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Transferência de função por meio de treino discriminativo e contiguidade temporal entre estímulos
Transfer of function through discriminative training and temporal contiguity between stimuli
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 3, pp. 287-298, 2019
Universidad Veracruzana



Recepção: 06 Junho 2018

Aprovação: 23 Março 2019

Resumo: O treino discriminativo e a apresentação temporalmente contígua de estímulos são procedimentos que podem produzir transferência de função. O objetivo desse experimento foi averiguar se a apresentação temporalmente contígua entre estímulos seria exclusivamente responsável pela transferência de função. Assim, foi conduzido um procedimento que envolveu simultaneamente um treino discriminativo e a apresentação contígua de estímulos. Seis participantes adultos passaram por um procedimento com três fases. A primeira foi o treino de discriminação simples. O estímulo A1 foi apresentado lado-a-lado com cada um de seis estímulos unitários formando seis estímulos compostos. Responder e não responder foi diferencialmente reforçado, respectivamente, diante de A1B1, A1C1, A1D1 e A1B2, A1C2, A1D2. A segunda fase consistiu no treino de respostas diferenciais. A resposta R1 diante de B1 e R2 diante de B2 produziram reforços. A terceira fase foi um teste de transferência de função, no qual os sete estímulos unitários foram apresentados e a ocorrência de R1 ou R2 foi registrada. Nos testes finais, quatro participantes emitiram R1 e R2, respectivamente, na presença dos estímulos do Conjunto 1 e 2. Dois participantes emitiram R1 e R2 indiscriminadamente para todos os estímulos. Indicando que a apresentação contígua pode não ser suficiente para que haja essa transferência.

Palavras-chave: treino discriminativo, transferência de função, classes funcionais, contiguidade, humanos.

Abstract: Discriminative training and temporally contiguous stimuli presentation can both produce transfer of functions. The purpose of the present experiment was to investigate whether the temporally contiguous presentation between stimuli or discriminative training would be exclusively responsible for transfer of function. Both procedures were simultaneously presented in a manner that performances produced by each would be the opposite (transfer of function or absence of transfer). Six undergraduates were submitted to three experimental phases. The first phase consisted of a discriminative training. Six compound stimuli were successively presented. Each compound stimulus was formed of A1 presented side-by-side with one of six other unitary stimuli from two different sets of stimuli. The compounds were A1B1, A1C1, A1D1 (Set 1) and A1B2, A1C2, A1D2 (Set 2). Each compound was presented for four seconds separated by an Inter Trial Interval of two seconds. Participant could click with the mouse or not click in the presence of each compound. Responding in the presence of A1B1, A1C1, A1D1 and not responding in the presence of A1B2, A1C2, A1D2 was followed by reinforcement. Not responding in the presence of A1B1, A1C1, A1D1 and responding in the presence of A1B2, A1C2, A1D2 was not followed by programmed consequences. In the second phase, B1 and B2 were successively presented. In the presence of each of these stimuli participant could press “tab” key (response R1) or “enter” key (response R2) from the keyboard. These stimuli remained on the screen until R1 or R2 were emitted. At the end of each trial, R1 and R2 were differentially reinforced in the presence of B1 and B2, respectively. Throughout the training phases, points added to a counter were used as reinforcement. The third phase consisted of transfer of function test in which all unitary stimuli were successively presented and responses R1 and R2 were recorded. No programed consequences were presented in testing phase. The participants reached accurate performances after two to eight training sessions in the first phase and reached accurate performances in the second phase after one or two training sessions. The results on the transfer of function test showed that four out of six participants emitted, systematically, R1 and R2, respectively, in the presence of unitary stimuli from Set 1 and 2. The two other participants emitted R1 and R2, unsystematically, in the presence of all stimuli. These results indicated that for four out of six participants functional classes were established by the discriminative training. Therefore, temporal contiguity is not sufficient to produce transfer of function. These results indicated that discriminative training might have a preponderant role in establishing stimuli classes and transfer of function.

Keywords: discriminative training, function transfer, functional classes, contiguity, humans.

Uma classe de estímulos é formada quando o procedimento de treino discriminativo estabelece, por meio do reforço diferencial, as mesmas respostas para um conjunto de estímulos e não para outro (Goldiamond, 1962, 1966). Após esse treino, caso uma nova resposta seja treinada para um estímulo da classe, essa resposta passará a ser emitida na presença de outro estímulo da mesma classe, sem a necessidade de treino adicional. Dessa maneira, a contingência aplicada a um dos membros da classe teria efeito sobre os demais membros da mesma classe.

Tradicionalmente, quando uma resposta diretamente treinada a um membro de uma classe de estímulos passa a ser emitida na presença dos demais membros dessa mesma classe sem que haja um treino adicional, diz-se que ocorreu transferência de função (e.g., Barnes & Keenan, 1993; Markham & Markham, 2002). Um exemplo prático seria, em um treino discriminativo, reforçar diferencialmente a emissão de uma resposta R1 para o conjunto de estímulos A1, B1 e C1 (Classe 1) e uma resposta R2 para o conjunto de estímulos A2, B2 e C2 (Classe 2). Posteriormente, para um elemento da Classe 1 (A1), treinar uma resposta R3 e, para um elemento da Classe 2 (A2), treinar uma resposta R4. Em um teste subsequente de transferência de função, os estímulos da Classe 1 e 2 seriam apresentados e haveria transferência de função se R3 fosse emitida para os elementos da Classe 1 e R4 para os elementos da Classe 2.

A literatura tem apresentado algumas formas de se avaliar a transferência de função como, por exemplo, por meio da identificação de respostas de esquiva (e.g., Augustson & Dougher, 1997), do uso do instrumento de diferencial semântico (e.g., Bortoloti & de Rose, 2007; Vernucio & Debert, 2016) e da identificação da eliciação de respostas respondentes (e.g., Dougher, Augustson, Markham, Greenway, & Wulfert, 1994). Todos esses exemplos revelam diferentes formas de se testar a transferência de função após o estabelecimento de classes de estímulos utilizando-se treinos discriminativos. Outro conjunto de estudos têm procurado demonstrar que diferentes procedimentos podem produzir transferência de função, incluindo procedimentos que envolveriam apenas apresentação temporalmente contígua de estímulos (e.g., Boelens & Smeets, 1990; Declercq & De Houwer, 2009; Smeets, 1994; Tonneau & González, 2004).

Tonneau e González (2004) e Declercq e De Houwer (2009) desenvolveram experimentos que apontam para essa direção. Sugerem de forma mais contundente que a transferência de função pode ocorrer, não somente a partir de um treino discriminativo que estabeleceria classes de estímulos, mas também, exclusivamente, em função de apresentação temporalmente contígua de estímulos, ou seja, o pareamento entre estímulos.

O Experimento 1 de Tonneau e González (2004) foi delineado com o objetivo de investigar a transferência da função discriminativa em humanos através da apresentação temporalmente contígua de estímulos. Foi realizado um treino discriminativo com três respostas diferenciais para três estímulos, B1, B2 e B3. Em uma fase subsequente, os estímulos B1, B2 e B3 foram apresentados de maneira temporalmente contígua e sucessiva aos estímulos C1, C2 e C3, respectivamente. Cada tentativa era iniciada com a apresentação de um elemento do conjunto de estímulos B com a palavra “olhe” escrita abaixo dele. Após 1,5s, era apresentado, acima do estímulo do conjunto B, um elemento do conjunto de estímulos C, também com a palavra “olhe” escrita abaixo do estímulo. Ambos estímulos permaneciam na tela por 1,5s e eram seguidos de um intervalo entre tentativas de 2,5s. Após as tentativas de apresentação temporalmente contígua, foram conduzidos testes que avaliaram qual das três respostas seriam sistematicamente emitidas na presença dos estímulos do Conjunto C. Os resultados indicaram que os participantes emitiram, sistematicamente, para C1, C2 e C3 as respostas que foram diretamente treinadas, respectivamente, para B1, B2 e B3 sem que o procedimento de treino discriminativo sugerido por Goldiamond (1962, 1966) fosse realizado para estabelecimento de classes de estímulos (por exemplo, R1 na presença de B1 e C1, R2 na presença de B2 e C2 e R3 na presença de B3 e C3).

De forma similar, Declercq e De Houwer (2009) indicaram a possibilidade de contiguidade temporal ter efeito sobre transferência de função de estímulo sem que o treino discriminativo sugerido por Goldiamond (1962, 1966) fosse realizado para a evocação de respostas de esquiva. No Experimento 1, foi realizada, em quatro tentativas, a apresentação temporalmente contígua do estímulo A com o estímulo K e a apresentação temporalmente contígua do estímulo B com o estímulo L. A segunda fase de treino consistiu na apresentação temporalmente contígua do estímulo A com o estímulo X e na apresentação temporalmente contígua do estímulo B com o estímulo Y. Os estímulos X e Y sinalizavam a contingências aversivas programadas de perda de dinheiro. A terceira fase do experimento consistiu em um treino de duas respostas diferenciais de esquiva, em que, diante do estímulo A, a emissão da resposta R1 evitava produção da contingência aversiva programada e a emissão de R2 diante do estímulo B evitava produção da contingência aversiva programada. Após o treino de respostas diferenciais de esquiva, foi conduzido um teste que avaliava qual das duas respostas de esquiva seriam sistematicamente emitidas na presença dos estímulos K e L. Os resultados demonstram que 75% dos participantes emitiram as respostas de esquiva R1 diante do estí- mulo K e R2 diante do estímulo L na primeira tentativa de teste.

Portanto, os estudos de Tonneau e González (2004) e Declercq e De Houwer (2009) indicam que a contiguidade temporal ou pareamento entre estímulos pode ser suficiente para que ocorra a transferência de função sem que seja necessário o treino discriminativo como descrito por Goldiamond (1962, 1966). Tal descoberta seria importante na medida em que evidenciaria que não há necessidade de recorrer a um treino mais extenso, como seria o treino discriminativo, para estabelecer transferência de função; bastaria que os estímulos fossem apresentados de forma contígua.

Tonneau e Gonzalez (2004, p.241) defendem que o “pareamento procedeu na ausência de reforçamento operante”. Entretanto, consequências diferenciais foram providas nas tentativas de treino de forma que respostas operantes poderiam ter sido inadvertidamente reforçadas (respostas encobertas como, por exemplo, a resposta de “olhar” foram instruídas). Uma forma adicional de avaliar se a apresentação contígua entre estímulos seria exclusivamente responsável pelas transferências seria promover simultaneamente um treino discriminativo e a apresentação contígua de estímulos que gerassem desempenhos resultantes opostos (transferência de função ou ausência dessa transferência). Dessa maneira, o desempenho final obtido (transferência de função ou ausência dessa transferência) seria indicativo de qual dos dois procedimentos seria o responsável pelos desempenhos finais obtidos.

Assim sendo, o objetivo do presente estudo foi conduzir tal avaliação no sentido de prover uma alternativa metodológica para a investigação das condições necessárias e suficientes para se produzir transferência de função. Para tanto, o treino discriminativo descrito por Goldiamond (1962, 1966) foi conduzido para se estabelecer duas classes funcionais com três estímulos cada (Classe 1 formada por B1, C1 e D1 e Classe 2 formada por B2, C2 e D2). Durante esse treino discriminativo, os estímulos B1, C1, D1, B2, C2 e D2 foram apresentados sempre acompanhados, lado-a-lado, do mesmo estímulo (A1). Dessa forma, o estímulo A1 foi apresentado de forma contígua com todos os estímulos de ambas classes. Em seguida, duas respostas diferenciais (R1 e R2) foram treinadas, respectivamente, para os estímulos B1 e B2. Testes foram conduzidos para verificar se C1, D1 e C2 e D2 passariam a controlar, respectivamente, R1 e R2; ou seja, se haveria transferência de função, independentemente da contiguidade de todos os estímulos, de ambas as classes, com A1.

Dessa forma, ao combinar o procedimento de treino discriminativo com o procedimento de apresentação temporalmente contígua do estímulo A1, ter-se-ia dois possíveis resultados nos testes de transferência de função. Se, diante dos estímulos B1, C1 e D1, fosse emitida a resposta R1 100% das vezes e, diante dos estímulos B2, C2 e D2, fosse emitida a resposta R2 100% das vezes, poder-se-ia dizer que houve transferência de função produzida pelo procedimento de treino discriminativo de Goldiamond (1962, 1966). Se, diante de todos os estímulos envolvidos, ambas as respostas fossem apresentadas, poder-se-ia dizer que a apresentação temporalmente contígua de todos os estímulos com o estímulo A1 produziu transferência de ambas as respostas para todos os estímulos e que o procedimento de apresentação temporalmente contígua seria o responsável pelos desempenhos obtidos.

MÉTODO

Participantes

Seis estudantes universitários do primeiro semestre do curso de Psicologia sem prévio conhecimento de Análise Experimental do Comportamento com idade de 18 a 25 anos participaram do experimento. Foram solicitados a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido. Receberam informações gerais sobre o procedimento e foram informados de que podiam desistir do experimento a qualquer momento. As participações foram estritamente voluntárias. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de São Paulo e protocolado na Plataforma Brasil (CAAE 58276316.3.0000.5561).

Equipamentos

Todas as sessões foram conduzidas individualmente em uma sala de 4m x 3m. Utilizou-se um computador IBM com monitor de 256mm (14 polegadas) equipado com o programa Compound (Debert, Matos & McIlvane, 2007) programado em linguagem Visual Basic® para apresentação dos estímulos, para o registro e para a organização dos dados. Cada participante sentou-se de frente para o monitor e pôde responder, inicialmente, com o mouse em qualquer local da tela e, posteriormente, com as teclas “tab” e “enter” do teclado do computador para o treino de respostas diferenciais.

Sete formas abstratas foram utilizadas como estímulos conforme apresentado na Figura 1.


Figura 1.
Estímulos unitários da Fase 2 – Treino de discriminações sucessivas com respostas diferenciais (B1 – R1 e B2 – R2) e Fase 3 – Teste de transferência de função (A1, B1, C1, D1, B2, C2 e D2).

A Figura 2 apresenta quais foram os pares de estímulos que foram apresentados na Fase 1, treino com pares de estímulos.


Figura 2.
Pares de estímulos corretos e incorretos da Fase 1.

PROCEDIMENTO

Fase 1: Treino com pares de estímulos.

O objetivo dessa fase foi realizar um treino discriminativo de responder e “não responder” (emitir qualquer resposta que não clicar com o botão do mouse) para diferentes pares de estímulos. Seis pares de estímulos foram sucessivamente apresentados (A1B1, A1C1, A1D1, A1B2, A1C2 e A1D2). Cada apresentação dos estímulos durava 4s e era seguida de um intervalo entre tentativas de 2s. Cada resposta de clicar com o mouse na presença dos pares de estímulos A1B1, A1C1 e A1D1 foi seguida de 10 pontos, acumulados em um contador de pontos que era apresentado no canto superior esquerdo da tela do computador e foi considerada como uma tentativa correta (não responder na presença destes estímulos era considerado como uma tentativa incorreta). Após as seis primeiras tentativas com esses pares de estímulos, as respostas na presença destes passaram a produzir pontos em um esquema conjuntivo (FR1VT2,5s) para que essas respostas não ficassem exclusivamente sob controle da consequência (Debert et al. 2007). Respostas de clicar com o mouse na presença dos pares de estímulo A1B2, A1C2 e A1D2 não foram seguidas de pontos e foram consideradas como tentativas incorretas. Não responder na presença de qualquer um desses pares de estímulos não foi seguido de pontos e foi considerada como uma tentativa correta.

Cada sessão do treino envolveu oito blocos de seis tentativas cada (total de 48 tentativas por sessão). A ordem de apresentação dos pares de estímulo foi aleatorizada, de modo que os estímulos correlacionados com reforço e não correlacionados não se repetissem mais de três vezes consecutivas.

Antes do início da primeira fase de treino era apresentada aos participantes a seguinte instrução na tela:

Esse estudo não é sobre inteligência e não visa avaliar suas habilidades intelectuais. Ao seu término, você receberá maiores explicações. Eu ficarei por perto para resolver qualquer problema técnico com o equipamento, mas eu não poderei falar com você. O seu objetivo é conseguir o maior número de pontos possível. Esses pontos serão mostrados na parte superior da tela. Numa área definida no centro da tela, aparecerão símbolos. Sua tarefa é clicar sobre essa área quando os símbolos que você acredita serem corretos forem mostrados e não clicar quando os símbolos forem incorretos. No começo, você receberá pontos sempre que você clicar nos símbolos corretos; posteriormente, você às vezes receberá e às vezes não receberá pontos. A tarefa ficará mais difícil ao longo do tempo. Por isso, preste atenção mesmo quando a tarefa parecer ser muito simples. Por favor, repita para mim as instruções que você leu.

O critério para a progressão do participante à segunda fase foi 98% de tentativas corretas em oito blocos (uma sessão).

Fase 2: Treino de discriminação sucessiva com respostas diferenciais

O objetivo dessa fase foi treinar respostas diferenciais na presença dos estímulos B1 e B2 (Figura 1).

Cada tentativa se iniciava com a apresentação dos estímulos B1 e B2 no centro da tela do computador. Uma resposta R1 (pressionar a tecla “tab”) produzia 10 pontos quando emitida na presença de B1 e era considerada como uma tentativa correta. Uma resposta R2 (pressionar a tecla “enter”) produzia 10 pontos na presença do estímulo B2 e era considerada correta. Caso o participante emitisse a resposta R2 diante de B1 e a resposta R1 diante de B2, nenhuma consequência programada era apresentada e essas tentativas eram consideradas incorretas. A apresentação de B1 e B2 seguiu uma ordem quase aleatória na qual cada estímulo não se repetiu por mais de duas vezes.

O treino iniciou-se com a apresentação da seguinte instrução aos participantes:

A seguir serão apresentadas formas abstratas. Sua tarefa será responder utilizando as teclas “tab” ou “enter” para os estímulos apresentados. Se você tiver dúvidas, pergunte ao experimentador agora. Quando você estiver pronto, pressione ok para começar.

O critério para o participante passar para a próxima fase foi a emissão de 22 respostas corretas de um total de 24 tentativas (91% de respostas corretas). Os participantes que não atingiram o critério foram expostos a uma sessão adicional de treino até que atingissem o critério.

Fase 3: Teste de transferência de função

A fase de teste de transferência de função foi similar à fase anterior, exceto, que todos os estímulos unitários (Figura 1) foram apresentados com o objetivo de verificar se as respostas treinadas para B1 e B2 passariam a ocorrer na presença dos demais estímulos. A fase iniciouse com a apresentação das seguintes instruções:

Nessa fase você continuará a pressionar as teclas “tab” e “enter”, mas não haverá mais pontos. Faça o melhor que puder. Por favor, descreva para o experimentador as instruções que acabou de ler. Quando experimentador disser que você pode iniciar a tarefa, clique no botão escrito “OK” para dar início ao experimento. Obrigado pela sua participação!

Nesta fase os estímulos A1, B1, B2, C1, C2, D1 e D2 foram apresentados individualmente no centro da tela do computador. Os estímulos foram apresentados aleatoriamente em quatro blocos de sete tentativas de modo que o mesmo estímulo não aparecia na mesma ordem de um bloco para o outro. Não houve quaisquer consequências programadas.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a porcentagem de respostas diante dos pares de estímulos programados como corretos na Fase 1 e a porcentagem de respostas diferenciais corretas na Fase 2.

Tabela 1.
Porcentagem de respostas diante dos pares de estímulos corretos na Fase 1 (treino com pares de estímulos) e porcentagem de respostas diferenciais corretas na Fase 2 (treino de discriminação sucessiva com respostas diferenciais) para todos os participantes.

Os participantes levaram de duas a oito sessões para atingirem o critério para a progressão da Fase 1 para a Fase 2 (98% de respostas aos pares de estímulos corretos e 2% de respostas aos pares de estímulos incorretos). O participante P4 levou um número maior de sessões para atingir o critério muito porque desenvolveu um padrão de responder todas as tentativas diante de todos os estímulos (corretos ou incorretos) nas primeiras seis sessões de treino. Apenas na sétima sessão, o responder diante dos estímulos programados como incorretos caiu de 100% (para todos os pares de estímulo), para 25%, 12,5% e 50%, respectivamente, para A1B2, A1C2 e A1D2. Na oitava sessão o responder diante de estímulos considerados incorretos cessou, atingindo o critério para passagem de fase.

Na Fase 2, apenas, o participante P2 precisou de uma segunda sessão de treino para atingir o critério de passagem de fase (22 de 24 respostas corretas, ou seja, uma acurácia de 91%). O participante P4 atingiu um escore de 83% de respostas corretas na Fase 2. Entretanto, como os erros ocorreram apenas nas primeiras 4 tentativas da sessão, não foi necessário conduzir mais uma sessão de treino de discriminação sucessiva com respostas diferenciais.

A Figura 3 apresenta o número de respostas diferenciais (R1 e R2) frente a cada estímulo unitário nos quatro blocos de sete tentativas que compunham a Fase 3 de teste de transferência de função para todos os participantes.


Figura 3.
Número de respostas R1 ou R2 aos estímulos apresentados na Fase 3.

Na Fase 3 de teste de transferência de função, os participantes P1, P2 e P3 emitiram a resposta R1 todas as vezes que foram apresentados os estímulos B1, C1, D1 e emitiram a resposta R2 todas as vezes em que foram apresentados os estímulos B2, C2 e D2. Assim, para esses participantes, a apresentação contígua de todos os estímulos ao estímulo A1 não parece ter evitado que o treino discriminativo permitisse a transferência de função entre estímulos da mesma classe funcional.

P4 emitiu, diante dos estímulos da Classe 1, todas as quatro respostas R1. Diante dos estímulos da Classe 2, foram emitidas, respectivamente, quatro respostas R2 diante de B2 e três respostas R2 diante de C2 e D2. Apesar de R1 ter sido emitida uma única vez para C2 e para D2, ainda assim, é possível dizer que houve estabelecimento de duas classes funcionais uma vez que o maior número de resposta R2 foi apresentada na presença apenas dos estímulos da Classe 2.

Diferentemente desses participantes, P6 emitiu tanto R1 quanto R2 para todos os estímulos, exceto para D1 para o qual emitiu quatro R2. Portanto, o desempenho de P6, diferente dos participantes P1, P2 e P3, não demonstrou controle de R1 e R2 pelos estímulos da Classe 1 e 2, respectivamente. Isso indica que, provavelmente, para esse participante, a apresentação contígua de cada um dos estímulos com A1 evitou que o treino discriminativo estabelecesse duas classes funcionais. O mesmo deve ter acontecido com P5 uma vez que esse participante emitiu R2 para todos os estímulos, exceto para B1 que foi o estímulo correlacionado com R1 no treino da Fase 2.

Em relação ao estímulo A1, aquele que foi apresentado temporalmente contíguo a todos estímulos da Classe 1 e da Classe 2, observou-se diferentes distribuições de respostas R1 e R2 para todos os participantes. P1, P4 e P5 emitiram R2 em todas as tentativas em que A1 foi apresentado. O participante P6 emitiu duas respostas R1 e duas respostas R2 diante de A1. O participante P2 emitiu três respostas R1 e uma resposta R2 diante do estímulo A1. Enquanto o participante P3 emitiu a resposta R1 quatro vezes diante de A1. Somente, o participante P6 emitiu R1 e R2 com igual proporção dada a apresentação de A1. Isso indica que a apresentação contígua de A1 com todos os estímulos gerou resultados diferentes para cada participante. Ou seja, A1 controlou ou não respostas diferentes para cada participante já que a condição de treino apresentada correlacionou A1 com ambas as respostas.

DISCUSSÃO

O presente estudo utilizou-se de um treino de discriminação simples para estabelecer duas classes funcionais com três pares de estímulos cada (e.g., Goldiamond, 1962; 1966). Durante esse treino, cada um dos estímulos desses dois conjuntos foi apresentado de maneira temporalmente contígua ao estímulo A1. Em seguida, respostas diferenciais (R1 e R2) foram treinadas, respectivamente, para um estímulo de cada classe (o estímulo B1 da Classe 1 e o estímulo B2 da Classe 2). Foi realizado um teste de transferência de função com todos os sete estímulos em sua forma unitária para avaliar qual dos dois procedimentos (treino discriminativo ou procedimento de apresentação temporalmente contígua) teriam sido responsáveis pelos resultados obtidos.

Os participantes P1, P2 e P3, no teste de transferência de função, emitiram a resposta R1 100% das vezes para os estímulos da Classe 1. A resposta R2 foi emitida 100% das vezes para os estímulos da Classe 2. Desta forma, para P1, P2 e P3, os resultados demonstram que o treino discriminativo foi o responsável para formar classes funcionais conforme sugerido por Goldiamond (1962, 1966) independentemente do emprego do procedimento de apresentação contígua de todos os estímulos com o estímulo A1. Os dados de P4 também corroboram essa afirmação porque a maioria das respostas foi sistematicamente emitida de forma diferencial para os elementos de cada classe. Portanto, diferentemente do que ocorreu nos experimentos de Tonneau e González (2004) e Declercq e De Hower (2009), nos quais o pareamento entre os estímulos produziu transferência de função, a apresentação contígua do estímulo A1 com todos os estímulos dos Conjuntos 1 e 2 não evitou a produção de respostas diferentes e siste- máticas para cada estímulo dos Conjuntos 1 e 2.

Em contrapartida, para os participantes P5 e P6, a apresentação contígua de A1 com todos os estímulos parece ter sido suficiente para prevenir a formação das duas classes funcionais e a, decorrente, transferência de função. O participante P5 emitiu a resposta R1 somente para o estímulo B1, emitindo a resposta R2 para todos os demais estímulos. O participante P6 emitiu respostas de maneira não diferencial para os estímulos das Classes 1 e 2. Assim, seu resultado aponta para a apresentação contígua de A1 como responsável por prevenir a formação de classes funcionais.

Seria possível levantar a hipótese de que, para os participantes P1, P2, P3 e P4, a apresentação de A1 sempre a esquerda e de forma contígua a todos os estímulos teria impedido que esses participantes atentassem para A1 mesmo tendo realizado a tarefa de treino com êxito. Entretanto, os resultados do teste de transferência de função desses participantes revelam que o estímulo A1 controlou as respostas R1 ou R2. Para dois deles, P2 e P3, a resposta R1 foi emitida diante da maior parte das tentativas com o estímulo A1 e, para P1 e P4, foi emitida R2 para A1. Dessa forma, há evidência de que o responder desses participantes estava sob controle de A1 na medida em que, nos testes, esse estímulo controlou respostas específicas. Os participantes P5 e P6 distribuíram igualmente R1 e R2 diante do estímulo A1. Nesse caso, seria possível levantar a hipótese de que a apresentação de A1 junto com todos os estímulos pode ter evitado que esses participantes atentassem a A1 e, assim, o próprio procedimento de apresentação contígua não teria sido adequadamente conduzido. Tendo em vista que esses participantes não estabeleceram transferência de função, restaria saber o que, independentemente da apresentação contígua de A1, poderia ter evitado o estabelecimento da transferência de função. Futuros estudos poderiam investigar essa questão.

Em conjunto, os desempenhos apresentados pelos participantes do presente estudo sugerem que a apresentação contígua de A1 a todos os estímulos não necessariamente interfere na formação de classes funcionais e na subsequente transferência de função após um treino discriminativo como o sugerido por Goldiamond (1962, 1966) para todos os participantes. Sendo assim, diferentemente do que foi apresentado por Tonneau e González (2004) e Declercq e De Hower (2009), o presente estudo fornece indícios de que a apresentação contígua entre estímulos nem sempre é suficiente para gerar transferência de função. Muitas vezes, o treino discriminativo pode ter um papel preponderante no sentido de produzir a transferência de função. Além disso, nesses estudos, talvez o treino discriminativo tenha sido provido de forma inadvertida. Tal descoberta indica que, nem sempre, bastaria que os estímulos fossem apresentados de forma contígua para que classes funcionais fossem estabelecidas. Futuros estudos poderiam aumentar a amostra a fim de verificar se o procedimento de apresentação contígua evitaria ou não o estabelecimento da classe e a transferência de função na maior parte das vezes.

Outro aspecto que merece futuras investigações diz respeito a forma como os estímulos são apresentados durante a apresentação contígua de estímulos. No presente estudo, diferentemente do procedimento de Tonneau e González (2004), optou-se por uma apresentação simultânea de dois estímulos lado-a-lado em cada tentativa (e.g., Smeets, 1991). Há evidência na literatura (Mazur, 2013) de que a apresentação sucessiva de estímulos utilizada por Tonneau e González (2004), na qual o CS é apresentado primeiro e, após um curto intervalo, há a apresentação do US, produz condicionamento com maior força e em menor número de tentativas. Futuros estudos poderiam alterar apenas a forma como os estímulos (simultaneamente ou sucessivamente) foram apresentados nesse experimento para verificar se essa alteração produziria resultados diferentes.

Por fim, vale destacar que o presente estudo forneceu uma alternativa metodológica para se investigar o papel das condições necessárias e suficientes para se produzir transferência de função. O papel exclusivo da contiguidade temporal para gerar transferência de função ainda carece de maiores investigações experimentais de forma que se possa avançar na construção de procedimentos mais rápidos e eficazes em situações de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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Boelens, H., & Smeets, P. M. (1990). An analysis of emergent simple discrimination in children. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 42B(2), 135–152. https:// doi.org/10.1080/14640749008401877

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Autor notes

1 Alceu Martins Filho. Rua Estado de Israel, 99 – Vila Clementino – 04022-000, São Paulo, SP. alceu. ms@usp.br. Esse trabalho foi financiado pelas agências de fomento CNPQ (No 166325/2018-0 e 465686/2014- 1), CAPES (PROEX 0039047) e FAPESP (No. 2014/5990-8).


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