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MODERNISMOS & MODERNIDADES: BRASIL, 1922 (O OUTRO ERA AQUI)
Francisco Alambert; Marcos Antonio da Silva; Nelson Tomelin
Francisco Alambert; Marcos Antonio da Silva; Nelson Tomelin
MODERNISMOS & MODERNIDADES: BRASIL, 1922 (O OUTRO ERA AQUI)
Revista de História (São Paulo), núm. 181, a12322, 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História
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ARTIGO

MODERNISMOS & MODERNIDADES: BRASIL, 1922 (O OUTRO ERA AQUI)

Francisco Alambert1
Universidade de São Paulo, Brasil
Marcos Antonio da Silva2
Universidade de São Paulo, Brasil
Nelson Tomelin3
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Revista de História (São Paulo), núm. 181, a12322, 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História

Recepção: 14 Outubro 2022

Aprovação: 14 Outubro 2022

A Semana de Arte Moderna, no Brasil de 1922, foi uma atividade patrocinada por homens endinheirados, realizada num ambiente de pessoas endinheiradas e assistida por um público de homens e mulheres endinheirados. Seu alcance, todavia, ultrapassou esse universo social, astúcia das Artes, fez-se História também criticamente, às vezes sem o querer, e dialogou com outras modernidades sociais ao indagar o que era aquele Brasil.

Questões de linguagem e problemas que seus principais participantes consolidaram contemplaram presenças populares na cena social e artística, redefiniram a própria concepção de povo brasileiro. E aquele evento não surgiu do nada, dialogou com antecedentes culturais e sociais do Brasil e com vanguardas internacionais.

O mundo que se sucedeu à Revolução Russa de 1917 e ao primeiro pós-guerra não podia mais escamotear a existência dos trabalhadores pobres na cena social e cultural, como se observara na experiência soviética e, depois, no Tratado de Versalhes e na Organização Internacional do Trabalho.

O crítico literário Alfredo Bosi estabeleceu diferenças entre Modernismo e Modernidade, onde escritores de antes e depois, desvinculados da Semana de 1922 e de seus prolongamentos, foram destacados – Lima Barreto, Graciliano Ramos e outros (BOSI, 1997, p. 293-319).

A sutil ironia de Machado de Assis apontou, com alguma acidez, desencontros culturais e sociais brasileiros, deu ênfase a Capital e Ética, Escravidão e Europeísmo deslocado, Mulheres e Direitos: identidade nacional e povo eram problemas (ASSIS, [1908] 2006, p. 1095-1200).

Sylvio Romero realçou que não existia Brasil sem negros e índios: o país não era uma branca Europa tropical, índios e negros configuravam mais que exotismos locais (ROMERO, [1883], 1985).

Euclides da Cunha permitiu ver a grandeza de um povo dotado de força e saberes, ignorado e destruído por governos que se diziam, pateticamente, sua coisa (res publica) (CUNHA, 1984 [1902].

Lima Barreto escancarou um mundo de violências contra pobres e mulheres, feroz racismo, instituições disciplinares, República contra povo e potencialidades críticas (BARRETO, 1956 [1915]).

E Monteiro Lobato esboçou um Brasil que prescindia de raças para explicar seu povo, equiparou racialmente Jeca Tatu aos bandeirantes (LOBATO, 1980 [1918]).

O Modernismo brasileiro, ao combater vestígios de passado, agiu como se esses nomes nada lhe dissessem, rejeitou asperamente argumentos de Lima Barreto e Monteiro Lobato4. O principal crítico e esteta do grupo, Mario de Andrade, todavia, fez um posterior acerto de contas em relação a Machado de Assis e Lima Barreto, reconheceu-lhes a fina e inovadora Psicologia narrativa (ANDRADE, 1972 [1939], p. 149-153). E as incursões etnográficas de Mario, que Gilda de Mello e Souza considerou parte de sua Estética (ANDRADE, 1982 [1959]), retomaram faces dos escritos de Sylvio Romero.

Vanguardas europeias se interessaram por linguagens artísticas de povos de fora da Europa5. Para o Brasil, “fora da Europa” era aqui mesmo: indígenas, africanos, múltiplos imigrantes repaginados, “contribuição milionária de todos os erros” (ANDRADE, 1972 [1928]), que, conforme muitos dos Modernistas, eram acertos.

Mario de Andrade e Paulo Prado publicaram, em 1928, dois livros que desfizeram, em grande parte, a explicação racial do Brasil: Macunaíma e Retrato do Brasil (ANDRADE, 1972[1928] e PRADO, 1997[1928]).

A rapsódia de Mario trouxe um herói “sem nenhum caráter”, que nasceu negro e se tornou branco pela ação de uma fonte miraculosa; um de seus irmãos se banhou nessa água já encardida por Macunaíma, ficou mulato; e o terceiro, que recebeu a água plenamente tingida pelo negror dos outros dois, permaneceu preto, apenas palmas das mãos e solas dos pés clarearam.

Paulo Prado, em seu belo ensaio literário, construiu quase uma parábola: todas as raças que formaram o Brasil se igualavam na tristeza! As cores de pele diversificadas, portanto, foram imaginariamente niveladas pela equalização psicológica, outra negação agridoce e risível das hierarquias raciais.

Foram conquistas de pensamento e de valores intelectuais e políticos que não se confundiam com as biografias pessoais desses Autores: o mulato Mario continuou a usar pó de arroz para tornar a face aparentemente mais clara; e o branco Paulo, de acordo com fala de Tarsila do Amaral, rompeu com Oswald de Andrade porque este último se referiu publicamente a sua parenta Veridiana Prado como “gloriosa mulata”...6

O riso fiosofante e literário de Mario, Paulo e Oswald, em diferentes gêneros textuais, esteve associado a uma liberdade modernista em relação a hierarquias artísticas: paródias, caricaturas, piadas e ilustrações da Imprensa periódica, junto com música folclórica e música de mercado, Teatro de Revista e o nascente Cinema, foram postos em diálogo com modalidades artísticas consideradas tradicionalmente como eruditas. Mais que suspender padrões de qualidade7, ele problematizava cânones, convidava artistas e públicos a pensarem sobre categorias que corriam o risco de petrificação.

Embora Modernistas não se confundissem com Regionalismos, o contato entre artistas e intelectuais de diferentes estados brasileiros foi cultivado por muitos deles, especialmente Mario de Andrade. Essas relações são importantes para a compreensão de que nem tudo, no Modernismo brasileiro, se reduziu a São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Isso não diminui o peso da produção modernista naqueles três primeiros núcleos, apenas realça que não vale a pena manter o adjetivo “regional” para os demais nem os considerar enquanto meros seguidores de paulistas, mineiros e cariocas.

E os próprios Modernistas não se confundiam em bloco com o fascínio cego pela técnica: Mario de Andrade nunca aceitou a identidade de Futurista, diferenciou-se desse discurso de louvor a velocidade, guerra e qualquer novidade; e não quis saudar o futurista Filippo Tommaso Marineti, tornado porta-voz do Fascismo, em visita deste a São Paulo.

O Modernismo abrigou múltiplos projetos e não é ocasional que alguns de seus nomes tenham saudado o Fascismo e seus derivados nacionais com extrema simpatia. Outros, todavia, aproximaram-se do Comunismo. Essas buscas levaram a diferentes destinos políticos e estéticos, Brasis até opostos entre si.

Cabe salientar que a Modernidade popular, no Brasil, não dependeu apenas daquela produção artística e intelectual nascida em 1922, em São Paulo & Cia. Movimentos sociais, desde meados do século XIX, evidenciavam lutas por novos direitos, nascidas entre escravos, libertos e imigrantes pobres, a falar sobre Anarquismo, Greves, Educação, Mulheres, Moradia, Estado Laico, Divórcio e outros tópicos.

Se o ano de 1922, no Brasil, é lembrado pela Semana de Arte Moderna, pelos 18 do Forte/Tenentistas e pela criação do Partido Comunista do Brasil, não é possível esquecer lutas por direitos tão modernas e anteriores quanto Canudos, Contestado, Revolta contra a Chibata, Greve de 1917 e muitas outras, além de Anarquistas e Socialistas em defesa de espaços sociais mais amplos e vozes próprias para os trabalhadores pobres – inclusive Mulheres e Crianças. Isso também é Modernidade! Junto com o Povo dos Modernistas, é preciso pensar a respeito de Modernidade do Povo, suas facetas poliglotas (africanos, indígenas e imigrantes europeus e asiáticos) e de ousadia na invenção de outro país, de outro mundo.

O Brasil se fazia moderno a partir de diferentes sujeitos, artistas ou não. As Artes não apenas falavam (e falam) de pobres e ricos; elas existiam (e existem) num mundo de ricos e pobres, tema, problema e potencial destino de seus produtos. O poder das Artes foi (e vai) além da fala dos que já eram (e são), política, econômica e socialmente, poderosos, em sua gênese e em sua apreensão. Aquele Povo também era portador de outros poderes.

E mais Modernidades continuaram e continuam, apesar do “Pós-Moderno”.

Material suplementar
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mario de. A Psicologia em ação. In: O empalhador de passarinho. São Paulo/ Brasília: Martins/INL, 1972, p 149/153 (Texto original de 19.11.1939).
ANDRADE, Mario de. Danças dramáticas do Brasil. São Paulo/Brasília: Martins/INL, 1982 (1ª ed.: 1959).
ANDRADE, Mário. Macunaíma – O herói sem nenhum caráter. São Paulo: Martins, 1972 (1ª ed.: 1928).
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça (Org.). Vanguarda europeia e Modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1997 (1ª ed. do documento: 1928).
ASSIS, José Maria Machado de. Memorial de Aires. In: Machado de Assis – Obra Completa. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp 1095/1200 (1ª ed.: 1908).
BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Brasiliense, 1956 (Obras de Lima Barreto, II - 1ª ed.: 1915).
BOSI, Alfredo. As Letras na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (dir.). O Brasil republicano. Sociedade e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp 293/319 (História Geral da Civilização Brasileira, tomo III, volume 2) (1ª ed.: 1976).
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Três, 1984 (1ª ed.: 1902).
FRANCASTEL, Pierre. Pintura e sociedade – Nascimento e destruição de um espaço plástico. Tradução de Elcio Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1990 (1ª ed.: 1952).
LOBATO, José Bento Monteiro. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1980 (1ª ed.: 1918).
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 1997 (1ª ed.: 1928).
ROMERO, Sylvio. Cantos populares do Brasil. São Paulo/Belo Horizonte: EDUSP/Itatiaia, 1985 (1ª ed.: 1883).
Notas
Notas
4 São conhecidas as rejeições modernistas aos textos: BARRETO, Afonso Henriques de Lima. “O Futurismo”. Careta. Rio de Janeiro: XV (735), 22 jul 1922; LOBATO, José Bento Monteiro. “Paranoia ou mistificação?”. O Estado de S. Paulo. São Paulo: 14215, 20 dez 1917.
5 Isso não se confunde com reprodução imitativa, como se observa em (FRANCASTEL, 1990 [1952]).
6 AMARAL, Tarsila do. Entrevista a Leo Gilson Ribeiro para a revista Veja. São Paulo, Abril Cultural, 23 fev1972. Tarsila do Amaral - a última entrevista - Templo Cultural Delfos htp://www.elfikurten.com.br› tarsila.
7 Rejeitar tal suspensão é um tema presente em: ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento – Fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985 (1ª ed.: 1944). Malgrado a erudição desses Autores e a importância do livro no contexto de seu surgimento (Nazismo, Holocausto, Segunda Guerra Mundial – e, em seguida, Hiroshima/Nagasaki e Guerra Fria), Adorno e Horkheimer omitiram a necessidade de superar tal hierarquia, tão vinculada a privilégios de classe. Certamente, a indústria cultural não era nem é o caminho para essa ultrapassagem.
Texto de Apresentação do Dossiê 1922/2022: o século da Semana – balanços e perspectivas Organizadores

Francisco Alambert, Marcos Antonio da Silva, Nelson Tomelin Jr.

Autor notes
1 Professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
2 Professor Titular aposentado, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
3 Professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Amazonas.
Editores Responsáveis

Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

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