Resumo: Os programas de intervenção precoce (IP) visam proporcionar acompanhamento não só às crianças com alterações no desenvolvimento, mas também a família e ao contexto em que elas estão inseridas. Pretendeu-se com este estudo caracterizar as instituições que prestam serviços de IP na cidade de Curitiba-PR e os profissionais atuantes nestes serviços. Para tanto utilizou-se de um levantamento quantitativo, de caráter exploratório-descritivo. Para coleta de dados foram utilizados dois questionários, um para cada grupo de participantes. Os dados foram analisados com base em estatística descritiva através dos softwares Sistema de Análise Estatística SAS 9.3, Wolfram Mathematica e Microsoft Excel. A amostra totalizou 19 representantes institucionais e 142 profissionais. Predominaram as instituições do 3º setor, atuantes na área da educação que contam com equipe multidisciplinar. Quanto à população atendida prevaleceu a clientela com múltiplas deficiências e deficiência intelectual. Em relação aos profissionais prevaleceram professores com especialização que atuam há mais de 10 anos na IP e as equipes foram classificadas majoritariamente como multidisciplinar. Concluiu-se que a prevalência de instituições do terceiro setor e da área da educação podem estar atreladas a aspectos históricos como assistencialismo e políticas nacionais de educação. A interdisciplinaridade entre saúde e educação ainda se constitui como um desafio conceitual, metodológico e prático, sendo necessária maior disseminação e compreensão sobre diretrizes e funcionamento. Delinear as instituições e profissionais é fundamental para compreender os desafios que se colocam ao atendimento da clientela em questão, sendo necessária a ampliação desses serviços de maneira geral e do acesso aos mesmos.
Palavras-chave:Intervenção Precoce (Educação)Intervenção Precoce (Educação),Educação especialEducação especial,Equipe de Assistência ao PacienteEquipe de Assistência ao Paciente.
Abstract: Early intervention (EI) programs aim to provide follow-up not only for children with developmental disorders, but also to the family and the context in which they are inserted. The aim of this study was to characterize the institutions that provide EI services in the city of Curitiba-PR and the professionals working in these services. For this purpose, a quantitative survey was used, with an exploratory-descriptive character. Two questionnaires were used to collect data, one for each group of participants. The data were analyzed based on descriptive statistic through the softwares Statistical Analysis System SAS 9.3, Wolfram Mathematica and Microsoft Excel. The sample totaled 19 institutional representatives and 142 professionals. The institutions of the 3rd sector prevailed, active in educational area with a multidisciplinary team. As for the population served, the clientele with multiple disabilities and intellectual disability prevailed. Prevailed professors with specialization that works over 10 years in EI programs and the teams were classified as multidisciplinary. It was concluded that the prevalence of third sector institutions and the educational area may be linked to historical aspects such as welfare and national education policies. The interdisciplinarity between health and education is still a conceptual, methodological and practical challenge, requiring greater dissemination and understanding of guidelines and functioning. Delineate the institutions and professionals is fundamental to understand the challenges that are posed to serving the clientele in question, and it is necessary to broaden these services in general and the access to them.
Keywords: Early Intervention (Education), Special Education, Patient Care Team.
PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE: caracterização de instituições e profissionais[1]
EARLY INTERVENTION PROGRAMS: characterization of institutions and professionals
Recepção: 30 Março 2017
Aprovação: 11 Novembro 2017
A Intervenção Precoce vem passando por mudanças tanto conceituais como práticas nas últimas décadas (SERRANO; PEREIRA, 2011). Os termos “intervenção precoce”, “estimulação precoce” e “estimulação essencial” são, muitas vezes, utilizados como sinônimos, no entanto, autores pontuam importantes diferenças entre esses termos (FRANCO, 2007; BOLSANELLO, 2012; BRASIL, 1995), o que vem causando uma discussão terminológica acerca do tema.
O termo Estimulação Precoce (EP) é mais antigo e precede o termo Intervenção Precoce (IP), sendo que o conceito do primeiro se restringe ao trabalho em competências específicas, como motoras e sensoriais, com o objetivo específico de corrigir ou remediar pontualmente falhas nessas áreas de domínio. Já o termo IP engloba um conceito mais amplo, o qual, além do conjunto de intervenções direcionadas diretamente à criança, abrange ações direcionadas à família e ao contexto, em busca de melhores respostas da criança em questão às necessidades que apresente, sejam elas transitórias ou permanentes. Considera, portanto, que o desenvolvimento da criança como um todo depende e se inter-relaciona com estes dois aspectos, familiar e contextual (FRANCO, 2007).
Historicamente, os programas de EP seguiam o modelo médico e suas ações eram centradas na relação do profissional diretamente com a criança e com enfoque especificamente na deficiência. Nas últimas décadas esses programas passaram por mudanças notáveis, principalmente em relação a dois aspectos: ao papel das famílias, que agora passam a ter um papel essencial e não mais secundário; e à esfera de atuação, estendendo-se aos campos da saúde, social e educativo. No entanto, dentro desta nova perspectiva, emerge outro termo: “atenção precoce”, englobando intervenções conjuntas dos profissionais, educadores e pais, direcionadas à criança em situação de risco ou com alterações no desenvolvimento, à família e ao contexto (SERRANO; PEREIRA, 2011; BOLSANELLO, 2012).
A necessidade de incluir o termo “estimulação essencial” nessa reflexão emergiu da sua utilização em instituições de educação especial, especialmente as incluídas neste estudo. O termo “precoce” surgiu de traduções de correlatos em espanhol (temprana e precoz) e inglês (early) e sua substituição pelo termo “essencial” surge como uma tentativa de nomear com clareza o significado dessas ações. A discussão entre a diferenciação dos termos precoce e essencial surge da interpretação de que “precoce” refere-se a algo que é realizado antes da hora, no entanto ressalta-se a natureza preventiva que carrega em sua essência, objetivo primeiro desses tipos de programas (BRASIL, 1995).
Além de toda a discussão terminológica acerca do tema, concomitante à mudança na perspectiva conceitual e de que ações esses serviços englobam, houveram mudanças também no que tange à faixa etária que esses programas englobam (BOLSANELLO, 2012; FRANCO, 2007). Historicamente os programas de EP eram direcionados às crianças de 0 a 3 anos (BOLSANELLO, 2012). Contudo, o uso dos termos atenção e IP consideram a faixa etária de 0 a 6 anos de idade, condizente com a ideia de terminologia e ações mais abrangentes (BOLSANELLO, 2012; FRANCO, 2007; FRANCO, MELO, APOLÓNIO, 2012).
Os objetivos primeiros da IP[2] consistem em:
[...] criar as condições mais facilitadoras do bom desenvolvimento e que permitam eliminar ou diminuir o risco; facilitar a integração da criança no meio familiar, escolar e social e a sua autonomia pessoal, através de uma redução dos efeitos de uma deficiência ou déficit; reforçar as boas relações e competências familiares através da promoção de uma boa base emocional de suporte; e introduzir mecanismos de compensação e de eliminação de barreiras. Tudo isto considerando sempre a criança como sujeito ativo no processo, envolvendo a comunidade na integração e fomentando redes de suporte emocional à criança e à família (FRANCO 2007, p.116).
Os programas de IP são projetados para dar suporte a crianças com alterações no desenvolvimento, tanto as deficiências como os atrasos inespecíficos, ou em risco de desenvolvê-los. Assim, os programas envolvem uma gama de serviços com objetivos de promover o desenvolvimento da criança; consolidar as competências da família; e estimular a inclusão social, tanto das crianças quanto das famílias. Esses programas podem incluir diversos serviços especializados, dentre eles: médico, social e psicológico; reabilitação; suporte à família; educação especial; e suporte ao acesso a serviços tradicionais como pré-escola e creches (WHO, 2012).
Neste sentido, é apontada por diversos autores a importância da multidisciplinaridade na composição das equipes profissionais dos serviços de IP, e que estas trabalhem de forma interdisciplinar, para que se possa atender às peculiaridades advindas da clientela (REMÍGIO et al, 2006; WHO, 2012; FRANCO, 2007; MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS, 2003; BOLSANELLO, 2012). É destacado na literatura, ainda, a articulação intersetorial nos programas de IP, entre equipamentos da educação, saúde e assistência social, como fator fundamental para a composição de uma rede de suporte às famílias (WHO, 2012).
O serviço de IP pode acontecer em diferentes locais, como: clínicas de saúde, hospitais, centros de reabilitação, centros comunitários, casa ou escolas. Cabe apontar que, historicamente, nos serviços de educação especial, destaca-se a participação do setor privado, de instituições sem fins lucrativos e privado-assistenciais (BOROWSKY, 2013). O número de organizações sociais, como as do 3º setor, cresceu significativamente, principalmente após a década de 1990, a partir da reorganização da sociedade em movimentos civis (SIAULYS, 2010). Atualmente, o 3º setor tem sua participação legitimada pela legislação por meio do estabelecimento de convênios que ofertam financiamento público a essas instituições (BOROWSKY, 2013).
Assim, o objetivo do estudo consistiu em caracterizar as instituições que prestam serviços de IP em Curitiba-PR (natureza, clientela atendida, áreas de atuação) e o perfil e a atuação dos profissionais desses serviços.
A metodologia constituiu-se de um levantamento quantitativo, de caráter exploratório e descritivo, que possibilita conhecer, descrever e analisar as características de determinada população e buscar relações entre diferentes fatores do estudo (GIL, 2010). A participação dos sujeitos foi voluntária e todos assinaram, respectivamente, o Termo de Autorização Institucional e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A coleta de dados foi realizada no município de Curitiba-PR, no período de fevereiro a julho de 2013, nas dependências das instituições que prestam serviço de IP a crianças com alterações no desenvolvimento que aceitaram participar do estudo.
Para identificar as instituições que atendem crianças com alterações no desenvolvimento no município de Curitiba-PR, foi realizado contato com a prefeitura, tanto na secretaria de saúde quanto na de educação, buscando uma listagem dessas instituições, seguido de varredura manual na internet e lista telefônica.
A pesquisa contou com dois grupos de participantes: (a) representantes institucionais, sendo eles responsáveis institucionais, ou outro membro da instituição indicado por seu responsável, designados como representantes institucionais e que soubessem responder questões referentes à instituição e aos serviços prestados; e (b) profissionais membros da equipe de IP, de ambos os sexos, das áreas da saúde, educação ou assistência social. Assim a amostra contou com 19[3] representantes institucionais e 142 profissionais da IP.
Os instrumentos de coleta de dados constituíram-se de dois questionários elaborados pelas pesquisadoras, com base nos dados que se pretendia obter e no referencial teórico pesquisado. Sendo assim, o questionário direcionado ao grupo (a) contou com questões relacionadas à natureza, razão social, caráter da instituição, serviços prestados, profissionais da equipe e características da população atendida. O questionário direcionado ao grupo (b) abordou questões sobre o perfil do profissional, modelos de intervenção e procedimentos e técnicas realizados.
Os dados obtidos com a aplicação dos questionários receberam tratamento estatístico através dos softwares Sistema de Análise Estatística SAS 9.3, Wolfram Mathematica e Microsoft Excel, e foram analisados com base em estatística descritiva.
A caracterização e perfil da amostra serão descritos com base em tabelas e gráficos de frequência relativa (%) e absoluta (ƒ). Cabe esclarecer que algumas perguntas poderiam ter múltiplas respostas, portanto as frequências relativas foram calculadas com base no total de respondentes, resultando em um total absoluto ≥ 19 ou 142 e frequência relativa ≥ 100%.
Dos 19 representantes institucionais que participaram da pesquisa, a maioria 73,7% (ƒ=14) exerce função de direção, incluindo vice e auxiliar. Prevaleceram instituições pertencentes ao segmento do terceiro setor, de acordo com o relato dos representantes institucionais. Referente às áreas de atuação, verificou-se que a área de educação prevaleceu sobre as demais, totalizando 73,7% (ƒ=14) das instituições. Quanto ao tipo de deficiência apresentada pela população atendida pelas instituições, houve predomínio das múltiplas deficiências, deficiência intelectual e deficiência neuromotora. Os dados referentes à classificação das instituições conforme a sua natureza, as áreas de atuação e os tipos de deficiências da população atendida pelas instituições são apresentados na Tabela 1.
A distribuição das 19 instituições configurou-se, portanto, da seguinte maneira: 2 atuam na área da saúde e da educação; 2 na área da assistência social e da saúde; 2 na área da assistência social, da educação e da saúde; 1 na área da assistência social, educação e cultura; e 1 na área da educação e inclusão social. As demais instituições foram descritas com apenas uma área de atuação, sendo 8 na área da educação, 2 na área da saúde e 1 na assistência social.
A distribuição das áreas de atuação e tipos de deficiência da clientela atendida com base na natureza das instituições segue ilustrada no Quadro 1.
Com relação à faixa etária da população atendida pelas instituições, verificou-se que 100% (ƒ=19) atendem crianças (compreendendo todas as crianças e não só aquelas que frequentam a IP), 73,7% (ƒ=14) atendem adolescentes, 52,6% adultos (ƒ=10) e 31,6% (ƒ=6) prestam serviços a idosos.
Verificou-se que, além de atenderem a população do município de Curitiba, 78.9% (ƒ=15) das instituições também atendem pessoas da região metropolitana e uma das instituições atende em âmbito estadual.
Em relação ao número de crianças atendidas nos serviços de IP obteve-se uma média 21,84 crianças por instituição (variando entre 0 e 93). Cabe esclarecer que o mínimo de 0 decorre do fato de apesar de uma das instituições oferecer o serviço de IP, no momento da pesquisa não haviam crianças frequentando este serviço. A soma de crianças atendidas nos serviços de IP representa apenas 3,4% da população (ƒ=415) atendida pelas instituições. Contudo, é necessário ponderar que uma das instituições, por atender em âmbito estadual e, em alguns casos, realizar acompanhamentos em intervalos de tempo maiores (como, por exemplo, mensais), declarou ter 8513 pessoas registradas em seu sistema. Este valor foi considerado para calcular a porcentagem de crianças atendidas na IP em relação à população total atendida pelas instituições, pois foram respeitadas as respostas oferecidas pelos representantes institucionais.
Quanto à IP, 84,2% (ƒ=16) das instituições consideram que este serviço engloba crianças na faixa etária de 0 a 3 anos de idade; 10,5% (ƒ=2) de 0 a 4 anos; e 5,3% (ƒ=1) de 0 a 6 anos de idade.
No que concerne aos profissionais que fazem parte da equipe dos serviços de IP, segundo os representantes institucionais, o professor apareceu em 78,9% das instituições, seguido do pedagogo (73,7%) e do psicólogo (68,4%). Além desses profissionais também foram citados os profissionais de fisioterapia, de fonoaudiologia, da assistência social, de terapia ocupacional, da medicina, entre outros.
Referente aos 142 profissionais participantes do estudo, 42,3% (ƒ=60) tinham entre 30 e 40 anos de idade, 35,9% (ƒ=51) mais de 40 anos e 21,8% (ƒ=31) entre 20 e 30 anos, prevalecendo o sexo feminino (95,8%, ƒ=136).
Em relação ao nível de escolaridade 78,9% (ƒ=112) possuíam especialização, 16,9% (ƒ=24) graduação e 3,5% (ƒ=5) mestrado. Quanto à especialidade dos profissionais prevaleceu o professor, com 36,6% dos profissionais, conforme apresentado na Tabela 2.
Referente ao tempo de atuação no serviço de IP prevaleceram aqueles com mais de 10 anos, totalizando 29,6% (ƒ=42); seguidos daqueles que atuam neste serviço entre 5 e 10 anos, com 26,1% (ƒ=37) das citações; e entre 1 e 3 anos e menos de 1 ano de atuação apareceram com frequência de 17,6% (ƒ=25) e 14,1% (ƒ=20), respectivamente. As outras opções apareceram com frequência ≤ 9,9% (ƒ=14).
No que diz respeito a equipe na qual atuam, 62% (ƒ=88) dos profissionais classificaram como multidisciplinar e 22,5% (ƒ=32) como interdisciplinar. As outras opções (uni e transdisciplinar) foram classificadas por 9,2% (ƒ=13) dos profissionais ou menos.
Quanto aos atendimentos às crianças, o atendimento individual apresentou-se como a maior modalidade de intervenção, tendo sido declarado por 86,6% (ƒ=123) dos profissionais, atendimentos grupais foram elencados por apenas 24,6% (ƒ=35) dos profissionais e 0,7% (ƒ=1) afirmaram não realizar atendimentos diretamente com as crianças. Estes atendimentos acontecem com frequências variadas, prevalecendo os que são realizados uma vez por semana (55,6%, ƒ=79); seguidos pelos que acontecem: duas vezes por semana (46,5%, ƒ=66); todos os dias da semana (15,5%, ƒ=22); quinzenalmente (3,5%, ƒ=5); e mensalmente (2,8%, ƒ=4).
Quando questionado aos profissionais se eles utilizam algum modelo ou técnica especializada para os atendimentos, 55, 6% (ƒ=79) respondeu que não utiliza, 38,7% (ƒ=55) afirmaram utilizar e 5,6% (ƒ=8) não responderam. Contudo, 74,6% (ƒ=106) profissionais asseguraram utilizar algum modelo para a avaliação, enquanto 23,2% (ƒ=33) não utilizam nenhum instrumento estruturado para este fim. Desses 74,6% de profissionais que utilizam um modelo de avaliação, 24,5% (ƒ=26) elaboraram este instrumento, 54,7% (ƒ=58) utilizam instrumentos elaborados por outros profissionais da sua instituição de trabalho, 27,4% (ƒ=29) utilizam instrumentos publicados em livros ou revistas científicas e 17,9% (ƒ=19) dos profissionais fazem uso de outros instrumentos não especificados.
O predomínio das instituições do terceiro setor observado neste estudo, pode estar relacionado ao fato de que a assistência às pessoas com deficiência muitas vezes surgiu de iniciativas dos próprios grupos vulneráveis e de seus pares, como, por exemplo, familiares, na busca de suprir a carência assistencial pública à essa clientela. O governo legitima a parceria com instituições dessa natureza também a fim de suprir essa carência, que deveria ser assegurada pelos órgãos públicos, considerando o direito constitucional de acesso à saúde e educação de todos, inclusive daqueles com deficiência (BRASIL, 2014; 2015).
Tanto a prevalência de instituições dessa natureza, quanto a maior incidência de instituições que atuam na área da educação, decorrem de que a assistência a pessoas com deficiência historicamente foi realizada por instituições da área de educação voltadas à educação especial (BRASIL, 2008). Em relação à área de atuação das instituições cabe considerar que não foi encontrado um registro sistematizado de instituições de saúde que atendessem esse publico junto à secretaria municipal de saúde, o que foi encontrado junto à secretaria de educação. Por outro lado, observou-se que cinco instituições listaram profissionais de saúde em seu quadro de funcionários, mas não declararam esta como sendo uma área de atuação da instituição. Isso pode ser decorrente de dois fatores: a equipe de saúde é vista somente como uma equipe de apoio ou a equipe de saúde é vista como um serviço à parte da instituição, tendo ações paralelas e não em conjunto com a equipe de educação.
A prevalência de instituições que atendem pessoas com múltiplas deficiências pode advir da alta incidência da associação entre as deficiências e da complexidade do atendimento a essa clientela em outros tipos de serviços, como, por exemplo, a escola regular. Se considerados os três quadros que predominaram dentre a clientela atendida pelas instituições - múltipla deficiência, deficiência intelectual, deficiência neuromotora - é necessário apontar que, em alguns casos, essas deficiências apareceram concomitantemente em uma mesma instituição.
Fazendo um paralelo da clientela atendida pelas instituições com os dados levantados pelo Censo-2010 que investigou as deficiências visual, auditiva, motora e intelectual, o predomínio dessas condições não condiz com os dados em relação à incidência das deficiências obtidos no ultimo Censo, no qual predominou a deficiência visual. No entanto, é necessário ressaltar que em relação especificamente às múltiplas deficiências isso pode ser explicado pelo fato de que o Censo não proporciona um retrato fiel quanto aos dados das pessoas com múltiplas deficiências se considerado que não existe uma categoria específica para essa clientela no sistema de classificação adotado para o Censo e que cada pessoa é contada somente uma vez, em uma deficiência. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA ESTATÍSTICA [IBGE], 2011).
No município de Curitiba-PR, se considerados apenas os níveis severos de deficiência aproximadamente 6,5% da população tem algum tipo das deficiências investigadas. Destes, a deficiência visual severa foi a que mais incidiu, com 38,1% dos casos, seguida da deficiência motora (27,4%), deficiência intelectual (19,2%) e deficiência auditiva (15.3%) (IBGE, s/a). Assim, uma das deficiências mais respaldada pelas instituições, a intelectual, acaba por não ser a deficiência de maior incidência no município segundo os dados do Censo 2010.
Tendo em vista que o estudo se dirigiu às instituições que possuíam serviço de IP é natural que tenha prevalecido aquelas que atendem crianças se comparadas com as outras faixas etárias. Todavia, é necessário considerar que os percentuais encontrados quanto à faixa etária da clientela atendida poderiam ser diferentes no quadro geral de instituições que atendem pessoas com deficiência no município.
Diversos autores destacam que o atendimento às crianças com alguma alteração no desenvolvimento ou em risco de desenvolvê-las é crucial nos primeiros anos de vida (WHO, 2012; FRANCO 2007; MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS, 2003). O atendimento adequado e oportuno dessa clientela, incluindo serviços de saúde e educação, são fundamentais para um prognóstico favorável e para a possibilidade de atingir seu potencial e participação plenos e significativos na idade adulta (WHO, 2012; MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS, 2003).
Considerando o número de pessoas no município de Curitiba-PR com algum tipo das deficiências investigadas no referido Censo, o número de pessoas atendidas pelas instituições é significativamente pequeno, representando um pequeno percentual de 10,8% dessa população, aproximadamente 12.300 pessoas. Ademais, cabe ressaltar que a abrangência dos atendimentos das instituições investigadas se estende à população da região metropolitana, o que torna esse número relativamente menor se consideradas apenas as crianças que residem na capital.
O baixo número de crianças atendidas nos serviços de IP pode estar relacionado a diferentes fatores: diagnóstico tardio; falhas no encaminhamento oportuno; escassez de informação sobre a necessidade de atendimento precoce; dificuldade de aceitação da deficiência e consequente busca tardia por atendimento por parte da família; resolução de problemas clínicos antes do início da IP; e a faixa etária que a IP engloba segundo as instituições.
Sobretudo, neste sentido, é importante destacar que a maioria das instituições considerou a faixa etária da IP como abrangendo crianças de 0 a 3 anos de idade. Este dado pode ser resultado de um conceito histórico de intervenção mais baseado na EP. Apenas mais recentemente o conceito e a terminologia desse tipo de serviço vêm sendo discutidos abrangendo uma faixa etária maior e de atuação mais ampla (BOLSANELLO, 2012). Ainda, deve-se considerar uso de diferentes terminologias e definições nas áreas da saúde e da educação.
Desta maneira, em paralelo à discussão terminológica acerca das ações de IP surge também a distinção entre que faixa etária esses serviços englobam. Alguns autores consideram e destacam a importância da intervenção dos 0 aos 3 anos de idade (MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS; 2003; BOLSANELLO, 2012), outros afirmam que esses programas englobam as crianças até 6 anos de idade (FRANCO, 2007; BOLSANELLO, 2012; FRANCO, MELO, APOLONIO, 2012). Bolsanello (2012) analisa a questão sob a seguinte perspectiva: a restrição da faixa etária desses programas de 0 a 3 anos de idade era condizente com o quadro de referência e intervenções desses programas nas décadas de 60 e 70. Nas últimas décadas os programas de IP têm passado por muitas mudanças, principalmente em relação ao papel da família e aos campos de atuação, englobando serviços de saúde, sociais e de educação. Com isso, a faixa etária a qual estes programas se destinam engloba crianças até os 6 anos de idade. O fato de nesse estudo ainda predominar a faixa etária mais restrita pode estar relacionada ao fato de que para a autora essas mudanças no formato e nas características dos programas de IP ainda são mais evidentes nos Estados Unidos e em países europeus (BOLSANELLO, 2012). Cabe considerar que o último documento encontrado sobre diretrizes educacionais para serviços de IP especificamente do MEC é datado de 1995 (BRASIL, 1995), necessitando de atualizações.
A prevalência de professores nos serviços de IP está diretamente relacionada ao predomínio de instituições que atendem nessa área. Quanto ao grau de escolarização o predomínio da especialização, pode estar relacionado com o fato de que para ingressar em concurso público da educação básica, na modalidade educação especial, forma pela qual a maioria dos professores é inserido nessas instituições, é exigido curso de especialização na área da educação especial. Não foram encontrados estudos específicos sobre a caracterização de profissionais de IP em âmbito nacional, entretanto, em estudo realizado em Portugal, observou-se o predomínio de educadores (73,4%), sendo que destes, apenas 30,5% eram especialistas. (PIMENTEL, 2004). Em Portugal, predominaram profissionais atuantes nos serviços de IP de um a três anos (33,6%), diferentemente do presente estudo, que foi identificada prevalência daqueles com mais de 10 anos, totalizando 29,6%.
A equipe foi caracterizada predominantemente como sendo multidisciplinar. Este resultado pode levar a duas interpretações: as ações realizadas pela equipe ocorrem em paralelo entre as diferentes áreas de atuações dos profissionais, com um grau de inter-relação limitado, constituindo-se realmente como equipes multiprofissionais; e/ou existe falta de clareza sobre o que seriam e como funcionam equipes multidisciplinares e interdisciplinares.
É importante pontuar que a atuação interdisciplinar, apesar de amplamente recomendada no referencial teórico, ainda se constitui como um desafio da assistência a essa população. Soma-se a isso o fato que realizar um trabalho efetivamente interdisciplinar depende não só dos profissionais, mas também das condições que a instituições e seus convênios como, por exemplo, com a saúde, proporcionam para esse fim. Neste sentido, Furtado (2007) afirma que para que a atuação interdisciplinar aconteça é necessário o estabelecimento de um ambiente democrático que promova a cooperação entre as ações dos profissionais.
O aumento da colaboração entre os profissionais, conforme descrito em textos que abordam o tema da interdisciplinaridade, é visto muitas vezes como um dos possíveis caminhos para resolver questões e impasses nas áreas da saúde e educação. Apesar do histórico de fragmentação do saber e de ações de acordo com as especialidades das diferentes áreas do conhecimento, a interdisciplinaridade é entendida como uma forma de mediação capaz de superar tal compartimentalização e promover o convívio criativo com as diferenças (FURTADO, 2007).
Especificamente em relação aos programas de IP, estes incluem ações dirigidas às crianças, às famílias e ao ambiente, considerando a globalidade da criança, e devem ser planejadas e implementadas por uma equipe formada de profissionais de diferentes campos, atendendo a uma orientação inter ou transdisciplinar (FRANCO, 2007).
No entanto, o que acontece com frequência, são a interligação e a composição insuficientes entre as ações, os profissionais e os programas de intervenção. Isto decorre da somatória de ações individuais dos profissionais em seus respectivos campos de atuação, peculiar do modelo multidisciplinar (FRANCO, 2007).
A necessidade de aglutinar diferentes profissionais e diferentes saberes nos serviços de IP é ressaltada por diversos autores considerando os aspectos multifatoriais desses programas e dessa clientela (REMÍGIO et 2006; WHO, 2012; MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS, 2003; BOLSANELLO, 2012). As crianças com alterações no desenvolvimento, ou em risco de desenvolvê-las, devem receber suporte de equipes multiprofissionais em centros de referências objetivando a detecção e IP (MIRANDA, RESEGUE, FIGUEIRAS, 2003). A coordenação entre serviços intersetoriais nos programas de IP – incluindo saúde, educação e assistência social – respalda as crianças e as famílias ao longo do tempo com vistas a um dos objetivos desses programas: auxiliar na construção de uma rede de suporte aos pais, gerando sentimentos de competência e confiança (WHO, 2012).
Os resultados obtidos permitiram a identificação e a caracterização das instituições do município de Curitiba-PR que prestam serviços de IP às crianças com diferentes alterações no desenvolvimento que participaram deste estudo e dos profissionais atuantes nesses serviços, atingindo os objetivos propostos.
Com relação ao perfil das instituições predominaram aquelas do 3º setor, que atuam na área da educação. Assim delineando um perfil institucional essencialmente educacional, mas, que conta com a multidisciplinaridade em seu quadro profissional, de modo a comporem suas equipes com, além dos profissionais da educação, profissionais da saúde e assistência social. Quanto aos profissionais prevaleceram professores com especialização que atuam há mais de 10 anos na IP e as equipes foram classificadas majoritariamente como multidisciplinar.
Pode-se inferir que a prevalência de instituições do terceiro setor esteja diretamente relacionada com a natureza assistencialista que historicamente permeia a assistência especializada às pessoas com deficiência, com bases advindas das necessidades populares. Nesta mesma vertente, as instituições educacionais apresentam maior respaldo legal nas políticas nacionais, revelando um enquadre maior na área da educação devido a este respaldo.
Destaca-se que a maioria dos representantes institucionais considera que o serviço de IP engloba crianças de 0 a 3 anos de idade, assumindo, assim, proximidade com o conceito da EP.
Obteve-se, também, que a clientela com múltiplas deficiências e deficiência intelectual compõe a maior parte da população atendida pelas instituições. Neste sentido, a inserção de profissionais de áreas diversas, para além da educação, podem estar atreladas às demandas advindas da clientela atendida.
Vale ressaltar que a população atendida, em geral, se constitui em um número pequeno (ainda que a procedência das crianças para os atendimentos não seja apenas da localidade das instituições), revelando algumas dificuldades no encaminhamento para a IP.
A interdisciplinaridade entre setores da saúde e da educação ainda se constitui como um desafio conceitual, metodológico e prático, sendo necessária maior disseminação e compreensão sobre suas diretrizes e funcionamento, tanto para os gestores quanto para profissionais, além de estrutura e condições de operacionalização desta forma de arranjo profissional e institucional.
Conhecer a caracterização de instituições que prestam serviços de IP às crianças com alterações no desenvolvimento, ou em risco de desenvolvê-las, de uma determinada localidade e os profissionais atuantes, é primordial para compreender os desafios que se colocam ao atendimento dessa clientela. Para tanto, faz-se necessário considerar que a intervenção oportuna é fundamental para o melhor desenvolvimento e participação efetiva dessas pessoas desde à infância até à vida adulta, sendo necessária a ampliação desses serviços de maneira geral e do acesso aos mesmos.
As autoras agradecem às instituições que permitiram a realização do trabalho bem como aos profissionais e mães ou cuidadores que aceitaram participar voluntariamente.