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Avaliação intraverbal em pessoas com deficiência intelectual, autismo e desenvolvimento típico
Rafael Vilas Boas Garcia; Marina Zavitoski; Nassim Chamel Elias
Rafael Vilas Boas Garcia; Marina Zavitoski; Nassim Chamel Elias
Avaliação intraverbal em pessoas com deficiência intelectual, autismo e desenvolvimento típico
INTRAVERBAL ASSESSMENT IN PEOPLE WITH INTELLECTUAL DISABILITY, AUTISM AND TYPICAL DEVELOPMENT
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 26, núm. 2, pp. 233-247, 2018
Universidad Veracruzana
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Resumo: Pessoas com Deficiência Intelectual (DI) ou com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), muitas vezes apresentam dificuldades na aquisição de linguagem, incluindo o repertório intraverbal. Este déficit pode estar relacionado aos antecedentes verbais que, na maioria das relações intraverbais, envolve discriminações condicionais verbais, em que uma resposta está sob controle de dois ou mais estímulos verbais. O presente estudo teve como objetivo investigar o repertório intraverbal de indivíduos com DI, TEA e desenvolvimento típico. Foi realizada a tradução e a aplicação de um protocolo de teste de relações intraverbais, originalmente em inglês. Os participantes foram 26 indivíduos com DI, 23 com TEA e 30 com desenvolvimento típico. O protocolo traduzido, com 80 perguntas, foi administrado individualmente com cada participante. Cada pergunta era apresentada sem que houvesse tempo limite para o participante responder. As respostas eram registradas em protocolo específico. Os resultados replicam dados encontrados anteriormente e indicam que o desempenho torna-se menor conforme as perguntas tornam-se mais complexas (de discriminações simples a discriminações condicionais).

Palavras-chave:Comportamento VerbalComportamento Verbal, Repertório Intraverbal Repertório Intraverbal, Deficiência Intelectual Deficiência Intelectual, Transtorno do Espectro do Autismo Transtorno do Espectro do Autismo, Protocolo Protocolo.

Abstract: Individuals with intellectual disability (ID) or Autism Spectrum Disorder (ASD) often have difficulties in language acquisition, including the intraverbal repertoire. In an intraverbal relation, the response is controlled by a verbal stimulus and by generalized conditioned reinforcers and the generated verbal response does not have point-to-point correspondence with the antecedent verbal stimulus, and response and stimulus may be of different modalities (for example, oral and written) or of the same modality (for example, both oral). Deficits in intraverbal repertoire may be related to the verbal antecedents that, in the majority of intraverbal relations, involve verbal conditional discriminations (VCD), where the response is under the control of two or more verbal antecedents. In the present study, a simple to complex intraverbal relation protocol, originally in English, was translated to Portuguese and applied to determine if there is a general sequence of intraverbal repertoire acquisition. Participants were 26 individuals with ID, 23 with ASD and 30 with typical development. The translated protocol, with 80 questions, was administered individually with each participant. Each question was individually presented and the participant was given a period of time to respond. Every response was recorded in the protocol as told by the participant and, posteriorly, scored as correct or incorrect. The results replicate data previously found and indicate that the performance becomes poorer as the questions become more complex (from simple discriminations to conditional discriminations). There was a correlation between age and performance for participants with ID and with typical development, but not with participants with ASD, which showed great variability. In general, the results obtained by all participants were above 50% of correct responses (40 or more correct responses), indicating a suitable degree of comprehension, expressive verbal repertoire and verbal conditional discriminations of the participants. Therefore, the protocol, in its Portuguese version, is consistent with the original version because it indicates that the gradual increase of complexity of the questions may represent the gradual acquisition process of intraverbal repertoire.

Keywords: Verbal Behavior, Intraverbal Repertoire, Intellectual Disability, Autism Spectrum Disorder, Protocol.

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Artículos

Avaliação intraverbal em pessoas com deficiência intelectual, autismo e desenvolvimento típico

INTRAVERBAL ASSESSMENT IN PEOPLE WITH INTELLECTUAL DISABILITY, AUTISM AND TYPICAL DEVELOPMENT

Rafael Vilas Boas Garcia
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Marina Zavitoski
Universidade Federal de São Carlos , Brasil
Nassim Chamel Elias
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 26, núm. 2, pp. 233-247, 2018
Universidad Veracruzana

Recepción: 01 Marzo 2017

Aprobación: 28 Junio 2017

Na análise proposta por Skinner (1957), comportamento verbal é uma resposta de um falante que atua sobre o comportamento de outra pessoa (o ouvinte) de modo que a consequência para o falante é fornecida pelo ouvinte. O ouvinte é capaz de mediar a consequência para a resposta do falante por fazer parte da mesma comunidade verbal e ter sido especificamente ensinado para isso. A unidade de análise do comportamento verbal é dada pela relação funcional entre um tipo de responder e as variáveis antecedentes e consequentes que controlam esse responder. Skinner (1957) referiu-se a esta unidade como operante verbal, e identificou sete operantes verbais básicos: ecoico, mando, tato, intraverbal, textual, transcrição e cópia de texto.

O operante verbal diretamente tratado nesse artigo é o intraverbal. Segundo Greer e Ross (2007), para que um indivíduo aumente a complexidade de seu repertório verbal, relações intraverbais devem estar presentes em seu repertório, pois esse operante é considerado um pré-requisito para habilidades mais avançadas de comunicação, como a conversação. De acordo com Skinner (1957), em uma relação intraverbal, a resposta é controlada por um estímulo verbal e por reforçadores condicionados generalizados, e a resposta verbal gerada não tem correspondência ponto-a-ponto com o estímulo, sendo que resposta e estímulo podem ser de modalidades diferentes (por exemplo, oral e escrita) ou da mesma modalidade (por exemplo, ambos orais).

Dessa forma, entende-se que grande parte da interação verbal entre indivíduos humanos envolve o comportamento intraverbal. Por exemplo, uma conversa telefônica ou uma troca de e-mails entre duas pessoas consiste em uma pessoa dizer ou escrever alguma coisa e a outra responder verbalmente sob controle do estímulo verbal produzido pelo interlocutor. São muitos os exemplos de comportamento intraverbal, como responder perguntas, completar músicas, contar histórias, descrever acontecimentos, resolver problemas, recordar o passado e falar sobre o futuro, desde que essas respostas estejam sob controle temático de algum estímulo verbal produzido pelo interlocutor. Segundo Sundberg e Sundberg (2011), o comportamento intraverbal está presente em muitos contextos, tais como educação, ciência, literatura, história, pensamento e criatividade.

Conforme exemplificado por Sundberg e Sundberg (2011), os tipos de interações intraverbais que as pessoas estabelecem ao longo da vida variam do controle por um único estímulo verbal antecedente (por exemplo, dizer o alfabeto, em que a emissão do próximo estímulo fica sob controle do estímulo anterior), ao controle por mais do que um estímulo verbal antecedente (por exemplo, responder questões como “Quando é o aniversário de sua mãe?”; responder “pizza, macarrão e lanche” ao ouvir a pergunta “O que você come no jantar?”). E, segundo os mesmos autores, essas relações são infinitas em número.

No início da aquisição do operante em questão, crianças com desenvolvimento típico apresentam respostas intraverbais sob controle de um único estímulo verbal, que servem como base para interações intraverbais mais avançadas, e essa aquisição se dá, em média, por volta dos 2 ou 3 anos de idade (Bijou, 1976; Brazelton & Sparrow, 2006; Hart & Risley, 1995). Por exemplo, uma criança com mais ou menos dois anos de idade começa a aprender a completar músicas (“Parabéns pra você, nessa data...[querida]”) e a reproduzir sons de animais e objetos (por exemplo, “Um gatinho diz...[miau]”, “Um trem faz...[piui]”). Nesta fase, as crianças já dizem o seu nome quando lhes é perguntado, do mesmo jeito que já conseguem completar frases ou sequências (“um, dois, ...[três]”), respondem a perguntas simples (“Que cor é essa?”) e fazem associações entre palavras (“arroz e...[feijão]”).

No entanto, crianças com desenvolvimento atípico, deficiência intelectual (DI) ou atrasos de linguagem, como é caso de pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), podem não apresentar fala até os 4 ou 5 anos, e não ficar sob controle dos estímulos verbais antecedentes (Sigafoos, Schlosser, O’Reilly, & Lancioni, 2011). Sundberg e Sundberg (2011) discutem que tais habilidades, quando menos desenvolvidas, podem ter um impacto negativo sobre a aquisição de habilidades acadêmicas e sociais, devido ao papel central do comportamento intraverbal.

De acordo com Axe (2008), discriminações condicionais são relevantes para todos os operantes verbais, particularmente para o repertório intraverbal. Por exemplo, dizer a cor de uma banana pode ser controlada pela simples presença da banana como estímulo discriminativo, o que configura uma resposta de tato; mas pode ser que esta resposta seja emitida somente na presença conjunta da banana como estímulo discriminativo e da questão “Qual a cor da banana?” como estímulo condicional verbal, o que pode configurar uma resposta intraverbal (pelo controle exercido pela pergunta) e de tato (pelo controle exercido pela presença da banana). Em uma discriminação simples na relação intraverbal, uma pessoa pode responder a apenas um estímulo verbal, como dizer “Olá” em resposta a outra pessoa dizer “Oi”. Em uma discriminação condicional, na relação intraverbal, uma resposta precisa estar sob controle de dois ou mais estímulos verbais, como dizer “Meio-dia” em resposta à pergunta “Que horas é o almoço?”. O ouvinte, no entanto, não faz uma discriminação condicional se ficar sob controle de apenas parte da pergunta, como responder “Arroz e feijão” (se ficar sob controle apenas de “almoço”) ou “Nove horas” (se ficar sob controle apenas de “que horas”). A resposta correta requer uma discriminação condicional em que “que horas” é o estímulo condicional e “almoço” é o estímulo discriminativo ou vice-versa. A evidência da discriminação condicional é melhor inferida se algum aspecto do antecedente for alterado, e, do mesmo modo, alguma alteração na resposta for verificada consistentemente. A título de exemplo, somente é possível inferir que esse exemplo é uma discriminação condicional quando a pessoa responde “Quatro horas” para a pergunta “Que horas é o lanche?” e “Meio-dia” para a pergunta “Que horas é o almoço?”.

Axe (2008), assim como Sundberg e Sundberg (2011) chamam essas relações de discriminação condicional verbal (VCD, do inglês Verbal Conditional Discrimination), a qual um estímulo verbal entra em uma discriminação condicional, e altera o efeito evocativo de outro estímulo verbal, fazendo com que os dois estímulos, em conjunto, evoquem uma resposta verbal, que é a base para quase todo comportamento intraverbal. As VCDs podem tornar-se cada vez mais complexas à medida que mais estímulos verbais são adicionados ao antecedente, tais como modificadores verbais (adjetivos, preposições, pronomes, conjunções), conceitos mais complexos (negação, posições ordinais, tempo), palavras muito complexas e temas diversos. Estes tipos de discriminações verbais podem ajudar a explicar por que indivíduos com atrasos de linguagem apresentam dificuldades em adquirir um repertório intraverbal funcional quando comparadas a seus pares com desenvolvimento típico.

A habilidade de realizar discriminações condicionais em relações intraverbais é um ponto crítico para crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem, pois sabe-se que elas tem dificuldade para responder a estímulos verbais complexos (Schreibman, 1988). O sucesso em situações de ensino depende, em grande parte, do repertório de VCDs, já que os alunos precisam seguir instruções do professor, responder questões de compreensão após ler ou ouvir um texto, responder verbalmente a questões de discussões apresentadas em sala de aula por professores e pelos pares (Axe, 2008). Responder a estímulos verbais complexos também é uma habilidade crítica para o desenvolvimento social. Quando o repertório de discriminações condicionais é deficitário, torna-se relevante que esses repertórios sejam identificados de forma a auxiliar na construção de um programa efetivo de ensino.

Sundberg e Sundberg (2011) pretendiam estender os estudos com discriminações condicionais que envolvem respostas baseadas na seleção (Sidman, 1971; Stromer & Mackay, 1993) para discriminações condicionais que envolvem exclusivamente antecedentes verbais compostos e respostas intraverbais baseadas na topografia (Michael, 1985). Para alcançarem o objetivo proposto, Sundberg e Sundberg (2011) analisaram o repertório intraverbal de indivíduos com desenvolvimento típico (DT) e com TEA. Foi utilizado um questionário com 80 questões (relações intraverbais dos tipos pergunta-resposta, completar frases, etc.), formuladas para determinar se existe uma relação entre o aumento gradual da complexidade dos estímulos verbais antecedentes e o desempenho em respostas intraverbais, e se a sequência poderia ser benéfica para avaliar linguagem e gerar programas de ensino para indivíduos com atraso de linguagem. O questionário foi dividido em oito grupos de dez perguntas, com aumento do nível de complexidade a cada novo grupo, iniciando com discriminações simples evoluindo para discriminações condicionais. O estudo também procurou determinar as diferenças no repertório intraverbal entre indivíduos com DT e com TEA.

Os resultados de Sundberg e Sundberg (2011) mostraram que, para os indivíduos com DT, há uma correlação entre idade e respostas intraverbais corretas (quanto mais velhos, mais respostas corretas). Entretanto, houve variabilidade nos desempenhos em indivíduos com a mesma idade. Uma análise de erros revelou que estímulos verbais antecedentes compostos (discriminações condicionais mais complexas) foram a causa principal dos erros. Os resultados também indicaram que os indivíduos com TEA cometeram os mesmos tipos de erros que os indivíduos com DT. Os dados obtidos, segundo os autores, sugerem uma possível sequência, de acordo com a organização do questionário, para avaliação e intervenção para o repertório intraverbal.

Considerando a importância do repertório intraverbal e da falta de protocolos que testem diretamente esse repertório em português, o presente estudo visou investigar o repertório intraverbal de indivíduos com DI, TEA e DT no Brasil, a partir da tradução para o português, realizada pelos autores, do questionário proposto por Sundberg e Sundberg (2011), com o objetivo de verificar se o padrão de respostas dos participantes no Brasil se assemelha ao padrão encontrado no artigo original em inglês. Nesse sentido, foi realizada uma replicação sistemática de Sundberg e Sundberg (2011), com participantes com TEA e DT, além da inclusão de participantes com DI.

MÉTODO

A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (parecer 1.435.683). A coleta de dados com cada participante teve início somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsáveis.

Participantes

Participaram da pesquisa 26 indivíduos com DI (D1 a D26), sendo 16 do gênero masculino e 10 do feminino, com idades de sete a 16 anos; 23 indivíduos com TEA (A1 a A23), todos do gênero masculino, com idades de cinco a 12 anos; e 30 com DT (T1 a T30), sendo 18 do gênero masculino e 12 do gênero feminino, todos com cinco anos de idade. Os participantes foram selecionados com base em informações e diagnóstico oficial prévio obtidos nas instituições e escolas onde foram recrutados, sendo que a seleção dos participantes considerou como critério possuírem diagnóstico de DI, TEA e nenhum diagnóstico, que produzissem respostas vocais inteligíveis (fossem falantes) e que seguissem instruções. Nenhum teste específico foi aplicado, já que havia a base dos diagnósticos oficiais anteriores que supriam as necessidades postas em prática por parte dos autores na pesquisa em inglês. A seleção de participantes com DT de mesma idade serviu para identificar se o aumento da complexidade das questões geraria desempenhos menores, conforme passassem de um grupo de perguntas para o próximo, segundo sugerido pelos autores do artigo replicado.

Ambiente e Instrumento

A coleta foi realizada na instituição e na escola onde os participantes foram recrutados e ocorria no período e salas disponibilizados pela coordenação da instituição e da escola. As salas continham, pelo menos, uma mesa e duas cadeiras, sendo que de um lado da mesa, era disposta uma cadeira para o participante e, do outro lado, era disposta uma cadeira para o aplicador. A aplicação do questionário era realizada de forma individual e as respostas eram registradas no próprio protocolo do Teste de Intraverbal (Anexo 1). O teste (Anexo I) contém oito grupos com dez perguntas cada, resultando em um total de 80 perguntas. Com a passagem de um grupo para o outro, as perguntas tornam-se mais complexas em relação a cinco dimensões: (1) transição do controle de estímulo verbal simples para discriminação condicional verbal; (2) uso de perguntas (por que, como, onde, quando) em discriminações condicionais verbais; (3) aumento da complexidade das partes do discurso (passando de substantivos a verbos, adjetivos, preposições, pronomes, etc); (4) aumento da complexidade dos conceitos (negação, adjetivos relativos, tempo, posição ordinal); (5) aumento da complexidade do vocabulário.

Procedimento

A aplicação do protocolo com os participantes com DI foi realizada pelo primeiro autor, e com os participantes com TEA e com DT, pela segunda autora. As sessões tiveram em média 35 minutos para os participantes com DI, 45 minutos para os participantes com DT, e 60 minutos com os participantes com TEA. As 80 perguntas foram apresentadas em uma única sessão para os participantes com DI e com DT. Para alguns participantes com TEA, ao observar comportamentos como tentar se levantar da carteira, iniciar conversas aleatórias ou solicitar para voltar para a sala de aula, a aplicação do questionário era interrompida e iniciada no próximo dia disponibilizado pela escola ou instituição, com o objetivo de evitar cansaço excessivo, e que a tarefa se tornasse aversiva. Ao final de cada bloco contendo dez perguntas, eram oferecidas atividades (brinquedos, jogos de mesa ou computador, leitura de livros ou história em quadrinhos disponíveis na escola ou instituição), de acordo com escolha do participante, por cinco minutos. Todos os participantes responderam a todas as perguntas, independentemente do desempenho ao longo da sessão.

Na sala de coleta, o participante era informado que ele participaria de uma atividade de perguntas e respostas e, em seguida, era questionado se gostaria de participar. Após anuência, iniciava-se a apresentação das perguntas. Participante e pesquisador sentavam-se à mesa, um em frente ao outro. Sobre a mesa, havia somente o protocolo com o questionário. As questões eram apresentadas aos participantes de forma objetiva, nítida e em momentos com menor concorrência possível de ruídos. Não havia tempo limite para a emissão da resposta, e a pergunta poderia ser repetida até três vezes.

Uma resposta foi considerada correta quando indicava controle de todos os estímulos contidos na pergunta e se havia relação temática com a pergunta. Não foram estabelecidas respostas previamente definidas como corretas para todas as perguntas, pois algumas poderiam evocar respostas distintas do que se esperava, ainda assim corretas de acordo com a temática. Por exemplo, a pergunta “Qual seu filme favorito?” poderia evocar diversos nomes, mas a resposta era considerada correta se fosse o nome de um filme real; entretanto, se a pergunta fosse “Qual a forma do pneu?”, somente a resposta “Círculo” era considerada correta.

Respostas corretas eram seguidas por elogios; respostas incorretas eram seguidas de “Ok” e da apresentação da próxima pergunta. Havia um intervalo intertentativas de três segundos. Nenhuma dica era oferecida.

Concordância entre observadores

As escolas e as instituições não permitiram a entrada de um segundo observador, nem o uso de filmadoras, portanto, não foi possível que o registro das respostas fosse feito por um segundo observador. Na tentativa de diminuir possível viés dos pesquisadores, o protocolo com o registro das respostas foi designado a três juízes cegos com conhecimento em Análise do Comportamento. Para cada pergunta/resposta, os juízes, de forma independente, davam os valores 0 para resposta incorreta e 1 para resposta correta. Após o registro dos juízes, os valores foram comparados com o intuito de identificar a concordância entre observadores. A fórmula utilizada foi o número total de concordâncias dividido pelo número de concordâncias mais discordâncias multiplicado por 100. O resultado obtido foi 87% de concordância para os participantes com DI, 92% para os participantes com TEA e 100% para os participantes com desenvolvimento típico.

RESULTADOS

As Figuras1, 2 e 3 apresentam os resultados obtidos por cada participante com DT, DI e TEA, respectivamente. Para os participantes com DT e mesma idade, os dados indicam pouca variabilidade (ver Figura 1), variando de 59 a 70 respostas corretas.



Figura 1. Desempenho individual dos participantes com desenvolvimento típico



Figura 2. Desempenho individual dos participantes com DI. A linha pontilhada representa a linha de tendência.



Figura 3. Desempenho individual dos participantes com TEA. A linha pontilhada representa a linha de tendência.

Os scores obtidos pelos participantes com DI não seguiram uma distribuição normal (D(26) = 0,173 e p = 0,045 no teste Kolmogorov-Smirnov e D(26) = 0,907 e p = 0,023 no teste Shapiro-Wilk), portanto, foi utilizada a correlação de Spearman, que indicou correlação positiva e moderada entre idade e desempenho no questionário (rs = 0,416 e p = 0,035). Todos os participantes com 14, 15 e 16 anos de idade obtiveram número de respostas corretas maior que a média obtida por esse grupo (60,88 acertos), sendo que entre os participantes com 7, 8 e 9 anos de idade, apenas um obteve número de acertos maior do que a média. Vale ressaltar também que alguns participantes mais novos obtiveram desempenho melhor que participantes mais velhos (P4, com 8 anos, obteve 70 respostas corretas e P14, com 12 anos, e P7, com 10 anos, obtiveram menos de 40 respostas corretas).

Os escores obtidos pelos participantes com TEA apresentaram distribuição normal (D(23) = 0,145 e p = 0,200 no teste Kolmogorov-Smirnov e D(23) = 0,962 e p = 0,504 no teste Shapiro-Wilk), então, foi possível utilizar a correlação de Pearson, que não indicou correlação significativa entre idade e desempenho no questionário para esses participantes (r = -0,020 e p = 0,926). Em geral, houve grande variabilidade nos desempenhos. Considerando a média de respostas corretas dos participantes com TEA (58 acertos), houve participantes mais novos (com cinco, seis e sete anos) e mais velhos (com dez, 11 e 12 anos) que pontuaram tanto acima como abaixo dessa média, indicando, novamente, a grande variabilidade comportamental nessa população.

Todos os participantes com DT apresentaram, pelo menos, 59 respostas corretas. Dos 26 participantes com DI, apenas três apresentaram menos do que 40 respostas corretas, assim como 17 apresentaram pelo menos 59 respostas corretas. Dos 23 participantes com TEA, apenas um apresentou menos do que 40 respostas corretas, e dez apresentaram. pelo menos. 59 respostas corretas.

A Figura 4 apresenta os desempenhos médios de cada categoria de participantes de acordo com os grupos de perguntas. Destaca-se que o Grupo 1 caracteriza-se pelas estruturas mais simples, até o Grupo 8, com as mais complexas.



Figura 4. Média de acerto dos participantes por grupo. As linhas pontilhadas representam as linhas de tendência.

As linhas de tendência da Figura 4 (linhas pontilhadas) indicam que os acertos dos participantes, independentemente da categoria (DT, TEA ou DI), caem conforme a estrutura das perguntas apresentadas se torna mais complexa, ou seja, passa de discriminações simples, nos grupos iniciais, para discriminações condicionais, nos grupos finais. As exceções mais significativas referem-se ao Grupo 6 para os participantes com DI, que apresenta leve melhora em relação ao Grupos 5, e ao Grupo 7, para os participantes com TEA e com DT, com leve melhora em relação ao Grupo 6.

DISCUSSÃO

O presente trabalho pretendia aplicar o protocolo de teste intraverbal proposto por Sundberg e Sundberg (2011) em participantes com DI, TEA e DT, e verificar se o padrão do responder se assemelhava aos dos participantes do artigo original. Adicionalmente, pretendia-se verificar a aplicabilidade da versão traduzida.

Em geral, os resultados obtidos foram acima de 50% de respostas corretas, indicando um bom grau de compreensão, de repertório verbal expressivo e de discriminações condicionais verbais dos participantes, em relação às perguntas apresentadas. Portanto, entende-se que o protocolo, em sua versão traduzida para o português, apresenta consistência com a versão original e indica que a sequência de perguntas apresenta aumento de complexidade do Grupo 1 para o Grupo 8, considerando, principalmente, os resultados obtidos pelas crianças com DT. Entretanto, é importante ressaltar que algumas perguntas mostram-se mais complexas, inclusive para o julgamento dos juízes, como a questão “Qual seu filme favorito?”, em que alguns participantes responderam a categoria do filme (“terror”) ou um personagem (“Robô”). Outra resposta comum foi “Eu não sei”, que, apesar de poder ser interpretada como resposta intraverbal, foi considerada incorreta, pois não explicita se o participante ficou sob controle de todos os estímulos contidos na pergunta.

Foram observadas, também, respostas de ecolalia (repetição das últimas palavras da pergunta), assim como no trabalho de Sundberg e Sundberg (2011). Estas respostas surgiram, principalmente, nas perguntas dos grupos finais, o que pode indicar fuga ou incompreensão da pergunta. Outro dado que merece destaque refere-se à resposta “privada”, dada por vários participantes, após a pergunta “Você senta em uma?”, pois os participantes podem ter ficado sob controle da pergunta anterior (“Após usar o banheiro, você dá?”), quando apresentadas nessa sequência. Cabe destacar ainda a pergunta “O que você não pode vestir?”, que gerou respostas do tipo “vestidos” ou “roupa de menina”, quando o participante era um menino, e “roupa de menino”, quando a participante era uma menina.

Os dados obtidos pelos participantes com DI indicam alguma correlação na aquisição de repertório intraverbal de acordo com a idade, replicando os resultados encontrados por Sundberg e Sundberg (2011) com participantes com DT, em que foi identificada a correlação entre a idade das crianças (de 8 meses a 6 anos de idade) e o número de respostas intraverbais corretas, ou seja, quanto mais velhas, mais acertos. Os dados obtidos pelos participantes com TEA também replicam os dados encontrados por Sundberg e Sundberg (2011) com essa população, em que houve grande variabilidade de desempenho e nenhuma correlação com a idade.

Todos os participantes com desenvolvimento típico apresentaram desempenhos bastante altos, corroborando com autores (Bijou, 1976; Brazelton & Sparrow, 2006; Hart & Risley, 1995) que afirmam que crianças com desenvolvimento típico já apresentam respostas intraverbais por volta dos 2 ou 3 anos de idade.

Os dados apresentados na Figura 4 enfatizam o atraso na aquisição de repertórios intraverbais de indivíduos com DI e com TEA. A quantidade média de acertos para as três categorias de participantes em cada grupo foi bastante semelhante, mas, é preciso lembrar que os participantes com DT tinham cinco anos de idade, enquanto que os participantes com DI tinham idades entre sete a 16 anos, do mesmo modo que os participantes com TEA tinham idades entre cinco e 12 anos. Dados da literatura têm indicado que indivíduos com TEA e com DI podem manifestar algum tipo de atraso de linguagem (Akshoomoff, 2006; Cheslock, Barton-Hulsey, Romski, & Sevcik, 2008; McLean et al., 1999). Adicionalmente, conforme Schreibman (1988), crianças com atraso no desenvolvimento têm dificuldades para responder a estímulos verbais complexos.

Por fim, de acordo com os dados obtidos, observa-se que perguntas mais complexas ou com maior quantidade de palavras representam maior complexidade para o responder dos participantes (Poon & Butler, 1972). Um exemplo de questão com maior erro dos participantes foi “Porque usamos bandaid?” e “Qual número fica entre 6 e 8?”, que exigia, além da discriminação condicional verbal, domínio conceitual e abstrato dos participantes. Atrasos em domínio conceitual, abstração de ideias e criatividade são frequentemente relacionadas ao diagnóstico de indivíduos com DI e com TEA, o que pode representar mais um aspecto importante a ser considerado no ensino de linguagem para esses indivíduos (Luckasson et al., 2002).

Os resultados apresentados nesta pesquisa corroboram com a literatura sobre a aquisição de repertório intraverbal, principalmente no que se refere à idade e contexto. Além disso, os resultados encontrados na aplicação deste protocolo podem ser utilizados para a programação de ensino de operantes intraverbais, essenciais para situações sociais e de conversação.

Estudos futuros poderiam repetir a aplicação do protocolo com as mesmas populações do presente estudo, mas com controle da faixa etária e quantidade de participantes. Além disso, estudos de comportamento verbal poderiam utilizar o protocolo para caracterizar os participantes. Uma das limitações foi a falta da aplicação de testes ou escalas para caracterizar os participantes. Estudos futuros poderiam utilizar o VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program; Sundberg, 2008) ou o PPVT-R (Peabody Picture Vocabulary Test - Revised; Dunn & Dunn, 1981) para avaliar o repertório verbal dos participantes. Dessa forma, seria possível observar a relação entre aumento do desempenho intraverbal com outras características dos participantes e não somente a idade.

Material suplementario
Referencias
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Notas


Figura 1. Desempenho individual dos participantes com desenvolvimento típico


Figura 2. Desempenho individual dos participantes com DI. A linha pontilhada representa a linha de tendência.


Figura 3. Desempenho individual dos participantes com TEA. A linha pontilhada representa a linha de tendência.


Figura 4. Média de acerto dos participantes por grupo. As linhas pontilhadas representam as linhas de tendência.
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