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Qual o Objetivo da Análise do Comportamento Clínica?
What is the Goal of Clinical Behavior Analysis?
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 25, núm. 3, pp. 395-410, 2017
Universidad Veracruzana



Recepção: 26 Janeiro 2017

Aprovação: 31 Março 2017

Resumo: Este trabalho consiste em uma investigação teórico-reflexiva sobre o estabelecimento de objetivos para Análise do Comportamento Clínica (ACC), tendo como propósito central a discussão acerca de parâmetros normativos que elucidem sua finalidade enquanto empreendimento científico. Modelos psicoterápicos são caracterizados não apenas pelo uso que fazem de determinadas técnicas, mas, sobretudo, por seus objetivos globais, isto é, pela admissão de princípios norteadores úteis à definição de estratégias terapêuticas e ao desenvolvimento de pesquisas básicas e aplicadas. Sendo assim, duas diferentes propostas de objetivos para a ACC são discutidas aqui: a flexibilidade psicológica na ACT e o autoconhecimento na TAC. Após a descrição dos critérios distintos referentes aos dois modelos apresentados, são discutidos os objetivos globais da ACC a partir de uma perspectiva crítica ao atual contexto de pesquisa sobre eficácia/efetividade e validação de modelos psicoterápicos, tal qual observado no movimento da Prática Baseada em Evidências em Psicologia. Argumenta-se acerca da possibilidade de uma complementaridade entre os objetivos propostos pela TAC e ACT, defendendo-se, porém, que a legitimidade de tais propostas seja examinada através do diálogo entre Análise do Comportamento, Epistemologia e Ética, visto que a avaliação de tais objetivos globais ultrapassa a competência da pesquisa empírica.

Palavras-chave: Objetivos da Análise do Comportamento Clínica, Pesquisa Clínica, Terapia de Aceitação e Compromisso, Terapia Analítico Comportamental, Objetivos da Clínica.

Abstract: This paper consists in a theoretical-reflexive investigation on the establishment of goals for Clinical Behavior Analysis (CBA). The central purpose of this research is to discuss about the normative parameters that elucidate the purpose of CBA as a scientific development. Psychotherapeutic models are considered to be characterized not only by their use of certain techniques, but above all by their global objectives, that is, by the admission of guiding principles which are useful for defining therapeutic strategies and developing basic and applied research. Therefore, two different proposed goals are discussed: psychological flexibility, as proposed in Acceptance and Commitment Therapy (ACT), and self-knowledge, as proposed in Behavioral-Analytic Therapy (BAT). It is argued that such models define global objectives that determine criteria for the use of specific techniques and to what ends psychotherapeutic processes are in service of clients. Based on this debate, which clarifies the adoption of different criteria in those two models, discussion on the global objectives of CBA is presented as a critical perspective to the current context of research on effectiveness/efficacy and validation of psychotherapeutic models, as observed in the movement of Evidence-Based Practices in Psychology. For ACT, the global objective is presented as a development of psychological flexibility, that is, a superior class operant which allows an individual to discriminate his or her own private events and to react to such events in a way that enables actions committed to important ends. For TAC, the global objective is an improvement of client's self-knowledge, identified as an ability to respond discriminatively to their own behavior through a functional account of controlling variables, reaching, in that way, better conditions to effective change. The possibility of a complementarity between the objectives proposed by TAC and ACT is argued, since both psychotherapeutic models have distinct goals and there is a pragmatic need for scientific goals to be able to base both basic and applied science researches. It is argued that CBA’s objective must be described in low level terms (terms generated through basic research), given that such a conceptual category allows for operationalization of analytical units subject to submission in experimental programs and verification. However, since the evaluation of such global objectives goes beyond the competence of empirical research, it is argued that the legitimacy of such proposals should be examined through dialogues between the fields of Behavior Analysis, Epistemology and Ethics.

Keywords: Clinical Behavior Analysis Goals, Clinical Research, Acceptance and Commitment Therapy, Behavioral-Analytic Therapy, Clinical Goals.

A caracterização de um caminho como bom ou ruim, adequado ou inadequado, depende, em grande parte, de onde se quer chegar. Embora o objetivo de uma viagem não seja condição suficiente para definir qual a melhor estrada a ser percorrida, certamente é uma condição necessária para este fim. De maneira análoga, a caracterização de qual é a estratégia psicoterapêutica adequada depende, em grande parte, do objetivo da psicoterapia em questão. Diferentes concepções acerca do objetivo da psicoterapia podem validar diferentes estratégias terapêuticas.

Existem, ao menos, dois modos de compreensão e análise acerca do objetivo de uma psicoterapia. O primeiro deles (podemos chamá-lo de “objetivo local”) refere-se à reflexão sobre o propósito de um processo psicoterápico específico em adequação a um paciente/cliente específico. Marçal (2005) discutiu alguns aspectos desta problemática, levantando variáveis presentes no processo terapêutico que interferem na dificuldade do profissional em discriminar quais seriam os objetivos da terapia para um dado caso particular. Segundo Marçal (2005), embora o estabelecimento claro e distinto de objetivos clínicos seja indispensável para a motivação do cliente na promoção de mudanças, bem como para a segurança do terapeuta e para o oferecimento de melhores parâmetros para a avaliação da terapia, diversos fatores contribuem para a ocorrência de divergências e dificuldades na formulação de metas locais a partir de uma visão analítico-comportamental.

É possível afirmar que os principais obstáculos para o estabelecimento de objetivos psicoterapêuticos locais envolvem: a multideterminação do comportamento; a múltipla formação da terapia comportamental; o surgimento recente da literatura clínica behaviorista radical; a análise a partir do sujeito único; o fato de que o estabelecimento de objetivos é pouco explorado ou discutido na literatura2 (Marçal, 2005). No entanto, assim como o objetivo de um processo educacional com um estudante em particular não prescinde da clareza acerca do que pretende o empreendimento educacional de maneira geral (Ferreira, 2015), o estabelecimento dos objetivos para um caso psicoterapêutico particular também não prescinde da clareza acerca das pretensões do empreendimento psicoterápico. A este segundo nível de compreensão e análise dos objetivos de uma psicoterapia, que analisa o processo enquanto um empreendimento científico orientado a um determinado fim, chamaremos de objetivo global.

Objetivos locais são comumente descritos a partir de afirmações como a seguinte: “o foco da intervenção, portanto, deveria ser os relacionamentos de Roberta e seus enfrentamentos, e não seus problemas de sono ou o pavor noturno” (Meyer et al., 2015, p.21). Objetivos globais, de outra forma, são princípios normativos concernentes ao que se destina a psicoterapia. Reflexões desta ordem podem ser vistas, por exemplo, em Skinner (2000, p. 417) “a terapia consiste, não em levar o paciente a descobrir a solução para o seu problema, mas em mudá-lo de tal modo que seja capaz de descobri-la” e Freud (1980, p. 15-16): “nosso objetivo não é dissipar todas as peculiaridades do caráter humano em benefício de uma normalidade esquemática (...) a missão da análise é garantir as melhores condições psicológicas possíveis para as funções do ego”.

Leonardi (2016), apresentando resultados de uma revisão integrativa, indica o caráter crescente da preocupação da comunidade científica sobre os resultados em psicoterapia, principalmente a partir da Prática Baseada em Evidências em Psicologia (PBEP), e de sua relação com a verificação de eficácia da Análise do Comportamento Clínica (ACC)3. No entanto, quer seja em textos nacionais que versam sobre o tema (e.g. Leonardi, 2016; Zamignani, 2007), quer seja na literatura internacional (e.g. Jacobson & Truax, 1991) há uma questão negligenciada: o que seriam realmente resultados esperados em uma psicoterapia? Alguns textos versam diretamente sobre este tema. Por exemplo, Jacobson et al. (1999) propõem que: “significância clínica é rotineiramente definida como retorno ao funcionamento normal. Embora para alguns transtornos este possa ser um critério demasiadamente rigoroso, baseia-se no pressuposto que consumidores entram em terapia esperando que os seus problemas atuais sejam resolvidos” (p. 301)4.

Nesta perspectiva, os resultados seriam alcançados quando o cliente (consumidor) retornasse ao seu funcionamento normal resolvendo, assim, os problemas que o trouxeram para a terapia. Em pesquisas que versam sobre a eficácia da psicoterapia, o funcionamento normal ou anormal é comumente definido pelos critérios dos manuais diagnósticos (Leonardi, 2016), especialmente pelo DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (APA, 2013). No entanto, já é farta a literatura que se propõe a questionar estes critérios na orientação da ACC (e.g. Banaco et al., 2012; Cavalcante et al., 1998; Hayes et al., 1992). Um dos questionamentos fundamentais se refere ao fato que, mesmo mostrando-se eficaz, um conjunto de procedimentos clínicos pode não mostrar efetividade5, uma vez que uma parcela significativa dos clientes que procuram terapeutas analítico-comportamentais não apresenta uma correspondência clínica com critérios diagnósticos dos manuais.

Mesmo quando há um diagnóstico aceito por ambos (terapeuta e cliente), frequentemente, o objetivo da psicoterapia não parece se encerrar quando os sintomas descritos pela queixa inicial do cliente são diminuídos. Pelo contrário, estudos de caso em ACC (e.g. Dougher & Hackbert, 1994) relatam uma ênfase terapêutica em aspectos mais amplos da vida do cliente (e.g. compromisso com valores; relações de intimidade; autoconhecimento) mesmo quando os sintomas iniciais já não são mais uma queixa presente. Neste sentido, considerando que o objetivo da ACC diz respeito aos resultados clínicos esperados e que tais resultados são comumente caracterizados como a redução dos sintomas, por que os estudos de caso comumente demonstram uma continuação da terapia mesmo quando tais sintomas já não são mais uma queixa? E, de forma diferente, considerando que os objetivos da ACC não são limitados à redução de sintomas, mas envolvem uma ênfase em aspectos mais amplos da vida do cliente, por que os critérios para eficácia da psicoterapia em pesquisas empíricas se referem tipicamente a uma comparação acerca da frequência e magnitude dos sintomas antes e depois da intervenção? Para além disto, se aspectos mais amplos da vida do cliente englobam os objetivos primordiais da psicoterapia, quais seriam estes aspectos?

Este trabalho parte da perspectiva de que a ausência de clareza acerca de tais questionamentos pode gerar condições largamente aversivas para psicoterapeutas analítico-comportamentais. A discussão acerca do objetivo de uma intervenção científica não apenas norteia que tipo de procedimento deverá ser utilizado, mas, ao mesmo tempo, fornece as diretrizes pelas quais o profissional pode avaliar se o seu trabalho obteve êxito (Marçal, 2005). Não é difícil pensar que há uma angústia em psicoterapeutas que, acompanhando clientes durante um largo período de tempo, não conseguem avaliar claramente se avanços estão acontecendo ou não. Decerto que tal avaliação depende de muitos fatores, mas nenhum deles prescinde de uma clareza sobre os reais objetivos de uma psicoterapia.

Diferente de Marçal (2005), que investiga variáveis presentes no processo terapêutico que interferem na dificuldade de estabelecimento de objetivos idiográficos e de Jacobson et al. (1999), que investigam procedimentos para pesquisas de validação empírica da psicoterapia, o presente trabalho é orientado pela discussão de parâmetros normativos teórico-reflexivos acerca do que poderia ser considerado objetivo da Análise do Comportamento Clínica.

Este estudo, portanto, se destina a discutir criticamente os objetivos globais da ACC e os critérios que direcionam a prática psicoterápica analítico-comportamental, quer seja na pesquisa empírica, quer seja na prática cotidiana do terapeuta. Para tanto, faz (a) um levantamento da literatura analítico-comportamental clínica, principalmente na intersecção com práticas relativas a PBEP, com ênfase na descrição do que é considerado um resultado ou objetivo do processo psicoterápico; (b) uma revisão dos objetivos propostos por dois dos principais modelos considerados analítico-comportamentais, a Terapia Analítico-Comportamental (TAC) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e (c) uma análise crítica das duas propostas apresentadas extraindo, de tais propostas, princípios que podem ser norteadores para os objetivos de quaisquer modelos da ACC.

1. Prática Baseada em Evidências em Psicologia e a Avaliação de Resultados Clínicos

A discussão acerca dos objetivos globais da ACC possui uma relação direta com o que se considera “resultados” em pesquisas acerca da validação empírica de modelos psicoterápicos. A afirmação de que um processo psicoterápico alcançou êxito ou malogro depende de clareza em relação aos resultados efetivamente esperados como consequência do processo psicoterápico em questão.

Mesmo que objetivos não estejam devidamente esclarecidos e especificados em toda espécie de psicoterapia, estas vêm produzindo, historicamente, resultados sob a forma de mudanças observadas ao fim do processo. É no sentido de avaliar quais resultados são empiricamente validados que a American Psychological Association (APA) define o conceito de Prática Baseada em Evidências em Psicologia (PBEP) como parte de um movimento para aprimorar e aperfeiçoar serviços psicológicos através da medição de resultados e avaliação de evidências empíricas de mudança (APA, 2006; Leonardi, 2016; Smith, 2013).

Para que uma prática clínica seja considerada PBEP, devem ser contemplados três elementos importantes: (a) uma apreciação das melhores evidências de pesquisa; (b) o próprio repertório profissional do terapeuta, e (c) um exame das características e do contexto do paciente (Leonardi, 2016). A integração desses três elementos compõe o processo de tomada de decisão no campo da clínica e parece enfatizar os próprios comportamentos do terapeuta (i.e., suas habilidades) em relação às mudanças nos comportamentos-alvo do cliente. Acerca do item (a), a capacidade para qualificar quais as melhores evidências de pesquisa não prescindem da compreensão do que são considerados objetivos na Psicoterapia, parece necessária uma discussão envolvendo a normativa sobre o que é melhor para o cliente que procura por atendimento psicoterápico.

Ao ser embasada num modelo teórico científico, a psicoterapia exige uma correspondência entre a teoria e o seu funcionamento na prática clínica, através das noções de eficácia e efetividade (Chorpita, 2003). As dimensões de eficácia e efetividade podem ser compreendidas através de duas perguntas, respectivamente: “como um tratamento produz mudanças em condições experimentais de pesquisa?” e “quais são as mudanças esperadas de um tratamento no setting clínico cotidiano?”. Uma boa evidência, nesse contexto, é apreciada em grande parte por meio da eficácia ou da efetividade de uma intervenção em relação aos objetivos da psicoterapia em questão.

Para responder às perguntas postas acima, são utilizados delineamentos de pesquisa clínica responsáveis pela produção de evidências em psicoterapia. Os delineamentos mais utilizados são o Ensaio Clínico Randomizado (ECR), Experimento de Caso Único, Estudo de Caso, e Revisão de Literatura. Dentre eles, o ECR é considerado o padrão ouro na hierarquia de evidências empíricas em saúde. Tal delineamento consiste em um estudo experimental comparativo entre grupos com a utilização de métodos estatísticos e se adequa satisfatoriamente à investigação de resultados que podem ser medidos topograficamente. No entanto, a Análise do Comportamento se construiu a partir de críticas tanto à utilização de métodos estatísticos comparando grupos (Tourinho & de Luna, 2010), quanto à utilização de topografias como critérios de êxito em intervenções psicológicas (Banaco et al., 2012).

É nesse sentido que Tourinho e Sério (2010) afirmam que os tratamentos considerados “empiricamente validados” alcançam tal status a partir de uma lógica conceitual e metodológica conflitante com a Análise do Comportamento. E quanto à busca de evidências empíricas na ACC, urge uma clareza maior sobre os objetivos de tal prática como condição sine qua non para que validações coerentes possam ocorrer. Para tanto, as diferentes discussões sobre resultados e objetivos nas abordagens analítico-comportamentais serão discutidas na próxima seção.

2. Sobre Objetivos e Modelos Psicoterápicos na Análise do Comportamento Clínica

Arguir-se-á na presente seção que modelos psicoterápicos, mais do que definirem apenas conjuntos de intervenções técnicas específicas, definem também objetivos globais e interesses próprios, mesmo que a despeito de uma discussão aprofundada sobre tais aspectos. Neste sentido, um modelo psicoterápico assume um objetivo para o processo terapêutico que definirá os critérios para utilização de suas técnicas e a que fim o processo terapêutico deverá servir para o cliente. Para defender este ponto serão discutidos objetivos da ACT e da TAC enquanto modelos partícipes da ACC, ressaltando as implicações desta discussão para a obtenção de princípios norteadores para a construção de objetivos em qualquer modelo de intervenção psicoterápica da Análise do Comportamento.

2.1. Objetivos da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)

A difusão de modelos psicoterápicos de terceira onda parece ter influenciado o contexto global em ACC (Vandenberghe, 2011; Luciano, 2016). A Terapia de Aceitação e Compromisso tem fomentado questões sobre sua utilização, principalmente no Brasil que, historicamente, se manteve conectado a referências em pesquisa básica e termos precisos (Vandenberghe, 2011; Costa, 2012). A despeito da polêmica utilização dos termos de nível médio, existe na literatura uma forte referência à importância da relação e compatibilidade entre ACT e fundamentos analítico-comportamentais (Costa, 2012; Luciano, 2016). Há de se considerar, entretanto, que a apropriação de um modelo como o da ACT pode ser encarada em dois níveis, a saber, técnico e/ou prescritivo.

Uma apropriação técnica da ACT pode ser caracterizada por descrições que se referem ao uso de “inventários de sofrimento”, metáforas, exercícios experienciais, dentre outras estratégias enquadradas nos eixos do paradigma de flexibilidade psicológica (e.g., desfusão cognitiva, contato com o momento presente etc.) (Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999). Não obstante, a mera utilização de metáforas ou exercícios experienciais poderia ser justificada sem assumir o modelo em questão (i.e., ACT). Para enquadrar uma prática enquanto correspondente ao modelo da ACT, há de se considerar as direções terapêuticas para as quais suas técnicas são destinadas. Na presente seção, será abordada a apropriação da Terapia de Aceitação e Compromisso em nível prescritivo, que atualmente define flexibilidade psicológica enquanto objetivo global (Luciano, 2016).

O foco da ACT foi desenvolvido a partir de um princípio citado por Hayes, Strosahl, & Wilson (1999) chamado de “normalidade destrutiva” (cf. p. 8) e que estaria envolvido na produção de um repertório caracterizado pelo engajamento do sujeito em comportamentos que resultassem na redução da frequência ou alteração da topografia de pensamentos e sentimentos com função aversiva, repertório este denominado “esquiva experiencial” (cf. Hayes, et al., 1999, p. 58). Segundo Luciano (2016) a ACT tinha como principal objetivo, em um primeiro momento, a mudança no modo do sujeito se relacionar com a presença do mal-estar caracterizado pela presença destes pensamentos e sentimentos aversivos. Tal objetivo era justificado pelas implicações de longo prazo resultantes de um contexto onde o repertório de esquiva experiencial se mantém. Uma vez que tais implicações seriam prejudiciais para o sujeito, ampliando seu sofrimento, haveria um esforço do terapeuta em fazer com que o cliente entrasse em contato com as consequências a curto prazo e os resultados a longo prazo enredados neste padrão (cf. Luciano, 2016, p. 7).

Neste primeiro momento o objetivo da ACT parece ser traduzido por um trabalho em torno do repertório de esquiva experiencial persistente, na medida em que tal repertório subjaz a maior parte dos fenômenos psicopatológicos descritos na literatura em saúde mental (e.g., Friman, Hayes, & Wilson, 1998; Hayes, Wilson, Gifford, Follette, & Strosahl, 1996).

Em um segundo momento, a ACT passa para uma fase caracterizada por um interesse generalizado neste modelo, assim como o número de pesquisas envolvendo esquiva experiencial e sua múltipla aplicação a diversos fenômenos e diagnósticos (Luciano, 2016). O objetivo da ACT, então, passa a ser gerar flexibilidade psicológica, que é definida como o conjunto de seis processos (i.e., contato com o momento presente, aceitação, desfusão cognitiva, self enquanto contexto, clarificação de valores e ações comprometidas com valores). À representação didática de tais processos intitulou-se “hexaflex” (cf. Hayes, & Strosahl, 2004; Luciano, 2016).

Este objetivo para a ACT gerou alguns problemas, dentre eles o que corresponde à falta de operacionalização dos seis termos incluídos no hexaflex. Essa é uma problemática que parece ser típica sobre a utilização de termos de nível médio (Barnes‐Holmes et al., 2016). Estes são termos não-técnicos utilizados por uma teoria específica e que não foram gerados a partir de pesquisa básica (McEnteggart, Barnes-Holmes, Hussey, & Barnes-Holmes, 2015). Em linhas gerais, tais termos não oferecem operacionalização de modo a promover o caráter de unidades analíticas que permitam sua submissão a programas experimentais e de verificação (Barnes-Holmes et al., 2016). Ademais, a utilização dos termos de nível médio na prática clínica apontaria para uma aparente justaposição dos fenômenos aos quais tais termos se referem, na medida em que ocasionalmente seria dificultada a discriminação de uma intervenção como parte de um ou mais elementos do hexaflex (Luciano, 2016). Por vezes, os elementos descritos pelo hexaflex (e.g., desfusão cognitiva, aceitação etc.) se refeririam a fenômenos diferentes, ora a procedimentos, ora a produtos de procedimentos (cf. McEnteggart et al., 2015, p. 2).

Considerando dificuldades impostas quanto à verificação empírica, bem como a aplicações práticas no contexto clínico analítico-comportamental, a utilização de termos de nível médio dá pouco subsídio para se entender qual seria, precisamente, a natureza de um objetivo psicoterápico, independentemente de sua aceitação por parte dos clínicos que utilizam a ACT enquanto modelo.

Como alternativa à apresentação de flexibilidade psicológica pelo modelo do hexaflex, Törneke, Luciano, Barnes-Holmes e Bond (2016) propõem uma definição de flexibilidade psicológica para sua utilização como objetivo da ACT, recorrendo a uma maior aproximação com a Teoria das Molduras Relacionais (RFT). Segundo esta definição, flexibilidade psicológica seria um operante de classe superior que envolveria “a habilidade de perceber e reagir aos seus pensamentos, sentimentos e outros comportamentos a fim de ter a oportunidade de agir em prol de fins importantes” (Törneke et al., 2016, p. 258). Tal repertório seria caracterizado pelo responder ao próprio comportamento a partir de molduras relacionais de hierarquia e dêitica no que se refere ao “eu” (i.e., self), e estabelecimento de regras do tipo aumentativa6 no que se refere a funções reforçadoras positivas relativas a outros repertórios.

Abordando cada termo incluso na definição, a moldura dêitica se referiria a relações entre o sujeito e sua perspectiva sobre estímulos (e.g., diferença entre: eu vs. outros; aqui vs. lá; agora vs. depois) enquanto a moldura de hierarquia seria responsável por relações complexas sobre controle de determinadas pistas contextuais comumente traduzidas por “x pertence/faz parte de y”. No sentido do que é exposto por Törneke et al. (2016), uma construção de relação verbal complexa envolvendo a noção de eu a partir de molduras de hierarquia e dêitica poderia ser traduzida pelo exemplo: eu (aqui e agora) tenho (hierarquia) pensamentos (conteúdo/estímulos localizados como parte de mim, todavia, diferente de quem eu sou) (cf. Foody, Barnes-Holmes, Barnes-Holmes, Rai & Luciano, 2014).

A definição apresentada por Törneke et al. (2016) de flexibilidade psicológica permite uma interpretação mais precisa do fenômeno quando posta em comparação com outras citadas por Luciano (2016), na medida em que elementos funcionais são operacionalmente descritos. Todavia, um questionamento possível a tal definição não se direcionaria à forma como esta é disposta per si, mas para quais razões poderiam torná-la norteadora de um modelo de Análise do Comportamento Clínica. Flexibilidade psicológica não poderia ser considerada um objetivo global sem maior reflexão em um campo ético. Embora seja reconhecida a importância de elementos descritos por esta definição em fenômenos clínicos (e.g., Foody et al., 2014), para um objetivo global tal definição parece ser instrumental (i.e., condição para) para os “fins importantes” citados superficialmente por Törneke et al. (2016, p. 258) sem maior especificação. Tais fins importantes definiriam a que, por exemplo, regras aumentativas seriam direcionadas (i.e., que reforçadores deveriam ser condicionados), ou mesmo qual o sentido de serem desenvolvidas molduras dêiticas e hierárquicas.

2.2. Objetivos da Terapia Analítico-Comportamental (TAC)

Em uma investigação sobre a clínica analítico-comportamental no Brasil, Costa (2011) observou que divergências quanto à ênfase da intervenção terapêutica têm implicado o emprego de diferentes nomes para designar a prática brasileira, identificada aqui como Terapia Analítico-Comportamental, ou TAC (cf. Tourinho & Cavalcante, 2001).

No intuito de sistematizar a TAC enquanto modelo clínico, as pesquisas nesta área têm buscado esclarecer quais são os seus fundamentos e objetivos (cf. Marçal, 2005; 2010), as suas principais características e abrangência enquanto um modelo (cf. Costa, 2011), seu lugar no contexto mais amplo da produção de conhecimento internacional (cf. Leonardi, 2015) e como distingui-la das demais propostas comportamentais vigentes (Banaco, et al., 2006). Nesta seção será apresentada uma discussão sobre o status do autoconhecimento enquanto objetivo da Terapia Analítico-Comportamental.

A investigação sobre o lugar do autoconhecimento na TAC deve ser motivada pelo seguinte problema: em que medida o autoconhecimento pode ser um critério relevante para que uma terapia seja considerada bem-sucedida? (cf. Costa, 2011, p. 53). Verifica-se na literatura pelo menos duas posições que definem a importância do desenvolvimento deste repertório na terapia: (1) o autoconhecimento é um recurso instrumental para a mudança terapêutica (Costa, 2011; Meyer, et al. 2010) e (2) o autoconhecimento é prescrito como o objetivo último da relação terapêutica, que deve buscar promover a autonomia do cliente (Canaan & Vieira-Santos, 2008, p. 194; De-Farias, 2010, p. 21; Dittrich, 2012, p. 93; Guilhardi, 1999).

Uma análise sobre estas duas posições evidencia que há um consenso na literatura quanto à utilidade de desenvolver o repertório de autoconhecimento do cliente como um dos meios para alcançar os objetivos locais da terapia (1). Por outro lado, esta mesma definição tem embasado a crítica quanto a prescrição do autoconhecimento enquanto princípio norteador da terapia, isto é, como objetivo global para a TAC (2). Apontando para os limites epistemológicos do autoconhecimento em uma perspectiva analítico-comportamental, tal crítica define o autoconhecimento como necessário à terapia, porém insuficiente como critério para avaliar sua eficácia e, por isso, incoerente para definição da identidade da TAC enquanto modelo (Brandenburg & Weber, 2005; Costa, 2011). Sobre este desacordo, será argumentado que: a) há um problema de natureza epistêmico/ética na prescrição do autoconhecimento como valor para a terapia, e b) o autoconhecimento não é suficiente para nortear a prática da TAC, e um debate sobre sua complementaridade no âmbito da investigação ética se faz necessário.

A fundamentação no modelo behaviorista radical de causalidade e o uso dos processos básicos da aprendizagem nas intervenções constituem os pressupostos fundamentais da TAC. A análise de contingências é a base epistêmica a partir da qual são elaboradas as explicações dos comportamentos e estabelecidos os objetivos locais para terapia, bem como o cerne do método de intervenção justificado por tais explicações (Leonardi, 2015; Meyer et al., 2010; Neno, 2003; Vandenberghe, 2011). O método de intervenção da TAC consiste, sobretudo, na sistematização das informações apresentadas pelo cliente na queixa; na identificação de padrões comportamentais; no uso de modelos explicativos e elaboração de hipóteses sobre as variáveis de controle vigentes; nas previsões sobre o efeito de alterá-las, bem como na sugestão de relações ainda não observadas pelo cliente (Guilhardi, 1999, p. 325). Esta estratégia visa ampliar o contato do cliente com as variáveis de controle que atuam sobre seu comportamento, desenvolvendo, assim, seu autoconhecimento. Assim, é possível afirmar que um cliente conhece a si mesmo na medida em que ele pode “descrever a topografia e/ou as variáveis relevantes das quais o comportamento é função de acordo com situações específicas” (Marçal, 2004, p. 106).

A modelagem do autoconhecimento na terapia visa aumentar a correlação entre a auto-observação do cliente sobre as variáveis que controlam seu comportamento e a sua autodescrição apresentada como uma análise funcional das mesmas. Como recurso instrumental, o desenvolvimento deste repertório possibilita ao terapeuta acessar informações adicionais relativas a eventos privados, ampliar a observação, predição e controle sobre o impacto de seu comportamento sobre o cliente, aumentar a densidade do reforçamento, diminuir possíveis consequências aversivas, entre outras medidas (Wielenska, 2012; Guilhardi, 1999). Deste modo, o autoconhecimento constitui um recurso instrumental para a terapia, visto que estabelece uma condição para acurácia da análise funcional e, por conseguinte, para a precisão das intervenções nas contingências em vigor.

Há ainda na literatura sobre a TAC a posição de que a primazia do uso da análise de contingências como método de intervenção implica o autoconhecimento enquanto valor para terapia. A função do terapeuta neste modelo é frequentemente definida como ensinar o cliente a formular sua própria análise de contingências e “ajudá-lo a usar essa análise para mudar seu próprio comportamento” (Tourinho & Luna, 2010, p. 170). A discriminação das variáveis que controlam seu comportamento estabelece uma oportunidade para que, em sua atuação no ambiente, maneje por si próprio as contingências, isto é, aumenta a possibilidade de autocontrole. É através da generalização do repertório de autoconhecimento, que “o cliente pode analisar funcionalmente novos contextos pelos quais está passando e se adaptar mais rapidamente às mudanças nas contingências, sem necessitar da figura do terapeuta para guiá-lo” (Alves & Marinho, 2010). Neste sentido, “as intervenções do terapeuta têm como objetivo último levar o cliente à auto-observação e ao autoconhecimento” (Guilhardi, 1999, p. 324) e que, por conseguinte, o “objetivo ultimo da Terapia Comportamental é o autoconhecimento ou consciência por parte do cliente” (Brandenburg & Weber, 2005).

A objeção quanto à admissão do autoconhecimento como objetivo global aponta para o fato de que o comportamento descrito e o próprio comportamento de descrever estão sob controle de variáveis distintas e que, deste modo, não há uma relação necessária de dependência entre eles (i.e., o autoconhecimento não implica autocontrole). Clientes podem descrever as razões pelas quais se comportam e, ainda assim, não conseguirem modificar satisfatoriamente o modo como lidam com os problemas que motivaram a procura por ajuda. Neste sentido, o autoconhecimento é avaliado como um critério necessário, porém insuficiente para determinar a eficácia da terapia (Wielenska, 2012; Costa, 2011; Brandenburg & Weber, 2005).

A admissão do autoconhecimento como valor para terapia não pressupõe que o conhecimento sobre os determinantes dos próprios comportamentos implica saber a melhor direção para a mudança terapêutica. Assim como a descrição da função de um comportamento não o qualifica como bom ou ruim, a decisão sobre quais contingências devem ser mudadas não está diretamente implicada pelo uso da análise funcional de contingências. O autoconhecimento, ainda que se mostre necessário como recurso instrumental para mudança terapêutica, mostra-se insuficiente também em uma dimensão ética, por não estabelecer uma direção última para a mudança terapêutica.

3.0. Investigação Teórico-Reflexiva Sobre os Objetivos da ACC

Diante da investigação acerca dos objetivos da ACT e da TAC como representantes da ACC é possível depreender que para o estabelecimento dos objetivos da ACC, de forma geral, ao menos duas afirmações são necessárias para guiar a investigação teórico-reflexiva acerca deste tema: (1) os modelos psicoterápicos que compõem a ACC não são apenas conjuntos de técnicas ou ferramentas, mas representam propostas com objetivos globais distintos entre si e (2) há uma necessidade de que os objetivos da ACC possam, no espírito do pragmatismo que é caro à Análise do Comportamento, possibilitar tanto a pesquisa básica quanto a pesquisa aplicada a partir da sua estrutura conceitual.

3.1. Modelos Psicoterápicos e Normatividade

O crescimento do interesse na PBEP e o consequente investimento em pesquisas de resultado tem gerado uma discussão significativa acerca do quanto pesquisas estatísticas, comparativas inter-modelos ou não, podem ser impactantes para a prática clínica analítico comportamental. No entanto, tal discussão não parece estar norteada por um dos fundamentos primordiais da pesquisa científica: estratégias de pesquisa devem ser adequadas ao objeto de estudo da pesquisa. Acaso consideremos que a modificação topográfica de sintomas, por si só, compõe um objetivo legítimo da psicoterapia, não parece que haveriam problemas na utilização de ECRs como estratégia principal de pesquisa clínica, porquanto o objeto de estudo (i.e., modificação topográfica de sintomas) se adequa claramente a estudos estatísticos. No entanto, a redução topográfica de sintomas não compõe o objetivo da psicoterapia em nenhum dos dois modelos psicoterápicos apresentados neste estudo.

A investigação de fenômenos relativos a flexibilidade psicológica ou ao autoconhecimento exige um tipo de pesquisa que se adeque à identificação de unidades funcionais e, como tal, exige uma investigação ideográfica. Neste sentido, a crítica de Skinner aos métodos estatísticos continua relevante (Todorov, 2010), uma vez que a questão se mantém: a Análise do Comportamento Clínica se interessa primordialmente pela identificação de unidades funcionais no caso único. Neste sentido, os ECRs teriam validade questionável em relação a objetivos que se propõem relativos a idiossincrasia de histórias de contingências individuais.

Ao mesmo tempo, tal crítica aos métodos estatísticos não indica o abandono da pesquisa básica ou mesmo da pesquisa clínica, mas sinaliza que os estudos de caso, principalmente quando contemplam um delineamento experimental de caso único, podem ser ferramentas de pesquisa mais adequadas à investigação clínica analítico comportamental. A hierarquia de evidências da medicina, então, é questionada quando os objetivos da psicoterapia são clarificados e sua natureza funcional estabelecida: métodos estatísticos não são os mais indicados para investigação dos fenômenos clínicos psicológicos que a ACC se propõe a lidar, embora possam ser assim indicados na medicina e na farmacologia.

Ainda relativo ao que foi exposto sobre a distinção entre objetivos dos diferentes modelos psicoterápicos, é importante ressaltar a dificuldade de comparações entre estudos de caso atendidos a partir de modelos analíticos comportamentais distintos. Em outras palavras, como comparar os resultados de procedimentos fundamentados na ACT ou TAC, uma vez que tais modelos se propõem a objetivos distintos? Neste sentido, o entusiasmo gerado pelos estudos comparativos inter-modelos precisa ser redefinido, uma vez que só é possível comparar coerentemente a eficácia/efetividade de estratégias distintas quando os critérios para definição de eficácia/efetividade são equivalentes.

Ao mesmo tempo, problemas significativos na clareza acerca dos objetivos dos modelos – quer seja pela pouca explicitação de tais objetivos ou pela utilização predominante de termos de nível médio nesta explicitação - podem esconder semelhanças entre as diferentes normatividades clínicas. Isto posto, fica ainda mais evidente a necessidade de pesquisas para clarificação do que define um trabalho bem-sucedido em cada modelo. Herbert, Forman e Hitchcock (2016) fornecem um exemplo prático importante: em um estudo, publicado em 2004, da aplicação da Terapia de Aceitação e Compromisso, pacientes relataram um aumento na frequência de alucinações no pós-tratamento. Mas, ao mesmo tempo, também relataram uma redução significativa no impacto das alucinações em sua vida, obtendo, inclusive, uma redução no tempo de re-hospitalização em uma análise longitudinal. O estudo de caso descrito por Herbert e colaboradores foi considerado bem-sucedido por estudiosos da ACT, ao mesmo tempo em que foi considerado malsucedido por terapeutas de outros modelos clínicos (cf. Herbert et al., 2016, p. 295).

Tal paradoxo ocorreu porquanto os objetivos da ACT não se referem à redução de sintomas (no caso específico houve um acréscimo dos sintomas de alucinação), enquanto outros modelos clínicos endereçam tal redução como objetivo global. Com o exemplo de Herbert et al. (2016), fica clara a urgência de uma sistematização apropriada dos objetivos da ACC com vistas para a produção de delineamentos metodológicos apropriados para a pesquisa clínica na análise do comportamento.

3.2. A Formulação Analítico-Comportamental de Objetivos Comportamentais Úteis

A segunda afirmação necessária para a investigação teórico-reflexiva dos objetivos psicoterápicos, em uma perspectiva analítico-comportamental, se refere à necessidade de formulá-los em termos que conduzam a uma investigação em ciência básica e aplicada. É possível afirmar que esta tem sido uma tendência, principalmente nos modelos da ACT e da TAC. Em relação à TAC, desde a sua sistematização inicial, a construção de objetivos tem transcendido a mera utilização de termos de nível médio para o desenvolvimento de unidades funcionais passíveis de investigação empírica adequada (Costa, 2002). Quanto à ACT, esta tem sido uma tendência recente (Luciano, 2016).

Em especial, as terapias chamadas contextuais (que encontram na ACT um de seus representantes mais destacados) tem buscado um retorno às descrições – quer seja de objetivos ou de procedimentos – fundamentadas na Análise Funcional do Comportamento. Ao ponto em que Callaghan e Darrow (2015) tem anunciado que o retorno à Análise Funcional indica uma “quarta onda” das terapias comportamentais. Não apenas )Callaghan e Darrow (2015), mas um conjunto significativo de textos tem indicado esta tendência de descrição metodológica e normativa sem termos de nível médio e atendendo a descrições funcionais (e.g. Ciarrochi et al., 2016; Luciano, 2016).

Neste ponto, a TAC seria uma terapia de vanguarda, uma vez que desde o seu surgimento e desenvolvimento investe em descrições que atendem a estes critérios e tem produzido pesquisas que refletem tais descrições. Tourinho e Sério (2010) destacam que, enquanto em outros países há poucos tratamentos analítico-comportamentais validados, no Brasil a produção de conhecimento sobre a TAC tem se multiplicado. Embora Leonardi (2016) chame a atenção acerca da necessidade de validação empírica da TAC, ao menos em relação à natureza descritiva funcional dos objetivos desta modalidade terapêutica, tem ocorrido avanços significativos. Mas, certamente, o tipo de delineamento de pesquisa que investigará os objetivos funcionalmente descritos da ACC não pode ser absorvido acriticamente da PBEP. O presente estudo já demonstrou que o que tipicamente se considera resultado na PBEP não encontra reverberação na ACC.

Conclusão

Uma vez que a ACT e a TAC têm buscado uma descrição conceitual em termos que possibilitam a pesquisa básica e aplicada, há a possibilidade de uma complementaridade entre os principais objetivos propostos pelos dois modelos de intervenção, resultando em um norte significativo para os diversos modelos que compõem a ACC. Por um lado, a noção de flexibilidade psicológica compreende parte significativa dos objetivos legítimos de uma psicoterapia que se ancora em um pragmatismo contextualista. A definição de Törneke e colaboradores (2016) é descrita de forma útil para a pesquisa básica e aplicada, está em acordo com os princípios da Análise do Comportamento em seu caráter funcional e, eticamente, está ancorada em dirigir a terapia para os valores que o cliente designa como importantes para si mesmo. Mesmo a descrição do que são valores ultrapassa a legitimidade ética e se ancora em descrições funcionais, sendo considerada pragmaticamente como um repertório verbal que especifica funções aumentadoras apetitivas para comportamentos futuros7 (Törneke et al., 2016).

Por outro lado, a Análise do Comportamento sempre se pautou em uma ética do contracontrole. A psicoterapia, para Skinner (2000) é uma agência controladora e, para que se estabeleça em um contexto ético, exige que uma de suas marcas seja a produção de autoconhecimento, como descrevemos ser defendido pela TAC. A flexibilidade psicológica precisa ser coadunada com o autoconhecimento especial defendido pela TAC que defende a análise das contingências, por parte do cliente, como um objetivo último da psicoterapia. É neste sentido que, em entrevista a Richard Evans, Skinner defende: “a melhor defesa que vejo é tornar os processos comportamentais tão familiares quanto possível. Deixemos todo mundo saber o que é possível, o que pode ser usado contra eles” (Evans, 1979, p.120)8.

Quanto aos critérios de coerência com a ética e epistemologia comportamentalista radical e com a descrição funcional em termos que possibilitem a pesquisa básica e aplicada, uma complementaridade entre flexibilidade psicológica e autoconhecimento, como descritos pela ACT e pela TAC, é promissora para a ACC. Embora a discussão acerca dos objetivos globais da ACC ainda precise de um desenvolvimento significativo, o presente estudo pretendeu mobilizar direções possíveis para que pesquisas teórico-reflexivas possam se contrapor a adoção acrítica de procedimentos de validação de modalidades clínicas. Em outras palavras, propomos que a discussão acerca do lugar em que queremos chegar precisa ser, no mínimo, uma interface constante do estabelecimento de procedimentos de avaliação de eficácia/efetividade da ACC.

1 Para uma análise extensiva de cada um destes elementos, bem como de sua influência no estabelecimento de objetivos locais, conferir Marçal (2005).

2 Seguindo Leonardi (2016), chamaremos de Análise do Comportamento Clínica ao conjunto das modalidades de intervenção clínicas fundamentadas na Análise do Comportamento.

3 Clinical significance is routinely defined as returning to normal functioning. Although for some disorders this may be too stringent a criterion, it is based on the assumption that consumers enter therapy expecting that their presenting problems will be solved. (Jacobson et al., 1999, p. 301).

4 A diferença entre eficácia e efetividade será pormenorizada na próxima seção do presente estudo.

5 Uma regra aumentativa (augmenting) é responsável por alterar a função de reforçadores ou sua força enquanto consequências, uma vez que relações arbitrárias são construídas. Para mais referências, conferir Hayes, Barnes-Holmes, & Roche (2001).

6 Uma discussão mais aprofundada sobre os limites e possibilidades dessa conceituação para a noção de valores está além do escopo do presente estudo. Para os objetivos atuais, é suficiente atestar que tal definição é instrumentalmente relevante para a pesquisa básica/aplicada e que está em acordo com reflexões éticas comportamentalistas.

7 O livro de Evans é composto de entrevistas desse autor com diversos construtores da Psicologia. O trecho citado é a resposta de Skinner a uma pergunta acerca do papel cultural do analista do comportamento.

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Autor notes

Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia - UFBA. Rua Aristides Novis, 197, Estrada de São Lázaro. CEP 40210-730. Salvador, Bahia


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