Resumo: Para a sistematização de intervenções, é fundamental conhecer a percepção dos profissionais que trabalham com indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo, a fim de instrumentalizá-los no aprimoramento de ações que estimulem suas habilidades e atendam integralmente suas necessidades. O objetivo deste estudo foi analisar a percepção dos profissionais sobre o trabalho desenvolvido com as crianças e jovens com Transtorno do Espectro do Autismo, bem, como identificar suas estratégias de intervenção. Fizeram parte deste estudo 16 participantes, sendo doze educadores e quatro profissionais da saúde. Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturada a fim de compreender a percepção dos profissionais acerca do trabalho com esses indivíduos. Após a entrevista pode-se identificar que os profissionais possuem conhecimento prático sobre as características e atuação com crianças e jovens com Transtorno do Espectro do Autismo, porém, necessitam de espaços formais para a troca de experiências e a construção de novos conhecimentos.
Palavras-chave:IntervençãoIntervenção, Percepção Percepção, Transtorno do Espectro do Autismo Transtorno do Espectro do Autismo.
Abstract: For the systematization of interventions, it is essential to know the perception of the professionals who work with individuals with Autism Spectrum Disorder to instrumentalize them in the improvement actions to stimulate their skills and fully meet their needs. The objective of this study was to analyze the perception of professionals about the work done by them with the children and youth with Autism Spectrum Disorder as well as identify their intervention strategies. This study included 16 participants, twelve teachers and four health providers. To collect the data we designed semi-structured interviews in order to understand the perception of professionals about working with these individuals. After the interview can identify that professionals have practical knowledge about the features and performance with children and youth with Autism Spectrum Disorder, but need formal spaces for the exchange of experiences and the construction of new knowledge.
Keywords: Autism Spectrum Disorder, Perception, Intervention.
INTERVENÇÃO JUNTO A INDÍVIDUOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO: A PERCEPÇÃO DO PROFISSIONAL
INTERVENTION WITH INDIVIDUALS WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER: A PROFESSIONAL PERCEPTION
Recepção: 08 Setembro 2017
Aprovação: 22 Dezembro 2017
A literatura atual vem propondo reflexões sobre a especificidade do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e as possíveis intervenções profissionais. É fundamental conhecer as particularidades da atuação dos profissionais que trabalham com esta população, a fim de aprimorar a avaliação e o diagnóstico precoce, as intervenções, a inclusão na escola e no trabalho, entre outras necessidades da população com TEA (CRISPIANI, 2008; PIMENTEL, 2013; PIMENTEL; FERNANDES,2014).
Segundo a Associação Psiquiátrica Americana (DSM-V, 2013) os sintomas do TEA representam um continuum de grau leve a grave. Os critérios diagnósticos propostos para o TEA especificam uma gama de sinais e sintomas que podem ou não estar presentes, bem como descrevem o estado geral de desenvolvimento na comunicação social, nas interações sociais e no comportamento do indivíduo. Nos TEA os déficits em comunicação e comportamentos sociais são inseparáveis e mais precisamente considerados como um único conjunto de sintomas com especificidade contextuais e ambientais (AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2013).
A literatura nacional e internacional vem evidenciando cada vez mais a necessidade de realização do diagnóstico precoce para o TEA, afim de iniciar intervenções o mais precocemente possível, para estimular as habilidades desses indivíduos. Para sistematizar as intervenções, é fundamental conhecer a percepção dos profissionais que trabalham com indivíduos com TEA, a fim de instrumentalizá-los no aprimoramento de ações que estimulem suas habilidades e atendam integralmente suas necessidades (CRISPIANI, 2008; PIMENTEL, 2013; AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2013; PIMENTEL; FERNANDES, 2014).
Nessa perspectiva, estudos produzidos nos últimos anos, têm investigado a percepção de profissionais sobre as intervenções realizadas com crianças com TEA (MONTAGNER; SANTIAGO; SOUZA, 2007; PIMENTEL; FERNANDES, 2014; RAMOS; SALOMÃO, 2014; SCHMIDT, ET.AL., 2016; LUZ; GOMES; LIRA; 2017). Estes estudos identificaram que os profissionais apresentam dificuldades na interação com crianças com TEA, principalmente quando apresentam comportamentos desafiadores intensificados pelas dificuldades de comunicação (MONTAGNER; SANTIAGO; SOUZA, 2007); dificuldades em relação a estruturação de práticas de ensino e de adequações curriculares (PIMENTEL; FERNANDES, 2014); sentimento de despreparo para trabalhar com crianças com TEA (SCHMIDT, ET.AL., 2016); fragilidades no que se refere à formação e prática profissional (RAMOS; SALOMÃO, 2014; LUZ; GOMES; LIRA; 2017); entre outras. Todos os estudos ressaltam a importância de oportunidades de formação a fim de preparar o conteúdo teórico em relação ao TEA e o planejamento de práticas que realmente atendam às necessidades desta população.
Apesar da relevância dos estudos que visam identificar a percepção de profissionais que atuam com TEA, acredita-se que este número ainda é incipiente. Desta forma, a relevância deste estudo permeia na ideia de que a ampliação de estudos nacionais a fim de identificar as percepções de profissionais da saúde e da educação que desenvolvem suas práticas com a população com TEA pode colaborar com o planejamento de formações que de fato acolham as necessidades destes profissionais.
Assim este estudo tem como objetivos analisar a percepção dos profissionais sobre o trabalho desenvolvido por eles com as crianças e jovens com TEA, bem, como identificar suas estratégias de intervenção.
O estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior aceito pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Universidade Pública de São Paulo, recebendo parecer favorável nº 957.960.
Este estudo caracteriza-se pela metodologia descritiva, qualitativa, com inspiração fenomenológica que buscou a essência do discurso dos profissionais sobre o seu trabalho com indivíduos com TEA.
A pesquisa foi realizada em uma associação filantrópica de uma cidade do interior do Estado de São Paulo que atende crianças e jovens com TEA no período contrário à escola. A associação oferece atendimentos de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, educação física e apoio pedagógico.
Foram selecionados como participantes deste estudo os profissionais que trabalham com as crianças e os jovens com TEA na referida instituição. Conforme contato prévio com a associação, esta informou que emprega 32 profissionais que trabalham diretamente com as crianças, dentre eles: educadores sociais, pedagogos, educadores físicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e funcionários administrativos, serviços gerais e cozinheiros.
Foram incluídos no estudo 16 profissionais que trabalham com as crianças e os jovens com TEA e realizam intervenções nas áreas de educação e/ou saúde. Foram excluídos da pesquisa os profissionais que não realizam intervenções nas áreas da saúde e/ou educação com as crianças e jovens com TEA e também aqueles que não aceitaram participar do estudo.
Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturada, que compreendeu cinco etapas: a redação dos enunciados e elaboração da primeira versão da entrevista; a análise de conteúdo por um grupo de juízes; a reformulação dos enunciados e elaboração da segunda versão; o teste de clareza e a elaboração da versão final do roteiro de entrevista.
Os dados foram obtidos por meio de uma entrevista semiestruturada aplicada aos profissionais em data e local previamente estabelecidos.
A redação dos enunciados seguiu os seguintes critérios: ser afirmativo: dizer aquilo que é, e não aquilo que não é; ser exato: dizer exatamente o que é necessário ser dito; usar uma linguagem compreensível para as pessoas que iram fazer a leitura; usar frases curtas e que contenham uma só ideia; evitar frases ambíguas, irrelevantes ou radicais; e evitar frases factuais. A primeira versão do roteiro de entrevista, foi enviada a dois juízes cegos, para que fosse realizada a análise de conteúdo do material (PASQUALI, 1998; BUNCHFT; CAVAS, 2002).
A partir das avaliações e sugestões efetuadas pelos dois juízes, foram realizadas as reformulações necessárias em relação à adequação ou reordenação dos enunciados e estruturada a segunda versão da entrevista.
Para a realização do teste de clareza, a segunda versão da entrevista, foi aplicada a dois profissionais que trabalhavam com crianças com TEA, porém em outro local, tendo como objetivo avaliar a clareza e o entendimento dos enunciados Após estas etapas foi construída a versão final do roteiro de entrevista.
As entrevistas foram aplicadas individualmente aos profissionais na associação onde trabalham, conforme disponibilidade de dia e horário. Foi utilizado o gravador de áudio para o registro das informações. As entrevistas foram gravadas para posterior transcrição.
A análise dos dados obtidos foi realizada por meio da análise de conteúdo. Após a análise do material foram nomeadas as categorias e para cada uma das categorias, foram estabelecidas subcategorias quando necessário. As categorias, as subcategorias e os trechos com exemplares de falas originaram um quadro de análise (BARDIN, 2000).
Após a identificação das categorias e subcategorias de análise, com o intuito de seguir um rigor conceitual e metodológico de pesquisa, foi utilizada as recomendações da literatura. Nesta perspectiva, o material coletado por meio de instrumentos nas pesquisas qualitativas, quanto a sua categorização, deve ser submetido à análise de juízes (CARVALHO, 1996).
O material coletado foi encaminhado para apreciação de juízes com experiência na área, com o objetivo de verificar se as categorias e subcategorias elaboradas estariam representadas através das informações selecionadas. O material foi entregue aos juízes e, após a análise, foram obtidos os índices de concordância9.
O índice de concordância entre o pesquisador e o juiz 1 foi de 92,8%, entre o pesquisador e o juiz 2 foi de 96,4% e entre os dois juízes o índice de concordância foi de 94,6%.
Após a realização do índice de concordância, a pesquisadora fez análise do material apreciado pelos juízes, chegando à conclusão de que as categorias e subcategorias, e seus respectivos exemplares de fala, apresentaram o grau de representatividade (CARVALHO, 1996).
Os 16 profissionais que participaram deste estudo tinham idade média de 29,5 anos e tempo de experiência na área de TEA em média de 31,37 meses. A caracterização dos participantes pode ser visualizada no Quadro 1 a seguir:
Entre os profissionais entrevistados 4 são profissionais da área da Saúde e 12 são profissionais da área da Educação, entre eles 15 são do gênero feminino e 1 masculino. Em relação a formação dos profissionais foram entrevistados um terapeuta ocupacional, dois fonoaudiólogos, um psicólogo, nove pedagogos e três educadores físicos, que trabalhavam na instituição.
A apresentação dos resultados e discussões foi organizada a partir das categorias identificadas após a análise dos relatos dos participantes, a fim de evidenciar a importância da relação entre os resultados e a temática a ser discutida. Desta forma, as categorias identificadas a partir dos relatos dos participantes foram: planejamento do ensino, interação social, comunicação, comportamento, concepções teóricas dos profissionais, estratégias de intervenção, família, expectativas profissionais e formação profissional. As categorias identificadas nortearam a discussão dos resultados neste estudo.
Os profissionais que trabalham com indivíduos com TEA têm como meta desenvolver um planejamento que contemple as necessidades de cada paciente. Perante o planejamento estabelecido é possível organizar a rotina das intervenções com objetivos, recursos e estratégias de forma a atender as individualidades de cada caso (BLANCO, 2004).
A criança e jovem com TEA é singular, assim os profissionais devem avaliar cada caso a fim de entender a situação e identificar as demandas para que possam elaborar e organizar a sua intervenção. Neste estudo, vários entrevistados citam essa singularidade, como uma forma para descrever e caracterizar esses indivíduos. Os relatos a seguir identificam esta situação:
“... mas, cada uma vai estar se desenvolvendo em um ritmo, uma forma diferenciada.” (S2)
“... Um lê o outro não lê; um gosta de ruído e o outro já adora música. Então, é independente assim.” (E3)
“...olha depende muito de cada um [...]” (E5)
Os profissionais têm de conhecer as possibilidades de aprendizagem dos indivíduos com TEA, os fatores que podem favorecer a sua evolução e as demandas especificas do sujeito. Portanto, somente após entender a situação de cada sujeito o profissional vai poder colaborar com o processo de construção pessoal de cada um destes indivíduos (BLANCO, 2004).
Entre as principais características do indivíduo com TEA é possível identificar na literatura o comprometimento da interação social, comprometimento da comunicação e do comportamento com padrões restritos, repetitivos e estereotipados (AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2013).
A interação social é citada várias vezes pelos profissionais entrevistados, como uma dificuldade. Muitos participantes relataram que a interação social é a principal barreira para a aprendizagem das crianças e jovens com TEA. O exemplo a seguir identifica este aspecto:
“Eu acho que a princípio a dificuldade é você se aproximar, essa é a maior dificuldade, é você conseguir aproximar eles. É conseguir um olhar deles pra você, porque muitas vezes nem olham pra você. Então essa é a dificuldade em chamar atenção deles, em concentrar eles.” (E9)
“Porque depende do comprometimento, tem uns que dá para gente trabalhar em duplas, tem uns que dá pra gente trabalhar em três e tem uns que não tem como, você tem que trabalhar sozinho, porque dá mais trabalho, ele fica mais nervoso […]” (E2)
O indivíduo com o TEA tem como característica, a restrição na sua capacidade de entender o significado das relações pessoais, portanto, apresentam dificuldades em manter relações de caráter afetivo e podem possuir capacidade de representação limita (MARINHO; MERKLE, 2009).
O estudo de Schimit et al. (2016) também identificou dificuldades em relação a interação social durante as intervenções com crianças com TEA. Entre os relatos de professores foram observadas duas percepções importantes, a primeira descreve a criança com TEA como inacessível a intervenções profissionais, já a segunda aponta dificuldades sociais, como a retração e o isolamento, sem a ideia de impossibilidade de acesso. Schimit et. al. (2016) ainda destaca que a percepção dos profissionais pode influenciar no seu comportamento com a criança, entendendo que estas podem se beneficiar ou não de suas ações. Neste contexto é necessário pensar em recursos e estratégias que favoreçam a interação social do indivíduo a fim de estimular o seu desenvolvimento biopsicossocial.
Estudos relataram que algumas intervenções como a equoterapia e a informática podem favorecer o desenvolvimento afetivo, psicomotor e cognitivo e consequentemente favorecer as habilidades desta população (KOVALTI, 2003).
Outro aspecto a se destacar na pessoa com TEA é a comunicação. A literatura identifica que estes indivíduos podem vir a ter prejuízos em diferentes atividades em seu cotidiano por consequência da falta de comunicação efetiva e funcional (SCHIRMER, et. al., 2011).
A comunicação representa conceitos generalizados que estão presentes no conhecimento humano, ou seja, a comunicação tem total importância no aspecto que engloba a percepção da construção do indivíduo (LURIA, 1998).
Neste contexto é fundamental identificar qual a percepção do profissional em relação à comunicação do indivíduo com TEA. O exemplo a seguir descreve o relato de um participante em relação à comunicação:
“...Eu penso assim, os que conseguem desenvolver mais intelectualmente são os que já desenvolvem a fala, aqueles assim, que não tem fala é muito difícil pra gente, por exemplo, eu estou vendo agora os da manhã, os que não falam, você não consegue muito se comunicar, na hora de passar um comando pra eles, eles não consegue muito obedecer, então eu percebo que os que conseguem desenvolverem melhor, são aqueles que já tem a fala desenvolvida.” (E8)
É fundamental que os indivíduos com TEA tenham uma comunicação efetiva e funcional. Nesta perspectiva é necessário reconhecer a necessidade de recursos que apoiem o desenvolvimento da linguagem destes indivíduos e a oportunidade de expressão. A introdução de um sistema de comunicação suplementar e alternativa, quando necessário, deve acontecer não somente para contemplar as questões comunicativas, mas também para facilitar o processo de aprendizagem significativa além de propiciar caminhos para a aquisição da leitura e escrita (DELIBERATO, 2009; VON TETZCHNER; MARTINSEN, 2009).
O sistema de comunicação vai ser mais eficiente no momento em que os profissionais perceberem que o uso adequado desses recursos adaptados para a comunicação alternativa, poderiam facilitar a participação do indivíduo nas situações dialógicas e poderiam também favorecer a ampliação da participação dos diferentes interlocutores (DELIBERATO, 2009).
O estudo de Togashi e Walter (2016) teve como objetivo implementar um programa de capacitação oferecido a professores da rede municipal do RJ, atuando no Atendimento Educacional Especializado (AEE) para introduzir o uso do sistema PECS-Adaptado junto aos alunos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Entre as questões observadas durante o processo de implementação do PECS-Adaptado foi ressaltado a importância dos profissionais observarem as diferentes habilidades comunicativas já utilizadas pelos alunos, como no caso do uso de gestos, linguagem de sinais, vocalizações, expressões faciais. Os resultados mostraram que o uso da comunicação alternativa possibilitou maior interação comunicativa do aluno com os profissionais durante as atividades escolares.
Durante a entrevista, muitos profissionais relataram que a agressividade é frequente nos indivíduos com TEA durante a intervenção. Alguns profissionais identificaram que essa agressividade pode estar relacionada a dificuldade de expressarem respostas a situações rotineiras, ou como um pedido de ajuda. Algumas falas caracterizaram esta percepção dos profissionais:
“...A agressão deles, as vezes é pra... autodefesa, assim não é por mal. [...]Porque você acaba as vezes sendo só um... vou usar a palavra objeto, você acaba sendo um objeto pra eles conseguirem o que estão precisando.” (E9)
“...Então a gente faz assim, normalmente é bem agitado, é... dependendo do caso é muito agressivo e eles são assim, muito apegados a rotina. Então eu percebo assim, que eles são muito apegados a rotina, quando a gente tem essa rotina eles se regulam.” (E8)
Os problemas de comportamento são aspectos importantes que podem estar associados ao TEA, envolvendo comportamentos automutilativos e disruptivos, entre os quais, destacam-se os agressivos. Esses comportamentos podem gerar problemas com a família, comunidade e em muitos casos ameaçar a integridade física do indivíduo e do grupo no qual ele se encontra (ROBERTS, 2003; GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004).
A literatura tem identificado diferentes conceituações teóricas, metodose técnicas para embasar o trabalho com o indivíduo com o Autismo. Entre os mais citados pelos profissionais entrevistados é possível identificar o Método TEACCH, o ABA, o PECS, o PECS- adaptado, o Currículo Natural Funcional, a Integração Sensorial, entre outros (VATAVUK, 1996; ROBERTS, 2003; GONÇALVES, 2011, ROLEY, et. al., 2014). Durante a entrevista os profissionais identificaram primeiramente alguns autores como Piaget, Skinner e Bandura a fim de embasar o trabalho que fazem com esta população:
“...assim, especifico, especifico não, trabalho assim baseado em Skinner, Bandura que fala sobre o reforço positivo e negativo na área comportamental, a gente também utiliza o Piaget, vendo as fases[...]mais ou menos assim que a gente tenta adaptar, mas[...]especifico, especifico, eu não uso nenhum.” (E10)
A literatura identificou que programas de modificações comportamentais podem promover uma estabilização em relação a comportamentos que trazem prejuízos na rotina do sujeito, porque a vertente da teoria cognitivo-comportamental considera que o indivíduo com TEA tem características semelhantes a indivíduos sem o transtorno, mas em níveis de intensidade diferentes (GONÇALVEZ, 2011).
O método TEACCH como um modelo de intervenção educacional vem sendo implantado no Brasil de modo expressivo pelas instituições que atuam na área. Neste estudo os profissionais entrevistados relataram utilizar o método TEACCH como observado no relato a seguir:
“...a gente usa a teoria não, só as técnicas mesmo, que acho que já comentaram aqui que é a do TEACCH, são essas mesmo. ” (E6)
O Programa TEACCH é um modelo educacional que vem responder às necessidades dos indivíduos com TEA e suas famílias, pois apresenta uma estruturação organizacional e clínica que reforça o desenvolvimento adaptativo, a colaboração da família, o ensino estruturado e a avaliação individual. O TEACCH é um modelo generalista e transdisciplinar, que segue uma abordagem psicoeducativa. O objetivo do modelo é promover o desenvolvimento de cada indivíduo para que este possa melhorar as suas habilidades e tenha a oportunidade de participar do seu contexto com o melhor desempenho possível (SCHOPLER; VAN BOURGONDI, 1999; GIARDINETTO, 2005; KWEE, 2006).
Por se tratar de um modelo educacional, vários profissionais atuam com os indivíduos com TEA, sendo um deles o educador físico, que não só da ênfase ao aprendizado dos movimentos, mas também utiliza da atividade para conseguir a melhor interação do indivíduo com o grupo. Desta forma, o profissional tem que utilizar atividades coerentes com as habilidades do indivíduo (GORLA, etal., 2009). O relato a seguir destaca a atuação do educador físico:
“...olha, na educação física, eu acho que é bem defasado[...] essa parte de literatura para o autismo. Mas eu busco na internet alguns exercícios, eu pesquiso. Tem um profissional no Rio, que ele tem um bom trabalho com autismo, se bem que ele trabalha mais a parte da ginastica olímpica. Mas, às vezes, eu procuro na internet trabalhos dele e vou tentando adaptar, mas tem uma carência grande. ” (E2)
A educação física é um meio de ensino para o indivíduo com o TEA, pois, por meio de práticas de atividades corporais, promove a capacidade física, o desenvolvimento das habilidades sociais, consequentemente a melhoria da qualidade de vida. Sendo assim, é necessário ampliar estudos que abordem a atuação desse com esta população (TOME, 2007).
É fundamental que os profissionais estejam atentos para identificar as capacidades e habilidades do indivíduo com TEA, para trabalhar com segurança e assim, reconhecer as demandas e traçar um planejamento pertinente para cada indivíduo.
É necessário que os profissionais identifiquem possibilidades de adaptação ao ambiente, uso de recursos e estratégias frente à diversidade de habilidades e necessidades da criança com TEA. Apesar de reconhecer que crianças apresentam necessidades individuais, é fundamental que os ambientes que elas circulem estejam preparados e que o ensino seja estruturado e com estratégias, técnicas, adaptações e tecnologia assistiva que deem suporte às diferentes necessidades de cada criança.
Reforçar as habilidades por eles apresentadas, é uma valiosa estratégia de integração e ampliação da aprendizagem, pois as crianças têm o desejo natural de explorar os seus ambientes. Desta forma trabalhar com as habilidades do indivíduo para a aquisição de novas competências promove confiança, diminui os comportamentos inadequados e promove maior socialização.( SCHIRMER, et.al, 2011; LUZ; GOMES; LIRA, 2017).
As estratégias de trabalho são planejadas pela equipe de profissionais que atendem o indivíduo e são definidas de acordo com suas necessidades. Neste estudo vários profissionais citam que é necessário ter persistência, paciência e treinamento. Os relatos a seguir exemplificam este resultado:
“.... Tem que ser trabalhado individualmente e com persistência.” (E1)
“... ah, que ele pode ser assim, trabalhado com bastante paciência, muito treinamento” (E4)
Schmidt et al. (2016) também cita entre os relatos dos profissionais, a necessidade de mais tempo para acompanhar a criança com TEA e a necessidade de maior interação entre os profissionais. É fundamental que os profissionais estejam capacitados a compreender as necessidades da criança com TEA e promova estratégias eficazes para o desenvolvimento de habilidades. O uso das atividades lúdicas também foi identificado como importante estratégia de intervenção com a criança com TEA. A seguir é possível observar um trecho da entrevista que relata estratégias importantes durante a intervenção:
“... eu acho que as questões lúdicas para ele, porque assim é a questão de novidade...” (E10)
É importante ressaltar, que apesar das dificuldades que podem ser identificadas na criança, na participação nas atividades de sua rotina diária, ela deve se envolver em atividades lúdicas no seu contexto, porém algumas vezes é necessário adequar recursos e estratégias para que a criança possa participar dessas atividades (ROCHA; DELIBERATO, 2010).
O brincar quando presente no cotidiano do indivíduo faz com que a aprendizagem seja mais divertida e eficiente, auxiliando no desenvolvimento de habilidades. É no brincar que o indivíduo coloca em pratica seus pontos positivos, além de aprender a considerar as diferenças existentes em cada um, o que irá contribuir para a sua interação social (DAGUANO; FANTACINI, 2011).
A participação da família nas intervenções com a criança com TEA é fundamental para fortificar as ações, compreender as potencialidades e principalmente fortalecer a articulação da parceria entre a equipe de saúde e educação (NUNES, 2007; MATSUKURA, 2010). Apesar dos dados relatados sobre a importância da participação familiar, este estudo identificou que os familiares apresentam dificuldades em se envolver nas intervenções de seus filhos. O relato a seguir demonstra está dificuldade:
“... Um pouco da questão familiar, porque aqui a gente insere algumas coisas para eles onde em casa não é dado continuidade, que é onde eles passam a maior parte do tempo, então eu acho que para mim essa é a principal dificuldade, que se não é feito lá, aqui poucos resultados a gente conseguem. ” (S3)
A família sofre vários impactos durante a convivência com um membro com TEA, o primeiro é do diagnóstico, depois uma série de situações que provocam mudanças na rotina familiar e podem prejudicar os aspectos emocionais de todos os envolvidos. Assim, muitas famílias se sentem impotentes ao lidar com o filho autista demonstrando insegurança, muitas vezes por falta de informação e por necessitarem de apoio (NUNES, 2007).
O estudo de Nogueira e Rio (2011) identificou que diferentes dificuldades são encontradas na rotina de famílias com crianças com TEA, entre elas é possível destacar as dificuldades econômicas, a falta de redes de apoio e a negligência da qual está família acredita estar sendo vítima. Neste estudo os familiares também destacaram a necessidade de maior interesse e empenho por parte dos profissionais em relação as necessidades vivenciadas e relatadas pelas famílias.
É fundamental inserir precocemente os familiares nas intervenções, a fim de envolvê-los, capacitá-los a identificar as habilidades e estimular a inserção da criança nas diferentes atividades de seu contexto. Os familiares devem ser corresponsáveis pela evolução do indivíduo com TEA, não devendo esperar que os profissionais tomem a responsabilidade para si (PEREIRA, 2011).
Outro tema necessário a ser discutido é a relação estabelecida pelos profissionais com os indivíduos com TEA. É fundamental o vínculo entre o profissional, o sujeito e a família a fim de ampliar as expectativas em relação às intervenções. O exemplo a seguir identifica o sentimento do profissional em relação ao seu trabalho com o indivíduo com TEA:
“.... Eu espero poder ajudá-los, de alguma forma, e eu sinto que eu ajudo. É muito gratificante, mas é difícil.” (E2)
“... A nossa expectativa em cima de todos aqui é muito grande, então a gente está sempre criando mais expectativa em cima deles.” (E6)
A literatura identificou que nos casos em que os profissionais percebem mais positivamente seu relacionamento com os alunos com TEA, o índice de problemas de comportamento diminui e eles apresentavam mais facilidades de estar incluídas neste ambiente (KRISTEN; BRANDT; CONNIE, 2003)
Também em relação ao vínculo entre o profissional e a criança, a boa relação gera expectativas positivas e facilita a capacidade do profissional avaliar as necessidades, desejos e habilidades da criança (KRISTEN; BRANDT; CONNIE, 2003).
Os estudos direcionados ao ambiente escolar também identificam que percepções positivas de professores em relação a alunos com TEA são fundamentais para ampliação das possibilidades de sucesso e inclusão escolar (CASSADY, 2011; SCHMIDT, ET.AL, 2016)
Apesar dos profissionais que participaram deste estudo relatarem satisfação com a prática cotidiana com os indivíduos com TEA, identificaram também dificuldades encontradas durante esta atuação, principalmente em relação a falta de conteúdo teórico, ausência de tempo para estudo e a falta de recursos nas intervenções. O exemplo de fala deste participante ilustra a queixa de seus pares:
“... a falta de material, de pesquisa, de ter tempo de pesquisar; trazer mais recursos para comprar material, é o que mais falta.” (E4)
Mesmo os participantes relatando o incentivo e apoio da direção da associação para a participação em cursos na área, a grande maioria destacou a necessidade de ampliar as estratégias a fim possibilitar a articulação entre a teoria e a prática. A velocidade com que os conhecimentos se multiplicam faz com que se torne muito complexa a atualização desse conhecimento por parte dos profissionais. Esta situação pode gerar insegurança, comprometimento em identificar os recursos e estratégias que melhor norteie o processo de ensino-aprendizado desses indivíduos.
Estudos em relação a percepção de profissionais sobre as suas intervenções com crianças com TEA também identificam dificuldades para atuar com esta população. Entre as principais dificuldades destaca-se a necessidade de ampliação de conhecimento sobre o TEA, a falta de formação continuada, a dificuldade para encontrar apoio de outros profissionais, dificuldade em planejar ações eficazes, dúvidas em relação ao desenvolvimento escolar, dificuldades em acolher as famílias, além de dificuldades em relação a recursos aquisição de recursos adequados e infraestrutura (MONTAGNER; SANTIAGO; SOUZA, 2007; PIMENTEL; FERNANDES, 2014; RAMOS; SALOMÃO, 2014; SCHMIDT, ET.AL., 2016; LUZ; GOMES; LIRA; 2017).
Para sanar estas dificuldades é necessário compreender a educação como um processo dinâmico e continuo de construção de conhecimento. A literatura vem identificando que a educação permanente se destaca pela sua porosidade a realidade mutável e mutante do conhecimento, a sua ligação política com a formação de perfis profissionais e de serviço, a introdução de mecanismos, espaços e temas que geram autoanálise, autogestão, implicação, mudança institucional, enfim, novas aprendizagens e experimentação na realidade (CECCIM, 2005).
A educação permanente pode ser uma ferramenta capaz de motivar a transformação pessoal e profissional do sujeito. Portanto, a sua implementação nos diferentes serviços pode promover o aprendizado continuo, ou seja, a condição necessária para o desenvolvimento de equipes, no seu auto aprimoramento, direcionando a uma busca da competência pessoal, profissional e social (MANTOVANI; MEIER; PASCHOAL, 2007).
Os resultados deste estudo devem promover contribuições para área de atuação do TEA a fim de ampliar as discussões nesta temática e as possibilidades de intervenções realizadas. Apesar das formações e características distintas de cada profissional entrevistado, o foco de atuação é comum e compartilhado com todos os membros da associação. Os resultados obtidos refletem a atuação dos profissionais na área, possibilita o mapeamento de suas ações e oferece indícios que permitem a ampliação nas estratégias já utilizadas e a necessidade de espaços de formação profissional.
É fundamental estudos que identifiquem a percepção de profissionais sobre a sua atuação na área do TEA. Foi possível neste estudo identificar a caracterização dos profissionais e a atuação com esta população sendo possível mapear recursos e estratégias de intervenção já utilizadas, bem como a necessidade de inserir novas ferramentas. Também foi identificada que as intervenções práticas carecem de embasamentos teóricos que sustentem a atuação dos profissionais e a necessidade relatada pelos profissionais de oportunidades a fim de promover articulação entre a teoria e a prática.
Estes dados podem identificar a necessidade de espaços formais para a troca de experiências e construção de novos conhecimentos, fortalecendo a oportunidade do profissional se aprimorar e promover intervenções com indivíduos com TEA. A necessidade de ampliação de espaços para formação também foi destacada na literatura (MONTAGNER; SANTIAGO; SOUZA, 2007; PIMENTEL; FERNANDES, 2014; RAMOS; SALOMÃO, 2014; SCHMIDT, ET.AL., 2016; LUZ; GOMES; LIRA; 2017). Nesse sentido sugere-se ampliar a oportunidade de formação continuada e também a implementação de espaços para educação permanente a fim de ampliar as discussões da equipe sobre a eficácia das ações de intervenção, a possibilidade de escuta dos profissionais, as relações produzidas com os usuários, familiares e entre a equipe e pôr fim a identificação dos processos de mudanças necessários.