvendo palavras com relação semântica, estes estudos procuraram investigar alterações eletrofisiológicas, observadas por meio de eletrôdos posicionados no escalpo do participante, durante a realização de diversas tarefas envolvendo estímulos de classes de equivalência aprendidas nos experimentos. Mais especificamente, os experimentos estavam interessados em observar a onda N400, que apresenta um padrão de deflexão negativa cerca de 400 milissegundos após a apresentação de pares de estímulos sem relação semântica (Kutas & Federmeier, 2011).

Tipicamente os experimentos envolvem uma fase de formação de classes de equivalência, seguida de uma fase em que as medidas eletrofisiológicas são coletadas. Nessa segunda fase, Barnes-Holmes et al. (2005) utilizaram tarefas de decisões léxicas, enquanto Bortoloti et al. (2014), Haimson et al. (2009) e Tabullo et al. (2015) utilizaram tarefas de categorização semântica em que os participantes deveriam indicar, após a apresentação de pares de estímulos, se o segundo estímulo apresentava alguma relação com o primeiro. Nestas pesquisas, o padrão de deflexão negativa da onda N400 foi consistentemente observado diante de pares de estímulos de classes de equivalência diferentes e não observado diante de pares de estímulo da mesma classe de equivalência.

O trabalho Bortoloti e de Rose (2009) aborda outro importante aspecto para o reconhecimento do paradigma de equivalência enquanto modelo experimental de relações semânticas. Os autores desenvolveram dois experimentos com o fim de verificar a ocorrência de transferência de significado ou transferência de função emocional entre estímulos de uma classe de equivalência. Em um dos estudos realizados, os pesquisadores estabeleceram três classes de estímulos equivalentes. Cada classe era formada por uma expressão facial de emoção (alegre, neutra ou raivosa) e por figuras abstratas. Após a realização do procedimento para a formação das classes de estímulos equivalentes, os participantes do grupo experimental avaliaram figuras abstratas das três classes por meio do instrumento de Diferencial Semântico (DS), envolvendo 13 escalas em cujas extremidades estavam situados adjetivos opostos (e.g., agradável/ desagradável). Cada escala era um contínuo variando de um extremo positivo a um negativo, passando por um ponto de neutralidade. As figuras abstratas e as expressões faciais também foram avaliadas por meio do referido instrumento, por um grupo controle. Os pesquisadores observaram que as avaliações das figuras abstratas, feitas pelo grupo experimental, foram semelhantes às avaliações das expressões faciais pelo grupo controle, tendendo para positividade, neutralidade ou negatividade de acordo com a valência das expressões emocionais que faziam parte de suas respectivas classes de equivalência. Tais dados demostram a ocorrência de transferência de função emocional ou significado por meio do estabelecimento relações de equivalência.

Os estudos aqui citados oferecem fortes evidências que sustentam a proposição do paradigma da equivalência de estímulos como recurso para a compreensão e manipulação experimental de relações semânticas. De acordo com a proposta de de Rose e Bortoloti (2007), a verificação de padrões semelhantes de desempenho de participantes em tarefas que envolvam estímulos que apresentam relações semânticas, tais como palavras e estímulos de uma mesma classe de equivalência (estabelecida em ambiente experimental) são importantes para o argumento de que o paradigma da equivalência de estímulos pode ser útil para a compreensão e investigação sobre comportamento simbólico e, com isso, para o entendimento sobre uma abordagem analítico comportamental de relações semânticas. O paradigma de equivalência de estímulos permite estabelecer relações semânticas em laboratório, de modo que estímulos inicialmente desprovidos de significado podem tornar-se semanticamente relacionados, quando se tornam equivalentes entre si, ou seja, um estímulo sem significado que se torna equivalente a um estímulo significativo pode adquirir o significado dele.

Investigações Experimentais sobre o Fenômeno das Falsas Memórias em uma Perspectiva Analítico-Comportamental

Na primeira seção deste artigo, foi colocado que processos de controle de estímulos são determinantes para a ocorrência de fenômenos mnemônicos (Aggio, et al., 2014; Arantes, et al., 2012; Skinner, 1974/ 2003). A partir disso, a compreensão acerca de distorções no lembrar na perspectiva da Análise do Comportamento também deve envolver aspectos de controle de estímulos.

Os resultados de pesquisas experimentais baseadas em paradigmas cognitivistas sobre falsas memórias, que indicaram haver uma base semântica nas distorções do lembrar, foram decisivos para que as primeiras pesquisas em Análise do Comportamento utilizassem do paradigma da equivalência de estímulos para compreender esse fenômeno. Isso porque, como salientado na quarta seção deste artigo, esse paradigma tem sido útil para os avanços nas investigações sobre comportamentos simbólicos e relações de significado. Além disso, a metodologia empregada nos experimentos analítico-comportamentais também faz uso dos paradigmas desenvolvidos nas investigações cognitivistas, a saber, o paradigma da falsa informação e o paradigma DRM.

Chalies, Hunt, Garry e Harper (2011) utilizaram o paradigma da equivalência de estímulos em associação com o paradigma da falsa informação com o objetivo de observar distorções no lembrar. 51 estudantes universitários foram divididos em um grupo experimental e um controle. Os grupos iniciaram o procedimento passando pela Fase 1, idêntica para ambos. Nesta fase, os participantes viam conjuntos de figuras geométricas coloridas em que duas figuras menores eram apresentadas dentro de uma figura maior, por exemplo, um círculo verde e um losango branco dentro de um triângulo vermelho. Estes conjuntos foram denominados de Padrões. Na Fase 1, foram apresentados três Padrões (compostos de diferentes combinações de figuras e cores), e os participantes foram instruídos a observar e “memorizar” os Padrões.

A Fase 2 foi diferente para os dois grupos. O grupo experimental passou por um procedimento de formação de classes de equivalência em que foram estabelecidas três classes com quatro estímulos. Estes estímulos, em cada uma das classes, eram uma letra, uma forma geométrica nova, uma das formas geométricas pequenas vista na Fase 1 e uma das formas geométricas grandes vista na Fase 1. Para o grupo controle, estes mesmos estímulos foram apresentados em uma tarefa de vigilância em que os participantes foram instruídos a observá-los por meio de uma tela de computador e a pressionar uma tecla sempre que os vissem em determinadas sequências, previamente indicadas pelos experimentadores (e.g., uma letra seguida de uma figura vermelha e um quadrado). Por último, todos os participantes passavam pela Fase 3 em que viam diversos Padrões e deveriam reconhecer quais deles estavam na Fase 1. Eram apresentados os três Padrões que estavam na Fase 1 (alvos), três Padrões compostos das figuras geométricas de cada uma das classes de equivalência formadas na Fase 2 (engodos) e seis novos Padrões (distratores).

Os resultados mostraram que os participantes dos dois grupos reconheceram os alvos, mas que os participantes do grupo experimental reconheceram significativamente mais os engodos dos que os do grupo controle. Ambos os grupos tinham uma história, na Fase 2, de contato com as figuras geométricas que compunham os Padrões engodos, porém apenas para o grupo em que essa história estabelecia relações de equivalência entre os estímulos dos Padrões engodos foi observado alterações na acuidade da tarefa de reconhecimento. Assim, Challies et al. (2011) afirmam que, de acordo com o observado no paradigma da falsa informação, informações fornecidas após a primeira fase do estudo influenciaram a performance dos participantes no teste de reconhecimento. Tais informações foram fornecidas por meio do procedimento de formação de classes de estímulos equivalentes, em que foram estabelecidas relações entre figuras, que posteriormente, foram falsamente reconhecidas como componentes de Padrões visto na primeira fase do estudo. Os autores argumentam que diferentes relações entre estímulos podem se dar, em diferentes contextos. Quando este contexto não é bem discriminado, classes de equivalência podem ser interpoladas. Assim, no momento da recordação, apesar do teste perguntar sobre os Padrões da Fase 1, a resposta ocorreu sob controle das relações aprendidas na Fase 2.

Guinther e Dougher (2010, 2014) utilizaram o paradigma da equivalência de estímulos em associação com o paradigma DRM. Guinther e Dougher (2010), em uma primeira fase, estabeleceram três classes de equivalência (Classe 1, Classe 2 e Classe 3), por meio de tentativas de matching-to-sample, cada uma composta por um uma figura geométrica e 24 palavras sem associação semântica prévia. Em uma segunda fase, os participantes viam uma lista (lista de estudo) composta de metade dos estímulos (palavras) da Classe 1. Em seguida realizavam uma tarefa de recordação e depois uma de reconhecimento. Os resultados indicaram que os participantes que mostraram formação das classes reconheceram e recordaram falsamente estímulos equivalentes aos que estavam presentes nas listas de estudo, em comparação aos estímulos das outras classes. O mesmo não ocorreu em relação aos participantes que não demonstraram a formação das classes de equivalência. Estes últimos apresentaram médias baixas de falso reconhecimento e recordação, sem diferença para os estímulos das três classes. Novamente estes resultados mostram que a variável crítica foi o fato de os estímulos pertencerem a uma mesma classe de equivalência. Deste modo, os resultados típicos observados com o paradigma DRM foram replicados utilizando estímulos (palavras) cujas relações semânticas foram “construídas” no experimento, via formação de classes de estímulos equivalentes, independente do tipo de teste (reconhecimento ou recordação).

Em uma tentativa de propor uma explicação para o fenômeno, Guinther e Dougher (2010) basearam-se na característica de transferência de função observada em classes de equivalência. Eles argumentaram que a instrução dada nos teste de memória atribuiu aos estímulos da lista uma função de “serem lembrados”. Um vez que estes estímulos faziam parte de uma classe de equivalência que envolvia outros estímulos, esta função foi transferida para esses outros estímulos, o que resultou em aumento da probabilidade de que esses outros estímulos também fossem recordados e reconhecidos.

Prosseguindo com esta linha de estudo, Guinther e Dougher (2014) realizaram um novo experimento em que objetivaram avaliar efeitos de controle contextual nas distorções do lembrar. O mesmo procedimento de Guinther e Dougher (2010) foi empregado para formar quatro classes de equivalência. Na formação das duas primeiras classes, tentativas de MTS ocorriam em um fundo de cor magenta. Os estímulos eram apresentados na cor branca, em itálico, com fonte Orlando e tamanho 20. Essa configuração foi denominada de Contexto 1. Em um segundo momento, duas novas classes foram formadas por meio de tentativas de MTS que aconteciam em um fundo verde, com os estímulos de cor preta, regulares, com fonte Jokewood e tamanho 18. Essa configuração foi denominada de Contexto 2. Os mesmos estímulos foram usados nos dois contextos, porém arranjados de forma que, a depender do contexto, os estímulos fariam parte de classes de equivalência diferentes. No momento do teste, assim como no experimento de 2010, metade das palavras de uma das classes de equivalência eram apresentadas. Neste estudo, porém, elas eram apresentadas na configuração do Contexto 1 para um grupo e na configuração do Contexto 2 para outro grupo. Os experimentadores queriam saber se haveria diferença nos estímulos falsamente recordados já que nos diferentes contextos, os estímulos da mesma classe seriam diferentes. Os resultados do grupo exposto ao teste no Contexto 1 mostraram significativamente maior falsa recordação dos estímulos da mesma classe que os da lista, nesse contexto. Já para os participantes que realizaram o teste no Contexto 2, ainda que o maior número de falsas recordações tenha sido dos estímulos da mesma classe naquele contexto, essa diferença não foi significativa quando comparada à recordação dos estímulos das outras classes.

Apesar dos resultados positivos observados em Challies et al. (2011) e Guinther e Douhger (2010, 2014), Aggio (2014) em seu Experimento 2 não observou diferenças no falso reconhecimento de estímulos de uma mesma classe, em comparação com estímulos de classes diferentes quando replicou o experimento de Guinter e Dougher (2010), utilizando pseudopalavras em vez de palavras existentes na língua. Neste experimento, os participantes formaram seis classes de equivalência, três delas com quatro estímulos e três com doze estímulos. Nas classes menores (Classes 1, 2 e 3) os estímulos eram uma figura geométrica e três pseudopalavras. Nas classes maiores (Classe 4, 5 e 6) os estímulos eram todos pseudopalavras. Na Fase 2, que ocorreu após uma semana do fim da Fase 1, os participantes viam três listas de estudo com nove dos doze estímulos de cada uma das classes maiores. Depois realizavam um teste de reconhecimento em que observavam uma lista com todos os estímulos apresentados na lista de estudo (alvos), as pseudopalavras das classes maiores que não foram apresentadas na lista de estudo (distratores críticos) e as três pseudopalavras que compunham as classes menores (distratores não-relacionados). Esperava-se que os participantes reconhecessem os alvos e também os distratores críticos como pertencentes às listas de estudo.

Os resultados indicaram uma baixa percentagem de reconhecimento dos distratores críticos e esse reconhecimento não diferiu do observado em relação aos distratores não relacionados. Deste modo, os achados do estudo de Guinther e Dougher (2010) não foram corroborados: a probabilidade de falsas memórias foi, de modo geral, baixa, e não foi afetada pela equivalência ou não com os estímulos da lista de estudo.

No Experimento 3 de Aggio (2014), o mesmo procedimento foi replicado, com a diferença de que um dos conjuntos estímulos das classes maiores foi constituído por fotos com expressões faciais de alegria, tristeza e neutralidade, como em Bortoloti e de Rose (2009). Os resultados mostraram que nas listas cujas pseudopalavras eram equivalentes à expressão emocional neutra, os participantes reconheceram os distratores críticos na mesma proporção dos alvos e reconheceram os distratores não relacionados em uma proporção significativamente inferior a dos demais tipos de estímulos. Quando as pseudopalavras da lista de estudo eram aquelas equivalentes à expressão de alegria, o reconhecimento dos distratores críticos foi baixo e semelhante ao dos não relacionados. Por último, quando as pseudopalavras da lista de estudo eram equivalentes à expressão de raiva, observou-se grande variabilidade no desempenho dos sujeitos, o que resultou em uma não diferença na percentagem de reconhecimento dos distratores críticos e não relacionados.

A partir dos dados do Experimento 3, Aggio (2014) hipotetizou que a natureza dos estímulos parece ser uma variável importante para a ocorrência de distorções do lembrar. Diversos estudos anteriores apontaram para a natureza dos estímulos como variável que influência o grau de relacionamento entre os estímulos de uma classe equivalência, no sentido de que a presença estímulos familiares nas classes aumentaria o grau de relacionamento entre os estímulos dessa classe (e.g., Arntzen, 2004; Fields, Arntzen, Nartey, & Eilifsen, 2012). Além disso, nos experimentos de Guinther e Douhger (2010, 2014) e Challies et al. (2011) os testes de falsa memória foram conduzidos imediatamente após a formação das classes, diferentemente do estudo de Aggio (2014), em que esses testes foram realizados uma semana depois. Deste modo, é possível que o grau de relacionamento entre os estímulos das classes formadas no Experimento 2 (onde não havia estímulos significativos) fosse menor do que entre os estímulos das classes formadas no Experimento 3. Ademais, a passagem o tempo pode ter influenciado a estabilidade destas classes (ver Aggio & Domeniconi, 2012;Silveira et al., 2016; Spradlin, Saunders, & Saunders, 1992). Experimentos futuros ainda são necessários para verificar essas hipóteses. Caso seja comprovado que variáveis que afetam a formação e estabilidade das classes de equivalência têm influência sobre o desempenho dos participantes em testes que procuram gerar distorções no lembrar, esses resultados dariam mais força à proposta de que classes de equivalência estão envolvidas nesse fenômeno.

Os resultados mostrados por Guinther e Douhger (2010, 2014), Challies et al. (2011) e Aggio (2014) apontam para a viabilidade e adequação do uso do paradigma de equivalência de estímulos como um recurso teórico e metodológico para os estudo de falsas memórias. Além disso, estas pesquisas indicam algumas varáveis, cuja manipulação pode trazer maiores informações sobre aspectos implicados na interação entre processos simbólicos e distorções no lembrar, tais como o grau de relacionamento e estabilidade das relações entre estímulos; natureza dos estímulos (estímulos significativos ou abstratos, com ou sem valência emocional) e interferências relativas a varáveis contextuais e ao intervalo de tempo entre a aprendizagem de relações simbólicas e os testes de recordação e reconhecimento. Neste sentido, destaca-se que o uso de um procedimento que permite o estabelecimento de relações simbólicas em ambiente experimental pode ser uma perspectiva de pesquisa promissora, uma vez que pode permitir manipulações experimentais que não seriam possíveis, ou seriam pouco viáveis como o uso de estímulos cujas relações de significado foram estabelecidas há longa data, na história de uma cultura e na ontogênese dos indivíduos.

O presente artigo apresentou a origem dos estudos sobre a relação entre distorções do lembrar e relações de simbólicas, que decorrem de trabalhos de psicólogos cognitivistas, e como estudos comportamentais vêm corroborando achados dessas pesquisas e propondo tecnologias complementares para a investigação do fenômeno. Acredita-se que pesquisas futuras envolvendo o paradigma da equivalência de estímulos são de grande valia, mas também é importante que outras perspectivas de investigação sejam desenvolvidas, como por exemplo, estudos que visem analisar variáveis ligadas ao comportamento verbal, uma vez que está bem estabelecido na literatura que interações verbais podem levar a distorções no lembrar (e.g. Loftus & Palmer, 1974; Loftus, 1975; Loftus, 1977). Dada a importância deste fenômeno e as implicações que pode trazer, espera-se que os pesquisadores analistas do comportamento voltem sua atenção para esta linha de pesquisa e promovam seu avanço.

Nota de rodapé

2. Uma descrição mais abrangente sobre o conceito de classes de estímulos equivalentes será realizada na quarta seção deste artigo.

3. Para uma compreensão mais abrangente do assunto, incluindo o lembrar como ver na ausência da coisa vista e como resolução de problemas sugere-se a leitura de Skinner (1969, 1974/2003), Donahoe e Palmer (1994) e Aggio et al. (2014).

4. Quão rápido estavam os carros quando eles ______ um no outro?

5. se esmagaram, colidiram, bateram

6. Testes de reconhecimento e recordação livre são testes empregados em pesquisas sobre memória. No primeiro, é solicitado que o sujeito identifique entre um grupo de estímulos, aqueles que foram anteriormente apresentados na lista de estudos. Já o teste de recordação livre consiste em solicitar que o sujeito relate todos os estímulos observados anteriormente sem apresentação dos mesmos.

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Notas

2. Uma descrição mais abrangente sobre o conceito de classes de estímulos equivalentes será realizada na quarta seção deste artigo.
3. Para uma compreensão mais abrangente do assunto, incluindo o lembrar como ver na ausência da coisa vista e como resolução de problemas sugere-se a leitura de Skinner (1969, 1974/2003), Donahoe e Palmer (1994) e Aggio et al. (2014).
4. Quão rápido estavam os carros quando eles ______ um no outro?
6. Testes de reconhecimento e recordação livre são testes empregados em pesquisas sobre memória. No primeiro, é solicitado que o sujeito identifique entre um grupo de estímulos, aqueles que foram anteriormente apresentados na lista de estudos. Já o teste de recordação livre consiste em solicitar que o sujeito relate todos os estímulos observados anteriormente sem apresentação dos mesmos.


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