Demanda Contínua
Resumo: Objetivou-se identificar e analisar a concepção de 15 professores acerca da tarefa de casa (TC) e investigar como ela está sendo proposta para o aluno com deficiência física (DF). Para coleta de dados utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado. Os dados foram analisados qualitativa e quantitativamente. Os resultados apontam que, de maneira geral, os professores consideram a TC importante e uma extensão da prática pedagógica, além de favorecer a interação entre pais e filhos e a aproximação dos pais na escola. No entanto, não a propõem para todos os alunos com DF em função de não terem capacitação para a sua adequação. Este estudo permitiu identificar a concepção do professor acerca da função da tarefa de casa, e verificar as possíveis congruências e/ou incongruências que podem manifestar-se entre tal concepção e a operacionalização da tarefa de casa para o aluno com DF. Ressalta-se a importância de se investigar o papel da tarefa de casa no contexto da Educação Inclusiva de diferentes alunos que constituem o público alvo da Educação Especial.
Palavras-chave: Professor, Inclusão escolar, Tarefa de casa.
Abstract: The objective of this study was to identify and analyze the conception of 15 teachers about homework (HW), and to investigate how the HW is being proposed for the student with physical disability (PD). For data collection a semi-structured interview script has been used. Data were analyzed qualitatively and quantitatively. The results show that, generally, teachers consider HW important and an extension of the pedagogical practice, besides favoring the interaction between parents and children and the approach of the parents to the school. However, they don’t propose it to all students with PD because they do not have the qualification for their adequacy. This study allowed to identify the teacher's conception about the homework function, and to verify the possible congruencies and/or incongruities that may manifest between such conception and the operationalization of the homework task to the student with PD. It is important to investigate the role of homework in the context of the inclusive education of different students with education special needs.
Keywords: Teacher, School inclusion, Homework.
Introdução
A prática educativa busca, em seus preceitos políticos e filosóficos, proporcionar ao aluno a possibilidade de desenvolver a autoestima e a percepção de competência a fim de favorecer aquisições acadêmicas e o engajamento nas propostas de aprendizagem. A escolarização, no ensino comum, de alunos com deficiência ocorre cada vez com maior frequência na idade pré-escolar (MENDES, 2010). Nesse sentido, as propostas educativas utilizadas devem ser as mesmas para todos os alunos, realizando apenas adaptações curriculares aos alunos com deficiência, quando necessário, para que eles possam se desenvolver e aprender plenamente (BRASIL, 2007).
O professor tem em suas atribuições a missão de efetivar a mediação entre a criança com deficiência e o conhecimento a ser passado em sala de aula, permitindo o contato da criança com culturas e identidades sociais diversas, permeando a construção de conhecimentos acerca do mundo. Para Sant´Anna (2016), as condições atuais de formação de professores para estarem nas salas de aula em escolas inclusivas são insuficientes, pois, não raro, dependem de investimento pessoal e/ou institucional de formações paralelas que sustentam as estratégias pedagógicas escolhidas.
Dentre as atividades do ensino regular, temos a tarefa de casa como uma atribuição acadêmica antiga e incorporada nas ações escolares e a presença dela caracteriza uma atividade cotidiana, rotineira e constante em diversas escolas. A tarefa de casa é parte integrante da ação educativa (PAIVA, 2010; SPAGNOL, 2012; WIEZZEL, 1999) e constitui uma prática cotidiana no cenário educacional (SPAGNOL, 2012). Bzuneck, Megliato e Rufini (2013) entendem a tarefa de casa como uma categoria definida de atividade de aprendizagem passada pelos professores e deve ser realizada fora do horário escolar e em domínio específico.
Para Bueno (2012), muitas vezes a tarefa de casa se constitui em uma prática não reflexiva na maioria das instituições escolares, pois há falta de discussão e de clareza em relação ao que se pretende alcançar ao trabalhar com ela. É necessário haver uma discussão sobre a função que a tarefa de casa possui em cada uma das instituições, assim como verificar se de fato estão alcançando os objetivos propostos (BUENO, 2012).
De longa data, a literatura tem apontado que, em decorrência de diversos motivos, dentre eles a falta de embasamento sobre esse tema na formação do professor e a falta de material para estudos na área, “os professores acabam por não ter clareza a respeito dos fins, tipos mais adequados e formas de promover uma lição de casa que seja mais significativa para o aluno” (WIEZZEL, 1999, p. 9).
Essa atividade não deve possuir apenas um caráter figurativo na ação pedagógica, mas deve promover e valorizar a aprendizagem de todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência (SPAGNOL, 2012). A tarefa de casa, assim como outras atividades escolares, necessita estar adequada às especificidades dos alunos (SPAGNOL, 2012). Nessa perspectiva, refletir sobre o papel da tarefa de casa no contexto da educação inclusiva é particularmente interessante (ZAFANI; OMOTE, 2014).
São escassos na literatura estudos que investigam como as tarefas de casa estão sendo propostas pelos professores de crianças com deficiência e que identifiquem as eventuais dificuldades que os professores têm para o planejamento dessa atividade pedagógica (ZAFANI; OMOTE, 2014; 2016).
Considerando essas questões, este estudo teve como objetivo identificar e analisar a concepção dos professores acerca da tarefa de casa, e investigar como ela está sendo proposta para o aluno com deficiência física.
Método
Participaram do estudo 15 professoras da Educação Básica que tinham alunos com deficiência física em suas salas de aula. As professoras tinham entre 29 a 47 anos, com formação em Pedagogia, e uma delas também em Arquitetura. Apenas cinco professoras tiveram na graduação disciplina ou informação que abordaram aspectos relacionados à Educação Especial e/ou Educação Inclusiva. Onze professoras tinham especialização, habilitação ou cursos na área da Educação Especial.
Os professores serão identificados pela letra P, e as crianças com deficiência física pela letra C, sendo que a criança C1 era aluno de P1; C2 era aluna de P2 e, assim sucessivamente.
Dez crianças eram do sexo masculino e seis do sexo feminino, com idades entre 4 e 8 anos. Quatro crianças estavam matriculadas no Infantil I, duas no Infantil II, três no primeiro ano do Ensino Fundamental e sete no segundo ano do Ensino Fundamental. Todas estavam matriculadas nos anos escolares esperados para as idades, exceto C3. A professora P5 tinha dois alunos com deficiência física (DF) matriculados em sua sala de aula. Os diagnósticos eram diversificados, e quatro crianças não apresentavam laudo médico.
A coleta de dados foi realizada na própria escola. Para a coleta, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado, o qual tinha como objetivo: coletar dados referentes à caracterização do aluno com DF e de suas professoras; identificar a concepção das professoras acerca da função da tarefa de casa; identificar se as professoras enviavam tarefa de casa aos seus alunos, inclusive para o aluno deficiência física; e identificar se a frequência de envio dessa atividade era a mesma para todos os alunos.
As verbalizações foram gravadas e transcritas na íntegra para posterior análise das falas. Os relatos foram lidos e examinados detalhadamente para identificar e organizar as unidades de análise, as quais se constituíram por trechos de falas agrupados por critério de semelhança temática. A partir dessa análise, foram delineados dois temas subseqüentes:
Concepção acerca da função da tarefa de casa: contempla os relatos das professoras referentes à concepção que têm sobre o papel que a tarefa de casa exerce no processo de aprendizagem dos alunos.
A tarefa de casa e o aluno com deficiência física: congrega as verbalizações das professoras que revelam se elas solicitavam tarefa de casa para os alunos com deficiência física e a frequência de envio dessa atividade.
Resultados e discussão
Os dados coletados serão apresentados e discutidos nos temas elaborados.
Concepção acerca da função da tarefa de casa
O estudo da concepção do professor em relação à função da tarefa de casa, pode auxiliar a compreender como concebem a necessidade ou não de sua adoção como uma de suas práticas pedagógicas. Tal compreensão, adicionada ao conhecimento de como o professor operacionaliza a tarefa de casa, pode trazer subsídios para entender e discutir se a tarefa de casa busca promover o processo de ensino e aprendizagem de todos os alunos.
Com base nos relatos, foram identificadas cinco funções para a tarefa de casa: 1) reforçar o conteúdo trabalhado em sala de aula (onze professoras); 2) auxiliar o professor na identificação de conteúdos que precisam ser retomados com os alunos (duas professoras); 3) estimular o desenvolvimento de competências (três professoras), por exemplo, o senso de responsabilidade, o desenvolvimento de hábitos de estudo, a organização e gestão do tempo; 4) proporcionar um momento de interação entre a criança e a família (duas professoras); e 5) aproximar a família do conteúdo trabalhado em sala de aula e/ou do desempenho escolar do seu filho (três professoras). Destaca-se que algumas professoras atribuíram mais de uma função para essa atividade. Os trechos apresentados a seguir foram selecionados das entrevistas de três das professoras e ilustram essas funções. Entre parênteses e em negrito encontra-se o número correspondente a cada uma das funções citadas por elas.
Eu acho importantíssima a tarefa, a questão de recordar o que foi estudado no dia, eu acho que tem que ter relação com aquilo que está sendo trabalhado na sala de aula (1), para ver se aprendeu, para voltar dúvida, para poder retomar o conteúdo, eu acho importantíssimo (2). E também para o pai, para o pai saber o que está sendo estudado, como o seu filho está se saindo (5). P13.
Acho que ajuda na organização do estudo por ser realizada fora da escola, tem principalmente essa função. A responsabilidade fora da escola, de ter compromisso, de cumprir, de fazer a atividade (3). P5.
[...] um momento que a família tem de estar ali com a criança, de estar ouvindo a criança. Porque na hora que eles estão fazendo a tarefinha, podem ir contando como que foi a escola. É um momento enriquecedor da família com a criança (4). P4.
Na literatura, encontram-se descritas as diversas funções que a tarefa de casa é capaz de desempenhar (BUENO, 2012; CALCAGNI, 2012; CARVALHO, 2004; CARVALHO; SERPA, 2006; PAIVA, 2010; ROSÁRIO et al., 2005; SPAGNOL, 2012), as quais podem contribuir para o bom desempenho escolar do aluno, para o desenvolvimento de competências pessoais importantes para a realização de atividades intra e extraescolares, para a promoção da interação entre pais e filhos e para aproximação dos pais à escola.
As verbalizações de P4 e P13 estão nessa direção ao conceberem que uma das funções da tarefa de casa é a de reforçar o conteúdo trabalhado em sala de aula. De fato, quando o aluno retoma os conteúdos trabalhados para realizar a tarefa de casa, pode melhor assimilá-los e fixá-los, reforçando aquilo que foi ensinado pelo professor.
Outra função citada por P13 foi a de auxiliar na identificação de conteúdos que precisam ser retomados com os alunos. Segundo Calcagni (2012), a tarefa de casa auxilia na identificação daquilo que o aluno já sabe, em que ele apresenta dificuldade e do que precisa ser retomado, bem como permite ao professor identificar os avanços alcançados pelo aluno.
É importante que o professor acompanhe a realização da tarefa de casa. A não verificação de sua realização e do modo como o aluno a fez pode ter implicações negativas, tais como a desmotivação. A motivação para aprender está intrinsecamente ligada ao envolvimento do aluno com as atividades acadêmicas (SANTOS et al., 2011). Se o aluno sentir-se desmotivado para realizar a tarefa de casa, já que o professor não irá fazer a sua verificação e não lhe dará um feedback acerca do seu desempenho, implicará outra questão central que é o desconhecimento por parte do professor sobre a compreensão do aluno acerca dos conceitos trabalhados em sala de aula. Como consequência, o professor terá restrita a sua função de incluir elementos novos que promovam oportunidades de aprendizagem dos alunos, e colaborem para a sua autonomia e desempenho acadêmico.
A professora P5 referiu que a tarefa de casa tinha como função estimular o desenvolvimento de competências, como, o senso de responsabilidade, a organização para o estudo e o comprometimento. Outras professoras citaram o desenvolvimento de hábitos de estudo, a organização e gestão do tempo.
Tais competências citadas pelas professoras são reconhecidas na literatura como atribuições da tarefa de casa (BUENO, 2012; CALCAGNI, 2012; SPAGNOL, 2012; SPAGNOL; OLIVEIRA, 2011) sendo de grande contribuição para as atividades realizadas pelo aluno no contexto escolar, como também para aquelas realizadas cotidianamente.
Lima (2013) ressalta que por meio da tarefa de casa é possível desenvolver certas competências (organização do tempo, acostumar-se com prazos, etc) desde cedo e com mais flexibilidade, que serão cobradas ao longo da vida e que auxiliam a preparar a criança ou o jovem para as demandas do mercado de trabalho.
A professora P4 apontou que além da função de reforçar o conteúdo trabalhado em sala de aula, a tarefa de casa proporciona um momento de interação entre a criança e a família. A tarefa de casa pode proporcionar um momento prazeroso e específico dentro da rotina familiar, em que os responsáveis pela criança dedicam parte do seu tempo somente para ela. A interação entre a família e a criança pode oportunizar a escuta das vivências apresentadas por ela na escola (WALKER et al., 2004) ou até mesmo no seu dia-a-dia fora dela. Todas as crianças precisam de atenção e escuta. As suas verbalizações e expressões podem ajudar a família a se aproximar do seu universo e sentimentos e a fortalecer o seu vínculo com ela.
E, por fim, convém destacar mais uma das funções atribuídas a tarefa de casa pela professora P13, que é a de aproximar a família do conteúdo trabalhado em sala de aula e/ou do desempenho escolar do seu filho. A tarefa de casa oportuniza o contato da família com o que a criança está aprendendo (WALKER et al., 2004) e também o conhecimento acerca de suas habilidades e dificuldades escolares.
É importante que a criança sinta que a família valoriza o trabalho desenvolvido pela escola e também o seu esforço e dedicação, isso poderá motivar seu comprometimento com a escola e com os estudos. Segundo Souza e Almeida (2015, p. 9), a tarefa de casa é um estímulo que “[...] poderá incentivar os pais ou familiares a desejarem conhecer a escola melhor e isto refletirá na aprendizagem do aluno, que se sentirá mais seguro por ter sua família incluída no seu ambiente de produção de pensamentos”.
As funções 4 e 5 atribuídas a tarefa de casa podem favorecer a aproximação entre a família e a escola, o que vem sendo amplamente recomendado na literatura (DESSEN; POLONIA, 2007; FERREIRA; BARRERA, 2010; SILVA; MENDES, 2008). No entanto, a tarefa de casa por si só não alcança esse objetivo. É necessário que o professor intervenha informando a família de que a tarefa também desempenha essas funções; fornecendo dicas e exemplos de como a família pode interagir com a criança durante a sua realização e discutindo o quanto isso pode ser enriquecedor para a sua relação com a criança, seu processo escolar e relação com a escola; e dando voz à família para que exponha suas percepções acerca da aprendizagem da criança e também sobre essa atividade (WALKER et al., 2004) e as suas vivências com a criança em casa.
Se essas importantes funções da tarefa de casa forem bem exploradas pela escola, benefícios poderão ser obtidos na promoção de uma relação mais funcional entre a escola, a família e também no processo escolar do aluno. Contudo, os resultados deste estudo revelaram que apenas quatro professoras atribuíram à tarefa de casa tais funções, o que pode ser um indicativo de que a maioria das professoras participantes não reconhecia essa atividade como uma possibilidade para aproximar a família da escola e da vida escolar e pessoal do aluno.
A tarefa de casa e o aluno com deficiência física
Pode-se considerar que a prática da tarefa de casa adotada pelo professor reflete suas concepções relativas a essa atividade. Tratando-se de alunos com deficiência física, considera-se a possibilidade de haver maior dissonância entre o discurso do professor e aquilo que se apresenta em sua prática. A deficiência pode despertar diversos sentimentos como o medo, a raiva, a pena e a repulsa, estando eles muito relacionados às ideias preconcebidas acerca da pessoa com deficiência e ao desconhecimento (ARANHA, 2005), os quais podem interferir na natureza da relação entre o professor e o aluno e nas ações pedagógicas destinadas a ele. Sendo assim, a prática adotada com a tarefa de casa do aluno com deficiência física pode ser distinta daquela praticada com os demais alunos, não em função das necessidades específicas do aluno, mas porque os professores podem não apresentar atitudes favoráveis a sua inclusão.
Por meio da análise das respostas das professoras, foi possível identificar três tipos de práticas frente a essa atividade para os alunos com deficiência física: 1) professoras que solicitavam tarefa de casa para o aluno com deficiência física com a mesma frequência que a dos demais alunos (onze professoras); 2) professoras que solicitavam com frequência menor comparativamente aos demais alunos (duas professoras); e professoras que não solicitavam tarefa de casa para o aluno com deficiência física (Uma professora enviava TC para os outros alunos e não enviava para o aluno com DF. A outra professora não enviava TC para nenhum de seus alunos, mas tinha pretensão de enviar, no entanto disse que não enviaria para o aluno com DF). Os trechos a seguir ilustram cada uma dessas práticas:
Sim. Igual aos demais alunos. P14.
Eu mando, mas bem pouco. Um pouco menos que os outros alunos. Agora eu dei uma mudada no jeito de mandar tarefa... tem brinquedo pedagógico aqui e eu estou mandando para casa também. Os livros quando eu vou mandar, eu prefiro livros grandes e bem coloridos, capinha durinha... uma coisinha diferenciada. A gente recebeu a orientação da psicóloga para mandar e fazer as coisas quase iguais ou iguais e não dá. Não adianta eu mandar uma coisa, se aquilo que eu estou mandando não é importante para ela naquele momento. P4.
Primeiro porque ele não iria conseguir fazer a tarefa. Segundo porque a gente não sabe como que é em casa, se a mãe ajuda... A mãe não vem na reunião, não marca para vir conversar. Ele é muito bem cuidado, mas interesse escolar a família não demonstra ter muito. Eu não mando por conta de não saber como a família irá reagir. Na verdade, eu adapto algumas atividades para ele, mas eu não teria também como adaptar todas as atividades de casa, por questão de tempo e não saber como trabalhar. P3.
Todas as professoras mencionaram enviar tarefa de casa para os seus alunos, exceto a professora P3. Tal resultado é um indicativo de que elas compreendem essa prática como importante para o processo escolar dos alunos. Diante disso, seria razoável que os alunos com DF também recebessem essa atividade assim como os demais, com os ajustes necessários.
De acordo com a professora P14, seu aluno com DF recebia tarefa de casa na mesma frequência que a dos demais alunos. Ainda de acordo com ela, a deficiência do aluno não tinha implicação no processo de ensino e aprendizagem, pois se restringia a uma malformação em uma das pernas. A professora não relatou nenhum prejuízo para a criança se deslocar nos ambientes escolares e para participar das atividades, o que leva a crer que seu desempenho funcional não era em nada limitado. Nesse caso, não faria sentido a professora adotar uma prática em relação à tarefa de casa diferente da dos demais alunos em função do comprometimento físico apresentado por ele. A postura adotada pela professora dá indícios de que ela não generalizava o comprometimento físico do aluno para outras áreas que não se encontravam comprometidas, o que é muito desejável. A escola apresentava as documentações básicas do aluno, não apresentando laudo médico e que a professora relatou ter apresentado na graduação disciplina ou informação que abordaram aspectos relacionados à Educação Especial e/ou Educação Inclusiva, mas que não tinha nenhum aperfeiçoamento através de especialização, habilitação ou cursos na área da Educação Especial
A professora P4, por sua vez, referiu diferenciar a frequência de envio dessa atividade para sua aluna com deficiência física. Esta tinha quatro anos de idade, estava matriculada na Educação Infantil I e apresentava diagnóstico de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, secundário a hidrocefalia valvulada e baixa visão. Convém sinalizar que o problema não reside no fato de diferenciar a frequência e a quantidade de envio da tarefa de casa para o aluno com DF, mas fazê-lo sem o devido critério. Tal diferenciação pode ser benéfica desde que o motivo esteja claramente compreendido por todos os envolvidos. Para tal decisão, o diálogo com a família configura-se como essencial. Muitas vezes a rotina apresentada pela criança com deficiência e por sua família fora da escola pode implicar a necessidade de reestruturar o dia em que a atividade é enviada ou até mesmo a frequência de envio. Sem contatar a família, mudanças dessa natureza podem não ser efetivas. É essencial, também, que a família compreenda que a diferenciação da atividade enviada para casa visa atender as particularidades da criança e que isso é algo positivo, já que o potencial dela estará sendo estimulado e valorizado.
Com base nas informações colhidas com a professora P4, é possível perceber que ela estava se mobilizando para desenvolver ações que apoiassem a participação de sua aluna na tarefa de casa, o que é muito desejável. De acordo com P4, a deficiência apresentada por sua aluna tinha implicação no processo de ensino e aprendizagem. O prejuízo motor e o déficit visual apresentados pela criança, segundo a professora, interferiam no desempenho das atividades escolares. Logo parece razoável o fato de ela diferenciar a atividade enviada para casa. Ajustes nesta atividade, como aqueles sinalizados pela professora, poderiam de fato beneficiar a sua realização pela aluna. Nesse caso, a professora P4 tinha como desafio identificar as habilidades motoras e o potencial visual de C4 e desenvolver estratégias que os valorizassem, o que não é uma tarefa fácil. Isso requer do professor diversos conhecimentos que nem sempre estão presentes em sua formação. Cabe destacar que P4 relatou que, durante a graduação, não teve disciplina ou informação que abordassem aspectos relacionados à Educação Especial e/ou Educação Inclusiva, mas havia realizado um curso promovido pela Secretaria de Educação na área de Educação Especial.
A professora P3 não enviava tarefa de casa para nenhum de seus alunos, mas relatou que tinha pretensão de enviar. No entanto, destacou que não solicitaria para o aluno com deficiência física, conforme o trecho apresentado anteriormente. Esta professora apresentou uma série de impeditivos para não enviar tarefa de casa para seu aluno. Considerava que a família não demonstrava interesse para a vida escolar da criança e apontou não saber como a família reagiria caso enviasse tarefa. O envolvimento dos pais na tarefa de casa e nas atividades escolares é um aspecto importante, no entanto ele pode ficar aquém das expectativas do professor, caso isso não seja algo conversado entre eles. Seria importante que a professora P3 encontrasse mecanismos para se aproximar dessa família a fim de melhor compreendê-la. Assim poderia ajustar suas expectativas àquilo que ela tinha condição de fazer e identificar a configuração mais eficaz da tarefa de casa para o aluno e sua família. Com tais medidas, o aluno, possivelmente, teria melhores condições para fazer a tarefa de casa.
A professora P3 apontou também a falta de tempo e de conhecimentos específicos (relatou que durante a graduação não teve disciplina ou informação que abordaram aspectos relacionados à Educação Especial e/ou Educação Inclusiva, mas havia realizado um curso promovido pela Secretaria de Educação na área de Educação Especial) para adequar a tarefa de casa como fatores que contribuíam para que não a enviasse. Cabe destacar que o aluno C3 tinha diagnóstico de paralisia cerebral e Síndrome de Down, sete anos de idade, e frequentava a Educação Infantil I, isto é, não estava matriculada no ano escolar esperado para a sua idade. O motivo desse atraso não foi investigado, porém sabe-se que a não retenção do aluno na Educação Infantil está prevista na Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009).
Segundo a professora, a deficiência apresentada pelo aluno tinha implicação no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que a paralisia cerebral acarretava, além de um prejuízo motor, um déficit na comunicação, que interferiam no desempenho das atividades escolares. Crianças com paralisia cerebral podem ter a área motora orofacial afetada, o que prejudica a articulação facial necessária para a emissão oral (POLONIO; SILVA, 2013). Frente a isso, a Comunicação Alternativa e Suplementar (CAS) pode vir a favorecer a comunicação, expressão e participação do aluno nas atividades escolares. Possivelmente esta professora se beneficiaria do apoio de profissionais especializados que poderiam lhe auxiliar no desenvolvimento de estratégias que minimizassem o impacto da deficiência no desempenho escolar. Apesar de a professora não ter sinalizado outras implicações da deficiência no processo de ensino e aprendizagem, em outros momentos da entrevista deu a entender que seu aluno apresentava dificuldade para acompanhar as atividades propostas (“[...] eu vou mandar tarefa de recortar figuras geométricas, ele não vai reconhecer as figuras [...]”; “A instrução teria que passar direto para a mãe, porque ele não demonstra assimilação [...]”). Ainda que os alunos com deficiência física apresentem limitações intrínsecas à sua condição, é fundamental que o professor direcione o seu olhar para as suas competências funcionais e para as possíveis limitações decorrentes da inadequação das demandas da atividade (BERNADOCHI; BALEOTTI; ZAFANI, 2016).
Subsídios teóricos e práticos e a parceria com profissionais especializados para a elaboração de estratégias de adequação da tarefa de casa são importantes, mas existem certas necessidades escolares do aluno que requerem do professor apenas sua sensibilidade e olhar atento e não uma formação especializada ou apoio externo. Certos ajustes da tarefa de casa podem estar ao alcance de qualquer professor, desde que o mesmo esteja disponível a fazê-los. Além disso, o envio de tarefa de casa pode ser uma oportunidade para conhecer melhor o aluno e para dialogar e se aproximar da sua família e até mesmo de outras pessoas ou profissionais envolvidos no seu cuidado. A troca de informações com pessoas diretamente envolvidas com a criança com deficiência pode auxiliar o professor na identificação de estratégias de adequação da atividade a ser enviada para casa.
Conclusões
Este estudo permitiu identificar a concepção do professor acerca da função da tarefa de casa, e verificar as possíveis congruências e/ou incongruências que podem manifestar-se entre tal concepção e a operacionalização da tarefa de casa para o aluno com deficiência física.
De maneira geral, os dados sugerem que a concepção que as professoras mantém sobre a função da tarefa de casa é relevante e apresenta consonância com o que se espera de uma prática pedagógica efetiva, a medida que a concebem como uma atividade importante para reforçar o conteúdo trabalhado em sala de aula; auxiliar o professor na identificação de conteúdos que precisam ser retomados com os alunos; estimular o desenvolvimento de competências; proporcionar um momento de interação entre a criança e a família e aproximar a família do conteúdo trabalhado em sala de aula e/ou do desempenho escolar do seu filho.
Além disso, parece haver congruência entre a concepção e a operacionalização da tarefa de casa para o aluno com deficiência física, uma vez que a maioria das professoras faz uso da tarefa para esse aluno. Destaca-se que as professoras que não utilizavam a tarefa de casa junto ao aluno com DF, enfatizaram a questão da falta de formação específica que lhes dê subsídios para adequar as atividades às demandas do aluno, o fato de estar em processo de conhecimento do aluno e o seu envio ser considerado precipitado e a falta do envolvimento da família nessa atividade.
De longa data, a tarefa de casa é apontada na literatura como uma atividade importante e intrinsecamente relacionada à ação pedagógica. No entanto, há escassez de estudos que tratam dessa temática no contexto da educação inclusiva.
Este estudo foi realizado com uma parcela de professores que atua com alunos com deficiência física, ressalta-se a importância de se investigar o papel da tarefa de casa no contexto da educação inclusiva de diferentes alunos que constituem o público alvo da Educação Especial. Tal investigação pode ser particularmente interessante na medida em que pode trazer subsídios para entender a relação entre a concepção e a operacionalização da tarefa de casa.
Em vista da importância que a tarefa de casa pode ter, é desejável que a sua concepção e funções, as formas de administração, o envolvimento familiar na execução das tarefas e outras questões implicadas fossem contemplados na formação inicial e continuada de todos os professores da Educação Básica.
Referências
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