Resumo: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que compromete o aproveitamento escolar do aluno e o funcionamento adaptativo nos ambientes social e familiar. Os objetivos do estudo foram verificar conhecimentos sobre TEA, atitudes e práticas pedagógicas junto a alunos com o transtorno. Esse estudo teve desenho transversal descritivo com a participação de 217 professores da educação básica de uma rede pública. O instrumento de coleta de dados foi um questionário que averiguou conhecimentos sobre TEA, atitudes e práticas pedagógicas dos professores em sala de aula. Foram conduzidas análises descritivas de frequência e percentual. Os resultados indicaram que 84,8% dos profissionais reconheceram corretamente a presença de fatores associados a déficits de interação social, comportamento e comunicação, mas 30% cometeram erros na compressão dos fatores etiológicos. Considerando a opinião dos 102 (47%) professores participantes do estudo que tinham tido alunos com TEA em algum momento de sua atuação profissional, verificou-se em média que 70,56% deles concordavam com praticamente todas as ações educacionais e pedagógicas do Desenho Universal da Aprendizagem. Porém, a implementação dessas técnicas na prática não conseguia atingir o mesmo nível, já que essas ações eram utilizadas em média por 56,87% dos professores. O estudo possibilitou, a partir do relato dos professores, mapear integradamente aspectos essenciais que devem fazer parte de acomodações e/ou adaptações curriculares para alunos com TEA.
Palavras-chave:Transtorno do Espectro AutistaTranstorno do Espectro Autista, Inclusão Inclusão, Escola Escola.
Abstract: The Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder that compromises the student school achievement and adaptive functioning in social and family settings. The objectives of the study were to verify knowledge about ASD, attitudes and pedagogical practices among students with the disorder. This Study had transversal and descriptive design with participation of 217 teachers in the basic education of a public network. The data collection instrument was a questionnaire that investigated knowledge about TEA, attitudes and pedagogical practices of the teachers in the classroom. Descriptive analyzes of frequency and percentage were conducted. The results indicated that 84.8% of professionals recognized correctly the presence of factors associated with deficits in social interaction, behavior and communication, however 30% made errors in the compression of etiological factors. Considering the opinion of the 102 (47%) teachers participating in the study who had had students with ASD, it was found that 70.56% of them agreed with practically all the educational and pedagogical actions of the Universal Learning Design. However, the implementation of these techniques in practice could not reach the same level, since these actions were used on average by 56.87% of teachers. The study enabled, from the teachers' report, to map integrally essential aspects that should be part of accommodation and/or curricular adaptations for students with ASD.
Keywords: Autism Spectrum Disorder, Inclusion, School.
ATITUDES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE INCLUSÃO PARA O ALUNO COM AUTISMO
ATTITUDE AND INCLUSION PEDAGOGICAL PRACTICE FOR THE STUDENT WITH AUTISM
Recepção: 15 Dezembro 2017
Aprovação: 20 Março 2018
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento cujos sintomas se manifestam em condição espectral em diferentes níveis de severidade. O quadro clínico se caracteriza por déficits na interação e comunicação social e padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades com prejuízos no funcionamento adaptativo (APA, 2014). O comprometimento em indicadores de funcionamento adaptativo dependerá de um conjunto de fatores que configuraram o grau de severidade do transtorno, por exemplo, deficiência intelectual, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno do desenvolvimento da coordenação, comprometimentos de linguagem, doenças genéticas, doenças neurológicas, dentre outros (DE VRIES et al., 2017; FROST, HONG, LORD, 2017; OTSUKA et al., 2017; MPAKA et al., 2016; APA, 2014). Contudo, apesar do impacto desses fatores no funcionamento adaptativo, um importante modulador do prognóstico são as ações de intervenção adotadas junto à criança em diferentes contextos, por exemplo, familiar, escolar, social e profissional na vida adulta (SPAULDING, LERNER, GADOW, 2017).
Estudos revelam que a escola é crucial na trajetória de desenvolvimento de uma criança com TEA (KOENIG et al., 2014; NAHMIAS, KASE, MANDELL, 2014; STAHMER, AKSHOOMOFF, CUNNINGHAM, 2011). A escola deverá estimular, além de habilidades de aprendizagem, habilidades de reciprocidade sócio emocional, comunicação social, tanto verbal como não verbal, habilidades sociais, interesses variados, rotinas padronizadas de vida na escola, oportunizar ambientes planejados para evitar e/ou diminuir a ocorrência de problemas de comportamento como estereotipias corporais e gestuais, comportamentos agressivos e autoagressivos, hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais, dentre outros (OAKLEY, MAHONE, MORRIS-BERRY et al., 2015; TEIXEIRA et al. 2010). Quando não são feitas acomodações curriculares e ações de manejo e estimulação adequadas, as possibilidades de adaptação e de aprendizagem de um aluno com TEA podem ser mínimas, inclusive nulas (LEDFORD, WEHBY, 2015).
Em 2012, a Lei Brasileira número 12.764 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista garantindo à criança autista o direito à escolarização com qualidade como aluno pertencente a instituição de ensino (Lei nº 12.764, Congresso Nacional, publicada no dia 28/12/2012 - Lei Berenice Piana). O conteúdo da legislação sinaliza que o sistema educacional brasileiro deverá garantir em todos os níveis e modalidades de ensino um projeto pedagógico que legitime o atendimento educacional especializado ao aluno com TEA. Entretanto, os estudos revelam que a maior parte das ações inclusivas se restringe à presença do aluno na escola, porém sem as devidas acomodações educacionais e pedagógicas em função das necessidades desse aluno (NUNES, AZEVEDO, SCHMIDT, 2013; SALVI, 2003; BRANDE, ZANFELICE, 2012; SANT’ANA, 2005; BUENO, 1999).
Os principais fatores identificados no Brasil que têm contribuído para o fracasso de processos inclusivos de alunos com TEA no ensino regular são o despreparo de equipes educacionais para manejo comportamental e estimulação de habilidades de aprendizagem, despreparo de pais e/ou cuidadores para manejo do filho, concepções equivocadas de equipes educacionais em relação ao TEA e práticas psicopedagógicas não sustentadas em evidências científicas (BRANDE, ZANFELICE, 2012; CAMARGO, BOSA, 2012; DE MATTOS, NUENBERG, 2011; NUNES, AZEVEDO, SCHMIDT, 2013; SALVI, 2003). Em estudo anterior de Lima e Laplane (2016) foram mapeadas as trajetórias escolares de alunos com autismo, incluindo os apoios educacionais e/ou terapêuticos que recebiam. Os principais resultados revelaram falhas graves no processo de escolarização, pois menos de 10% desses alunos recebia atendimento educacional especializado, assim como um número reduzido chegava ao ensino médio, devido a elevadas taxas de evasão escolar. Resultados semelhantes foram reportados em outros estudos no Brasil e em países em desenvolvimento, mostrando: (1) o despreparo de profissionais, tanto de educação infantil como ensino básico, para a realização de acomodações curriculares, (2) pouca participação do aluno com TEA nas atividades da escola, (3) baixa interação com colegas e (4) habilidades de aprendizagem reduzidas, dentre outros (HARRISON et al., 2016; SAMADI et al., 2016; FAVORETTO, LAMONICA, 2014; LEMOS, SALOMAO, AGRIPINO-RAMOS, 2014; GOMES, MENDES, 2010; TEIXEIRA et al., 2010).
Estudos conduzidos em países desenvolvidos, mostram evidências científicas de sucesso nas adaptações e acomodações curriculares junto ao aluno com TEA, especialmente aqueles que também têm deficiência intelectual (SCOTT et al., 2017). Esses estudos reportam adaptações e acomodações curriculares voltadas para um ambiente escolar que desenvolve no aluno potencialidades e os estimula tanto nas habilidades de aprendizagem como as de funcionamento adaptativo (SMITH, LOWREY, 2017; NATIONAL GUIDELINE ALLIANCE, 2016; ORSATI, 2013). Do ponto de vista pedagógico há classificações na literatura sobre tipos de adaptações curriculares que podem ser implementadas a depender das necessidades do aluno. As necessidades, no caso de alunos com TEA, devem ser criteriosamente estabelecidas em função de avaliações de habilidades cognitivas, padrões de funcionamento comportamental, padrões de comunicação e interação social, funcionamento adaptativo e funcionamento familiar, dentre outros (BRENTANI et al., 2013).
Uma taxonomia de tipos de adaptação curricular foi desenvolvida por Michael Giangreco, baseada em evidências científicas de outros estudos. São eles o currículo multinivelado e o currículo sobreposto (GIANGRECO, 2007). Currículos multinivelados adotam o compartilhamento de atividades entre alunos com e sem necessidades educacionais especiais (NEE), porém nos marcos de um mesmo currículo o aluno com NEE terá um planejamento individual de resultados esperados de aprendizagem apropriados às suas necessidades de desenvolvimento. Esses resultados poderão ser nivelados abaixo, acima ou no mesmo nível da classe, a depender das dificuldades do conteúdo pedagógico que está sendo abordado em sala de aula. No estudo, o autor oferece um exemplo de currículo multinivelado sobre um conteúdo de aula de ciências sociais. Por exemplo, para o tema sobre a guerra revolucionária, a classe estudaria fatos econômicos que levaram à guerra enquanto que o aluno com NEE teria resultados de aprendizagem estimados para que aprendesse e se familiarizasse com personalidades históricas, lugares e eventos associados ao tema dessa guerra. O currículo sobreposto adota especificidades em vários aspectos que o diferenciam daquele que é adotado para o resto da classe. A sobreposição exige um planejamento individual de objetivos, conteúdos, metas de aprendizagem, estratégias de ensino, dentre outras, em função das necessidades e dificuldades do aluno com NEE. Assim como no currículo multinivelado, o currículo sobreposto é exemplificado pelo autor com um conteúdo de aula, nesse caso de biologia humana: enquanto um grupo de alunos aprende as partes e funções de um sistema cardiovascular humano, o aluno com NEE com grave comprometimento poderá compartilhar a atividade, porém com outros objetivos de aprendizagem, por exemplo, estimular habilidades de comunicação e interação social, repertórios comportamentais de solicitação de ajuda, dentre outros (GIANGRECO, 2007).
Devem fazer parte da formação de um professor, cuja área de atuação seja a educação básica, vários aspectos importantes, dentre eles, conhecimento acurado das diferentes condições clínicas que determinam uma NEE, habilidades para planejar adaptações e modificações curriculares que garantam uma educação e ensino de habilidades de aprendizagem diferenciadas. Alguns princípios orientadores do Desenho Universal da Aprendizagem (ROSE, 2003) têm sido desenhados e adotados por diferentes países para garantir ao aluno opções diversificadas para a compreensão de conteúdos curriculares, formas distintas de estratégias de aprendizagem bem como estratégias para motivar o aluno na aquisição de habilidades de aprendizagem (ROSE, 2003).
Perante um cenário nacional brasileiro no qual ainda são reportados insucessos nas ações de inclusão escolar junto a alunos com TEA (LIMA, LAPLANE, 2016; CAMARGO, BOSA, 2012; GOMES, MENDES, 2010), é importante verificar atitudes e práticas pedagógicas, pois nem sempre as adaptações de fato ocorrem no contexto escolar. O estudo teve como objetivo verificar, em um grupo de professores da educação básica, conhecimentos sobre TEA, bem como atitudes e práticas pedagógicas em sala de aula junto a alunos com o transtorno.
O desenho do estudo é transversal de tipo descritivo com uma única medida no tempo.
A amostra seguiu critérios de conveniência e os participantes do estudo foram 217 professores de uma rede escolar pública de um município da Grande São Paulo. Dentre esses, 102 professores tinham tido, em algum momento de sua atuação profissional na rede, alunos com TEA em sala de aula. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie sob o protocolo CAAE: 07416412.7.0000.0084.
A maioria dos professores participantes do estudo é do sexo feminino (96%), com graduação em pedagogia (73,4%) (tabela 1). Após a graduação, 61% (n= 130) haviam realizado curso de especialização, sendo que 86,7% (n= 111) no tema da inclusão. Entre todos os sujeitos, somente dois haviam feito mestrado e um doutorado. Todos os professores da amostra lecionam em salas de aula regular no caso do Ensino Fundamental I e II (EF I e EF II), em sala de Atendimento Educacional Especial (AEE), bem como em unidades de educação infantil e alguns compartilhavam cargos de gestão no momento das coletas de dados. A distribuição da amostra de acordo com os anos em que lecionavam revelou que 37,6% (n= 71) lecionavam na educação infantil, 30,7% (n= 58) no ensino fundamental I, 26,9% (n=79) no ensino fundamental II e 4,8% (n= 9) tinham atuação em sala de AEE. Além disso, do total dos participantes 11,1% (n=21) atuavam concomitantemente em sala de aula regular (EF I e II) e nas equipes gestoras. Foi indagado junto aos professores se eles tiveram experiência em sala de aula com alunos com TEA ao longo de toda a atuação profissional na rede educacional, sem especificar o número de alunos por nível de ensino, os dados podem ser observados na tabela 1.
foi composto por duas partes. Na primeira foram verificados dados sociodemográficos e avaliados conhecimentos gerais sobre TEA relativos a fatores etiológicos associados a TEA e sinais e sintomas clínicos e comportamentais indicadores de suspeita do transtorno. No caso dos fatores etiológicos associados a TEA, foi dada uma lista de fatores para eles assinalarem aquele(s) que consideravam estar relacionados com a etiologia do transtorno, a saber, fatores neurobiológicos, genéticos e ambientais, problemas no ego, desordem do cromossomo 7 e etnia. A inclusão desses fatores no questionário foi feita com base em evidências científicas e não científicas para compreender o TEA. O objetivo da pergunta foi avaliar o nível de conhecimento científico do grupo em relação a fatores etiológicos associados ao transtorno. Já os sinais e sintomas também se basearam em abordagens não científicas e científicas, sendo essa última baseada no DSM-5 (APA, 2014). O questionário foi autoaplicável e as perguntas foram de múltipla escolha. Na segunda parte do instrumento foram apresentados dois conjuntos de afirmações descrevendo atitudes e práticas pedagógicas em sala de aula em relação a alunos com TEA. Para cada uma das afirmações, era solicitado que o professor respondesse se era a favor de tal ação e se a utilizavam na prática escolar em sala de aula. Esse conjunto de itens, ações educacionais e pedagógicas, em relação a alunos com TEA baseou-se nas diretrizes do Desenho Universal da Aprendizagem de Rose (2003).
Os dados foram coletados em um auditório, os participantes responderam ao questionário individualmente. Auxiliaram na coleta uma equipe de 10 alunos de um curso de Psicologia que monitoraram o preenchimento do questionário. Os dados foram analisados com auxílio do SPSS versão 19.0.
Os professores responderam corretamente à maioria das perguntas relacionadas aos fatores etiológicos associados a TEA, já que 84,8% deles reconheceram a presença de fatores neurobiológicos na explicação dos déficits de interação social, comportamento e comunicação, sendo que 25% concordaram que há interação entre fatores genéticos e ambientais na etiologia dos TEA. Além disso, percentuais muito baixos foram identificados nas alternativas incorretas como pressão alta (0%), estrabismo (1,8%), mãos e pés pequenos (2,3%) e fisionomia incomum da face (6,0%) (tabela 2). Entretanto, aproximadamente 30% dos profissionais cometeram erros sobre fatores etiológicos associados ao TEA. Do mesmo modo, uma parcela relevante, ainda mantém conceitos equivocados, como 19,8% que afirmaram que TEA teria relação com desordem do cromossomo 7; 6,0%, que ainda acredita que a etiologia dos TEA tenha relação com pais poucos afetuosos e/ou com problemas com o processo de constituição/ funcionamento (3,2%) (tabela 2).
Podem se verificar na tabela 3, os percentuais de professores que se mostraram favoráveis às ações educacionais e pedagógicas propostas nas diretrizes do Desenho Universal da Aprendizagem (ROSE, 2003).
Considerando a opinião dos 102 (47%) professores participantes do estudo que tinham tido alunos com TEA em algum momento de sua atuação profissional na rede, verificou-se em média que 70,56% (tabela 4) deles concordavam com praticamente todas as ações educacionais e pedagógicas apresentadas para uso em sala de aula. Porém, a implementação destas técnicas na prática pedagógica não conseguia atingir o mesmo nível. De acordo com a tabela 4 a média de implementação dessas ações foi de 56,87%. Assim, as diferenças entre ser favorável a certas ações educacionais/pedagógicas versus utilizá-las na prática foram variáveis, sendo ³ 15 pontos percentuais em 11 das 24 ações educacionais/pedagógicas investigadas no estudo. As discrepâncias mais expressivas, diferença superior a 18 pontos percentuais, foram identificadas nos seguintes itens: (1) colocar o aluno/a para trabalhos em grupos pequenos de até quatro crianças, sempre que possível; (2) preparar um currículo escolar individual para aulas de português e (3) preparar um currículo escolar individual para aulas em outras matérias; (4) usar recursos visuais para que o aluno se oriente nos conteúdos das matérias ensinadas (tabela 4). Além dos citados acima, vale ressaltar os itens ‘usar métodos alternativos de comunicação para que o aluno possa estabelecer interação e comunicar-se’; ‘diminuir distratores que comprometem a atenção e concentração do aluno’ e ‘usar elogios para estimular bons comportamentos do aluno em sala de aula’ que, apesar de não estarem entre os itens mais discrepantes, destacam-se por sua importância para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, auto-organização e manutenção de comportamentos adequados no autismo.
O TEA é um dos transtornos do neurodesenvolvimento que mais compromete o funcionamento adaptativo de crianças e adolescentes, as alterações comportamentais podem ser de difícil manejo e exige dos educadores conhecimentos, habilidades e competências específicas ao quadro clínico (APA, 2014). De fato, estudos brasileiros têm reportado frequentemente que a falta de conhecimentos e a necessidade de desenvolver competências sobre acomodações curriculares em função das características clínicas do transtorno continua sendo um problema grave no sistema educacional brasileiro (LIMA, LAPLANE, 2016; FAVORETTO, LAMONICA, 2014; LEMOS et al., 2014). Esse panorama de falta de conhecimentos de profissões ligadas à pedagogia também pode ser constatado em outras profissões ligadas à saúde mental (PAULA, BELISÁRIO FILHO, TEIXEIRA, 2016; PAULA et al., 2012).
Os dados do estudo revelaram que 86,7% dos 111 professores que havia realizado curso de especialização o tinham feito na área de inclusão. Nesse sentido pode se esperar que o número elevado de acertos (84,8%) relativo à caracterização do transtorno seja positivo e provavelmente tenha relação com os resultados favoráveis no questionário, bem como o reconhecimento da interação de fatores genéticos e ambientais na etiologia do TEA (aproximadamente 25% da amostra). Entretanto, parte desses professores ainda têm informações equivocadas sobre a etiologia dos TEA, incluindo associação com desordem do cromossomo 7 (19,8%), com pais poucos afetuosos (6,0%) e TEA decorrente de problemas com o processo de funcionamento do ego (3,2%).
O conhecimento de características diagnósticas do transtorno é essencial para compreender como funcionam as crianças na mais ampla variabilidade dessa condição clínica. Embora esteja bem estabelecido que os prejuízos em habilidades e repertórios ligados à comunicação, interação social e comportamento sejam permanentes, sabe-se que suas manifestações são variadas em frequência, intensidade e topografias (APA, 2014). Muito provavelmente a falta de conhecimentos sobre o que seria uma adaptação e acomodação curricular, um currículo sobreposto ou multinivelado (GIANGRECO, 2007) para um aluno com TEA esteja associado à diferença encontrada entre número de atitudes favoráveis às ações propostas no questionário e práticas destas em sala de aula (tabela 4). Em razão disso alunos poderão ser segregados e pouco estimulados quanto às suas potencialidades como tem sido verificado (BUTTERWORTH, MIGLIORE, 2015)
Um Desenho Universal para o Aprendizado (ROSE, 2003; TOMLINSON, 2000) preconiza a necessidade de acomodações curriculares que se baseiem em avaliações criteriosas do aluno em todas as áreas de funcionamento. Assim, o currículo escolar poderá estimular potencialidades visando aumentar habilidades de aprendizagem e indicadores de funcionamento adaptativo. Evidências de estudos anteriores têm mostrado como essas avaliações periódicas no TEA são importantes para conduzir ações de educação especial em função de diversos fatores. A saber, estilos diferentes de aprendizado, perfil de alterações comportamentais e sensoriais variado, graus distintos de deficiência intelectual, ampla variabilidade do perfil de alterações de comunicação, interação social e linguagem, inclusive, sobre indicadores clínicos mais específicos de TEA como alterações na cognição social, por exemplo, interpretar a intencionalidade comportamental de outras pessoas em situação de interação social (SMITH, LOWREY, 2017; BURGER-CAPLAN et al., 2016; CHANG et al., 2013). Justamente algumas das ações avaliadas no questionário quanto à prática das mesmas não eram utilizadas pelos professores da amostra.
De outro lado, identificaram-se dados positivos em relação a mais de 80% de atitudes favoráveis dos professores para usar recursos e materiais pedagógicos, avaliar periodicamente habilidades de aprendizagem do aluno e, com base nelas, planejar introdução de novas habilidades, bem como estimular alternativas verbais e não-verbais de comunicação do aluno com o professor e com outros alunos da escola (tabela 3). Como o questionário não avaliou atitudes relativas a tipos específicos de comunicação não verbal, como por exemplo, uso de gestos ou sistemas alternativos de comunicação, os dados não possibilitam inferir, mesmo que seja em nível atitudinal, que as estimulações de alternativas verbais e não-verbais de comunicação possam ser eficazes de fato. De acordo com a tabela 3, do conjunto de ações educacionais e pedagógicas investigadas no presente estudo, os seguintes itens foram aqueles que os 217 professores foram menos favoráveis (apoio < 50%): (i) diminuir estímulos distratores que comprometem a atenção e concentração do aluno (46%), (ii) fragmentar tarefas escolares e dar pausas breves entre as tarefas (47%) e (iii) usar estímulos como elogios para estimular bons comportamentos do aluno em sala de aula (50%). Alterações atencionais, seja por fácil distração, déficit de autorregulação do comportamento, déficit de controle inibitório ou foco exagerado da atenção são frequentemente observadas em crianças com TEA (PITZIANTI, D'AGATI, PONTIS et al., 2016; LAWSON, AYLWARD, WHITE, REES, 2015; KEEHN, WESTERFIELD, MÜLLER et al., 2017; LUKITO, JONES, PICKLES et al., 2017). De fato, o DSM-5 recomenda que quando há déficits atencionais e de hiperatividade/impulsividade característicos do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, deve ser considerada a possibilidade dessa condição clínica também ser diagnosticada junto com o TEA (APA, 2014). Além disso, somente 54% da amostra se manifestou a favor de estratégias pedagógicas que possam diminuir estímulos que interferem nas habilidades atencionais do aluno com TEA. Um dado que provavelmente poderá contribuir para que esse aluno divague em sala de aula, não se concentre em tarefas e tenha dificuldades para manter o foco em atividades escolares, ainda mais porque estudos anteriores recomendam o uso dessas medidas para melhorar habilidades atencionais, memória de trabalho e habilidades de aprendizagem de alunos com TEA (BARIC et al., 2017; ROORDING-RAGETLIE et al., 2017; ZAJIC, 2017).
O principal achado da tabela 4 é que em 100% dos casos, as práticas educacionais e pedagógicas listadas no questionário, acontecem em menor frequência na prática da sala de aula quando comparada ao grau de concordância com tal prática. Observando item a item desta tabela, verifica-se que realmente é baixo o uso de diversas estratégias que são essenciais para garantir um mínimo de aquisição de habilidades de aprendizagem e funcionamento adaptativo de alunos com TEA. Percentuais elevados de professores não colocam o aluno (a) para trabalhos em grupos pequenos de até quatro crianças, sempre que possível; não utilizam métodos alternativos de comunicação para que o aluno possa estabelecer interação e comunicar-se; não planejam o ambiente de maneira que sejam minimizados os estímulos distratores que comprometem a atenção e concentração do aluno; não preparam um currículo escolar individual para aulas de matemática e de português; não usam elogios para estimular bons comportamentos do aluno em sala de aula, dentre outras. Trata-se de estratégias, testadas junto a alunos com TEA quanto a sua eficácia, em intervenções em contexto escolar que se baseiam na análise do comportamento (BAGAIOLO et al, 2011), no método TEACCH - Treatment and Education of Autistic and related Communication-Handicapped Children/Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com déficits relacionados à Comunicação (PANERAI et al., 2009; PANERAI, FERRANTE, ZINGALE, 2002), no Desenho Universal para o Aprendizado (ORSATI, 2013; REILLY, 2012) e em intervenções precoces em TEA em contextos de educação infantil (EAPEN, CRNCEC, WALTER, 2013).
O estudo verificou que os professores da rede participante têm um bom conhecimento sobre a etiologia dos TEA. Entretanto, ainda há um percentual que embora seja baixo, mostra professores com alguns conceitos errôneos, mesmo tendo uma boa formação em nível de graduação e pós-graduação na área da inclusão e tendo na sua maioria experiência com alunos com TEA em sala de aula ao longo da atuação profissional. Isso indica a necessidade de uma aproximação maior entre o conhecimento das práticas pedagógicas para crianças com TEA em ambiente escolar e a sua real execução.
Além disso, a maioria daqueles professores com experiência em ministrar aulas com alunos com TEA, concordou com praticamente todas as ações educacionais e pedagógicas do Desenho Universal da Aprendizagem, mas em percentuais elevados, eles referiram que essas ações não estão sendo efetivamente implementadas na prática escolar. Muitas das atividades, especialmente aquelas com maior necessidade de conhecimento especializado como “preparação de um currículo escolar individual” são aprovadas pelos professores, mas não utilizadas na rotina da escola. Assim, é necessária a formação especializada para professores utilizarem procedimentos pedagógicos e de manejo adequados ao aprendizado formal e integração social de alunos com TEA. O estudo, baseado no relato dos participantes, possibilitou avaliar concomitantemente conhecimentos, atitudes e práticas e com isso, de maneira inovadora, permitiu mapear integradamente aspectos essenciais que fazem parte de uma adequada adaptação curricular para alunos com TEA.
Embora o presente trabalho traga contribuições para o campo da inclusão de estudantes com TEA no sistema de ensino público, algumas limitações precisam ser mencionadas. Citam-se dentre as mais importantes que a amostra do estudo foi de conveniência e não representativa de todos os professores da rede municipal de educação, o questionário somente possibilitou acessar conhecimentos, atitudes e práticas sobre as adaptações curriculares baseado no relato dos participantes na condição de informantes e que não foram controlados dados dos alunos atendidos por esses professores de acordo com a etapas de escolarização, o que pode ser importante para levantar diferenças de práticas de acordo com o nível de ensino. Estudos futuros poderiam verificar práticas concretas de inclusão do aluno com TEA desses mesmos professores para comparar com o relato sobre as práticas.