Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Buscar
Fuente


Uma Aproximação Entre Teoria dos Direitos Fundamentais e Análise do Comportamento
An Approximation Between Theory of Fundamental Rights and Behavior Analysis
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 32, núm. 1, pp. 107-124, 2024
Universidad de Guadalajara


Recepción: 25 Agosto 2023

Aprobación: 17 Enero 2024

Resumo: Apesar de terem origens históricas e teóricas bastante distintas, a Teoria dos Direitos Fundamentais e o Sistema Ético Skinneriano têm objetivos que se aproximam: planejar intervenções deliberadas, orientadas por um conjunto de valores, com a finalidade de produzir certas consequências na sociedade. O objetivo deste trabalho é demonstrar que estes dois campos de conhecimento têm uma abordagem contextualista dos valores e que essa visão contextualista seria um ponto de partida para o diálogo entre elas. Tanto na Teoria dos Direitos Fundamentais quanto no Sistema Ético Skinneriano os valores são compreendidos como frutos das relações sociais próprias de um povo e de um tempo histórico, de forma que a defesa de certos valores por um grupo social é sempre decorrente das relações concretas calcadas em um contexto social específico. A dimensão histórica dos valores conduz ao caráter flexível e aberto do conjunto de valores defendidos em um ou outro caso, já que seus conteúdos podem sofrer acréscimos e alterações e estão sujeitos às transformações sociais. Estes pontos em comum abrem possibilidades de diálogos entre estes campos de conhecimento que podem ser bastante profícuos para o alcance dos objetivos a que propõem.

Palavras-chave: análise do comportamento, sistema ético skinneriano, teoria dos direitos fundamentais, contextualismo, valores, políticas públicas.

Abstract: The Theory of Fundamental Rights and the Skinnerian Ethical System have quite different historical and theoretical origins, on the other hand, they have objectives that are similar: to plan deliberate interventions, guided by a set of values, with the purpose of producing certain consequences in society. The objective of this work is to demonstrate that these two fields of knowledge have a contextualist approach to values and that this contextualist view would be a starting point for the dialogue between them. This dialogue could enhance the discussions and scope of both areas and produce advances toward your goals. Fundamental rights had their origin in a natural law doctrine, in which there is the idea that natural rights exist, even if they are not expressed in legal norms. However, legal positivism doctrines of fundamental rights prevail today, which assume that only the norms that appear in the legal system are a right. It is the legal positivism doctrine that allows a contextualist analysis of fundamental rights because it conceives them as results of a dynamic and complex process of collective struggles and achievements that come to be endorsed by the social and state order. In the Skinnerian Ethical System, values are understood as reinforcing consequences selected throughout the history of the species, individual and culture, and usually are different between individuals and societies, depending on the history of each one. Just like all behavioral phenomenon values arise from the interaction between organism and environment so that for Radical Behaviorism there are no absolute values in relation to what is ethical or unethical, since these criteria arise from contingencies. The Theory of Fundamental Rights and the Skinnerian Ethical System defend different set of values, even though there may be similarities. However, in both cases, the values are understood as the result of social relations and historical events from a specific time. It means that the defense of certain values by a social group is always a result of concrete relationships based on a specific social context. The historical dimension of values leads to the flexible and open character of the set of values defended in either case, so, in both cases, their contents can suffer additions and alterations and are subject to social transformations. These points in common open up possibilities for dialogue between these fields of knowledge that can be very fruitful for achieving the objectives they propose. Futhermore, highlight the delicate problem of understanding values as historically determined and still taking them as guides for cultural planning, in the Skinnerian Ethical System, and public policies, in the Theory of Fundamental Rights.

Keywords: behavior analysis, skinnerian ethical system, theory of fundamental rights, contextualism, values, public policies.

A Teoria dos Direitos Fundamentais e o Sistema Ético Skinneriano são dois sistemas axiológicos que têm origens históricas e bases filosóficas distintas. Enquanto a primeira tem origem no séc. XVIII em uma perspectiva ligada à noção de direitos naturais do homem e está vinculada ao estudo dos valores e da moral no campo do direito, a segunda tem sua origem na década de 1970 e é fruto de reflexões do psicólogo estadunidense B. F. Skinner, tendo relação estrita com a ciência do comportamento proposta pelo autor. São tradições, portanto, com importantes divergências conceituais e teóricas, especialmente em suas origens.

A garantia e a realização dos direitos fundamentais é o objetivo último da Teoria dos Direitos Fundamentais, de forma que, nas palavras de Sarlet (2018), “Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais assumiu feições de Estado ideal” (p. 59), ou seja, um Estado em que se goze plenamente dos direitos fundamentais constitui o horizonte da nação e é para alcançá-lo que todas as ações do Estado devem ocorrer, incluindo, de forma especial, o planejamento e execução de políticas públicas. Já na obra de Skinner, aquilo a que se convencionou chamar de Sistema Ético Skinneriano foi derivado das discussões feitas por Skinner sobre as implicações éticas acerca do uso da tecnologia do comportamento para promover ou extinguir práticas culturais. As reflexões éticas em Skinner, portanto, aparecem sempre na esteira de sua defesa de um planejamento cultural. Assim, da mesma forma que os direitos fundamentais, como sistema axiológico, constituem a diretriz do planejamento de políticas públicas, o objetivo das discussões éticas na obra de Skinner é responder o que deve ser a finalidade de um planejamento cultural. A proposta de planejamento cultural parece contemplar, mas não necessariamente se esgotar, na noção de políticas públicas. Políticas públicas “são conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos (...) com a participação, direta ou indireta, de entes públicos ou privados que visam assegurar determinado direito de cidadania para vários grupos da sociedade ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico” (Andrade, 2016). Ou seja, políticas públicas também envolvem o planejamento deliberado (não necessariamente baseado na ciência) com vistas a produzir um objetivo específico. Considerando, então, que ambos os sistemas, com base em um conjunto de valores, pretendem planejar intervenções deliberadas com a finalidade de produzir certas consequências na sociedade, será que haveria a possibilidade de diálogo entre as áreas, de forma a potencializar as discussões e os alcances de ambas e que pudesse produzir avanços em suas finalidades? O objetivo deste artigo é demonstrar que ambos os sistemas têm uma abordagem contextualista dos valores e que essa visão contextualista seria um ponto de partida para o diálogo entre as áreas.

Contextualismo

De acordo com o Dicionário de Filosofia (Abbagnano, 2007), Contextualismo é uma “corrente do pragmatismo que acentua a mobilidade temporal dos eventos e os considera em estreita relação com os outros eventos que pertencem ao mesmo contexto” (p. 200). Não nos importa aqui, para os fins do presente trabalho, diferenciar os diferentes contextualismos existentes na literatura (e.g. Hahn, 1942; Hayes, 1987; Morris, 1988; Pepper, 1938). O que importa é a ideia de que os eventos, incluindo aí os valores que estariam na base de um sistema axiológico, sejam compreendidos como determinados a partir do seu contexto, tendo inegável circunscrição temporal e histórica.

Teoria dos Direitos Fundamentais

A positivação1 dos direitos fundamentais no direito internacional e nos ordenamentos jurídicos de diferentes nações é fruto de diversos acontecimentos históricos e discussões filosóficas que desembocaram nos valores que hoje fundamentam o Estado Democrático de Direito. Ahistória dos direitos fundamentais, desde sua origem no mundo antigo, até sua positivação jurídica, pode ser dividida em três fases: uma pré-história, seu desenvolvimento e, por fim, a culminação com os documentos de 1776 e 1789, a saber, Declaração dos Direitos dos Povos da Virgínia e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Sarlet, 2018).

A noção de direitos fundamentais tem sua origem na filosofia e religião do mundo antigo, mais especificamente na filosofia clássica e no pensamento cristão, tidos como a pré-história dos direitos fundamentais. É no pensamento clássico e no pensamento cristão, então, que têm origem conceitos como os de liberdade, dignidade e igualdade, bem como a ideia de que “o ser humano (e não apenas os cristãos) é dotado de um valor próprio e não pode ser transformado em mero objeto ou instrumentos da ação alheia” (Sarlet, 2015, p. 522). Mas essa é apenas uma pré-história, pois é só muitos anos depois que essas noções, motor para mudanças políticas e sociais, desembocaram na luta por direitos fundamentais garantidos pelo Estado a todos os cidadãos. O pensamento cristão e a filosofia clássica são, então, as raízes do “pensamento jusnaturalista e sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis” (Sarlet, 2018, p. 38).

Apesar de a noção dos valores positivados pelos direitos fundamentais remontarem ao tempo antigo, é no Renascimento que essas ideias começam a tomar a forma com que hoje se apresentam e que o direito jusnaturalista, por meio do qual a noção de direitos fundamentais se fortaleceu, tem seu desenvolvimento. Tiveram papel fundamental nesse processo a Reforma Protestante e a Filosofia Humanista, dando origem à noção de indivíduo e sua proteção enquanto tal. Esse individualismo, por sua vez, levou ao desenvolvimento de um novo movimento na política, o liberalismo. O pensamento renascentista, portanto, reforçou a defesa da ideia de direitos naturais inalienáveis do ser humano e da submissão da autoridade a esses direitos. Essa doutrina jusnaturalista chegou ao seu ponto culminante de desenvolvimento nos séculos XVII e XVIII, em especial pelas teorias contratualistas (Sarlet, 2018). John Locke refuta o direito divino dos reis e defende que antes de haver um governo civil o ser humano vivia no estado de natureza, regido por leis naturais e que agora eram violadas pelo Estado. Ele afirma que o governo deve se basear na doutrina racionalista do contrato social, o qual deve garantir os direitos naturais do ser humano (Russell, 1946/2017).

São as Declarações dos Direitos dos Povos da Virgínia, de 1776 e dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, que disputam o reconhecimento de marco inicial dos direitos fundamentais. O documento fruto da Revolução Americana marca a primeira vez em que os direitos naturais foram positivados como direitos fundamentais constitucionais. Já a Declaração que representa os ideais e conquistas da Revolução Francesa, apesar de temporalmente posterior à Declaração dos Direitos dos Povos da Virgínia, tinha uma aspiração mais universal que foi consagrada dentro do direito internacional em 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pós Segunda Guerra Mundial. Ainda que guardando diferenças significativas, as duas revoluções burguesas do século XVIII compartilhavam os exatos mesmos princípios, calcados na ideia de direitos naturais, e almejavam o mesmo fim, uma sociedade fundada no contrato social e a democracia como forma de governo.

O contratualismo e a noção de direitos naturais – também chamados de direitos do homem – se concretizaram com o pensamento iluminista de, entre outros, Rousseau, Paine e Kant. Para Bobbio (2004), é justamente o pensamento de Kant o marco conclusivo dessa fase da história dos direitos humanos e sobre o qual a doutrina jurídica atual é fortemente fundamentada. Por fim, os direitos do homem passam a ser encarados a partir da doutrina do positivismo jurídico; e não mais do jusnaturalismo. Então, apesar de os direitos fundamentais terem nascido no seio de uma doutrina marcadamente jusnaturalista – em que há a ideia de que existem direitos naturais, ainda que eles não estejam expressos em normas jurídicas – imperam hoje as doutrinas juspositivistas dos direitos fundamentais – que assumem que são um direito apenas as normas que constam no ordenamento jurídico. De acordo com Bobbio (2004), a história dos direitos fundamentais “começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais” (p. 19) e depois “transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos” (p. 19). Sarmento (2019) compara o fim de uma abordagem jusnaturalista dos direitos fundamentais ao que ele chama “saga do zangão”:

Diz-se que o ápice da vida do zangão ocorre quando copula com a abelha- rainha, o que acontece uma única vez em sua vida. Logo após fecundá-la, o zangão morre. Com os direitos naturais, fala-se que teria ocorrido fenômeno parecido: consagrados nos ordenamentos jurídicos, tais direitos teriam chegado então ao seu momento culminante. Em seguida foram esquecidos pela teoria e práxis jurídicas hegemônicas com a ascensão do positivismo legalista, que gravitava ao redor da legislação, para a qual fora vertido o antigo ideário jusnaturalista. (p. 57)

Segundo o positivismo jurídico:

Os supostos direitos naturais não são mais do que direitos públicos subjetivos, “direitos reflexos” do poder do Estado, que não constituem um limite ao poder do Estado, anterior ao nascimento do próprio Estado, mas são uma consequência (...) da limitação que o Estado impõe a si mesmo. (Bobbio, 2004, p. 54)

Vale ressaltar, então, que o contextualismo, que está na base da proposta de diálogo aqui apresentada, só aparece em versões atuais da Teoria dos Direitos Fundamentais, como produto de uma análise histórica feita por autores como Bobbio (2004) não sendo, portanto, uma concepção presente na origem dos direitos fundamentais. Como fruto dessa análise histórica, atualmente os direitos fundamentais são divididos em dimensões. Cada uma delas contém os direitos que foram positivados motivados por lutas e conquistas sociais de um dado momento histórico, o que levou a um acréscimo na lista de direitos a cada período, de forma que mais direitos passaram a ser garantidos como fundamentais. Tradicionalmente, são reconhecidas três dimensões dos direitos fundamentais (Sarlet, 2018). A primeira dimensão coincide com o próprio surgimento dos direitos fundamentais e foi resultado das revoluções burguesas que lutavam pela garantia das chamadas liberdades individuais. São direitos de cunho negativo, chamados também de direitos de defesa, pois impedem o Estado de violar direitos individuais de seus cidadãos, tais como o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Alguns outros exemplos de direitos de primeira dimensão são: liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc.; e direitos de participação política, por exemplo, o voto. Em suma, na primeira dimensão dos direitos fundamentais “cuida-se dos assim chamados direitos civis e políticos” (Sarlet, 2018, p. 47) e corresponde à fase inicial do constitucionalismo ocidental.

Após as conquistas liberais das revoluções burguesas, a nova forma de economia e de produção geraram profundas mudanças sociais e nas relações de trabalho, o que levou a uma acentuação das desigualdades sociais, exploração e acesso marcadamente diferente à qualidade de vida entre as diferentes camadas da população. No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels (1848/1998) afirmam que a luta dos burgueses pelos direitos de liberdade “assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou” (p. 45), referindo-se a todas as consequências nefastas não previstas oriundas dessa luta. Surgem, então, os movimentos de luta social, como as revoluções comunistas, que reivindicavam igualdade de oportunidade e de acesso aos bens e atribuíam ao Estado o dever de garantir a justiça social.

Diferente dos direitos de primeira dimensão, portanto, que tinham cunho negativo, os direitos de segunda dimensão têm caráter positivo, ou seja, exigem do Estado ações que garantam o direito de participar do bem-estar social e, por isso, são chamados também de direitos prestacionais. “Não se cuida mais, portanto, da liberdade do e perante o Estado, e sim da liberdade por intermédio do Estado” (Sarlet, 2018, p. 47). Há a passagem das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas “por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc.” (Sarlet, 2018, p. 47). Assim, enquanto direitos de primeira dimensão surgem com objetivo de limitar o poder do Estado, os direitos de segunda dimensão exigem “a ampliação dos poderes do Estado” (Bobbio, 2004, p. 35).

Além das diferenças já citadas entre os direitos de primeira e segunda dimensão, ocorreu, também, a passagem de um ser humano genérico, de cuja natureza humana poderiam ser derivados direitos naturais, para o ser humano específico “tomado na diversidade de seus diversos status sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (o sexo, a idade, as condições físicas), cada um dos quais revela diferenças específicas, que não permitem igual tratamento e igual proteção” (Bobbio, 2004, p. 34). Disto resulta que, para alcançar a igualdade, são exigidas ações por vezes assimétricas levando em conta as realidades concretas.

É especialmente quanto à titularidade que os direitos de terceira dimensão se diferenciam dos dois primeiros (Sarlet, 2018). Enquanto os direitos de primeira e segunda dimensão têm como titular a pessoa individual, os direitos de terceira dimensão destinam-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação) ou de “coisas”, como a natureza e o patrimônio histórico, sendo, portanto, chamados de direitos de titularidade coletiva ou difusa. São direitos que afirmam o valor do gênero humano. Alguns exemplos de direitos de terceira dimensão são: direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida; direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural; direito de comunicação, etc. (Sarlet, 2018). De acordo com Sarlet, “Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelos processos de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais” (Sarlet, 2018, p. 48).

Sistema Ético Skinneriano

Apesar de Skinner não apresentar suas reflexões sob o título de um sistema ético, a sistematização da posição de Skinner ao longo de sua obra diante dessa temática, feita por estudiosos de sua obra, permite apresentar o que seria o Sistema Ético Skinneriano (Castro, 2007; Dittrich, 2004; Dittrich, 2016; Dittrich & Abib, 2004).

Se, tradicionalmente, o que uma pessoa faz é explicado a partir da ideia de um ser humano autônomo, cujo controle daquilo que faz, pensa e sente é interno, da mesma forma, também, ocorreria com os valores: de alguma forma seria possível acessar os valores absolutos por algum tipo de introspecção ou exercício da razão e haveria uma espécie de autonomia na decisão por seguir ou não um conjunto de valores. Skinner retira o controle do interior do ser humano e o coloca na relação dele com seu contexto. É importante ressaltar que ele não faz apenas uma troca do controle interno pelo externo. Ele propõe um controle que é relacional. Portanto, a origem do comportamento está na relação do indivíduo com o meio, bem como a origem dos valores e do comportamento ético. Os valores são, então, na proposta de Skinner (1971/1976), parte da relação comportamental: são as consequências reforçadoras que selecionam uma resposta. Se ao produzir uma consequência a resposta que a produziu tem sua probabilidade de ocorrer aumentada, isso significa que essa consequência é um valor para este indivíduo.

O Sistema Ético Skinneriano segue a lógica do modelo causal de seleção pelas consequências, apresentado por Skinner, o qual explica o comportamento humano como fruto de seleção em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. Isso significa dizer que parte do que um indivíduo faz foi selecionado na história evolutiva da espécie humana, parte é selecionado ao longo da história de vida do indivíduo e parte é ensinado e mantido por um ambiente social que foi selecionado ao longo da história de uma cultura. Os valores, ou bens éticos, seriam, como já mencionado, as consequências do comportamento do indivíduo, ou seja, aquilo que foi produzido pela ação do indivíduo e que tem função seletiva sobre a resposta, isto é, aumenta ou diminui sua probabilidade de ocorrência. Assim como os níveis de seleção, que são três, Skinner descreve, também, três tipos de bens éticos: os bens do indivíduo, os bens do outro e os bens da cultura. Esses bens, portanto, correspondem aos valores de um indivíduo ou de uma sociedade. Neste sentido, o estudo da ética que Skinner propõe é empírico, pois busca identificar e descrever as condições que levaram uma pessoa ou grupo de pessoas a chamar algo de bom ou ruim (Dittrich, 2016).

Os bens do indivíduo (bens pessoais), são reforçadores positivos, produto do comportamento do indivíduo, com ação seletiva sobre o próprio comportamento que o produziu. Esses bens têm sua origem na seleção filogenética e a explicação do porquê são sentidos como bons encontra-se na história evolutiva da espécie, como certos sabores, sexo, conforto térmico e outros reforçadores primários. No entanto, esses chamados reforçadores primários não esgotam todos os bens pessoais. A partir do condicionamento, outros estímulos passam a ter função reforçadora e tornam-se, também, bens para o indivíduo. São os chamados reforçadores secundários ou condicionados. “O comportamento é selecionado se contribui para a sobrevivência da espécie à qual pertence o indivíduo que se comporta: daí advém os principais bens pessoais, aqueles primários, dos quais advêm os demais bens pessoais (secundários ou condicionados)” (Dittrich & Abib, 2004, p. 428).

Os bens do outro são aqueles produzidos pelo indivíduo, mas que resultam em reforçamento positivo para o comportamento de outras pessoas que não o indivíduo que o produziu. De acordo com Dittrich e Abib (2004), a produção de bens para outros surge quase sempre como um pré-requisito para a obtenção de bens pessoais: trata-se de reforçamento recíproco, pois quase todos os reforçadores pessoais são mediados por outras pessoas. Skinner afirma que, provavelmente, a primeira vez em que foram arranjadas contingências intencionais para que um indivíduo se comportasse para o “bem de outro”, essas contingências devem ter sido aversivas e devem ter sido arranjadas por alguém com poder necessário para fazer outros se comportarem em seu benefício. Isso demonstra que o bem do outro não necessariamente tem um caráter benevolente. Ainda segundo Skinner, “métodos que utilizam o reforço positivo são mais difíceis de serem aprendidos e menos prováveis de serem utilizados porque os resultados são, normalmente, adiados no tempo, mas eles possuem a vantagem de evitar o contra controle” (Skinner, 1971/1976, p. 108) e acrescenta que “qual método será usado depende do poder disponível” (p. 108). A depender de como essa contingência é arranjada, o indivíduo pode se sentir de diferentes formas ao se comportar pelo bem do outro. A ação ética pelo bem do outro não deriva, portanto, de um altruísmo intrínseco ou de algum traço de personalidade; outrossim, é fruto das contingências arranjadas e que ensinam e mantêm esse tipo de comportamento.

Por fim, os bens da cultura são todas as consequências produzidas por práticas culturais que contribuem para a sobrevivência da cultura que promove tais práticas. “Os reforçadores que aparecem nas contingências [de uma cultura] são os seus ‘valores’” (Skinner, 1971/1976, p. 126) e, por sua vez, são bens para a cultura aqueles que garantem sua sobrevivência. Portanto, uma prática é selecionada se contribui para a manutenção da cultura que a mantém, o que, como consequência, promove a própria perpetuação da cultura e das práticas que a compõem: “uma cultura não é o produto de uma mente grupal criativa, ou a expressão de uma vontade geral. Uma cultura evolui quando novos costumes favorecem a sobrevivência daqueles que os praticam” (p. 132). A ação seletiva aqui seria sobre a prática e não sobre o indivíduo. No entanto, o indivíduo só agirá em benefício da cultura se houver alguma consequência reforçadora para o seu comportamento individual (assim como no bem do outro). Apesar de Skinner falar em um terceiro nível de seleção, com um processo de seleção e um produto específico, a prática cultural, há quem defenda que se trata não de um nível diferente, mas de um outro tipo de seleção, da mesma natureza da seleção comportamental, mas com características próprias, já que envolvem o comportamento de vários indivíduos entrelaçadamente (para mais detalhes ver Carrara & Zilio, 2015).

Este é o chamado aspecto descritivo da ética skinneriana, que, ao afirmar que os valores estão nas contingências, permite estudar “1) porque seres humanos comportam-se eticamente; 2) porque seres humanos utilizam vocábulos de ordem ética; e 3) porque seres humanos defendem/promovem certos valores éticos” (Dittrich & Abib, 2004, p. 428), e é nesse sentido que Skinner chama a Análise do Comportamento de uma Ciência dos valores. Destaca-se que, ao entender que todo fenômeno comportamental é decorrente da interação entre organismo e ambiente, para o behaviorismo radical não existem valores absolutos em relação ao que é ético ou antiético, uma vez que esses critérios decorrem das contingências (Melo & Castro, 2015). Em suma, Skinner afirma então que os valores são consequências reforçadoras selecionadas ao longo da história da espécie, do indivíduo e da cultura, podendo ser (e normalmente sendo), diferentes entre indivíduos e sociedades, a depender da história de cada um; que comportamentos éticos são aqueles que produzem essas consequências; e que esses valores podem ser reforçadores 1) para o indivíduo, 2) para os outros ou 3) para a cultura como um todo.

A negação de que exista algo inerente e universalmente bom não significa que não se possa eleger aquilo que nos orientará eticamente. “O reconhecimento de que valores não tem nenhuma justificação absoluta não deve impedir as pessoas de promoverem seus próprios valores” (Dittrich, 2016, p. 20). Nos escritos de Skinner, além do aspecto descritivo, ele também faz a defesa de sua posição quanto, não ao que é considerado ético em uma sociedade (e que é fruto das contingências), mas ao que deveria ser tomado como tal. Essa é a parte prescritiva de seu trabalho, a qual não será tratada aqui, por fugir ao escopo do presente estudo.

Dimensão Histórica e Contextual e a Natureza Aberta e Mutável dos Valores em Skinner e na Teoria dos Direitos Fundamentais

A visão contextualista e o modelo de seleção pelas consequências implicam que a explicação acerca dos costumes de um povo deva ocorrer a partir das contingências que os produzem. De acordo com Skinner (1971/1976),

Uma cultura não é o produto de uma ‘mente grupal’ criativa ou a expressão de uma ‘vontade geral’. Nenhuma sociedade começa com um contrato social, nenhum sistema econômico com a ideia de permuta ou salário, nenhuma estrutura familiar com um insight sobre as vantagens da coabitação. Uma cultura evolui quando novas práticas promovem a sobrevivência daqueles que a praticam. (p. 132)

É a partir, então, da transformação das práticas correntes ou do surgimento de novas práticas, possibilitadas por alguma mudança no arranjo de contingências, que os sistemas sociais, as relações familiares e os contratos sociais, por exemplo, surgem ou se modificam; e, por sua vez, a partir das novas relações sociais e econômicas estabelecidas, novas práticas acabam surgindo, podendo ou não serem selecionadas. Assim como “o homem age sobre o mundo, o transforma e por sua vez é transformado pelas consequências de sua ação” (Skinner, 1957/1978, p. 15), novas práticas transformam o mundo e, por sua vez, são transformadas pelas mudanças que produziram. Portanto, a explicação para o porquê alguns costumes se transformam, outros são abandonados e outros novos surgem está nas contingências.

Os valores, sendo parte das contingências, também se originam e se modificam ao longo da história de um povo, a partir de mudanças que ocorrem nas relações sociais, econômicas e políticas. Valores, portanto, na proposta skinneriana, são, invariavelmente, frutos das relações sociais próprias de um povo e de um tempo histórico: “essas qualidades são históricas, relacionais e mudam sempre. É sempre o comportamento de uma pessoa específica, em um tempo específico, em um contexto específico que é reforçado ou punido” (Dittrich, 2016, p. 12). Se, por um lado, os valores explicam o porquê um povo se comporta de determinada forma – uma vez que eles são os próprios reforçadores que selecionam as práticas de um grupo – por outro são eles, também, frutos de uma história de variação e seleção comportamental. Isso implica que, conforme as contingências se alteram, uma vez que “nenhuma cultura está em permanente equilíbrio” (Skinner, 1971/1976, p. 127), novas relações se estabelecem e novos valores podem surgir:

Contingências necessariamente mudam. O ambiente físico muda quando as pessoas se movem conforme o clima muda, os recursos naturais são consumidos, desviados para outro uso ou inutilizados e assim por diante. Contingências sociais também mudam com o tamanho do grupo ou com mudanças em seu contato com outros grupos, ou conforme agências de controle crescem mais ou menos poderosas ou competem entre si, ou conforme o controle exercido leva ao contracontrole na forma de fuga ou revolta. As contingências características de uma cultura podem não ser adequadamente transmitidas, então a tendência em ser reforçado por certos valores pode não se manter. (Skinner, 1971/1976, p. 127)

Assim como para Skinner, a Teoria dos Direitos Fundamentais aqui apresentada sustenta que os valores protegidos pelos direitos fundamentais têm origem histórica e são conquistas sociais concretas calcadas em um contexto social específico: “Os direitos fundamentais são, acima de tudo, fruto de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano” (Sarlet, 2018, p. 52). Assim como Skinner afirma que nenhuma sociedade surge de um contrato social, mas que são as práticas correntes que produzem algo como um contrato social, Sarlet (2018) ensina que a positivação dos direitos fundamentais “resulta de um processo dinâmico e complexo de lutas específicas e de conquistas coletivas, até que venham a obter chancela pela ordem social e estatal” (p. 57). Portanto, a compreensão de que os valores protegidos por uma sociedade têm raízes históricas é um ponto de aproximação entre a teoria de Skinner e teorias positivistas dos direitos fundamentais. Valores, então, estão “menos vinculados a uma manifestação de racionalidade humana, tal como sustentada desde os estoicos até a Declaração da ONU, de 1948, mas sim, dizem respeito às diversas reações funcionais e críticas que têm sido implementadas na esfera social, política e jurídica” (Sarlet, 2018, p. 53).

Bobbio (2004), cita o direito à instrução, os direitos dos idosos e o direito ao meio ambiente como exemplos de direitos reconhecidos e protegidos atualmente, mas que não constavam nas primeiras declarações de direitos do homem, fosse na americana ou na francesa, a fim de demonstrar sua natureza histórica e contextual em contraponto à ideia de direitos naturais. Já Sarmento (2019) afirma que os princípios jurídicos “são esculpidos ao longo do tempo por fatores sociais, econômicos, culturais e políticos” e que são, portanto, “criaturas históricas” que “tendem a se transformar, assumindo novas feições ao sabor das mudanças que ocorrem na sociedade em que vigoram” (p. 25). Por isso, além do surgimento de novos direitos, as transformações sociais acarretam, também, em mudanças na esfera e no modo de proteção até mesmo dos direitos mais clássicos consagrados pela conquista do Estado liberal burguês. Por exemplo, as mudanças sociais engendraram a luta pela defesa das chamadas novas liberdades (por exemplo, direito a morrer com dignidade e direito à mudança de sexo), o que, para alguns autores, consistiria em uma nova dimensão dos direitos fundamentais e, para outros, seria uma nova versão dos direitos de primeira dimensão (de cunho negativo), “evidenciando assim a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo” (Sarlet, 2018, p. 50).

Esses exemplos, de acordo com Bobbio (2004), demonstram que a relação entre mudança social e transformações na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre existiu, mas o autor salienta que foi com o nascimento dos direitos sociais que essa relação se tornou mais evidente, “tão evidente que agora já não pode ser negligenciada” (p.37). A defesa de certos valores, portanto, justifica-se na própria relação desses valores com os arranjos sociais da sociedade que os defende:

Numa sociedade em que só os proprietários tinham cidadania ativa, era óbvio que o direito de propriedade fosse elevado a direito fundamental; do mesmo modo, também foi algo óbvio que, na sociedade dos países da primeira revolução industrial, quando entraram em cena os movimentos operários, o direito ao trabalho tivesse sido elevado a direito fundamental. A reivindicação do direito ao trabalho como direito fundamental — tão fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos contemporâneas — teve as mesmas boas razões da anterior reivindicação do direito de propriedade como direito natural. Eram boas razões que tinham suas raízes na natureza das relações de poder características das sociedades que haviam gerado tais reivindicações e, por conseguinte, na natureza específica historicamente determinada — daquelas sociedades. (Bobbio, 2004, p. 37)

As mudanças na sociedade ocorrem, portanto, devido a mudanças nas contingências e não por uma evolução natural de um estado menos avançado para um mais avançado, não havendo uma finalidade para a evolução cultural. Skinner (1971/1976), ao citar algumas mudanças de práticas que produziram novos arranjos de contingências e novas ordens sociais, afirma que as mudanças sociais, não obstante sejam identificadas ao longo do curso da história, não são ocasionadas por uma mera passagem do tempo, “mas por causa do que acontece conforme o tempo passa” (p. 137). Skinner exemplifica afirmando que “a ordem necessária no determinismo histórico de Karl Marx está nas contingências” (p. 138), e que, portanto, “não precisamos esperar o tempo passar para mudar as coisas que acontecem conforme o tempo passa” (p. 139).

Apesar de não haver um desenvolvimento natural das sociedades de um estado mais primitivo para um mais avançado, essa noção aparente pode dever-se a uma estreita relação entre a noção de desenvolvimento de uma sociedade e os seus valores, pois são os valores prescritos o critério para aferir o desenvolvimento, de forma que as mudanças sociais arranjadas a fim de produzir esses valores são chamadas de “crescimento” (Skinner, 1971/1976). Mas isso não significa que seja um crescimento por um curso natural de evolução social, já que os próprios critérios do que seria ou não um crescimento social é definido na contingência:

É um erro supor que toda mudança ou desenvolvimento seja um crescimento. A condição atual da superfície da Terra não é madura ou imatura; o cavalo não atingiu, até onde sabemos, algum estágio final e presumivelmente ótimo no desenvolvimento evolutivo. Se a linguagem de uma criança parece crescer como um embrião, é apenas porque as contingências ambientais foram negligenciadas. (...) Chamamos algumas culturas de subdesenvolvidas ou imaturas em contraste com outras que chamamos de ‘avançadas’, mas é uma forma grosseira de chauvinismo sugerir que qualquer governo, religião ou sistema econômico é maduro. (Skinner, 1971/1976, p. 139/140)

A proposta skinneriana, portanto, abandona qualquer explicação teleológica. Por mais que os valores apontem, então, para o futuro, para a sociedade que se quer construir, a explicação do porquê eles se tornaram valores está no passado, na história, e não no futuro. O comportamento é adaptado a um ambiente semelhante àquele em que surgiu. “O que um determinado grupo de pessoas classifica como bom é um fato: é o que membros do grupo consideram reforçador, como resultado de sua herança genética e das contingências naturais e sociais a que estiveram expostos” (Skinner, 1971/1976, p. 127). Como apresentado na descrição das dimensões dos direitos fundamentais, foram os arranjos sociais de cada tempo histórico que deram origem a cada grupo de valores referentes a cada dimensão: liberdade, igualdade e fraternidade. Em um contexto de governos despóticos e autoritários, a liberdade era o grande valor almejado; em um contexto de desigualdades sociais, a igualdade e a justiça despontam como um valor a ser perseguido; e diante de tantas mudanças climáticas causadas pela degradação do meio ambiente e da violação dos direitos de tantos povos, a fraternidade, ou seja, a ação conjunta com vistas ao bem coletivo, torna-se um valor, um direito fundamental. Não é coincidência, portanto, que os marcos jurídicos que envolvem os direitos fundamentais tenham ocorrido quase sempre após períodos de intensa violência, autoritarismo e ataques ao gênero humano: as primeiras declarações, pós revoluções burguesas; a declaração da ONU, pós segunda guerra mundial; a constituição federal de 1988, pós ditadura militar. No entanto, se as contingências em que certos valores surgiram não estão mais presentes, esses podem perder o seu valor reforçador, ou seja, podem deixar de ser os valores almejados por um povo, de forma que diversas conquistas parecem ser esquecidas e tantos comportamentos antes combatidos podem voltar a aparecer. Essa pode ser uma explicação do porquê existirem hoje tantos movimentos antidemocráticos ao redor do mundo. Após um período tendo suas liberdades garantidas, a garantia da própria liberdade pode deixar de parecer uma necessidade, já outros problemas se fazem presentes e sua solução seria, então, mais reforçadora. Assim, para quem não teve suas liberdades violadas, até mesmo um governo autoritário pode ser avalizado se afirma que irá solucionar algum outro problema que se faz mais evidente no presente momento. Esse é apenas um exemplo de uma possível relação entre valores democráticos e os arranjos de contingência atuais, mas certamente uma explicação mais profunda de temática tão complexa demanda um detalhamento muito maior na descrição das contingências em vigor.

Skinner (1971/1976) alerta para as dificuldades que envolvem a identificação e descrição das contingências sociais: “o papel do ambiente apenas começou a ser compreendido, e o ambiente social que compõe uma cultura muitas vezes é difícil de identificar. Ele está em constante mudança, carece de substância e é facilmente confundido com as pessoas que mantêm o ambiente e são afetadas por ele” (p. 130/1). E é justamente em virtude dessa dificuldade que outros tipos de explicações para os fenômenos e as lutas sociais surgem, apelando-se para explicações que perdem de vista o caráter histórico e contextual. A doutrina jusnaturalista pode ser citada como um exemplo desse tipo de explicação, ao utilizar a defesa de uma natureza humana para defender as lutas da época:

Locke tinha examinado a fundo a natureza humana; mas a natureza humana que ele examinara era a do burguês ou do comerciante do século XVIII, e não lera nela, porque não podia lê-lo daquele ângulo, as exigências e demandas de quem tinha uma outra natureza. (Bobbio, 2004, p. 20)

Bobbio (2004) classifica o estado de natureza como uma “ficção doutrinária” que serviu para embasar e justificar as lutas sociais da época, lutas essas, que, olhadas hoje em perspectiva, revelam que as exigências burguesas nasceram da “realidade social da época, nas suas contradições, nas mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta” (p. 36) e não de um suposto estado de natureza. Quanto menos evidente a relação entre os arranjos sociais e os costumes e lutas de um povo, maior a probabilidade de dar explicações que negligenciem essas relações e apelem para causas internas ou sobrenaturais. Esse parece ter sido o caso das revoluções burguesas. Já “a relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a transformação da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso é que as exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade” (Bobbio, 2004, p. 36).

Sobre a existência de uma chamada natureza humana, Skinner rechaça a possibilidade de qualquer natureza humana essencialista ou metafísica. Se é que se pode falar em uma natureza humana, para a ciência do comportamento ela estaria na relação entre indivíduo e ambiente – incluindo o ambiente cultural -, relação essa que é regida por alguns princípios comportamentais, os quais evoluíram ao longo da história da espécie humana. Como as pessoas são determinadas em suas relações com o mundo, a diversidade de valores, costumes, pensamentos etc. é tão grande quanto a pluralidade de contextos existentes. Aquilo que encontramos de comum em um povo, e que parece sugerir que há algo que seja essencialmente humano, é, na verdade, fruto das contingências sociais que são comuns àquele povo (Skinner, 1953/2003; Skinner, 1971/1976).

A ciência do comportamento, a partir de uma análise de contingências, além de ajudar a compreender a razão pela qual certos direitos ganham o status de fundamentais em uma nação, possibilita, também, a identificação de valores presentes na sociedade, mesmo que esses não tenham sido deliberadamente escolhidos como tal. Como Skinner (1971/1976) afirma, “as contingências sociais, ou os tipos de comportamento que produzem, são as ‘ideias’ de uma cultura; os reforçadores que aparecem nas contingências são seus ‘valores’” (p. 126); portanto, uma análise das contingências predominantes em uma sociedade permite inferir quais os valores em vigor, para além daqueles verbalmente defendidos. A Análise do Comportamento, portanto, permite estudar, não apenas os valores que compõem um sistema axiológico formalmente elaborado, mas também aqueles valores – ou reforçadores – que de fato fazem parte das contingências sociais de um grupo ou sociedade. O dinheiro, por exemplo, é um reforçador de altíssima magnitude em nossa sociedade e grande parte do que fazemos, fazemos a fim de produzi-lo. Essa é uma relação tão estabelecida em nossa sociedade que parece até difícil imaginar um arranjo diferente de contingências que prescinda do dinheiro. Mas a verdade é que esse tipo de relação social mediada pela troca de uma moeda é construído socialmente e foi a partir das relações estabelecidas que o dinheiro adquiriu propriedade reforçadora generalizada. O que verificamos, então, em nossa sociedade ocidental é que, mesmo que o dinheiro ou o lucro não façam parte dos valores que compõem o sistema axiológico constitucional de nossa sociedade, ele é um poderoso elemento de reforço que seleciona grande parte do que fazemos como civilização; sendo, portanto, na definição dada por Skinner, um valor. Mais do que configurar um valor em nossa sociedade, esse é um valor que, pela forma com que as contingências hoje estão arranjadas, sua produção muitas vezes inviabiliza ou até viola a produção dos valores chamados de direitos fundamentais. O Sistema Ético Skinneriano, portanto, permite identificar essas incongruências entre valores defendidos e valores em ação, ou, para utilizar um termo comum na Análise do Comportamento, entre o dizer e o fazer: “O fato de uma cultura ensinar seus membros a classificar certos operantes ou seus produtos como “maus” obviamente não garante que eles não serão emitidos” (Dittrich, 2016, p. 14), pois o dizer e o fazer são controlados por contingências diferentes. A descrição das contingências permite, inclusive, identificar os reforçadores que mantêm o comportamento de uma pessoa e as razões pelas quais o grupo classifica aquilo como ruim. Por isso, não basta eleger um rol de direitos fundamentais e esperar que eles tenham alguma função reforçadora na vida dos cidadãos. Com certeza estes valores positivados foram, em alguma medida, reforçadores para aqueles que lutaram por eles, mas uma vez positivados, é preciso que se arranjem as condições para que eles controlem o comportamento das pessoas de uma sociedade, em outras palavras, para que as pessoas se comportem em função da promoção de liberdade, igualdade e fraternidade. Se a sociedade em que vivemos parece muito distante da sociedade idealizada nos direitos fundamentais, isso significa que, provavelmente, os valores constitucionais não são reforçadores para a maioria das pessoas (ainda que as pessoas possam dizer que sejam) pois, como afirma Dittrich (2016), “o que realmente reforça o comportamento de membros da cultura em um dado momento é uma questão empírica” (p. 12). Nas palavras de Skinner (1971/1976), “os reforçadores efetivos são uma questão de observação e não podem ser disputados” (p. 128).

Os valores, ao serem entendidos de maneira histórica e contextual, não podem ser absolutos, imutáveis e eternos e não são naturais. São sempre circunscritos a um tempo histórico e a um espaço social. Do entendimento da construção histórica dos valores (ou direitos fundamentais), deriva-se o caráter mutável e aberto que eles possuem. A incontestável dimensão histórica, tanto dos direitos fundamentais quanto dos direitos humanos, portanto, conduz ao caráter flexível e aberto desse sistema axiológico. Longe de ser um sistema pronto e fechado, seu conteúdo pode sofrer acréscimo e está sujeito às transformações sociais. Os direitos fundamentais “constituem categoria materialmente aberta e mutável” (Sarlet, 2018, p. 53) e, por serem fruto de uma construção histórica, os valores, incluindo os garantidos pelos direitos fundamentais, estão em constante transformação à medida que se transformam as relações sociais. Assim, nenhuma declaração de direitos pode ser definitiva. Até mesmo os “direitos ditos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação” (Bobbio, 2004, p. 20). A contínua ampliação do rol de direitos fundamentais, além de, segundo Bobbio (2004), retirar a plausibilidade da hipótese do estado de natureza, também “nos deveria tornar conscientes de que o mundo das relações sociais de onde essas exigências deriva é muito mais complexo” (p. 36) do que poderia parecer no século XVIII.

Também Skinner defende o caráter provisório e flexível dos valores. Dentro do Sistema Ético Skinneriano, os valores devem ser “continuamente julgados de acordo com sua contribuição para o valor básico do sistema” (Dittrich & Abib, 2004, p. 429). O valor básico do sistema seria, então, de certa forma absoluto, e os demais valores, chamados de secundários, seriam avaliados tendo como critério o quanto eles contribuem ou não para a promoção do valor básico, que, segundo Skinner, deveria ser a sobrevivência das culturas.

Considerando a, até aqui exposta, natureza histórica e contextual dos direitos fundamentais, como falar de valores universais? Como pretender que eles sejam aspirações de toda uma nação, como previsto na constituição brasileira, ou até mesmo de toda a humanidade, como descrito nos tratados internacionais? Já sabemos que eles não são valores naturalmente universais e nem configuram os valores últimos e ideais, mas então como justificar a adoção desse conjunto de valores? Para Bobbio (2004), essa justificação está no consenso, o que conduz, não a uma universalidade abstrata, mas concreta: “A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, por tanto, reconhecido: e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade” (p. 17). Segundo o autor, o argumento do consenso seria uma prova objetiva e concreta de universalidade, materializada na declaração dos direitos humanos da ONU em 1948:

Com essa declaração, um sistema de valores é — pela primeira vez na história— universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. (...) Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade — toda a humanidade — partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. (p. 18)

Se por um lado esse argumento é o único que pode ser factualmente comprovado, por outro, “trata-se, certamente, de um fundamento histórico e, como tal, não absoluto” (p. 18), de forma que, se as condições que garantem qualquer tipo de consenso em torno do rol de direitos fundamentais se transformarem a ponto que eles não mais configurem reforçadores nas contingências sociais, esse consenso provavelmente deixará de existir e novos valores podem passar a ser defendidos, de forma consensual ou não.

Além disso, como alerta Bobbio (2004), se o consenso, por ora, resolve a questão da universalidade dos valores, ele pode trazer a falsa ideia de que, uma vez que há um “senso moral comum” o exercício desses valores seria, agora, simples. Mas o autor lembra que, “ao contrário, é terrivelmente complicado”. Além disso, o argumento do consenso induz a duas ideias equivocadas sobre os direitos fundamentais: de que eles seriam absolutos e de que fariam parte de uma categoria homogênea de valores, o que, como espera-se ter demonstrado até aqui, de modo algum, é verdadeiro (Bobbio, 2004).

Considerações Finais

Espera-seter demonstrado que, do ponto de vista tanto da obra skinneriana quanto da Teoria dos Direitos Fundamentais, os valores não são absolutos ou últimos. Essa visão comum a estes dois sistemas axiológicos, de tomar os valores como frutos do contexto, abre possibilidades de diálogos entre estes campos de conhecimento que podem ser bastante profícuos no trato de temas caros à proteção e garantia de direitos e à elaboração de políticas públicas ou de planejamento cultural. Ademais, evidencia o difícil e delicado problema de que compreendamos e tratemos as regras e valores morais como históricos, provisórios, contingentes, mutáveis e flexíveis e, ao mesmo tempo, tomemo-los seriamente como fundamentos das nossas ações.

Referências

Abbagnano, N. (2007). Dicionário de Filosofia (5ª ed). (A. Bosi, Trad.). Martins Fontes.

Andrade, D. (2016). Políticas públicas: O que são e para que servem?. Politize!. https://www.politize.com.br/politicas-publicas

Bobbio, N. (2004). A era dos direitos. Elsevier.

Carrara, K. & Zilio, D. (2015). Análise comportamental da cultura: Contingência ou metacontingência como unidade de análise? Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 11(2), 135-146. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v11i2.1944

Castro, M. L. B. de. (2007). A ética skinneriana e a tensão entre descrição e prescrição no Behaviorismo Radical. [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos]. Repositório Institucional UFSCar.

Dittrich, A. (2004). Behaviorismo radical, ética e política: Aspectos teóricos do compromisso social. [Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos] Repositório Institucional UFSCar.

Dittrich, A. (2016). What is ethical behavior? In J. C. Todorov (Ed.), Trends in Behavior Analysis (pp. 9-47). Brasília: Technopolitik. https://books.apple.com/us/book/trends-in-behavior-analysis-volume-1-0-1/id1143256280?ls=1

Dittrich, A. & Abib, J. A. D. (2004). O sistema ético skinneriano e consequências para a prática dos analistas do comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), 427-433. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=18817314

Hahn, L. E. (1942). A contextualistic theory of perception. University of California Press.

Hayes. S.C. (1987). A contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.), Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral perspectives (p. 327-387). Guilford.

Marx, K. & Engels, F. (1998). Manifesto comunista. Bomtempo. (Obra original publicada em 1848).

Melo, C. M. & Castro, M. S. L. B. (2015). O conceito de sobrevivência das culturas e suas implicações para uma ética skinneriana. In C. Laurenti & C. E. Lopes (Orgs.), Cultura, democracia e ética (pp. 43-73). Eduem.

Morris, E. (1988). Contextualism: The world view of behavior analysis. Journal of Experimental Child Psychology, 46, 289-323. 10.1016/0022- 0965(88)90063-X

Pepper, S. C. (1938). Aesthetic quality: A contextualistic theory of beauty. Charles Scribner’s Sons.

Russell, B. (2017). História do Pensamento Ocidental (2ª ed.). (L. Alves & A. Rebelo, Trads.). Novas Fronteiras. (Trabalho original publicado em 1946).

Sarlet, I. W. (2015). Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 (10ª ed.). Livraria do Advogado.

Sarlet, I. W. (2018). A eficácia dos direitos fundamentais: Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional (13ª ed.). Livraria do Advogado.

Sarmento, D. (2019). Dignidade da pessoa humana: Conteúdo, trajetória e metodologia (2ª ed.). Fórum.

Skinner, B. F. (1976). Beyond freedom and dignity. Pelican Book. (Trabalho original publicado em 1971).

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano. (J. C. Todorv & R. Azzi, Trads.) Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).

Skinner, B.F. (1978). Comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trad.) Cultrix/ EDUSP. (Trabalho original publicado em 1957).

Notas

1 Direito Positivo é o conjunto de regras jurídicas em vigor em uma sociedade. Falar da positivação de direitos significa dizer que certas normas passam a fazer parte do ordenamento jurídico, ou seja, das regras jurídicas em vigor.

Información adicional

redalyc-journal-id: 2745



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS por