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Motivação e docência no ensino especial: um estudo com professoras do distrito federal
Revista Educação Especial, vol. 30, núm. 57, pp. 27-39, 2017
Universidade Federal de Santa Maria

Demanda Contínua


Recepção: 19 Outubro 2015

Aprovação: 14 Outubro 2016

DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5902/1984686X19964

Resumo: O estudo da motivação no trabalho é tema recorrente, mas pouco explorado em relação a motivação do professor e, em menor grau ainda, em um contexto laboral tão peculiar quanto a educação especial. Tendo em vista a relevância social do trabalho docente nesta modalidade de ensino e suas especificidades, este estudo objetivou a investigação da motivação e seus fatores condicionantes de docentes do ensino especial. Participaram pesquisa 33 professoras de ensino especial da rede pública do Distrito Federal, respondendo a Medida de Motivação no Trabalho, composta por seções que avaliam três dimensões componentes da motivação para trabalhar: Seção I avaliando a valência (o que é valorizado pelo indivíduo); Seção II direcionada a avaliação da instrumentalidade (percepção do trabalho como forma de alcançar seus objetivos); e Seção III mensurando a expectância (percepção de como seus esforços são recompensados pelo trabalho atual). Os Escores Gerais de Motivação obtidos para a amostra apresentaram um nível de motivação considerado alto ( = 89,36), entretanto os escores individuais indicaram uma variação significativa (s = 20,70; s2 = 428,50), e quando agrupadas as participantes por nível obteve-se 60,61% de escores altos; 36,36% de escores mediados e 3,03% de escores baixos. A análise detalhada dos escores por seções e itens do instrumento indicou que os altos níveis de motivação das participantes sofrem influência negativa das condições de trabalho. A avaliação dos itens relacionados a autonomia, a relação com chefias e a participação nas decisões da organização, apresentaram maior potencial de diminuição da motivação global destas profissionais.

Palavras-chave: Trabalho docente, Educação Especial, Motivação.

Abstract: The study of motivation at work is a recurring theme, but little explored in relation to teacher motivation and to a lesser extent also in a work context as peculiar as special education. Considering the social relevance of teaching this type of education and its specificities, this study aimed to investigate the motivation and their conditioning factors of special education teachers. Participated research 33 special education teachers from public schools of the Federal District, responding to measure Motivation at Work, composed of sections that evaluate three components of motivation dimensions to work: Section I evaluating the valence (which is valued by the individual); Section II directed the evaluation of instrumentality (perception of work as a way to reach your goals); and Section III measuring the Expectancy (perception of how your efforts are rewarded by the current job). Motivation of the General scores obtained for the sample showed a level of motivation considered high ( = 89,36), but the individual scores indicated a significant variation (s = 20,70; s2 = 428,50), and when grouped participants per level was obtained 60.61% of high scores; 36.36% of mediated scores and 3.03% of low scores. A detailed analysis of the scores for sections and items of the instrument indicated that high levels of motivation of the participants suffer negative influence of working conditions. The evaluation of items related to autonomy, relationship with managers and participation in organizational decisions, had greater potential for reducing the overall motivation of these professionals.

Keywords: Teaching work, Special Education, Motivation.

Introdução

A motivação é um dos temas clássicos de estudo da Psicologia e da Educação, com ênfase no estudo do papel do professor como agente de promoção da motivação no processo ensino-aprendizagem, mas quando analisada a questão da motivação docente em relação aos aspectos organizacionais e do trabalho docente em si, observa-se uma diminuição da produção sobre motivação (VISEU et al, 2015).

A assunção da importância do papel do professor no processo ensino-aprendizagem é comum na literatura, com maior destaque em situações onde o desempenho do professor é considerado elemento central do processo, como no caso da educação especial (Dănescu; Iordăchescu, 2012; PORTO; OLIVEIRA, 2010), sendo a motivação uma variável importante para entendimento do comportamento dos indivíduos no ambiente laboral, principalmente pela crença de que “altos níveis de motivação são capazes de melhorar o desempenho e garantir ganhos de produtividade” (QUEIROGA; BORGES-ANDRADE, 2015, p. 165).

Tendo em vista este cenário, a investigação das variáveis condicionantes do comportamento organizacional se mostra necessária para o entendimento das relações que os indivíduos estabelecem com seu trabalho e o reflexo destas relações em sua saúde, bem-estar e no próprio desempenho no trabalho; investigação esta que assume relevância maior quando se observa a importância social do trabalho docente, principalmente quando consideramos o trabalho docente realizado em condições tão peculiares quanto o da educação especial.

No intuito de contribuir para compreensão das configurações que o trabalho docente assume nesse contexto de trabalho tão diferenciado, este estudo tem por objetivo precípuo a investigação da motivação no trabalho destes docentes que atuam na educação especial.

Para alcance de seu objetivo, este artigo estrutura-se a partir de uma breve apresentação sobre motivação e trabalho docente, seguida de uma contextualização do trabalho do professor no ensino especial. No tópico sobre metodologia são apresentadas as características da amostra, o instrumento de pesquisa, bem como os procedimentos de coleta e análise de dados. Tendo em vista as limitações de espaço os resultados e sua discussão são apresentados em único tópico seguido pelas considerações finais onde os principais achados são sintetizados e as limitações do trabalho e perspectivas de continuidade são elencadas.

Motivação e Trabalho Docente

Tradicionalmente a motivação é um dos temas mais importantes no campo na investigação da conduta humana no trabalho, atraindo pesquisadores, gestores, profissionais de recursos humanos de diversas áreas e formações no intuito de esclarecer e determinar quais fatores desencadeiam e mantem o comportamento humano direcionado ao trabalho nas organizações (ROBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010; PINDER, 2008).

No campo de estudo da motivação a determinação das variáveis individuais e organizacionais que conduzem ao desempenho de alto padrão toma corpo a partir dos anos 601 com destaque para o modelo proposto por Vroom (1964), de inspiração cognitivista, onde a avaliação do indivíduo das consequências de suas ações em interação com suas expectativas conduziriam a ação dos indivíduos. Neste modelo a interação de três cognições distintas – valência, instrumentalidade e expectância – resultaria na escolha da conduta adotada.

A valência consiste na atribuição de um valor positivo ou negativo a determinada consequência de um comportamento, em outra palavras, o estabelecimento do que é valorizado, e consequentemente desejado, por cada indivíduo. Já a instrumentalidade é uma crença de que um comportamento específico gerará um determinado resultado, por exemplo, que entregar atividades dentro do prazo reverterá em alguma recompensa desejada. Por expectativa concebe-se o grau com que o indivíduo consegue antecipar as recompensas de seus comportamentos. Como indicado por Gondim e Silva (2014, p. 180) “a suposição de Vroom é a de que as pessoas decidem sobre suas ações de modo instrumental, procurando maximizar seu prazer e seus ganhos e minimizar seu desprazer e suas perdas”.

Do ponto de vista prático, o modelo de Vroom (1964) prevê que uma pessoa agirá com maior dedicação no trabalho quanto maior for sua atração pelos resultados possíveis desta dedicação (valência); quanto maior for sua crença que a dedicação será recompensada naquele dado local de trabalho (expectância); e escolhendo ações que ela avalie como meio de demonstração efetiva desta dedicação (instrumentalidade).

O modelo de Vroom tem se mostrado influente no campo de estudo do comportamento humano no trabalho tanto no contexto internacional (Van Eerde; Thierry, 1996; PINDER, 2010), quanto no nacional (QUEIROGA; BORGES-ANDRADE, 2015), e que para o entendimento do trabalho docente pode lançar luz sobre questões sobre quais variáveis fazem a mediação do nível motivacional, além de permitir identificar a relação entre os valores pessoais e recompensas organizacionais, uma vez que “valores são potentes ativadores, especialmente porque estão carregados de afetos, ou seja, há um forte investimento emocional em ações congruentes com tais valores” (GONDIM; SILVA, 2014, p. 195)

O estudo da motivação no trabalho docente é de especial interesse quando atentamos à relevância deste trabalho para nossa sociedade, e cuja investigação se torna crucial para melhoria do bem-estar destes profissionais, da própria gestão e no desempenho de instituições de ensino bem como a formulação e ou adequação de políticas públicas para educação (VISEU et al, 2015), sendo a motivação docente determinante, por exemplo, na escolha da profissão e permanência na profissão (Paulick; Retelsdorf; Möller, 2013; JESÚS et al, 2011), além de necessária em alto nível para a formação continuada (Carlotto et al, 2012) e produtividade acadêmica (ESTES; Polnick, 2012).

Bentea e Anghelache (2012) em um estudo sobre a motivação e satisfação no trabalho com professores, os autores concluem que os níveis destas variáveis podem ser incrementados com a criação de mais oportunidades para professores de assumirem as suas responsabilidades profissionais. A partir da promoção do reconhecimento da contribuição e esforço de cada membro da organização, com criação de oportunidades para alcançar a autorrealização, apoiando o desenvolvimento de sua carreira profissional e identidade como professores, com incentivo de desempenho no trabalho, além da busca por um ambiente social salutar e incentivo ao trabalho em equipe e as relações interpessoais positivas.

Em um estudo comparativo entre professores brasileiros e portugueses Jesús, et al (2011) apontam para relação entre níveis motivacionais e tendência a permanência na profissão docente, relação também encontrada por Paulick, Retelsdorf e Möller (2013), cuja pesquisa aponta, ainda, para a relação positiva entre a motivação para a escolha da profissão, o desempenho docente e as conquistas profissionais dos professores, mediadas pelas condições de trabalho.

Este cenário, onde a motivação no caso do trabalho docente apresenta um nível significativo de dependência das variáveis organizacionais, nelas inclusas as condições de trabalho, as recompensas organizacionais (financeiras e não financeiras), a autonomia, e as relações socioprofissionais, indica que a investigação da motivação docente deve ser estendida aos vários contextos de trabalho e suas especificidades, o que nos remete ao trabalho docente na Educação Especial, área tão idiossincrática da práxis do professor.

A docência no ensino especial

No atual contexto, a educação especial é entendida como a modalidade de educação caracterizada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com a redação alterada pela Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, como aquela “oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2013), implicando em seu maior fator distintivo em educação ofertada nas demais etapas e modalidade de ensino – as especificidades de seus educandos que requerem práticas pedagógicas diferencias e que dependem principalmente de um docente motivado para o processo pedagógico.

Neste processo, as antigas instituições privadas e filantrópicas vêm sendo substituídas paulatinamente pelo setor público na oferta da educação especial (MENDES, 2010).

Os fatores distintivos da educação especial estão enraizados na política educacional que a funda, sobrepondo funções às já definidas para o ensino regular, flexibilizando e adaptando currículos, além de englobar uma gama de deficiências e necessidades especiais diferentes (GARCIA, 2006; 2013), sendo que o “modelo de atendimento proposto pela atual política faz do professor de educação especial um ser multifuncional” (GARCIA, 2013, p. 115), impondo condições de trabalho distintas da educação regular.

Pode-se afirmar que a organização do trabalho pedagógico na proposta de educação especial na educação básica orienta-se pelo local de atendimento: 1) na escola regular (classe comum, classe especial e sala de recursos); 2) na escola especial (em seus diferentes níveis de atendimento) e 3) em ambiente não escolar (classe hospitalar e atendimento domiciliar). O local de atendimento mantém íntima relação com as funções que estão previstas para o atendimento especializado: apoiar, complementar e suplementar e, por último, substituir os serviços educacionais comuns. A diversificação do atendimento possibilita contemplar uma grande variedade de necessidades que possam ser apresentadas pela heterogeneidade dos alunos da educação especial. (GARCIA, 2006, p. 305).

Este quadro implica em um contexto de trabalho tão diversificado que impõem aos professores dificuldades de ordem técnica e de formação, além da confrontação com as condições de trabalho, por vezes distante do ideal e do idealizado (Marquezine; Leonessa; Busto, 2013) colocando a formação continuada com uma necessidade (Dănescu; Iordăchescu, 2012), cenário onde a motivação no trabalho surge como fator determinante para o desenvolvimento profissional na área como apontado por Zanelatto e Poker (2012, p. 156):

[...] a motivação para fazer o curso está relacionada com as características da fase em que os professores se encontram, tanto no que diz respeito a idade, quanto ao ciclo da trajetória docente e, também, aos aspectos ligados principalmente a atuação profissional do professor, sem contudo desconsiderar os elementos relacionados a formação educacional e vocação pessoal.

No decurso da carreira os aspectos motivacionais continuam importantes ante ao descompasso entre o prescrito e o real no trabalho vivenciado, como encontrado por Ghizoni et al (2015) que ao trabalharem com professores do ensino especial identificaram uma intensa mobilização de recursos subjetivos para lidar com as condições reais do trabalho, que surgem em face ao sofrimento advindo da distância entre o que se prevê para este trabalho e as condições reais de sua execução, constatando-se que, apesar da falta de reconhecimento, “os professores se esforçavam e investiam muita energia, e até mesmo paixão no trabalho” (Ghizoni et al, 2015, p. 87).

Em um contexto similar de exigência de multifuncionalidade aos docentes na educação especial, Dănescu e Iordăchescu (2012), propõem uma seria de competências técnicas e pessoais para o professor da educação especial, competências estas que abrangem uma gama de conhecimentos e funções complexas (Quadro 1) que exemplifica o nível de exigência e expectativas depositado sobre estes docentes, e cujo alcance exige um nível de motivação elevado.

Quadro 1
Quadro 1

Competências Didáticas para Educação Especial

Adaptado de Dănescu e Iordăchescu (2012)

Em relação aos aspectos motivacionais e sua relação com a saúde e bem-estar docente na educação especial Carlotto et al (2012), em um estudo com 63 professores da educação especial da região Sul do Brasil, encontraram fatores relacionados a motivação (reconhecimento e autonomia) como protetores na Síndrome de Burnout:

Os educadores da escola especial, no momento em que percepcionam uma maior eficácia, actuam com uma maior autonomia e provavelmente, recebem um feedback positivo e um apoio de familiares, colegas e discentes da instituição, apresentando uma maior motivação e entusiasmo pelo trabalho. (Carlotto et al, 2012, p. 322).

Tal proposição se alinha com o afirmado por Porto e Oliveira (2010, p. 101), que o professor na educação especial “precisa sentir-se apoiado e acolhido pelas redes de apoio ao processo ensino-aprendizagem”, figurando a falta de reconhecimento como fator de sofrimento no trabalho (GHIZONI et al, 2015).

Desta forma, a identificação da relação estabelecida entre o que os docentes da educação especial valorizam e como percebem a realidade efetiva de trabalho, pode auxiliar a entender como a motivação destes profissionais se estrutura, e como traçar estratégias de potencialização dos fatores positivos no trabalho.

Metodologia

A amostra final foi composta por 33 professoras de ensino especial da rede pública de ensino do Distrito Federal, sendo a coleta de dados realizada no local e horário de trabalho dos participantes, após a apresentação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.

Em consonância com o referencial teórico adotado e com os objetivos da pesquisa, as participantes responderam a Medida de Motivação no Trabalho – MMT (QUEIROGA; BORGES-ANDRADE, 2015), composta de 3 seções que avaliam três dimensões componentes da motivação para trabalhar: Seção I avaliando a valência (o que é valorizado pelo indivíduo); Seção II direcionada a avaliação da instrumentalidade (percepção do trabalho como forma de alcançar seus objetivos); e Seção III mensurando a expectância (percepção de como seus esforços são recompensados pelo trabalho atual). Cada dimensão da medida utilizada compõem uma subescala consistente internamente – valência com Alpha de Cronbach de 0,85 e cargas fatoriais entre 0,39 e 0,67; instrumentalidade com Alpha de Cronbach de 0,93 e cargas fatoriais entre 0,44 e 0,85; expectância com Alpha de Cronbach de 0,93 e cargas fatoriais entre 0,70 e 0,88.

Para obtenção do Escore Geral de Motivação (EGM) foi calculada a média dos resultados para cada respondente por seção da MMT e as médias depois foram multiplicadas entre si, conforme orientação de Queiroga e Borges-Andrade (2015). A interpretação do EGM pautou-se pelos critérios indicados pelos autores (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1

Parâmetros de Interpretação do Escore Geral de Motivação - EGM

daptado de Queiroga e Borges-Andrade (2015)

Além do EGM a análise dos resultados em cada subescala foi realizada para obtenção de “um detalhado diagnóstico organizacional ou uma aprofundada interpretação do construto em contexto de trabalho” (QUEIROGA; BORGES-ANDRADE, 2015, p. 170).

Para análise estatística submeteu-se os dados foram tabulados e submetidos a análise no programa Assistat – Assistência Estatística (versão 7.7 beta), para geração das estatísticas descritivas, para análise das médias (Teste t de Student) e das correlações (Pearson), onde foi mantido o nível de significância em 0,05.

Resultados e discussão

O EGM obtido para a amostra apresentou um nível considerado alto ( = 89,36), entretanto os EGMs individuais indicaram uma variação significativa (s = 20,70; s2 = 428,50), e quando agrupadas as participantes por nível do EGM temos 60,61% de EGMs altos; 36,36% de EGMs mediados e 3,03% de EGMs baixos (Gráfico 1).


Gráfico 1
Gráfico 1

Distribuição Percentual dos Escores Gerais de Motivação

Autoria própria

Apesar da prevalência de EGMs altos, quando analisados os escores por seção (Tabela 2) observa-se uma tendência dos escores diminuírem a medida que as seções progridem, isto indica que os respondentes, mesmo atribuindo grande valor aos itens expressos na Seção I (Valência), tendem a acreditar menos que seus esforços no trabalho lhe permitiriam alcançar o que valorizam (instrumentalidade) e gerando menos expectativas quanto a isso no trabalho atual (expectância) - Gráfico 2. ]

Tabela 2
Tabela 2

statística Descritiva por Seção da MMT

Autoria própria


Gráfico 2
Gráfico 2

Escores Médios por Dimensão componente da MMT

Autoria própria

A análise da diferença entre os escores médios das seções realizada pela comparação em pares no Teste t de Student (α = 0,05; φ = 64) retornou valores considerados significativos nas comparações entre a expectância as duas demais seções (Tabela 3). Já a comparação dos escores médios obtidos em valência e instrumentalidade não se revelaram significativos.




Assumindo a significância da diferença dos escores relativos à expectância, a submissão dos escores à análise da correlação (Coeficiente de Pearson) entre as dimensões avaliadas na MMT, indicou uma correlação positiva entre as dimensões (Tabela 4) – a variação em uma dimensão afeta as demais no mesmo sentido do sinal da variação – neste caso específico, os escores mais baixos obtidos na dimensão expectância induzem a uma redução nos escores das demais dimensões, principalmente na instrumentalidade. As condições de trabalho afetam negativamente o nível motivacional das participantes, uma vez que a expectância está relacionada diretamente ao trabalho atual dos participantes (QUEIROGA; BORGES-ANDRADE, 2015).




Considerando que a MMT é constituída por itens que se referem à autorrealização pessoal e profissional, às recompensas financeiras, à autonomia, e ao reconhecimento social, os altos escores na dimensão valência e instrumentalidade se alinham ao encontrado por Zanellato e Poker (2012) quanto a diversidade de fatores valorizados por professores da educação especial, sendo estes fatores distribuídos em três categoria motivacionais – profissional, educacional e pessoal.

A análise detalhada dos escores por item componente da seção III (expectância) indicou que os itens referentes à participação nas decisões da organização ( = 3,12, s = 0,95), reconhecimento ( = 3,36, s = 0,60) e relação com chefias ( = 3,85, s = 0,61) obtiveram menores escores médios, induzindo o rebaixamento dos escores médios de toda dimensão expectância. Resultados que reforçam a necessidade de autonomia apontada por Carlotto et al (2012) e de apoio institucional aliado a relações socioprofissionais salutares defendido por Dănescu e Iordăchescu (2012) e Porto e Oliveira (2010) como essenciais para o trabalho do professor na educação especial.

A falta de autonomia pode ser analisada a partir de duas possibilidades não excludentes, por um lado a forma de organização da educação especial dada pelas políticas educacionais que impõem modelos e fazeres, nem sempre consistentes, para estes docentes (GARCIA, 2013; 2006), por outro a fatores da cultura organizacional típicos do serviço público – centralização e burocracia, contexto no qual grande parte da educação especial se insere.

Especialmente quanto aos baixos escores relativos ao reconhecimento no trabalho, é necessário indicar ser este um fator apontado por Ghizoni et al (2015) como potencial fonte de vivências de sofrimento no trabalho e, ainda, constituir um fator protetivo à saúde destes profissionais (CARLOTTO et al, 2012), necessitando um olhar urgente de gestores educacionais.

Considerações finais

Encontrar altos níveis motivacionais nas dimensões é especialmente positivo ao se analisar a importância do trabalho realizado na educação especial, ante o grau de investimento pessoal e de dedicação que este labor requer, entretanto a identificação dos fatores que interferem nestes níveis de motivação, pode se revelar mais útil, por “revelar a fonte de baixos indicadores de motivação” (Queiroga; Borges-Andrade, 2015, p. 171), permitindo o planejamento e aplicação de ações que revertam ou minimizem estes impactos negativos, não só sobre a produtividade, mas também sobre o bem-estar geral dos trabalhadores.

Dentro do modelo proposto por Vroom (1964), este efeito negativo das condições gerais de trabalho sobre a expectância dos sujeitos representa um risco de rebaixamento no nível motivacional geral do trabalhador, já que ao reduzir a expectativa de obtenção de resultados que valorize, o indivíduo escolherá menos condutas que acreditava eficazes para obtenção destas recompensas, efeito já percebido por Estes e Polnick (2012) ao avaliarem os efeitos da motivação docente na produtividade em condições instáveis de trabalho e por Paulick, Retelsdorf e Möller (2013) ao avaliarem o efeito das práticas de gestão no nível motivacional de docentes.

Em um contexto onde estas professoras precisam encontrar e aplicar práticas próprias para resolução das situações a que estão expostos cotidianamente (Ghizoni et al, 2015; Carlotto et al, 2012), a autonomia e a possibilidade de participarem das decisões assumem um papel central no fazer docente, o que exige repensar as práticas atuais de gestão e prescrição do trabalho pedagógico, em busca de uma gestão mais democrática do espaço escolar e promoção de relações socioprofissionais salutares.

Reconhecer o trabalho realizado, por fim, se mostra como ação urgente por parte de chefias e comunidade escolar, mas que também deve se converter em ações concretas nas políticas da educação especial, sob pena de evasão de docentes e declínio da qualidade da educação especial.

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Notas

1 Para uma revisão detalhada dos modelos teóricos para motivação ver Gondim e Silva (2014) e Pinder (2010).


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