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Cartografia tátil e deficiência visual: um olhar na perspectiva da educação escolar inclusiva
Revista Educação Especial, vol. 32, pp. 1-16, 2019
Universidade Federal de Santa Maria


Recepção: 16 Janeiro 2018

Aprovação: 18 Janeiro 2018

DOI: https://doi.org/10.5902/1984644424479

Resumo: Este estudo configura-se como um recorte de um trabalho de conclusão de curso, o qual a partir do atual contexto escolar inclusivo e da evidência da importância da utilização dos recursos didáticos para o processo de ensino aprendizagem de alunos com deficiência visual, teve como objetivo investigar de que forma a Cartografia Tátil é utilizada por professores de Geografia e de Educação Especial e como influencia na aprendizagem de alunos com deficiência visual matriculados em escola de ensino regular da rede pública da cidade de Santa Maria - RS. A pesquisa é de cunho qualitativo, com modalidade estudo de caso e foi realizada em uma escola regular da rede municipal de ensino da cidade de Santa Maria – RS. Verificou-se que a Cartografia Tátil, mais especificamente, os mapas táteis, é um recurso utilizado pelos professores de Geografia e de Educação Especial com os alunos cegos, bem como, contribui positivamente para o processo de aprendizagem dos conceitos de Geografia. Dessa forma, compreende-se que a utilização dos recursos cartográficos táteis torna-se imprescindível para o ensino de conceitos geográficos para alunos com deficiência visual. Estima-se que a pesquisa possa contribuir para a disseminação da área no campo da Educação Especial, vindo a motivar novas pesquisas.

Palavras-chave: Educação Especial, Deficiência Visual, Cartografia Tátil.

Abstract: This study is configured by a cutout from a term paper, which from the current inclusive school context and the evidence of the importance of teaching resources use for the teaching-learning process of students with visual impairment, aimed to investigate how the Tactile Cartography is used by Geography and Special Education teachers and how it influences the learning process of students with visual disabilities enrolled in public regular education school in the city of Santa Maria - RS. The research is a qualitative approach with a case study method and it was held in a regular public school in the city of Santa Maria - RS. It was found that the Tactile Cartography, more specifically, tactile maps, it is a resource used by Geography and Special Education teachers to blind students, and it contributes positively towards the learning process of Geography concepts. Thus, it is understood that the use of tactile cartographic resources it is essential to the teaching of geographic concepts to students with visual impairment. It is estimated that this study can contribute to the dissemination of the area in Special Education field, and coming to motivate further researches.

Keywords: Special education, Visual impairment, Tactile cartography.

1 Introdução

Sabe-se que a utilização de recursos didáticos e da Tecnologia Assistiva é de suma importância e indispensáveis para o processo de ensino aprendizagem de alunos com deficiência visual, visto que, estes proporcionam uma aproximação do aluno com os conteúdos estudados, atuam como facilitadores da aprendizagem e possibilitam a autonomia e independência destes sujeitos. Assim, essa pesquisa, buscou explorar a área da Cartografia Tátil, ramo específico da Cartografia que “se ocupa da confecção de mapas e outros produtos cartográficos que possam ser lidos por pessoas cegas e com baixa visão” (LOCH, 2008, p. 39). A pertinência se dá pelo fato de que esse recurso auxilia no processo de compreensão do espaço geográfico (CHAVES; NOGUEIRA, 2011), permitindo que o sujeito com deficiência visual possa se reconhecer como agente que interfere no espaço físico e social, bem como, esta compreensão lhe proporciona autonomia.

Inicialmente, o sujeito com deficiência visual terá autonomia em operar sobre o ambiente conhecido, novos conceitos poderão ser abordados e construídos, a partir daquilo que o aluno já conhece, estabelecendo interlocuções sobre o espaço conhecido e aqueles que se deseja conhecer. Assim, a utilização dos recursos cartográficos táteis, deve ser feita em processo contínuo, para que a pessoa com deficiência visual possa construir e apropriar-se desses conceitos, visto que, não é possível conhecer todos os espaços de uma forma presencial, na qual se torna viável estabelecer interações entre o sujeito e o meio, evidenciando, de forma prática, as interferências nesse espaço.

Neste contexto, considerando o atual cenário nacional da educação escolar inclusiva, buscou-se investigar de que forma a Cartografia Tátil estava sendo utilizada por professores de Geografia e de Educação Especial e como influenciava a aprendizagem dos alunos com deficiência visual matriculados em uma escola regular de ensino da rede municipal de Santa Maria – RS.

A pertinência e relevância da pesquisa se dá na possibilidade de contribuir para o aprofundamento e disseminação do conhecimento sobre Cartografia Tátil no campo da Educação Especial, Geografia e áreas afins que desenvolvam ações referentes à educação inclusiva de pessoas com deficiência visual. Além do mais, estima-se incentivar a utilização desse recurso didático por aqueles profissionais que atuam na educação de alunos com deficiência visual.

2 Método

A pesquisa tem abordagem qualitativa (MINAYO, 2009), caracterizada com um estudo de caso exploratório do tipo único (GIL, 2010).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de santa Maria, conforme prevê a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012, recebendo parecer de nº 1.281.765.

2.1 Participantes

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Santa Maria – RS, onde foram convidados a participar da pesquisa três alunos com deficiência visual (cegos) matriculados nos anos finais do ensino fundamental, dois professores de Geografia e uma Educadora Especial. No entanto, somente dois alunos participaram da pesquisa. Dessa forma, participaram da pesquisa cinco sujeitos, apresentados no quadro a seguir.

Quadro 1
Apresentação dos participantes da pesquisa, nomes fictícios e sexo

2.2 Instrumentos

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram os indicados para um Estudo de Caso. Assim, foram realizadas com os participantes da entrevistas abertas, que para Gil (2010, p. 120) possuem “[...] questões e sequência predeterminadas, mas com ampla liberdade para responder [...]”, estas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. As entrevistas foram realizadas mediante agendamento de horário, o qual foi escolhido pelos participantes.

Somando-se às entrevistas, foram realizadas observações espontâneas, que conforme Gil (2010, p. 121) “É adequada aos estudos exploratórios, já que favorece a aproximação do pesquisador com o fenômeno pesquisado”. Dessa forma, foram observados os materiais cartográficos táteis existentes na escola com a intenção de conhecê-los e fotografá-los para que as imagens pudessem complementar as falas dos entrevistados.

2.3 Procedimento para análise de dados

Os dados foram coletados durante a última quinzena do mês de agosto de 2015 e a primeira quinzena do mês de setembro de 2015. Foram analisados através da análise de conteúdo (SAMPIERI, 2006). Dessa forma, seguiram-se os delineamentos apresentados pelo autor supracitado: definição do universo, unidades de análise, categorias e subcategorias.

Então, resumidamente, os passos da análise foram à transcrição das entrevistas gravadas, definição do universo de análise, unidades de análise, leitura e releitura das transcrições, nas quais foram selecionadas as características mais relevantes, ou seja, aquelas que se mostraram mais evidentes. A partir delas, foram geradas as categorias e subcategorias, que serão apresentadas a seguir.

3 Resultados e Discussões

Os resultados encontrados após a análise dos dados possibilitaram fazer inferências sobre como a Cartografia Tátil vem sendo utilizada no contexto escolar com os alunos com deficiência visual e como está influenciando no processo de ensino aprendizagem destes. Ressalta-se, que a seguir serão apresentados um recorte dos resultados encontrados na pesquisa. Os resultados na íntegra, podem ser encontrados em Medeiros (2015).

3.1 Conhecimento sobre Cartografia Tátil

Dos três professores entrevistados, dois de Geografia (PG1 e PG2) e um de Educação Especial (EE), todos possuem conhecimento sobre a área. Para essa afirmação, parte-se daquilo que se entende por Cartografia Tátil, um ramo específico da Cartografia, a qual constrói mapas, maquetes, gráficos e outros produtos que possam ser lidos e interpretados por pessoas com deficiência visual (LOCH, 2008). A partir dessa definição, é feita a análise seguinte.

PG2 e EE além de explicar o que entendem sobre essa área fazem relação com o processo de ensino-aprendizagem, trazendo exemplos referentes ao primeiro contato que tiveram com o campo (PG2) e relatando sobre as atividades que já desenvolveram (EE). Já, a professora PG1, possui informação sobre a área, no entanto, não traz em sua fala exemplos concretos que contextualizem o seu conhecimento.

3.2 Utilização da Cartografia Tátil

Foi possível perceber que a Cartografia Tátil, mais especificamente o mapa tátil, é um recurso utilizado em sala de aula regular pelas professoras de Geografia (PG1 e PG2) e no Atendimento Educacional Especializado – AEE pela Educadora Especial (EE).

A professora de Geografia PG1 afirma que “[...] utilizo essa metodologia, [...] recurso extremamente válido e útil”, mas não adentra em maiores detalhes sobre o assunto. Já a professora de Geografia PG2, diz que faz uso do recurso e traz um exemplo para ilustrar a sua fala “Sim, sim. Eu faço conforme eu vou trabalhando com eles e conforme eu vou avançado”. É possível observar nas falas citadas, que PG1 já menciona a relevância do recurso e que PG2 já ilustra a forma com que conduz a utilização.

Dessa forma, a utilização da Cartografia Tátil pelos professores de Geografia com seus alunos cegos, possibilita o acesso ao conteúdo com igualdade de condições, permitindo que o aluno possa compreender as relações que são estabelecidas entre natureza e sociedade, podendo se reconhecer como um sujeito que faz parte desse espaço e que pode transformá-lo.

Para a professora de Geografia PG2 a não utilização do recurso acabaria resultando em uma pobreza de explicação e no decorar do aluno. “[...] Mas se houvesse só a forma de ditar: Polo Norte é tal coisa, Polo Sul é isso, Meridiano e tal, decorar. Iria ser muito pobre” (PG2). Para Borges et al. (2011, p. 61):

[...] a descrição textual, possivelmente expressa numa explanação oral do professor sobre as características desses objetos, além de enfadonha, não conseguirá exprimir a riqueza de inter-relações sobre os elementos representados e, dessa forma, o aluno com deficiência visual estará em enorme desvantagem.

Indo ao encontro da colocação da professora PG2 e da fala dos autores supracitados, o mundo é muito visual, os materiais utilizados para o ensino de Geografia são repletos de informações visuais. Somente descrever essas informações, não é o suficiente para que alunos com deficiência visual consigam formar os conceitos necessários para a sua aprendizagem. Torna-se necessário, explorar a utilização dos sentidos remanescentes, para que o aluno consiga construir esses conceitos. Diante disso, os recursos da Cartografia Tátil, oferecem o aporte tátil que, juntamente com a descrição e explicação oral feita pelo professor irão auxiliar o aluno em seu processo de aprendizagem.

Além do mais, conforme Custódio e Nogueira (2014, p. 769)

Para alunos com deficiência visual, o uso de materiais didáticos adaptados torna-se condição básica e que viabiliza a permanência no contexto escolar, principalmente em disciplinas em que o uso de recursos didáticos é frequente, como é no caso da presença de mapas nas aulas de Geografia. Em vista disso, acredita-se que além de possibilitar acesso ao conhecimento, o uso desses recursos pode ser considerado uma forma de desenvolver habilidades que reflitam no desempenho escolar dos estudantes (Grifo das autoras).

Para além da utilização do recurso em sala de aula pelo professor de Geografia, está a utilização do material pelo Educador Especial durante o AEE realizado com os alunos com deficiência visual. A Educadora Especial relata que utiliza o recurso “Principalmente quando na sala de aula esse aluno não teve aquele entendimento juntamente com o professor ou pela demanda da sala de aula, de entender bem o processo ou de marcar no mapa, localizar no mapa” (EE).

Nota-se que a utilização da Cartografia Tátil pelo professor de Educação Especial com os alunos cegos, se dá de forma complementar a da sala de aula, sendo utilizada quando há necessidade de uma explicação mais detalhada e que exija a disponibilidade de um maior tempo.

3.3 Formas de utilização da Cartografia Tátil

No que se refere às formas de utilização dos recursos da Cartografia Tátil, essas acontecem em dois ambientes: na sala de aula regular ou na Sala de Recursos Multifuncional durante a realização do Atendimento Educacional Especializado – AEE. O uso na sala de aula regular se dá na forma de explicação individual do recurso para o aluno cego ou em pequenos grupos. Já a utilização no AEE é feita através do atendimento individualizado do aluno.

A professora de Geografia PG1 diz que: “[...] Após trabalhar os conteúdos relacionados com a cartografia, faço uso do material cartográfico tátil”. Sua fala é objetiva, não adentrando com detalhes sobre a forma com que faz a explicação do recurso para o aluno cego. No entanto, de acordo com a fala da aluna A2, é possível perceber que a professora faz a explicação de uma forma individualizada “Ela senta do meu lado [...] Ela vai me ajudando” (A2).

Já, a professora PG2 utiliza o recurso com o aluno cego de duas formas: explicação individual e/ou pequenos grupos. Sobre a primeira, explica: “Se é Brasil, aí o mapinha do Brasil. Os outros colegas estão com o mapa, de repente estão pintando, fazendo alguma coisa e aí eu já trago pronto com as divisões em alto relevo e aí eu tento trabalhar. Enquanto os colegas estão pintando, localizando, colocando nomes, eu tento trabalhar individual com aquele que necessita” (PG2). Sobre a segunda forma de utilização, relata que: “Muitas vezes os outros alunos adoram. [...] Acabou assim, um mapa que era para o aluno cego, os alunos videntes usaram e isso foi bom” (PG2). A fala do aluno A1 vai ao encontro da fala de professora de Geografia PG2, pois ele fala que a professora faz a explicação do recurso para ele “Explica. Pega minha mão e explica” (A1).

Olhando para esse contexto de sala de aula regular, percebe-se nas falas que abordam as formas de utilização, sejam elas explicações individualizadas feitas pelas professoras ou em pequenos grupos, a presença da ideia de mediação e interação (VYGOTSKY apud OLIVEIRA, 1992).

Outro fator que deve ser mencionado é a importância da interação para o processo de aprendizagem dos alunos com deficiência visual. Nada adiantaria o professor fornecer o recurso cartográfico tátil para o aluno, sem fazer a mediação necessária e sem proporcionar momentos de interação, sejam estas somente entre o aluno cego e o professor ou entre os colegas. Custódio e Nogueira (2014) enfatizam que

[...] para os alunos com deficiência visual, tão importante quanto o uso de métodos e materiais específicos ou adaptados, é a oportunidade da troca de experiências com os demais colegas. Momentos que devem ser pensados para que esses alunos possam oferecer contribuições a partir das percepções e opiniões sobre os assuntos em discussão (p. 761).

De uma forma complementar as atividades realizadas em sala de aula regular, no atendimento individualizado dos alunos cegos durante o AEE, quando necessário também são utilizados os recursos cartográficos táteis. A Educadora Especial – EE diz que: “Eu faço um apanhado aqui na sala de recursos ou muitas vezes eu faço um mapa que esteja de acordo com aquela visão daquele aluno [...] Sempre quando eu uso esse material, eu uso ligado ao conteúdo que o professor está dando em sala de aula. Então existe uma conversa anterior com o professor de Geografia pra ver o que ele quer, o que o aluno precisa saber sobre. Então, a gente faz no atendimento essa interlocução. Então ele precisa trabalhar tal região, então vamos pegar aquela região, através daquela região a gente faz o trabalho mais específico sobre” (EE).

Destaca-se na fala da Educadora Especial EE, a construção do recurso de acordo com as necessidades do aluno cego e também a articulação entre a Educação Especial e o professor de Geografia, pontos fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem do aluno com deficiência visual.

A articulação entre o professor de Geografia e o Educador Especial é algo imprescindível, pois a priori o professor de Geografia terá o conhecimento específico do conteúdo que vem desenvolvendo em sala de aula com o aluno, podendo pontuar aqueles conceitos que necessitam ser revistos, já Educador Especial trará contribuições referentes às formas mais adequadas de adaptar e/ou construir o recurso, visando à necessidade específica do aluno.

3.4 Influência do recurso na aprendizagem

Quanto à influência do recurso na aprendizagem dos alunos, de acordo com a percepção dos professores, todos os entrevistados afirmam que a Cartografia Tátil influencia no processo de aprendizagem dos alunos cegos.

Segundo a professora de Geografia PG1 o recurso “[...] facilita a apropriação pelo aluno com deficiência visual de conceitos cartográficos essenciais. [...] o aluno lembra-se dos conceitos básicos relacionados à cartografia, pois relaciona a sua memória tátil com os mesmos.” Indo ao encontro dessa fala, a professora de Geografia PG2 argumenta que “Sim, influencia. [...] Eu acredito que ajuda, não teria como fazer isso só teoricamente. Sabe, iria ficar decorado. [...] Então, eu não acredito noutra forma, tem que ser isso”.

Assim, acredita-se que a utilização da Cartografia Tátil em sala de aula regular, nesse contexto mais especificamente, os mapas táteis, proporcionam ao aluno cego o acesso às informações com igualdade de condições, permitindo que ele construa imagens mentais, associando à explicação oral do professor (memória auditiva) com as informações que estão sendo percebidas pelo tato (memória tátil), conseguindo construir os conceitos geográficos.

A Educadora Especial EE diz que, ao usar o mapa tátil com os alunos cegos, este permite a elaboração dos conceitos, para ela “[...] ele consegue elaborar esses conceitos. Mas embora seja difícil, a gente sabe que a pessoa com deficiência visual ela tem essa dificuldade de entender os espaços, em relação aos espaços. Principalmente, a questão que está longe dela, longe do corpo. De tu ter uma noção de como é o tamanho do Estado, do tamanho do município, do tamanho do mundo. Então, eu acho que o mapa, a Cartografia te possibilita o uso tátil pra ele perceber do quanto a gente está falando, de que a gente está falando. Então, o que fica mais próximo a ele é a questão tátil. [...] e eu percebo que eles adquirem esses conceitos nas respostas [...] que eles nos dão e até nos questionamentos. [...] eu acho fundamental” (EE).

Destaca-se na transcrição acima dois pontos importantes. O primeiro, a dificuldade da pessoa com deficiência visual em compreender o espaço que está para além do seu corpo. É nesse aspecto que o mapa tátil auxilia no processo de aprendizagem dos alunos cegos, pois possibilita ao aluno, que através do tato, forme imagens mentais do espaço não vivido e explorado por ele fisicamente, permitindo que ele possa situar-se dentro de um determinado território, compreendendo a amplitude das relações que se estabelecem nesse espaço e se reconhecendo como agente transformador do espaço geográfico. Carmo (2009, p. 258) argumenta que:

[...] Desprovidos do uso de mapas, essas pessoas terão apenas as imagens do espaço vivido. Os usuários com deficiência visual fazem parte de um grupo especial que necessita de dados e informações espaciais que lhes permitam estruturar seus próprios mapas mentais.

A partir do momento que o aluno com deficiência visual se dá conta que existe um espaço para além daquele vivenciado por ele, se reconhecendo como parte integrante daquele espaço e compreendendo que suas ações podem transformá-lo, ele começa a desenvolver a sua autonomia e independência. Essa premissa vai ao encontro do segundo ponto destacado na fala da Educadora Especial EE, na qual relata que percebe a influência do recurso nas respostas e questionamentos dos alunos.

3.5 Materiais da Cartografia Tátil existentes na escola

Os materiais cartográficos táteis existentes na escola são aqueles construídos pelos professores e provenientes de instituições externas. A professora de Geografia PG2 e a Educadora Especial EE afirmam que costumam produzir mapas táteis, já à professora de Geografia PG1, embora tenha mencionado em sua fala, a formação em Geografia e o conhecimento que possui sobre Cartografia Tátil, em nenhum momento mencionou que produz esse tipo de recurso.

A professora de Geografia PG2 diz que:

“Eu faço em casa. [...] Conforme eu fui fazendo eu fui vendo que não podia ser na folha de ofício, tinha que ser na folha um pouquinho mais dura [...] alguns xerox eu levei pra fazer em um material melhor [...] eu fui percebendo que dá pra melhorar o material [...] eu consegui dar uma melhorada neles, até pra durar mais. [...] Eu consigo na escola o EVA, porque daí eu colo no EVA pra ficar mais firmezinho, tem uma certa durabilidade, porque outros alunos, não é só o meu aluno, a outra professora de Geografia usa na turma dela também.”

É possível perceber na fala da professora o seu comprometimento com o aluno, que se concretiza em suas ações. A construção do recurso fora do seu horário de trabalho (em casa), o senso crítico sobre o material que foi produzido, percebendo os pontos frágeis que foram melhorados para dar maior qualidade e durabilidade ao material e a preocupação não somente com o seu aluno, mas com os demais que poderão utilizar o material.

A Educadora Especial EE também afirma que alguns mapas são construídos na escola, de forma conjunta entre a professora de Geografia e a Educadora Especial, “[...] alguns mapas nós fizemos aqui na escola, fizemos em conjunto, com a educação especial e o professor de Geografia. São os mapas mais simples, mas a gente utilizou material como EVA, cola colorida, fazendo legendas por cores, texturas [...]” (EE).

Embora tenha sido evidenciado que os mapas produzidos pelas professoras não sigam uma padronização, Almeida (2011, p. 156) argumenta que “Muitos mapas artesanais, construídos com materiais simples, conseguem atingir resultados excelentes”. Percebe-se também, a necessidade de uma formação continuada voltada para a área da Cartografia Tátil, abrangendo os profissionais da Geografia, Educação Especial e Pedagogia, possibilitando a troca de conhecimento entre as áreas, a informação sobre a Cartografia Tátil, sobre aspectos e orientações importantes para construção de materiais cartográficos táteis, possibilitando a disseminação do conhecimento sobre esse campo.

3.6 Dificuldades encontradas para utilização da Cartografia Tátil

Os professores participantes da pesquisa, em suas falas, elencaram algumas dificuldades que são encontradas para a utilização dos recursos da Cartografia Tátil (mapas táteis) em suas aulas e/ou no Atendimento Educacional Especializado, estas se referem a: duração da aula; mobiliário utilizado pelos alunos; inclusão de alunos deficientes visuais e, formas de elaboração dos materiais.

A professora de Geografia PG1 não destaca nenhuma dificuldade na utilização do material.

Já a professora PG2, embora utilize o recurso com seus alunos cegos, diz que alguns aspectos dificultam a utilização do material. Em sua fala, por vezes cita a duração da aula de Geografia como um desses aspectos, visto que, a duração da aula, acaba influenciando na explicação individualizada para o aluno com deficiência visual. Outro ponto destacado pela professora é o mobiliário utilizado pelos alunos, pois a classe padrão é muito pequena, já que os alunos cegos utilizam a máquina Braille ou o notebook, sobrando pouco ou nenhum espaço para o recurso didático. Também destaca, que as diferentes concepções existentes sobre a inclusão de alunos com deficiência visual é um fator que dificulta a utilização do recurso. “Aqui eu sou muito questionada: - ah não, isso ele não precisa saber. Mas por que ele não precisa saber? [...] eu vou ensinar para os outros por que pra ele não. Daí é exclusão, não inclusão. [...] tudo que os outros estão vendo, quero que aquele de uma certa forma possa aprender. [...] Tem que pensar que eles têm direito à aprendizagem, eles têm direito a aprender, [...] a gente tem que pensar que eles podem ir adiante e eles vão continuar estudando [...] tudo que a gente se propõe eles têm direito também (PG2).

É possível perceber na fala da professora a preocupação com a aprendizagem dos alunos com deficiência visual, pois se propõe e defende que eles tenham a oportunidade de compartilhar do mesmo conteúdo que os alunos videntes, defendendo o direito a aprendizagem. Neuernberg (2008, p. 313) ressalta que

[...] o objetivo da educação de pessoas com deficiência visual deve ser o mesmo das pessoas videntes. A despeito de conquistarem esse objetivo por vias alternativas, em razão de suas necessidades educacionais específicas [...] cabe oferecer aos educandos cegos as mesmas oportunidades e exigências que são proporcionadas ou feitas aos demais alunos.

Torna-se necessária a compreensão de que as formas utilizadas para a aprendizagem dos alunos com deficiência visual serão distintas. Sendo utilizados os demais sentidos e o resíduo visual (quando houver). Não significa que no processo de ensino- aprendizagem, as informações visuais serão eliminadas, devem-se buscar alternativas para que essas sejam transmitidas para os alunos, a fim de que eles não construam os conceitos somente daquele espaço e situações conhecidos e operados por eles.

Outro fator que dificulta a utilização dos recursos da Cartografia Tátil, segundo a Educadora Especial EE, é a forma de elaboração desses materiais, para ela “[...] a gente tem que ter cuidado na elaboração desses mapas. [...] toda uma questão de muita informação, então o que vejo é que as crianças têm dificuldade é de quando um mapa tem muita informação. Então, quando tu quer ensinar uma coisa pra criança, seria interessante tu fazer o detalhe, claro tu faz o mapa todo, grande e faz aquele detalhe. [...] A criança, às vezes, não tem como dar conta porque ela se confunde” (EE).

Indo ao encontro da fala acima, Almeida (2011, p. 156) diz que

Muitas vezes, o que é certo e desejável para um mapa convencional não é eficaz para a representação no formato tátil. As generalizações devem ser maiores e a precisão tem que ser repensada, na medida em que a resolução do tato é bem inferior à da visão. Dessa forma, a sugestão de Bertin, para o uso de uma coleção de mapas ao invés de mapas de síntese com alto grau de complexidade, é uma excelente opção para a Cartografia Tátil.

É preciso compreender que ao olhar um mapa, tem-se a visão geral do que ele representa. Já as pessoas com deficiência visual, que utilizam o tato para perceber essas informações, as terão no primeiro momento de uma forma sequencial, formando a imagem total.

Foi possível evidenciar que os aspectos que dificultam a utilização dos recursos cartográficos táteis foram bem distintos. Deve-se salientar que estes dificultam, mas não impedem a utilização do recurso didático.

4 Considerações Finais

Durante o percurso de realização desse trabalho, foi possível evidenciar que os estudos sobre Cartografia Tátil são recentes e escassos, produzidos, principalmente, por profissionais da área da Geografia, não sendo encontradas publicações feitas por pesquisadores com formação inicial em Educação Especial. Assim, sente-se a necessidade de encontrar formas para que, futuramente, possa vir a se pensar em uma articulação e colaboração entre a Geografia, Cartografia e a Educação Especial, a fim de que pesquisas e trabalhos em conjunto possibilite a disseminação do conhecimento sobre a Cartografia Tátil nas diferentes áreas de ensino. Com essa pesquisa, foi possível realizar uma pequena aproximação entre a Geografia, a Cartografia e a Educação Especial.

Remetendo-se ao campo no qual foi realizado o estudo, uma escola da rede municipal de ensino, é possível dar algumas respostas ao questionamento principal gerador dessa pesquisa. Pode-se afirmar que os professores de Geografia e de Educação Especial possuem conhecimento e/ou informação sobre a Cartografia Tátil, embora esse não seja apresentado de forma científica e/ou formal, ele existe não se constituindo assim de uma temática nova ou desconhecida pelos professores participantes.

Quanto à utilização dos recursos da Cartografia Tátil, essa se limita aos mapas táteis, que são utilizados nas aulas de Geografia e no Atendimento Educacional Especializado. A maneira com que o recurso é utilizado pelos professores de Geografia varia, sendo que, em alguns casos, a explicação é feita de forma individual para o aluno ou em pequenos grupos, sempre existindo uma mediação feita pelo professor entre o aluno e o recurso utilizado. Já no Atendimento Educacional Especializado, o recurso é utilizado quando existe a necessidade de complementação do trabalho que vem sendo desenvolvido em sala de aula, existindo assim, uma articulação entre o Educador Especial e o professor de Geografia. Foi possível elencar alguns fatores que facilitam e/ou dificultam a utilização da Cartografia Tátil pelos professores com seus alunos cegos. Como elementos facilitadores foram identificados: o acesso aos materiais e o auxílio que o recurso dá aos demais alunos. Já como pontos que dificultam a utilização: a duração da aula de Geografia; o mobiliário utilizado pelos alunos; as diferentes concepções sobre a inclusão escolar de alunos com deficiência visual e, a forma de elaboração dos materiais. Salienta-se que os aspectos que dificultam não impedem a utilização do recurso pelos professores.

No que se refere à existência de materiais cartográficos táteis na escola, estes são encontrados na Sala de Recursos Multifuncional e na sala da supervisão escolar, sendo produzidos por uma professora de Geografia e pela Educadora Especial, bem como, provenientes de uma instituição externa. Percebe-se que os mapas táteis produzidos pelas professoras da escola não seguem um padrão, muitas vezes, não tendo todas as informações (título, legenda, escala e orientação geográfica). Hipoteticamente, pelo fato de não existir ainda uma padronização específica para a Cartografia Tátil ou por falta de informação referente a alguns elementos padrões que devem ser seguidos, assim como, se faz nos mapas à tinta.

Sobre a influência dos recursos da Cartografia Tátil (mapas táteis) no processo de aprendizagem dos conceitos de Geografia pelos alunos com deficiência visual, nota-se que este influencia positivamente, visto que dá a oportunidade de acesso ao conteúdo visual em um formato tátil, permitindo que os alunos não fiquem somente com a explicação oral, o que poderia acarretar num prejuízo nos conceitos formados, visto que não teriam a possibilidade de perceber o espaço que está para além daquele vivenciado por eles. Dessa forma, além de influenciar na formação dos conceitos referentes ao conteúdo de Geografia, o recurso promove a autonomia e independência do aluno, pois possibilita que ele tenha acesso ao espaço não vivenciado, se reconhecendo como parte integrante do meio e que pode com suas ações modificá-lo. Da mesma forma, nota-se que os alunos cegos também consideram relevante a utilização da Cartografia Tátil, pois ela facilita a aprendizagem, auxiliando na compreensão do conteúdo que está sendo abordado.

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