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O papel da formação continuada no trabalho dos professores de química com alunos surdos
Jomara Mendes Fernandes; Ivoni de Freitas Reis
Jomara Mendes Fernandes; Ivoni de Freitas Reis
O papel da formação continuada no trabalho dos professores de química com alunos surdos
The role of continuing education at work of chemistry teachers with the deaf students
El papel de la formación continuada en el trabajo de los profesores de química con alumnos sordos
Revista Educação Especial, vol. 32, pp. 1-16, 2019
Universidade Federal de Santa Maria
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Resumo: No Brasil, a presença de alunos com deficiência em sala de aula é fato irreversível e amparado por lei. A educação é dever do Estado e direito de todos e é cada vez maior o número dos que fazem jus a esse direito. Explica-se, por isso, o fato da ampliação do número de alunos surdos matriculados em escolas regulares. Porém, não se formam professores, sobretudo de química, capacitados para um trabalho eficiente junto a esses alunos. Esses profissionais têm chegado nas escolas despreparados diante das diversas necessidades educacionais especiais que ali encontram. Assim, o presente artigo tem como objetivo relatar a experiência advinda da aplicação de um minicurso que visou capacitar professores e fomentar discussões referentes ao processo de ensino e aprendizagem de química para alunos surdos. O minicurso, com duração de quatro horas, foi dividido em uma parte teórica e uma parte prática, e contou com quinze participantes. Como resultado, ficou evidente a carência por parte dos professores de informações referentes à educação especial – em particular do aluno surdo, e a necessidade que a temática seja de fato trabalhada a fim de dar um respaldo teórico à prática de professores.

Palavras-chave:Ensino de QuímicaEnsino de Química, Surdez Surdez, Formação Continuada Formação Continuada.

Abstract: In Brazil, the presence of students with disabilities in the classroom is an irreversible fact and supported by law. Education is meant for everyone and more and more people are demanding it. As a result, more and more deaf students are enrolled in regular schools. However, teachers are not trained, especially chemistry, for the work efficiently with these students. These professionals arrive in schools unprepared for the various special educational needs that they find there. Thus, the purpose of this article is to report the experience derived from the application of a short course that aimed to train teachers and foster discussions regarding the teaching and learning process of chemistry for deaf students. The short course, lasting four hours, was divided into a theoretical part and a practical part, and had fifteen participants. As a result, teachers' lack of information about special education - particularly the deaf student - was evident and the theme is discussed in order to give theoretical support to the practice of teachers.

Keywords: Chemistry teaching, Deafness, Teacher Training.

Carátula del artículo

O papel da formação continuada no trabalho dos professores de química com alunos surdos

The role of continuing education at work of chemistry teachers with the deaf students

El papel de la formación continuada en el trabajo de los profesores de química con alumnos sordos

Jomara Mendes Fernandes
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil
Ivoni de Freitas Reis
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil
Revista Educação Especial, vol. 32, pp. 1-16, 2019
Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 22 Maio 2017

Aprovação: 12 Abril 2018

Introdução

A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 tem como um dos princípios o direito do aluno com necessidades educacionais especiais à educação, ao acesso e permanência na escola, a formação e qualificação dos professores, currículo, métodos, recursos, organizações e infraestrutura adequada para constituir uma educação satisfatória (BRASIL, 1996). Porém, como expõe Mantoan (2006), infelizmente ainda existem grandes barreiras no sistema escolar difíceis de serem vencidas, entraves que impedem que as escolas se mobilizem, invistam, revejam suas práticas homegeneizadoras e, consequentemente, excludentes.

Analisando a realidade que qualquer deficiente ainda precisa enfrentar, podemos concluir que a acessibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente para que a inclusão se concretize. Fica evidente, dentro da área de ensino, a necessidade da formação de um novo educador capacitado que ensine conceitos e habilidades levando em consideração as peculiaridades e aptidões desses alunos com necessidades educacionais especiais. Concordamos com Skliar (1998) que incluir não significa apenas ocupar o mesmo espaço físico. O respaldo legal é importante, mas a inclusão é um desafio permanente que não permite acomodações.

Pensar em inclusão significa também repensar a escola a fim de que esta saia de um roteiro que considera todos de maneira homogênea e passe a considerar a heterogeneidade existente, para que a segregação dê lugar à escola aberta a todos. Este deve ser o principal ideal de uma escola efetivamente inclusiva, que procura contemplar os limites e as potencialidades de todos os estudantes. (GOMES, SOUZA e SOARES, 2015).

Em uma revisão de literatura sobre a educação especial nas escolas do Brasil, Silveira et al., (2012) destacaram a falta de apoio de equipe especializada, de materiais didáticos e assistivos, de formação e preparo docente como principais fatores que dificultam a efetivação dos princípios inclusivos. Os resultados apontaram principalmente a necessidade de capacitação dos professores.

Por isso, é importante que o professor esteja preparado para trabalhar com a diferença, isto só será possível: “propiciando-lhes situações de análise e reflexão sobre suas próprias condições de trabalho e vivências, permitindo-lhes estabelecer relações entre a sua ação pedagógica e os pressupostos teóricos que estão subjacentes a ela” (BENITE et al., 2009, p.4).

Atualmente, as comunidades surdas já conquistaram vários espaços relacionados à educação e ao uso da Libras. Tais conquistas estão intrinsecamente ligadas às aprovações do legislativo através de Decretos e Leis que almejam sistematizar o acesso do surdo aos seus direitos como cidadão (FERNANDES, 2016).

Falando especialmente de alunos surdos, uma escola que se abre a incluir tais sujeitos precisa compreender a surdez em seu sentido mais amplo, o que equivale a conhecer o caráter visual desse aluno. Entender que esse não é incapaz, mas sim diferente, considerando que ele entende, percebe e interpreta o mundo, principalmente, com os olhos (GOMES, SOUZA e SOARES, 2015).

Sabemos que é através da experiência visual que ocorre a interação entre o indivíduo surdo e o meio que o cerca (CAMPELLO, 2008). P. 2 Por isso é fundamental que os processos de ensino aprendizagem de alunos surdos envolvam atividades visuais, de forma a fazer com que o aluno possa ler imagens e delas extrair significados de forma interdependente à constituição do pensamento. Nesse sentido, concordamos com Dionysio (2014) que a alfabetização visual desenvolve habilidades quanto à leitura de imagens e informações contidas nelas. Contudo, as escolas encontram-se ainda muito presas à concepção de que o texto verbal carrega mais conhecimentos e acabam negligenciando os saberes que podem advir da leitura imagética. Por isso, é imprescindível que os professores trabalhem de forma a explorar o pensamento crítico sobre a imagem, e essa relação imagem e aprendizagem vai justamente ao encontro das necessidades educacionais dos alunos surdos.

Infelizmente, existe uma lacuna nos cursos de licenciatura, pois eles ainda não estão formando professores preparados para trabalhar com a diversidade. Muitos trabalhos têm sinalizado para a necessidade de uma formação consistente do professor. Formação esta que englobe os conteúdos e as estratégias metodológicas adequadas e necessárias para que possam atuar com alunos com necessidades educacionais especiais de modo responsável (LIPPE e CAMARGO, 2009; SILVA, et al., 2013; BISOL, SANGHERLIN e VALENTINI, 2013; SCHWAHN, ANDRADE NETO, 2011; FERREIRA, et al., 2014).

Pensar a educação no âmbito da inclusão requer um pensar e um agir sobre os processos de formação dos que atuam no interior da escola. Para Bruno (2007), é importante reconhecer a necessidade de uma formação que atenda aos desafios impostos pela prática educativa escolar atual, voltada para as relações de pluralidade que exigem professores capazes de lidar com o processo inclusivo oferecido pelo sistema escolar.

Schnetzler (2002) discute alguns aspectos sobre a formação continuada de professores de química e considera três razões para a necessidade dessa: a primeira é a importância de um contínuo aprimoramento profissional do professor, com reflexões críticas sobre sua prática pedagógica, no ambiente coletivo de seu contexto de trabalho. A segunda trata da necessidade de se superar o distanciamento entre contribuições de pesquisas sobre Educação em Química e a utilização das mesmas para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, implicando que o professor atue também como pesquisador de sua prática docente. A terceira razão diz respeito aos danos e lacunas da formação inicial do futuro professor de química, já que esta tem sido historicamente dirigida para a formação de bacharéis.

Sendo assim, a formação continuada mostra-se uma alternativa interessante, no intuito de oferecer subsídios ao professor que precisa lidar com as ocorrências cotidianas pertinentes à sua prática docente, frente à diversidade e a diferença que o envolvem. Para tal, percebe-se a importância do oferecimento de cursos de formação inicial e capacitação continuada, os quais propiciam debates, troca de experiências e permitem compartilhar anseios e saberes.

Nessa perspectiva, nosso objetivo é relatar as experiências advindas do oferecimento de um minicurso que foi destinado a professores de química da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, que se interessaram em conhecer mais de perto os aspectos da educação de surdos. Ao ofertarmos um minicurso como esse, nosso intuito principal foi o de propiciar momentos de aprendizagem e trocas de conhecimento entre professores e fomentar discussões referentes à temática. Nos preocupamos em tentar amparar o professor de química que chega às salas de aula e não está preparado mediante a heterogeneidade que encontra. Claro que, poucas horas de um curso estão longe de serem suficientes para um completo preparo frente aos desafios que permeiam uma sala de aula. Porém, quanto mais espaços abrirmos para debates como esses, maiores são as chances de que professores em exercício repensem sua postura ao lidar com tantos desafios. Para além disso, tínhamos a conscientização, o despertar do interesse e a motivação por novas buscas, como gatilhos propulsores nessa empreitada.

Metodologia

Esse momento foi pensado e desenvolvido durante uma pesquisa de mestrado acadêmico em educação em química, onde ficou evidente a necessidade que existe de conversar, trocar saberes e debates em relação à educação inclusiva de maneira geral e principalmente voltada ao aluno surdo. Conforme Benite, et al., (2009) apontam, hoje muito se fala com respeito ao ambiente inclusivo, à escola inclusiva, porém muito pouco ou nada se vê com relação a essa temática durante nossa formação como professores.

O curso, cujo tema era “O ensino de Química e a Inclusão: o aluno surdo em foco” foi divulgado em redes sociais, através de cartazes afixados no departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora e também afixados em um total de 24 escolas estaduais da zona urbana de Juiz de Fora. A prioridade de participação no curso foi dada aos professores de química atuantes no Ensino Médio regular.

Com duração de quatro horas, o curso contou com a presença de quinze participantes. As principais questões discutidas no primeiro momento do minicurso se referiram às especificidades da aprendizagem do aluno surdo, as estratégias didáticas pautadas no bilinguismo e na pedagogia visual que facilitam esse processo. Foi produzida para a ocasião, e entregue a cada participante, uma apostila com textos que traziam diversos referenciais teóricos sobre a questão do ensino de química a alunos surdos, informações básicas e essenciais com respeito a Libras, sua estrutura gramatical e alguns sinais de termos químicos já encontrados em dicionários e trabalhos publicados na literatura.

O segundo momento do minicurso constou de uma parte prática, onde os professores, em grupos de três integrantes, se reuniram e elaboraram resumidamente uma proposta de metodologia didática pensando no aluno surdo. A critério do grupo, eles elegeram um tema ou conhecimento químico e propuseram então uma didática inclusiva, levando em conta estratégias, número de aulas e modos de avaliação da aprendizagem. Ao final, cada grupo expôs suas ideias a fim de compartilhar, discutir e acrescentar a todos.

Foi solicitado também que os participantes respondessem a um questionário semiestruturado (Apêndice 01), através do qual visávamos conhecer melhor o perfil profissional de cada um, sua formação, se eles possuíam alunos surdos, ou se já haviam lecionado para deficientes auditivos, suas experiências, bem como os motivos que os levaram a participar do evento. Interessava-nos muito também saber o quanto o curso teria ou não contribuído para o seu perfil docente.

Para a análise das respostas do questionário, a metodologia escolhida como mais adequada para tal fim foi a de cunho qualitativo, com o uso da Análise de Conteúdo para a categorização e o tratamento dos dados. Essa abordagem metodológica entra como uma fundamental técnica para auxiliar no exame de dados qualitativos, sendo definida por Bardin (1977) como um método de pesquisa utilizada para descrever e interpretar conteúdos de documentos e textos, auxiliando na reinterpretação das mensagens e na compreensão de seus significados.

Resultados

Referenciais pedagógicos que falam da educação inclusiva na formação de educadores; pluralidade cultural; referências em experiências de sala de aula e orientações com respeito à pedagogia visual que cerca o processo de ensino-aprendizagem do aluno surdo fizeram parte das discussões realizadas durante o minicurso. Concordamos com Serra (2006) que:

A demanda da inclusão tem chegado às escolas antes da preparação do professor, e a solução tem sido a capacitação do profissional em serviço, através de programas de formação continuada. As práticas pedagógicas eficazes e apropriadas às deficiências são imprescindíveis para a evolução dos alunos, e isso o professor só consegue planejar e desenvolver quando recebe o referencial teórico e a assessoria pedagógica adequados. (p. 34)

Ressaltamos durante o minicurso três pontos que consideramos fundamentais ao tratarmos sobre o ensino de química com foco no aluno surdo: a construção de metodologias didáticas, que deve considerar o potencial visual do aluno surdo; o processo de avaliação, que precisa estar em acordo com as características do processo inclusivo; e o que denominamos contrato pedagógico, que é a fundamental relação que precisa existir entre o professor, seu aluno e o intérprete de Libras.

Quanto à construção de estratégias de ensino, são poucos os materiais didáticos voltados ao ensino de química que atendem aos surdos em suas especificidades. É preciso considerar que para a construção de uma didática adequada deve-se pensar em primeiro lugar no surdo e no seu modo de aprender (CAMPELLO, 2008). Muitas pesquisas voltadas a essa questão precisam ser desenvolvidas e divulgadas para auxiliar a prática de outros professores. Identifica-se também nesse sentido, a necessidade de publicações na forma de relatos em sala de aula, com o intuito de compartilhar experiências de professores que trabalharam uma didática diferenciada com seus alunos surdos.

No que diz respeito ao processo de avaliação, é importante que esse seja condizente com a realidade e possibilidade do aluno surdo. É desejável que os planejamentos dos exercícios considerem a utilização de recursos visuais e, nesse sentido, sugere-se a construção de cartazes, jogos didáticos, produção de desenhos, dinâmicas e artifícios afins (FERREIRA, et al., 2014)

Ao que chamamos de contrato pedagógico, essa relação surge do reconhecimento da importância do uso da Libras no processo de ensino e aprendizagem do discente surdo, uma vez que, conforme já aponta Campello (2008), é a língua natural desses sujeitos. E ainda, da garantia por lei que todos os alunos surdos recebam o auxílio do intérprete em sala de aula (BRASIL, 2005).

Assim, reconhecemos que o intérprete exerce uma função primordial, que permite a intermediação dos conhecimentos em sala de aula, contudo, é muito importante que o professor saiba que não é papel do intérprete assumir o aluno como seu. É o professor que precisa admitir a responsabilidade da aprendizagem do seu aluno surdo, bem como, o próprio aluno surdo, tem que estar mobilizado para a construção do seu conhecimento junto ao professor. É necessário que uma estreita relação esteja bem estabelecida entre professor e intérprete a fim de que haja uma troca de saberes e juntos contribuírem com o processo de aquisição de conhecimento do aluno surdo.

Também foi produzida para a ocasião, e entregue a cada participante, uma apostila com textos que traziam diversos referenciais teóricos com indicações de artigos específicos a essa temática. Continha também informações essenciais com respeito a Libras, a formação de sinais, alguns sinais básicos para o dia-a-dia e terminologias químicas em Libras que foram encontrados em trabalhos já publicados na área.

Em suma, as principais questões discutidas no primeiro momento do curso se referiram aos temas acima expostos, que são as dificuldades encontradas em geral no processo de ensino e de aprendizagem ao ensinar química; as estratégias didáticas que facilitam o processo pedagógico; o aluno surdo, sua cultura, seu modo de aprendizagem, sua língua, suas limitações e potencialidades; a escassez de materiais didáticos que levem em consideração as particularidades desse indivíduo; como os professores podem aproveitar o potencial visual deste aluno na facilitação do aprendizado; dentre outras questões.

No segundo momento do curso, que constou de uma parte prática, à critério do grupo os participantes elegeram um conhecimento químico e propuseram então uma didática inclusiva, levando em conta estratégias, número de aulas e modos de avaliação dessa aprendizagem. Ao final, cada grupo expôs suas ideias a fim de compartilhar, discutir e acrescentar a todos. Foram formados quatro grupos, três grupos com quatro participantes e um grupo com três participantes, conforme na Tabela 01.

O primeiro grupo elegeu o tema de modelos atômicos e para o desenvolvimento da proposta sugeriram a utilização de vídeos sobre os modelos, a evolução histórica destes, conjuntamente à construção dos mesmos em isopor pelos alunos. Outro grupo apresentou como proposta um estudo voltado ao tema Estequiometria. Para tanto, levaria os alunos à cozinha da escola para fazerem dois bolos: um com a proporção adequada dos ingredientes, e outro bolo com proporções erradas. Com base nas discussões, os conceitos ligados à estequiometria seriam abordados.

Um dos grupos elaborou uma proposta para o ensino de funções e nomenclatura orgânica. No primeiro momento do desenvolvimento das aulas, os alunos construiriam as diferentes funções orgânicas utilizando modelinho de isopor, posteriormente deveriam associar os diferentes modelos com as diferentes substâncias do dia a dia. Para trabalhar com a nomenclatura, uma tabela com os prefixos e sufixos relacionaria os nomes das funções às funções e ao modelo molecular. O grupo separaria quatro aulas para a didática e, como avaliação, seria fornecido um jogo de cartas que fizesse associação entre o composto e seu nome.

Tabela 01
Os temas e as estratégias de ensino propostos pelos grupos de participantes

Por fim, outro grupo escolheu para a proposta o tema Solubilidade. A metodologia consistiria em misturar diversas soluções de polaridades diferentes para trabalhar o aspecto macroscópico do assunto. Para fazer com que o aluno entenda o que ocorre em nível molecular nas interações seria utilizado bolinhas de isopor para construção das diferentes moléculas que compõem as misturas. Para a ocasião, seriam separadas quatro aulas e a avaliação se daria durante todo o processo de desenvolvimento do trabalho.

Analisando as propostas sugeridas pelos grupos, percebemos que os participantes interiorizaram a importância da perspectiva visual e de ensinar o processo que ocorre em nível submicroscópico com os alunos. Os professores se preocuparam em sugerir o trabalho da teoria a todo o momento associada a representações visuais e atentaram para o modo de avaliação e sua coerência.

Ao final foi solicitado que os participantes respondessem a um questionário semiestruturado (Apêndice 01), através do qual, conforme antecipamos, visávamos conhecer melhor o perfil profissional de cada um, sua formação, se possuíam ou se já haviam lecionado a alunos surdos, suas experiências, bem como os motivos que os levaram a participar do evento e o quanto este contribuiu para o seu perfil como docente.

A faixa etária dos participantes do curso era: dez participantes com idades entre 22-34 anos e os demais cinco participantes com idades entre 35-47 anos. Dentre os participantes, seis são licenciados em química, outros seis cursavam licenciatura em química, e três não possuíam licenciatura. Sobre a participação nos últimos anos a eventos ligados à área de educação, as opções congressos e seminários foram os mais assinalados pelos sujeitos.

Quanto à motivação dos participantes em procurarem cursos como o oferecido, algumas respostas se assemelhavam. Conforme esquematizado na Figura 01, percebemos que as principais motivações se relacionam a reconhecer a importância do tema para a área docente, atrelado ao anseio de aprender como trabalhar de maneira responsável com possíveis alunos surdos que podem encontrar durante a profissão. A busca por novos conhecimentos também apareceu com considerável frequência nas respostas.

Figura 01
A frequência com que cada categoria sobre motivação apareceu nas respostas dos participantes do minicurso

Ao perguntarmos aos participantes se eles já receberam ou tiveram contato com algum aluno surdo em sala de aula, treze nunca tiveram algum tipo de contato e dois apontaram que sim. Ao pedirmos um breve relato da experiência, caso existisse tal experiência, é possível transcrevermos na íntegra suas respostas:

“Sim, a aluna entrava em pânico diante das aulas e da dificuldade para aprender o conteúdo, principalmente porque não possuía intérprete de Libras”. (Participante 1)

“Sim, no Pibid ciências, em uma escola estadual periférica, em uma sala de 6º ou 7º ano, tínhamos muitos problemas em comunicar com ela, já que ela não sabia ler, não sabia escrever e a mãe dela não pedia intérprete de Libras para ela, pois a considerava sem deficiência.” (Participante 2)

Os relatos chamam a atenção para a realidade que um professor pode encontrar em sala de aula. Alunos surdos que tiveram seu processo educacional comprometido. Muitos professores, por não saberem como proceder, acabam promovendo esses alunos passando-os para as séries seguintes, fechando os olhos aos motivos que os levaram a proceder assim e aos problemas que posteriormente cercarão a vida desse aluno.

Quando questionados sobre o contato com assuntos relacionados à surdez ou educação inclusiva durante a formação docente, nenhum participante teve qualquer preparo. Novamente constata-se a lacuna que existe nos cursos de formação de professores, apontando o que muitas outras pesquisas já acusam: professores despreparados frente à temática recebendo alunos com deficiência em sala de aula. (BRUNO, 2007; GLAT e PLETSCH, 2004)

Ao sondarmos através da última questão o quanto o minicurso possa ter contribuído para mudanças de concepções sobre educação inclusiva, muitos participantes alegaram uma mudança de visão diante das deficiências em geral. Respostas no sentido da preocupação da construção de metodologias baseadas no visual também apareceram com frequência. Alguns participantes ainda reconheceram o despreparo frente à temática, e alegaram que, após este contato, pretendem buscar mais conhecimentos sobre Libras e educação inclusiva. Abaixo, transcrevemos na íntegra duas respostas para exemplificar de que maneira essas categorias acima expostas aparecem no discurso dos participantes:

“Nunca imaginei trabalhar com a educação inclusiva. O que me impressionou foram os apontamentos de pesquisas e como somos tão pouco preparados nessa perspectiva. Espero, daqui em diante, me informar mais sobre cursos de Libras e sobre educação inclusiva.” (Participante 3)

“Sim, percebi a necessidade de pensar as aulas além da linguagem “padrão” e investir mais em recursos visuais no auxílio da mediação do conhecimento. (Participante 4)”

Percebemos a necessidade de refletir sobre uma didática flexível que ofereça o mesmo conteúdo curricular e que respeite as especificidades do aluno surdo sem perda da qualidade do ensino e da aprendizagem. E nesse sentido, o oferecimento de cursos de formação continuada mostra-se uma eficiente saída na tentativa de amenizar as causas da insipiência da educação inclusiva.

Conclusão

Os trabalhos de Lippe e Camargo (2009), Silva et al. (2013) e Ferreira et al., (2014) reclamam a necessidade de uma formação consistente do professor. Formação esta que englobe os conteúdos e as estratégias metodológicas adequadas e necessárias para que possam atuar com alunos com necessidades educacionais especiais de modo responsável. Sem um respaldo teórico fica difícil para esses profissionais atuarem de maneira eficiente junto a esses alunos.

Verificamos que, de fato, é fundamental e importante o oferecimento de momentos para a interação, conversas, troca de experiências e saberes, tanto na formação inicial quanto para uma capacitação continuada de professores. Uma vez que, nos dias atuais, a heterogeneidade não pode ser motivo de surpresa para nenhum professor que adentra as salas de aulas.

Especialmente no caso do aluno surdo, o docente precisa ser consciente do seu papel e do trabalho junto com o intérprete. Reconhecer a importância de promover uma ação conjunta com esse profissional na elaboração de suas aulas, na elucidação do significado de termos e conceitos e no processo de avaliação do seu aluno surdo.

É do professor a responsabilidade de efetivar diferentes estratégias em sala de aula, incentivando e mediando a construção do conhecimento através da interação com o aluno surdo e seus colegas. E nesse sentido, capacitar o docente e fomentar a reflexão das práticas pedagógicas destinadas ao ensino e a aprendizagem de alunos com surdez constitui-se um dos caminhos para a ampliação dos recursos educacionais e seus benefícios, promovendo assim uma melhor educação para esse público.

Material suplementar
Apêndices
Apêndice


Apêndice 01


Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BENITE, A. M. C.; et. al. Formação de professores de ciências em rede social: uma perspectiva dialógica na educação inclusiva. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. v. 9, n. 3, p. 1-21, 2009.
BISOL, C. A.; SANGHERLIN, R. G.; VALENTINI, C. B. Educação inclusiva: estudo de estado da arte das publicações científicas brasileiras em Educação e Psicologia. Cadernos de Educação, v. 44, p.240-264, 2013.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 2005.
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SILVEIRA, K. A.; ENUMO, S. R. F; ROSA, E. M.; Concepções de professores sobre inclusão escolar e interações em ambiente inclusivo: uma revisão da literatura. Revista brasileira de educação especial, v.18, n.4, 2012.
SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
Notas
Tabela 01
Os temas e as estratégias de ensino propostos pelos grupos de participantes

Figura 01
A frequência com que cada categoria sobre motivação apareceu nas respostas dos participantes do minicurso

Apêndice 01


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