Resumo: Este artigo tem o objetivo de discutir a importância da amizade desde a formação docente, de maneira a contribuir para o enfrentamento dos desafios que emergem na sala de aula. De caráter teórico-filosófico, as reflexões aqui tratadas visam debater acerca da necessidade que os professores demonstram ao lidar com condutas e maneira de ser dos alunos, que, a princípio, se distanciam daquilo que é considerado normal. Para tanto, o tema da amizade, como aborda a Filosofia, pode ajudar não apenas na compreensão, mas na mudança das concepções e das atitudes que os professores têm a respeito dos alunos deficientes. Segundo Aristóteles, a amizade é a capacidade e a disposição que temos de viver junto com o outro, querendo para nós aquilo que se crê que seja bom, e feita por causa desse outro,o que pode garantir um bom desempenho do professor na construção e na prática de uma Educação Inclusiva inovadora.
Palavras-chave:Formação de professoresFormação de professores,AmizadeAmizade,Educação inclusivaEducação inclusiva.
Abstract: This article has the purpose to discuss the importance of friendship since teacher formation, in order to contribute to deal with challenges that emerge in the classroom. Of theoretical-philosophical character, the reflections here dealt have the objective of discussing the teachers’ necessity that keeps away from what is considered normal in dealing with conducts and the way of being of the students. So the theme of friendship, as the Philosophy approaches, can help not only the understanding of teachers’ conceptions and attitudes about disabled students, but their changing too. According to Aristotle, the friendship is the ability and the disposition that we have to live together with the other, wanting for us what is believed to be good, and done for the other. It can ensure a good performance of the teacher in the construction and the practice of an innovative Inclusive Education.
Keywords: Teacher formation, Friendship, Inclusive education.
Demanda Contínua
A amizade na sala de aula e a educação inclusiva: reflexões filosóficas
A formação dos professores e a prática pedagógica que se desenrola na sala de aula, têm ocupado um espaço significativo nos debates educacionais, de tal maneira que as propostas e os encaminhamentos dados acerca da questão nem sempre são unânimes, satisfatórios e suficientes. Há questionamentos e até denúncias de que não estaríamos dando conta das expectativas e demandas que emanam do ambiente escolar. Desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental até o Ensino Superior, temos observado um tipo de mal estar, em virtude de não estarmos respondendo adequadamente aos anseios e aos desejos que as pessoas alimentam e esperam da educação. No caso da Educação Especial, esse clima parece ser mais desafiador ainda.
Nesse contexto, podemos considerar como fundamental refletir e motivar o surgimento de outros olhares, de outras posturas e perspectivas que atendam as aspirações da comunidade escolar, sejam os pais, os professores e os alunos. No caso específico deste texto, vamos direcionar as nossas reflexões para uma temática, de matriz filosófica, que pode lançar luz, mobilizar e mesmo fazer brotar situações e atitudes inovadoras na sala de aula: a amizade.
Quando trazemos o tema da amizade para uma discussão dessa natureza, não estamos pretendendo retirar ou diminuir o valor dos conhecimentos, dos conceitos e das teorias pedagógicas e científicas no processo de formação dos professores e no desenvolvimento do aluno na escola. Ao contrário, temos o objetivo de ampliar e incluir um elemento que pode nos ajudar a compreender e agir melhor diante das situações concretas da sala de aula: a dimensão ética.
Entretanto, uma certa tradição filosófica, que inclusive reverbera no campo da Educação, tem hipervalorizado a dimensão epistemológica e epistêmica, o que significa atribuir ao conhecimento e à investigação teórica das coisas por meio de raciocínios, provas e demonstrações, a única via possível para se pensar e agir verdadeiramente. Isto quer dizer que, por sermos dotados de razão e de pensamento, estamos e somos capazes de compreender, analisar e dominar a realidade que nos rodeia. Nesse caso, as coisas, a natureza e os fatos deveriam passar pelo crivo do intelecto e racionalmente adquirirem legitimidade existencial.
Desse ponto de vista, a escola se tornou o espaço e o lugar apropriado e dedicado à transmissão de conteúdos, de conceitos e de teorias, desconsiderando outros elementos e aspectos que movimentam as existências de cada indivíduo ali presente. Se nela tem prevalecido um processo em que a capacidade racional e epistemológica tem dado as diretrizes, é preciso, então, considerar também que alunos e professores são conduzidos, ou pelo menos impulsionados, por paixões, sentimentos e desejos que nem sempre sabemos de onde, como e quando vem. Além disso, alunos e professores são portadores de valores e de atitudes que foram, e são adquiridos, e tornados hábitos ao longo da vida e que a escola contribui ou contribuiu apenas com uma parte, talvez a menor. É também nesse horizonte, portanto, que se dá o processo pedagógico, o que indica a insuficiência de uma posição que se pauta, quase que exclusivamente, a partir da dimensão epistemológica na sala de aula.
Se, desde a formação dos professores até as ações que ocorrem na sala de aula, a busca da verdade tem ocupado um espaço predominante, talvez seja necessário pensarmos na amizade como possibilidade ou até uma saída para os problemas que as escolas enfrentam. Nesse aspecto, a epistemologia, juntamente com a ética e política, seriam lados da mesma moeda e o professor, que na sala de aula leva em consideração esses aspectos, quem sabe, tenha uma melhor compreensão de si mesmo, do público que atende e das ações que desenvolve e, assim, contribuir para um processo educativo mais amplo e integral.
Na escola, normalmente o aluno é visto pelo professor, e este é pelo aluno, como um ser epistêmico, orientado pela razão. Porém, é preciso perceber que não somos apenas um ser epistêmico, não somos um ser regido pela razão o tempo todo. Somos também, além de epistêmico, um ser ético, dotado da capacidade de viver e conviver com o outro, relacionando-me com ele, respeitando-o na sua singularidade e diferença, ou seja, despertando e experimentando o sentimento de amizade, de acolhimento e de cuidado.
Enfim, não somos apenas um ser que pensa, em que o intelecto se torna a única instância para se edificar um projeto pedagógico e uma ação educativa. É nesse sentido que podemos pensar em uma ética que leve em conta a relação entre os sujeitos; uma ética que saia do solipsismo que tudo quer abarcar, que tudo quer dominar. E, segundo nosso ponto de vista, a noção de amizade nos fornece essa possibilidade.
Na sequencia do texto, apresentamos a noção de amizade em Aristóteles, de maneira a indicar uma conceção filosófica que pode ajudar os professores a refletir acerca da temática e, assim, levá-la em consideração em suas práticas pedagógicas, promovendo um clima agradável, amistoso e amoroso na sala de aula. E, no que se refere à Educação Inclusiva, isso pode fazer bastante sentido.
Aristóteles trata da amizade nos Livros VIII e IX da Ética a Nicômaco (1987), e ele começa o seu estudo afirmando que “ela é uma virtude ou implica virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida”. (p. 139) Nenhum homem − nem mesmo aqueles que se consideram os mais felizes − diria sim à vida ou, mesmo na suposição de que lhe fosse dado todo o ouro do mundo, escolheria viver sob a condição de permanecer sozinho e sem amigos. O que não é de estranhar, pois “o homem é um ser político”, diz Aristóteles, “ e está em sua natureza o viver em sociedade"(p.170). Para o homem, pois, viver é viver-com-os-outros, é conviver.
Portanto, para “viver bem” e alcançar o ideal ético de uma vida “bela e boa”, o homem não pode prescindir da amizade, pois mesmo os mais felizes precisam de amigos para suprir o que sozinhos não poderiam fazer por si mesmos. Ou para dizê-lo com as palavras de Aristóteles: “o amigo, sendo um outro si mesmo, fornece o que não se pode prover pelo seu próprio esforço”(ROCHA, 2006, p. 72).
Nessa perspectiva, a doutrina aristotélica da amizade revela algo central em sua concepção ética, ao considerar que o homem só realizará as virtualidades e possibilidades de sua natureza humana, bem como só conseguirá efetuar uma avaliação adequada de suas ações e realizações quando conta com a mediação de um outro, ou seja, na medida em que se abre para a alteridade. Pela reflexão o homem pode penetrar em seu mundo interior e, conhecendo-se a si mesmo, afirmar-se no que tem de próprio e de insubstituível, pois cada um é único naquilo que o define e lhe confere sua identidade. Mesmo assim, homem nenhum é uma ilha.
Isso significa dizer que devo fazer cada vez mais meu, ou de mim, o ser que se manifesta naquilo que sou, e isto não pode ser feito senão pelo reconhecimento do outro. A afirmação de si passa pelo reconhecimento do diverso de si. Talvez pudéssemos dizer que Aristóteles de algum modo intuiu que, no exercício da amizade, o homem está continuamente fazendo seu o seu modo de ser, e que, para tanto, faz-se necessária a mediação do amigo, como outro si mesmo, ou como outro diverso de si. Eu só posso fazer cada vez mais meu o ser que sou por meio da mediação e do reconhecimento do outro diverso de mim. Para Aristóteles, esse outro é o amigo.
Juntamente com a justiça (díke), a amizade (philia) é um dos cimentos da vida política entre os cidadãos da polis, ou seja, são virtudes fundamentais para consolidar a convivência humana na comunidade política.
No que diz respeito à amizade, é ela que produz o desejo de viver junto (...) Na polis, amizade significa a repartição da vida comum com os outros (solidariedade), de tal sorte que faz parte da felicidade o prazer da companhia. Aristóteles chega a dizer que quando os homens são amigos “não necessitam de justiça”, considerando que a mais “genuína forma de justiça é uma espécie de amizade”. A amizade é, pois uma condição essencial para a realização da felicidade. Sem ela o homem carece de algo que é necessário para a sua realização na convivência humana.(RAMOS, 2011, p. 43).
Aristóteles compreende a amizade como uma virtude, uma experiência necessária à vida. Mesmo que tenhamos todos os bens, toda riqueza e todo o poder, ou que vivamos na pobreza ou em qualquer outro tipo de infortúnio, não poderíamos passar sem a amizade, sem esse refúgio. Os jovens teriam nela uma forma de evitar os erros da inexperiência, os velhos uma forma de socorro às enfermidades da idade e àqueles que estão na força da idade, ela inspira as belas condutas. A amizade, como um exercício, é uma caminhada que dois seres fazem juntos, em que a ternura, a afeição e a simpatia são suas formas de manifestação. Nobre e bela, a amizade deve, então, ser louvada como o caminho mais vantajoso que nos leva à “excelência moral”, à areté. As condições para essa experiência estão na nossa capacidade de estimar e bem querer ao outro, ou seja, em um processo de benevolência partilhada e mútua.
Desejar o bem do outro, ser benevolente, é uma atitude que, portanto, não deve ser ignorada pelos homens, pois ela conduz a nos relacionar com as pessoas e a estabelecer uma reciprocidade dos sentimentos e a manifestar ativamente essa reciprocidade. Segundo Aristóteles, podemos falar em três espécies de amizade, diferenciando-se somente pelo fim visado por cada uma delas: aquela dirigida ao bem, ao agradável e ao útil. A amizade fundada na utilidade considera apenas o benefício ou o proveito que pode ser tirado, isto é, a afeição pelo outro está nas vantagens que são esperadas, tendo em vista o interesse próprio, o que denota não uma reciprocidade, mas um amor a si próprio. A amizade agradável, por seu lado, está inspirada no prazer que o outro proporciona, tendo em vista apenas o deleite pessoal. Em ambas, a “amizade nasce somente de circunstâncias acidentais e não de qualidades essenciais do indivíduo amado. Não se ama o outro pelo que ele é, mas pelo que ele pode proporcionar, oferecer. A amizade assim construída pode ser reconhecida como frágil” (ARISTÓTELES, 1988, p. 33-4).
Por seu lado, a amizade que visa o bem é perfeita e virtuosa, devendo ser a preferida de todos; mais rara e mais lenta para se formar, é duradoura, dado que pertence aos homens virtuosos considerar os amigos como a si mesmo e o prazer que experimentam reside nas ações que exprimem uma natureza que visa sempre o bem do outro. Essa semelhança de natureza se funda em uma relação de confiança e de um reconhecimento recíproco: os homens bons e virtuosos são agradáveis e úteis uns aos outros (ARISTÓTELES, 1988, p. 34-5). Portanto, a amizade virtuosa inclui e vai além de uma amizade útil, agradável e se diferencia do amor entre o amante e o ser amado que, muitas vezes, são seduzidos e conduzidos por coisas mutáveis, passivas e motivadas pela satisfação pessoal, como alguma coisa de excessivo, se endereçando, assim, a um único ser. A vida em comum é a característica mais relevante da amizade perfeita, pois aqueles que estão em estado de fraqueza ou indigência têm necessidade de ajuda e aqueles que são ricos gostam de se sentirem rodeados de pessoas, visto que a solidão é algo que incomoda e aflige. Como disposição duradoura, gostar de seu amigo é gostar do que é bom por si mesmo, o que pressupõe, portanto, uma igualdade, uma partilha da existência. (ROCHA, 2006).
Contudo, é necessário ter em conta que há diferenças entre as pessoas, por exemplo entre os pais e os filhos, entre os homens revestidos de autoridade e os que a ela estão submetidos, entre o professor e o aluno etc., o que exige que a amizade seja experimentada a partir dessa desigualdade: a afeição deve ser em função do mérito das partes. Aristóteles considera, assim, que “a amizade será estável e equilibrada quando cada parte fizer ao outro o que lhe é devido ... A regra é que essa ligação deve ser proporcional às vantagens recebidas” (1988, p. 40). Nesse sentido, é preciso um cuidado permanente para que as coisas sejam realizadas sempre tendo em vista uma certa ponderação; um reconhecimento das diferenças de funções, das virtudes, das razões de gostar do outro, as diferenças de obrigações recíprocas e das vantagens esperadas pelas partes. Essa proporcionalidade – o justo meio - é uma das condições básicas para existir uma relação de amizade, sem perder de vista o exercício de querer para os amigos o mesmo que desejo para mim; isto é, a desigualdade, e nem a diferença não seria empecilho para experimentá-la, desde que as coisas sejam compatíveis com a natureza de cada homem e colocadas em um quadro de equilíbrio.
A amizade seria, então, o meio de restabelecer a igualdade e a semelhança como condição para uma vida virtuosa, constante e estável, equilibrando os vícios por excesso ou por falta. É nesse sentido que Aristóteles pensa como possível a amizade entre o rico e o pobre, o sábio e o ignorante, o aluno e o professor. Essa disposição de caráter das pessoas, ou seja, de desejar o bem a quem amamos pelo que elas são, é o que as diferencia daquelas que simplesmente amam por meio dos sentimentos.
Na concepção aristotélica, as relações entre as pessoas, entre os familiares e na vida política, por exemplo, na escola, devem estar, portanto, ancoradas nos mesmos princípios: amizade e justiça. O homem como animal político deve viver entre amigos, deve viver em uma comunidade de cidadãos e de justos, isto é,
a natureza exige que a obrigação de ser justo cresça com a amizade: justiça e amizade existem entre as mesmas pessoas e se aplicam aos mesmos objetos. Todas as comunidades são fragmentos da sociedade política. Os homens se reúnem em vista de algum objetivo utilitário e para se proporcionarem o que é necessário à vida. O interesse geral em vista do qual as cidades são formadas, para o qual elas subsistem, é o fim visado pelos legisladores (ARISTÓTELES, 1988, p. 44).
Para os propósitos deste texto, a noção de amizade proposta pela filosofia aristotélica pode ser um bom indicativo para que os professores e as escolas ressignifiquem suas posturas, atitudes e olhares acerca de sua formação e de suas práticas pedagógicas na sala de aula. No caso específico da Educação Inclusiva, podemos imaginar a contribuição que reflexões dessa natureza podem contribuir para a construção, desenvolvimento e o cultivo de práticas e atividades que levem em consideração a amizade como um sentimento e uma virtude necessária à vida, especialmente à vida ética.
Sabemos que a escola, como instituição social, surge marcada pelo caráter homogeneizador, que objetiva classificar, disciplinar, equalizar, controlar e até mesmo punir os sujeitos que dela fazem parte. Todos os envolvidos no processo pedagógico tem um papel a representar com vistas a enquadrar os indivíduos naquilo que a sociedade pretende. Nesse sentido, Faria (2007, p. 7), ao analisar a Educação Infantil, mas que serve a outros níveis, afirma:
A sociedade capitalista adultocêntrica, classista, machista, racista, hierarquiza as diferenças, constrói a desigualdade e a escola que nasceu para a construção do indivíduo agora é sua cúmplice na construção do individualismo. Cabe à/ao docente comprometido/a com o conhecimento, portanto, fazer a crítica de sua formação que propaga esse tipo de escola (...) [e] superar as práticas (muitas vezes invisíveis) de exclusão também no interior das classes sociais.
É a partir dessa perspectiva, a princípio um pouco pessimista, mas que pode ser mobilizadora, que queremos refletir acerca da Educação Inclusiva e do processo de formação dos professores que irão lidar com os desafios que essa política educacional apresenta. Como lidar com o diferente? Como cuidar e acolher o que é diverso de mim? Se por muito tempo as pessoas em situação de deficiência eram consideradas subumanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono? A sociedade tem o poder de eliminar e confinar os deficientes e não tratá-los como pessoas humanas?
Retomando a análise histórica de Stiker ( 2005), o pesquisador francês Eric Plaisance, em seu artigo intitulado Ética e inclusão (2010), resume:
os sistemas de representação anteriores ao nosso repousavam, de um lado, na oposição do normal e do anormal (o anormal ou o monstruoso). A integridade biológica era a norma de referência. De outro lado, esses sistemas implicavam a distinção ético-religiosa entre o divino e o mal. As práticas de eliminação do disforme eram justificadas religiosamente. Mas existiram também outras práticas, não mais em termos de eliminação física, mas em termos de afastamento, de banimento. As hospitalizações, durante os séculos clássicos na Europa, misturavam os inválidos, os indigentes, os pobres, em suma, todas as formas de “assistidos”. (PLAISANCE, 2010, p. 23).
Ao longo do tempo, essas práticas e concepções da deficiência foram se modificando, e hoje parece mais plausível considerar que, de fato, existem certas formas de deficiência que afetam o equipamento biológico humano, para além das variações históricas ou societárias. Porém, isso não significa que essas deficiências não estejam elas próprias inseridas em redes de representações, de denominações, de classificações, em suma, de rótulos que estruturam as relações com a pessoa em questão, e que engendram práticas e até criam instituições. “Não há uma ‘natureza’ da deficiência, mas um intrincado complexo de relações e de inter-relações, nas quais intervêm, ao mesmo tempo, transtornos ‘objetiváveis’, representações, maneiras de designar”. (PLAISANCE, 2010, p. 25).
Nessa nova perspectiva, começam a ser elaboradas políticas públicas de inclusão das pessoas em situação de deficiência por meio delegislações, tratados internacionais e, sobretudo, por meio de atitudes e posturas que garantem práticas e ações acolhedoras e humanizantes. Isso vem junto com as redefinições do que seja a deficiência no cenário internacional, especialmente a partir de meados dos anos 1980 (PLAISANCE, 2010, p. 26-29).
No que diz respeito à legislação acerca da Educação Inclusiva, o Brasil parece ter avançado consideravelmente nos últimos tempos. Por meio de decretos, resoluções e pareceres, a Educação Inclusiva tem ocupado um espaço fundamental na legislação, que dispõe, orienta, disciplina e regulamenta ações e políticas que devem ser implementadas e que garantam a efetiva realização de princípios, tais como: a preservação da dignidade humana; a busca da identidade; e o exercício da cidadania. (BRASIL, 2017). Como exemplo, podemos citar o que dispõe a Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 208 e 227:
Artigo 208: III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo. V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
Art. 227: II - § 1º - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
No que diz respeito às atitudes e às posturas possíveis e necessárias para o bom andamento do processo de acolhimento e cuidado das pessoas em situação de deficiência, é fundamental que os professores, desde a sua formação, bem como a escola, por meio de uma escuta sensível, estejam atentos para a totalidade do outro, no sentido de uma alteridade, “em que o outro possa ser reconhecido no seu movimento constitutivo, e dar visibilidade às exigências de um processo formativo que considere a diferença e a singularidade.” (HERMANN, 2014, p. 13).
Essa abertura ao outro implica o sentimento de amizade que, transformado em uma virtude, como propõe Aristóteles, possibilita a criação de vínculos e relações de benevolência, de reciprocidade e de reconhecimento. Isso significa, no âmbito das atividades a serem desenvolvidas no espaço da Educação Inclusiva, que o professor deve estar preparado e disposto para uma atitude de bem querer o outro e de querer bem para o outro, em um movimento mútuo e duradouro.
Assumir a inclusão escolar como princípio orientador de reflexões/ações diferenciadas e inovadoras na escola, significa construir e implementar um projeto coletivo de sua transformação organizacional e pedagógica, bem como das relações estabelecidas entre os sujeitos que a integram.Nesse sentido, se tomamos a inclusão escolar como uma utopia necessária a ser realizada, ela precisa mobilizar nossas atitudes profissionais e institucionais na direção da transformação de nossas práticas e posturas, de maneira a incluir efetivamente e não integrar e, assim, tornar a diferença invisível socialmente, fazendo com que a pessoa em situação de deficiência seja digerida, adaptada e absorvida pelos canônes ditos normais.
O termo “integração” se referiria apenas a medidas técnicas e administrativas que foram implantadas para permitir que uma criança ou um grupo de crianças deficientes frequentasse uma escola regular. A integração não pressupõe, portanto, uma mudança radical da escola em sua cultura e em sua organização, pois a expectativa é que a própria criança se adapte às estruturas e às práticas vigentes. A educação inclusiva, ao contrário, fundamenta-se na ideia de que todas as crianças têm o direito de frequentar a escola mais próxima, sejam quais forem suas diferenças. Isso implica uma transformação cultural e educativa da escola [e dos professores] para acolher todas as crianças. Assim, essa escola inclusiva trava um combate contra os preconceitos e a marginalização, mas necessita recursos específicos para oferecer os apoios que permitam desenvolver práticas benéficas a todos os alunos em sintonia com organismos externos e com o ambiente local. (PLAISANCE, 2010, p. 34).
Embora muitas pesquisas tenham refletido acerca da formação dos professores para a educação inclusiva (CROCHIK, 2011; CRUZ; GLAT, 2014; DUEK; 2014; LIMA e DIAS; ROSA; ANDRADE, 2015; MENDONÇA; SILVA, 2015; PLETSCH, 2009; RODRIGUES, 2011; SENNA, 2008; SILVEIRA; ENUMO; ROSA, 2012), os desafios que nos apresentam e que procuramos evidenciar é, primeiramente, reconhecer e valorizar cada pessoa como ela é, respeitando sua forma de ser, pensar e agir perante os outros. Só assim podemos aceitar a diversidade como normalidade, pois afinal todos nós somos diferentes. Como já dispunha a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas, ou outras. Elas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desavantajados ou marginalizados.
Diante disso, um aspecto fundamental nesse processo é edificarmos um novo olhar para os valores das relações professor-aluno.No caso da educação inclusiva, o que podemos dizer é que houve um movimento de negligência no campo da investigação acerca da temática, tornando-a secundária, ou seja, os estudos teóricos e, sobretudo, práticos, ainda são insuficientes sobre as condições de aprendizagem em contextos cujos sujeitos apresentem modelos cognitivos não assemelhados àquilo que, tradicionalmente, acreditava-se ser padrão universal de funcionamento da mente. Como resultado desse processo, temos um professor muitas vezes assaz consciente e crítico de seu papel social, inclusive bastante aberto ao diálogo com o universo conceitual de seus alunos, porém absolutamente despreparado para intervir na qualidade de agente da educação formal.
Nessa perspectiva, uma variável fundamental no processo formativo docente, é capacitá-lo a reconhecer a alteridade, criando a disposição para o respeito e a boa convivência com os alunos em situação de deficiência. Ter uma atitude e uma prática amistosa pode ser um caminho e uma opção ainda a ser feita. Quando a amizade é levada em consideração, as crianças, nas relações com os outros, podem ser vistas, ouvidas, acalentadas e se tornar solidárias para com todos os semelhantes. Ser solidário requer o dever de tolerar, de suportar o outro, de não lhe ser indiferente constituindo um vínculo comunitário e coletivo, em que todos buscam o bem para cada um.
No entender de Hermann (2014, p. 121-122), posturas dessa natureza servem como uma experiência em que a “abertura ética mantenha a relação com a alteridade visando criar uma nova sensibilidade e supere o universalismo que assimila e nivela”. Do ponto de vista da Ética, o trabalho com a alteridade possibilita reconhecer que existe um outro que me interpela, que me incomoda, que me deixa feliz, “levando em consideração as particularidades dos indivíduos concretos” (HERMANN, 2014, p. 123).
A amizade expressar-se-ia como “um dos valores ou virtudes que construímos e que bem pode cuidar de nossas existências” (CARVALHO, 2016, p. 206). Com os amigos nos sentimos felizes, bem, em paz, com todos os riscos e percalços daí advindos.
É arriscando, criando, desejando, escolhendo e habitando esse mundo que os homens revelam e experimentam a sua singularidade, o que na sala de aula significaria constituir-se como sujeitos que se familiarizam com suas paixões – o outro que habita em nós -, medos, faltas e falhas. Todavia, se o reconhecimento dessas dimensões não ocorre ou elas não são levadas em consideração, a tendência é acarretar violências incontroláveis e conflitos contra os outros, contra a polis, na verdade contra si mesmo. (CARVALHO, 2016, p. 204-205).
A escola se torna inclusiva à medida que reconhece a diversidade que constitui seu alunado e a ela responde com eficiência pedagógica. Para responder às necessidades educacionais de cada aluno, condição essencial na prática educacional inclusiva, há de se adequar aos diferentes elementos curriculares, de forma a atender as peculiaridades de cada um e de todos os alunos. Há que se flexibilizar o ensino, adotando-se estratégias diferenciadas e adequando a ação educativa às maneiras peculiares dos alunos aprenderem, sempre considerando que o processo de ensino e de aprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola.
No caso do tema aqui focalizado, o paradigma da construção de sistemas educacionais inclusivos em desenvolvimento, requer relações interpessoais que sejam eficientemente acolhedoras para todos, ou seja, que atendam às necessidades educacionais de todos, inclusive dos que apresentam necessidades educacionais especiais.
Pensar na Educação Inclusiva como uma possibilidade de construção de uma sala de aula melhor, na qual alunos e professores se sintam motivados a aprender juntos e respeitados nas suas individualidades, parece que realmente pode vir a ser um progresso na história da educação brasileira. No processo de construção de uma classe inclusiva, as relações entre professor e aluno surgem como elemento de fundamental importância, já que é no contexto das relações que o respeito e a atenção pedagógica flexível e individualizada vão se efetivar.