DEBATES E COMUNICAÇÕES

Recepción: 03 Abril 2023
Aprobación: 05 Mayo 2023
Resumo: Enrique Rojas, em seu texto intitulado El hombre light (1992), apresenta a vivência do homem light na cultura pós-moderna. Com o termo light, o autor associa a leveza do homem a diversos âmbitos: físico, social e psicológico. No entanto, este autor considera essa leveza de forma negativa, afirmando que esse homem light carece de essência, uma vez que, perdeu suas referências. Esta mesma dinâmica evidenciamos na relação do sujeito contemporâneo com a religião. Em nossa comunicação evidenciamos o vínculo entre o conceito de homem light proposto por Rojas e a vivência religiosa na contemporaneidade. Para atingirmos o nosso objetivo elucidamos o conceito de homem light e depois ressaltamos o debate em torno da religião na contemporaneidade enfatizando o conceito de religião à la carte que para nós é uma boa chave de leitura para estabelecer a relação entre o homem light com a temática da religião. Após elucidar os conceitos chegamos à conclusão de que o modo do sujeito contemporâneo lidar com a religião é marcado pelo modo de produção capitalista, de forma que a religião se torna uma espécie de acessório a ser utilizado de acordo com os interesses dos sujeitos.
Palavras-chave: Sujeito contemporâneo, Religião à la carte, Homem light, Capitalismo.
Abstract: Enrique Rojas, in his text entitled El hombre light (1992), presents the experience of the light man in postmodern culture. With the term light, the author associates the lightness of man within different areas: physical, social and psychological. However, this author considers this lightness in a negative way, stating that this light man lacks essence, since he has lost his references. This same dynamic is evident in the contemporary subject's relationship with religion. In our communication we highlight the link between the concept of light man proposed by Rojas and the religious experience in contemporary times. In order to reach our objective, we elucidate the concept of light man and then highlight the debate around religion in contemporary times, emphasizing the concept of religion à la carte which, for us, is a good reading key to establish the relationship between light man and the theme of religion. After clarifying the concepts, we came to the conclusion that the contemporary subject's way of dealing with religion is marked by the capitalist mode of production, so that religion becomes a kind of accessory to be used according to the subjects' interests.
Keywords: Contemporary subject, Religion à la carte, Light man, Capitalism.
Resumen: Enrique Rojas, en su texto titulado El hombre light (1992), presenta la experiencia del hombre luz en la cultura posmoderna. Con el término light, el autor asocia la ligereza del hombre con diferentes ámbitos: físico, social y psíquico. Sin embargo, este autor considera esta ligereza de forma negativa, afirmando que este hombre light carece de esencia, ya que ha perdido sus referentes. Esta misma dinámica es evidente en la relación del sujeto contemporáneo con la religión. En nuestra comunicación destacamos el vínculo entre el concepto de hombre luz propuesto por Rojas y la experiencia religiosa en la época contemporánea. Para alcanzar nuestro objetivo, dilucidamos el concepto de hombre luz y luego destacamos el debate en torno a la religión en la contemporaneidad, enfatizando el concepto de religión a la carte que, para nosotros, es una buena clave de lectura para establecer la relación entre el hombre de luz y el tema de la religión. Luego de aclarar los conceptos, llegamos a la conclusión de que la forma de enfrentar la religión del sujeto contemporáneo está marcada por el modo de producción capitalista, por lo que la religión se convierte en una especie de accesorio para ser utilizado de acuerdo con los intereses de los sujetos.
Palabras clave: Sujeto contemporáneo, Religión a la carta, Hombre ligero, Capitalismo.
1 INTRODUÇÃO
O sujeito contemporâneo se coloca como um grande desafio. Para nós, a tônica deste sujeito é a situação de estar à deriva, oscilando entre tentar resgatar valores do passado na tentativa de se nortear, mas sem ao mesmo tempo saber o que de fato tem em mente ao fazer isso, de forma que cai não raras vezes em uma espécie de fundamentalismo. A contemporaneidade será entendida por nós como o momento em que o declínio das instituições se consolida e o mundo se torna uma grande aldeia global regida pela lógica do capitalismo tardio. Dessa forma a noção de contemporaneidade parece romper com os resquícios iluministas, e em grande medida parece apontar para uma reconfiguração estrutural das relações humanas e sociais. O advento das redes sociais e sua popularização também parecem apontar para uma virada antropológica cibernética, assim como o avanço científico, genético, tecnológico parece sinalizar que algo estrutural mudou na percepção e na relação do homem com o mundo.
2. CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO CONTEMPORÂNEO (ROJAS, JEAN- FRANÇOIS MATTEI E CHARLES MELMANN
Enrique Rojas, em seu texto intitulado El hombre light (1992), apresenta a vivência do homem light na cultura pós-moderna. Com o termo light, o autor associa a leveza do homem a diversos âmbitos: físico, social e psicológico. No entanto, este autor considera essa leveza de forma negativa, afirmando que esse homem light carece de essência, uma vez que, perdeu suas referências. Em outro momento, Rojas refere-se a esse homem como se tivesse perdido sua bússola que o guiava, ficando assim desorientado.
O homem moderno não tem referência, perdeu seu objetivo e está cada vez mais desorientado diante das grandes interrogações da existência. Isto se traduz em coisas concretas, que vão desde não poder ter uma vida conjugal estável a não poder assumir com dignidade, qualquer tipo de compromisso sério. Quando se perde a bússola, logo se navega à deriva, não se sabe a que se agarrar nos temas-chaves da vida, o que leva a uma aceitação e canonização de tudo. É uma nova imaturidade, que tem crescido lentamente, mas que hoje tem uma nítida fisionomia. (ROJAS, 1996, p.16-17).
Desse modo, o homem light é consumista, imediatista, valoriza os prazeres fugazes, possui pouco senso de realidade e um excesso de sentimento de vitimização; se preocupa, excessivamente, com o corpo, vive de forma exibicionista, seja no universo real ou virtual. Ele é livre, mas não aproveita dessa liberdade. Sente uma falta nostálgica de modelos de referências que lhe sirvam de ponto de apoio; é um ser vazio, e busca preencher esse vazio a todo custo, principalmente com a possibilidade de uma meteórica ascensão social, mesmo que, para isso, ele tenha que negar o outro. É um sujeito que possui uma decadência moral e é extremamente pessimista (ROJAS, 1996).
Nessa direção, Mattéi (2002) entende que o sujeito na contemporaneidade, ao perder suas referências, vivencia suas experiências como mera representação, pois se a pós- modernidade proporcionou uma liberdade ao homem, ela também o tornou esvaziado de sentido, devido à ausência de autonomia nas suas ações e no seu modo de ser. Para ele “se o sujeito é apenas um sujeito fictício, privado de todo recurso substancial, ele corre o risco de permanecer sujeitado a si mesmo e de se petrificar, assim, diante de seu próprio espelho, em puro objeto de representação” (MATTÉI, 2002, p.26).
Mattéi argumenta que este sujeito da representação possui um modo de existência solitário, afastado de toda forma de instituição estável, onde “só existe o vazio, real ou virtual, em torno do qual gira, na eternidade de um instante fugaz, a constelação destruída do sujeito. Estamos, totalmente, imersos na barbárie do sujeito. (MATTÉI, 2002, p.163)
Já Melman (2008) afirma que vivenciamos o fenômeno do zapping subjetivo1, pois a subjetividade da nossa sociedade atual é representada de acordo com as nossas conveniências, num liberalismo psíquico, pois não temos mais um ideal, referências que possam nos nortear. Segundo este autor:
O zapping não é só das imagens, mas também subjetivo. Você não lida permanentemente com o mesmo sujeito. Você lida com uma feição se possível neutra e insignificante, mas que é a máscara de uma subjetividade móvel. Você nunca sabe o que realmente pensa aquele que está falando com você, como se ele mesmo nunca pensasse nada que seja firme. (MELMAN, 2008, p.94).
3. OUTRAS POSTULAÇÕES
Em conformidade com as postulações de Lasch (1987), apresenta um olhar negativo sobre a sociedade e sobre o sujeito atual, no qual a sociedade narcisista renuncia ao tempo histórico, rejeita o passado e as representações tradicionais; encontrando, assim, dificuldade em determinar o que acontecerá no futuro. Em relação ao sujeito, na cultura narcisista e na sociedade de consumo, este sujeito não é valorizado, pois a liberdade tão almejada é uma liberdade que desqualifica a autonomia do sujeito. De acordo com este autor:
O narcisismo significa uma perda da individualidade e não a autoafirmação: refere-se a um eu ameaçado com a desintegração e por um sentido de vazio interior. A vida cotidiana passou a pautar-se pelas estratégias de sobrevivência impostas aos que estão expostos à extrema adversidade. A apatia seletiva, o descompromisso emocional frente aos outros, a renúncia ao passado e ao futuro, a determinação de viver um dia de cada vez (LASCH, 1987, p. 47).
Destarte, essas análises convergem com o momento marcado por uma perspectiva negativa da nossa sociedade, no qual há uma sensação de insegurança, incerteza e desesperança. Contudo, há autores que, mesmo configurando perspectivas iniciais negativas em relação ao sujeito e à sociedade atual, como podemos ver em Rojas e Harvey, apontam caminhos e perspectivas esperançosas em relação ao futuro. Segundo Rojas:
Diante do homem moderno, sem perspectivas, proponho o homem comprometido e com perspectivas futuras. Um homem que com sua própria vida é um exemplo impecável para os outros, exemplo vital de teoria e prática. Assim, o homem evitará essa melancolia do equador da existência consequência de uma vida sem norte, sem substância, descomprometida, egocêntrica e baseada no princípio do prazer. Temos que voltar a dotar nossa vida de valores fortes e convincentes, porque é evidente que o homem moderno é transitório, passageiro, e tem pouco poder de convicção se soubermos ser críticos com sua mensagem, não nos entregando em seus braços assim de modo fácil e gregário (ROJAS, 1996, p.134-135).
4 SOBRE A RELIGIÃO
Esse sujeito contemporâneo também lidará de forma paradoxal com a religião. O número crescente de não afiliados é algo que nos chama a atenção na contemporaneidade, pois o que vemos é um aumento do impacto religioso sobre a sociedade, (principalmente pelo viés fundamentalista) mas ao mesmo tempo o aumento de pessoas que não se filiam a nenhum discurso religioso. Na relação do homem com a religião na contemporaneidade acontece o que aqui chamarei de uma espiritualização instrumental da vida. Um retorno soft do sagrado. Um movimento crescente de pessoas que nas redes sociais e às vezes até mesmo na vida diária adotam agora novas posturas, novas formas de vida, que agora afirmam se dedicar à yoga, alimentação saudável, cultura da paz, práticas esotéricas, mapas astrais, lemas budistas, práticas milenares de meditação, etc.
Esse fato mesmo parecendo ser recente é algo que já acontece há algum tempo em nossa sociedade totalmente permeada pelo individualismo e pela ausência de referenciais como comentamos acima a partir de diversos autores. Esse novo tipo de espiritualidade é o que chamamos de religião light, ou religião a la carte, ou até mesmo religião portátil, ou retorno soft do sagrado. Todos esses os conceitos trazem em si a noção de que a apropriação que um indivíduo faz de preceitos religiosos é, diversas vezes, meramente instrumental e aliada às demandas do próprio capitalismo. Não é raro vermos pessoas que afirmam que assim que começaram a meditar se sentem mais dispostas para o trabalho, afirmam que rendem mais em suas atividades, etc. A prática espiritualizada servindo em grande parte para a exacerbação da produção.
A religião propriamente dita se define muito por uma relação do indivíduo com o sagrado e remete a uma dimensão social, uma vez que toda a religião pressupõe uma dimensão comunitária. A religião, portanto, pode ser considerada como um recorte na dimensão do sagrado, ou seja, uma tentativa de dizer algo sobre o sagrado a partir de um determinado lugar, visando dar ao ser humano uma resposta à questão sobre o sentido de sua existência. A religião surge nessa tentativa de dizer o desconhecido, uma tentativa de colocar o mundo dentro de algo que possa ser amado por esse homem.
A religião institucionalizada acontece em um momento posterior à criação de qualquer religião sendo, portanto, um recorte na própria religião. A instituição religiosa se caracteriza por uma cristalização de uma determinada religião. É nesse estágio que se conhecem os dogmas, que se criam as hierarquias, etc. É aqui que falamos por exemplo de catolicismo, protestantismo, islamismo, etc. Ou seja, a institucionalização religiosa se dá como uma tentativa de organizar aquela primeira relação do indivíduo com o sagrado. Podemos afirmar que o retorno do sagrado na contemporaneidade se dá por uma via de negação de uma religião institucionalizada devido ao seu esvaziamento na oferta de respostas às demandas contemporâneas.
A religião à la carte se evidencia principalmente entre os mais jovens que na ânsia de encontrar algum sentido diante das diversas sensações que o mundo oferece começam a ver em práticas religiosas uma possível saída para o estado de anomia. Assim, o sujeito encara de forma muito tranquila o fato de seguir preceitos budistas e fazer coaching para produzir melhor. Ou então ele se sente muito bem praticando yoga, mas trabalhando freneticamente porque tem no acúmulo financeiro um objetivo inegociável de vida. Para esse sujeito é muito tranquilo participar de festas consumistas em que a dinâmica efêmera da vida está toda estampada contanto que a proposta apareça com o nome de Krishna ou alguma outra entidade oriental. Esse sujeito da religião a la carte é ele mesmo um sujeito light, descomprometido com tudo, que tem na ausência de conflitos a sua razão de viver.
A religião à la carte é exatamente esse movimento de se servir de preceitos religiosos em uma espécie de self-service onto-metafísico em que o cliente (afinal a sua apropriação na maior parte das vezes é para se aliar à dinâmica do capital) é livre para se apropriar do que achar mais interessante para a sua vida. Com o seu prato ele se serve da mística cristã, da sabedoria budista, dos tambores africanos, da serenidade das religiões orientais, da yoga, da meditação e monta o seu prato pronto para ser devorado durante o horário de almoço da sua vida em busca de dinheiro. Essa relação do indivíduo com a religião marca uma tendência contemporânea no mundo da ausência de referenciais. A sociedade líquida (Como Bauman gostava de chamar) traz consigo essa liquidez nas relações que o homem estabelece com a religião. A religião light é uma religião descomprometida, sem afeto, sem amarras metafísicas, sem compromissos ontológicos; ela se torna simplesmente um instrumento para o sujeito se sentir melhor. E esse sentir melhor pode ser simplesmente um comer comida orgânica, meditar algumas vezes por semana e se sentir transcendendo a efemeridade da vida por alguns minutos em silêncio.
A religião light ou à la carte é ao mesmo tempo uma religião portátil, ou seja, aquela que o indivíduo tem sempre à mão para pegar o que precisar, quando precisar, para a tarefa que precisar. Se em um determinado momento ele precisa justificar uma determinada prática que pode ter alguma pega com algum preceito budista, o sujeito simplesmente se apropria daquilo e utiliza sem precisar conceituar ou colocar tal preceito dentro do arcabouço teórico a que tal conceito pertence. Ele é simplesmente utilizado pelo sujeito segundo seu bel prazer e o mesmo acontecendo com os diversos rituais das diversas religiões.
As religiões orientais2 são talvez as que mais são apropriadas pelo ocidente devido a sua forma bastante diferente de ver a relação do homem com o mundo. Daí muito facilmente vermos os mais diversos praticantes de yoga, meditação, práticas alimentares que simplesmente estão fazendo estas determinadas coisas para otimizar a sua vida financeira, ou sua vida profissional, enfim, para render melhor na dinâmica do capital. Isso marca uma deturpação curiosíssima da função consagrada da religião que em sua dinâmica está totalmente alheia à noção de produção. A religião light permite ao sujeito se sentir melhor, mas mantendo a mesma dinâmica neurótica que o aprisiona dentro da estrutura do capitalismo. Nesse sentido podemos dizer sem nenhuma dúvida que a religião light é o fenômeno que marca a apropriação da religião pelo capital. A religião, antes doadora de sentido para a existência, se transforma em um meio para otimizar a produção do sujeito na dinâmica capitalista; e quando ela se torna isso, há muito tempo já perdeu o seu sentido de ser.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que expusemos acima, podemos concluir que se por um lado o retorno do sagrado evidencia um movimento de esvaziamento do sonho ateu (a sociedade esclarecida que abandonou os deuses nos moldes positivistas), esse retorno também evidencia que é muito fácil promover a sua apropriação pelo capitalismo o transformando em produtos a serem consumidos. No entanto, esse retorno do sagrado também evidencia que há algo do humano que insiste em querer se manifestar para além da dimensão pragmática da vida cotidiana, que há algo no humano que clama por sentido, e isso talvez seja algo que nunca cessará enquanto houver humanos. Assim, o homem light, à deriva tem diante de si um grande desafio que é o de encontrar um caminho para uma vivência religiosa que seja autêntica e não uma espécie de apêndice do modo de produção. Um árduo caminho pela frente.
REFERÊNCIAS
LASCH, Cristopher. O mínimo eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. 193p.
MATTÉI, Jean-François. A barbárie interior. São Paulo: Unesp, 2002. 226p.
MELMAN, Charles. O homem sem gravidade. gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2008. 212p.
ROJAS, Enrique. El hombre light. 20 edição: Temas de Hoy, 1992. 196p.
ROJAS, Enrique. O homem moderno: a luta contra o vazio. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Mandarim, 1996. 153p.
Notas