Resumo: O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade, e persiste ao longo da vida do indivíduo. Crianças e adolescentes com TDAH frequentemente apresentam dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento em sala de aula. A identificação precoce e promoção de programas de intervenção com tais crianças podem atenuaras dificuldades enfrentadas e promover desenvolvimento a longo prazo. O objetivo desta revisão sistemática da literatura foi investigar os programas de intervenção em TDAH realizados no contexto escolar. Para tanto, foram consultadas as bases de dados PUBMED, SCIELO e PEPSIC, utilizando os seguintes descritores: (ADHD) AND (school-based) AND (intervention or program or training) e seus correlatos em português. Os critérios de inclusão estabeleceram que os artigos fossem empíricos, redigidos em português ou inglês, publicados entre 2012 e 2017 e apresentassem intervenções dentro do contexto escolar com crianças e/ou adolescentes com TDAH. Na base de dados da PUBMED, foram encontrados 37 artigos, na SCIELO, quatro, e na PEPSIC, nenhum. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram nove artigos para escrutínio. Os resultados das análises mostraram a utilização de um amplo espectro de metodologias nos programas investigados, tais como emprego de atividades computadorizadas, treinamento para pais e professores, intervenções psicossociais e tarefas de desafio dentro da sala de aula. Em sete dos nove artigos, as intervenções possibilitaram melhoras nos sintomas de TDAH, nas habilidades acadêmicas, sociais, de organização e/ou funções executivas.
Palavras-chave:HiperatividadeHiperatividade, Desatenção Desatenção, Programas de intervenção Programas de intervenção, Escolas Escolas.
Abstract: Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is a neurodevelopmental disorder characterized by high levels of inattention, disorganization, hyperactivity-impulsiveness, and persists throughout the lifespan. Children and adolescents with ADHD frequently present learning difficulties and behavioral problems at school. Early identification and promotion of intervention programs with such children can mitigate difficulties and stimulate long-term development. The purpose of this systematic review was to investigate ADHD intervention programs conducted in the school context. The literature was retrieved via PubMed, Scielo and Pepsic databases, using the following descriptors: (ADHD) AND (school-based) AND (intervention or program or training), and their correlates in the Portuguese language. The inclusion criteria established that the articles should be empirical, written in Portuguese or English, published between 2012 and 2017, and utilize interventions with ADHD children and/or adolescents within the school context. 37 articles were found in PubMed, 4 in Scielo, and none in Pepsic. After submitting to the inclusion and exclusion criteria, nine studies were left for scrutiny. The results of the analyses showed a broad spectrum of methodologies utilized in the studies, such as the use of computerized activities, parents and teachers’ training programs, psychosocial interventions and the practice of challenging tasks within the classroom context. Seven studies showed that the intervention programs promoted amelioration of ADHD symptoms and enhancement in academic, social and organizational skills and/or executive functions.
Keywords: Hyperactivity, inattention, intervention programs, school.
Resumen: El trastorno de déficit de atención y la hiperactividad (TDAH) es un trastorno del neurodesarrollo caracterizado por niveles perjudiciales de desatención, desorganización y / o hiperactividad-impulsividad, y persiste a lo largo de la vida del individuo. Los niños y adolescentes con TDAH a menudo presentan dificultades de aprendizaje y problemas de comportamiento en el aula. La identificación precoz y la promoción de programas de intervención con estos niños pueden aliviar las dificultades enfrentadas y promover el desarrollo a largo plazo. El objetivo de esta revisión sistemática de la literatura fue investigar los programas de intervención en TDAH realizados en el contexto escolar. Con este fin, PubMed, SciELO y PEPSIC fueron consultados usando las siguientes palabras clave: (TDAH) y (basada en la escuela) y (intervención o programa o de formación) y sus correlatos en portugués. Los criterios de inclusión establecieron que los artículos eran empírica, escrito en portugués o Inglés, publicada entre 2012 y 2017 y presentar intervenciones en el contexto escolar con niños y / o adolescentes con TDAH. En la base de datos de PUBMED, se encontraron 37 artículos, en SCIELO, cuatro, y en la PEPSIC, ninguno. Después de la aplicación de los criterios de inclusión y exclusión, quedaron nueve artículos para el escrutinio. Los resultados de los análisis mostraron la utilización de un amplio espectro de metodologías en los programas investigados, tales como empleo de actividades computarizadas, entrenamiento para padres y profesores, intervenciones psicosociales y tareas de desafío dentro del aula. En siete de los nueve artículos, las intervenciones posibilitar mejoras en los síntomas de TDAH, en las habilidades académicas, sociales, de organización y / o funciones ejecutivas.
Palabras clave: Hiperactividad, La falta de atención, Programas de intervención, Escuelas.
Programas de intervenção para alunos com TDAH no contexto escolar: uma revisão sistemática de literatura
Intervention programmes for students with ADHD in the school context: a sistematic rewiew of literature
Programas de intervención para alumnos con TDAH en el contexto escolar: una revisión sistemática de literatura
Recepção: 24 Julho 2017
Aprovação: 09 Fevereiro 2018
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade, e que, com certa frequência, persiste ao longo da vida do indivíduo (APA, 2014). A quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM) aponta para levantamentos populacionais que sugerem que o TDAH é mais frequente no sexo masculino do que no feminino na população em geral, com uma proporção de cerca de 2:1 nas crianças e de 1,6:1 nos adultos. Há maior probabilidade de pessoas do sexo feminino se apresentarem primariamente com características de desatenção na comparação com as do sexo masculino.
O DSM-5 (APA, 2014) subdivide o TDAH em três apresentações e em três níveis de gravidade. A apresentação combinada ocorre quando tanto o critério A1 (desatenção) quanto o critério A2 (hiperatividade-impulsividade) são preenchidos nos últimos seis meses; a apresentação predominantemente desatenta ocorre se o critério A1 (desatenção) é preenchido, e a apresentação predominantemente hiperativa-impulsiva ocorre se o critério A2 (hiperatividade-impulsividade) é preenchido.
Os níveis de gravidade do TDAH consistem em leve, moderado e grave. No nível leve, há poucos sintomas que resultam em não mais do que pequenos prejuízos no funcionamento social e profissional. O moderado reflete sintomas ou prejuízo funcional entre “leve” e “grave”. E, por fim, o nível grave é quando há presença de muitos sintomas particularmente graves, ou os sintomas podem resultar em prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional.
De acordo com o DSM 5, os sintomas comportamentais de desatenção no TDAH podem ser percebidos como divagação em tarefas, falta de persistência, dificuldade de manter o foco e desorganização. Enquanto que a hiperatividade se manifesta por meio de atividade motora excessiva, remexer, batucar ou conversar quando não é apropriado. Há também presença de impulsividade observada em ações precipitadas que ocorrem repentinamente, sem premeditação e com elevado potencial para dano à pessoa (APA, 2014).
Langberg e colaboradores (2012) relatam que as dificuldades escolares são aquelas mais evidentes e difíceis de serem enfrentadas por crianças e adolescentes com TDAH. Comparadas aos seus pares, essas crianças costumam apresentar notas baixas e frequentemente acabam desistindo da escola. Essas dificuldades podem estar associadas a problemas de comportamento em sala de aula, aumentando a possibilidade de suspensão, problemas de aprendizagem do conteúdo escolar e apresentando dificuldades para concluir tarefas solicitadas (KENT et al., 2011).
A identificação precoce e intervenções para crianças com queixas ou sinais de desatenção e hiperatividade podem reduzir dificuldades e melhorar os resultados a longo prazo (SAYAL et al., 2016). De acordo com Carreiro e colaboradores (2007), o tratamento adequado do TDAH necessita de uma equipe multidisciplinar, sobretudo por envolver diferentes aspectos, dentre eles tratamento medicamentoso, identificação de comorbidades e de problemas comportamentais, psicológicos e sociais. Logo, o tratamento inclui atuação de médicos, psicólogos e pedagogos. Contudo, esses autores ressaltam que intervenções educacionais são necessárias para determinar uma melhor forma para que o aprendizado possa ocorrer. As intervenções devem ser realizadas pelo professor, que conhece a classe e seus alunos com suas necessidades específicas.
Evans e colaboradores (2016) ressaltam que, por causada relutância por parte dos pais e dos próprios adolescentes em fazer uso de medicação e em função das dúvidas sobre os benefícios sobre o funcionamento acadêmico em contextos naturais, nos últimos anos têm aumentado o interesse e o número de programas de intervenção com foco psicossocial. Para tanto, a maioria desses programas tem se baseado em aplicação no contexto escolar ao invés de manter o foco em aplicação clínica (EVANS; LANGBERG; EGAN; MOLITOR, 2014).
De acordo com Pfiffner e colaboradores (2013) é muito importante desenvolver programas de intervenção de domínio cruzado, envolvendo intervenções comportamentais, treinamento de pais e construção de diversas habilidades, tais como de organização, realização de tarefas, gerenciamento comportamental em sala de aula, dentre outros. Essa necessidade do desenvolvimento de programas de intervenção na escola é também especialmente importante dado que há um alto custo para o sistema educacional oferecer suporte para crianças com TDAH, além dos riscos de longo prazo de abandono escolar, delinquência e abuso de álcool e drogas (PFIFFNER et al., 2013; WELLANDER; WELLS; FELDMAN, 2016).
Portanto, com base nos apontamentos da literatura, fica evidente a importância de se investigar as formas de intervenção em TDAH no contexto escolar. O próprio DSM-5 (APA, 2014) aponta que há uma variação nos sintomas de TDAH conforme o contexto de um determinado ambiente e que sinais do transtorno podem ser mínimos ou ausentes quando o indivíduo está em alguma das seguintes situações: recebendo recompensas frequentes por comportamento apropriado, sob supervisão, em uma situação nova, envolvido em atividades especialmente interessantes ou ainda recebendo estímulos externos consistentes.
Logo, o objetivo deste estudo foi investigar produções científicas que demonstram evidências da intervenção em TDAH no contexto escolar por meio de uma revisão sistemática de literatura.
Este é um estudo de revisão sistemática de publicações em periódicos internacionais e nacionais. Para isso, foram consultadas as bases de dados PUBMED, SCIELO e PEPSIC, utilizando os seguintes descritores:(ADHD) AND (school-based) AND (intervention or program or training), e seus correlatos em português, restringindo a busca a artigos empíricos, redigidos em português ou inglês e publicados nos últimos cinco anos.
A seleção dos artigos foi conduzida durante o mês de maio de 2017 e foram escolhidos aqueles que, pelos resumos, obedeciam aos seguintes critérios de inclusão:
a) investigar intervenções realizadas no contexto escolar;
b) estar publicado entre maio de 2012 e maio de 2017;
c) apresentar amostra de crianças e/ou adolescentes com TDAH;
d) estar publicado em língua inglesa ou portuguesa; e
e) ser empírico.
Os artigos que apresentaram registro replicado nas diferentes bases de dados, que não apresentaram investigação sobre efeitos da intervenção e que envolviam apenas atividades físicas foram excluídos.
Após a busca, os artigos foram selecionados por dois juízes de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Em busca de obter consenso, outros dois juízes foram consultados.
Os itens selecionados para análise dos artigos disponíveis na íntegra foram: objetivos, método: participantes (N, idade, escolaridade), instrumentos utilizados, delineamento da pesquisa (caso único x grupos; grupos controles ativos ou passivos), intervenção (tipo de intervenção, duração, número de sessões e frequência), e resultados.
O total de artigos publicados com os termos TDAH e escola associados são 3661 no PubMed, 49 na Scielo e 8 na Pepsic, porém, quando substituímos escola por “school-based”, esses números caem para 59, sete e zero, respectivamente. Quando associamos TDAH “school-based” e “intervention” ou “training” ou “program”, foram encontrados 37 artigos no PubMed, quatro na Scielo e nenhum na PEPSIC, totalizando 41 artigos.
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 26 artigos foram retirados, restando 15elegíveis. Contudo, após a análise dos textos completos, um foi excluído por envolver apenas levantamento de custos financeiros e não apresentar investigação da eficácia da intervenção, quatro foram excluídos por terem intervenção com as famílias e não com as crianças e um foi excluído por não ter instrumento de avaliação para o objetivo proposto. Dessa forma, apenas nove artigos foram analisados.
Em geral, a pesquisa de artigos publicados entre maio de 2012 e maio de 2017 aponta para um aumento progressivo de estudos experimentais que mostram a eficiência de programas de intervenção para TDAH na escola. Foram encontradas basicamente duas publicações feitas por ano no período entre 2012 e 2015. Observou-se que o maior número de publicações sobre o tema pesquisado se deu no ano de 2016, sendo encontrados cinco artigos. Até o encerramento da coleta de dados (no ano de 2017), não foram encontrados artigos publicados com essa temática.
A Tabela 1 e a Figura 1 mostram os registros encontrados de acordo com os bancos de dados pesquisados.
A maior parte dos estudos encontrados (Quadro 1) teve como alvo crianças entre 4 a 12 anos (OWENS et al., 2012; PFIFFNER et al., 2013; VILLODAS et al., 2014; VAN DER DONK et al., 2015; SAYAL et al., 2015; PFIFFNER et al., 2016). Apesar de sabermos que é possível fomentar o desenvolvimento das funções executivas (alvos majoritários dos programas de intervenção em TDAH) em qualquer período da vida (DIAMOND; LING, 2016), estudos mostram que, quanto antes se inicia o trabalho, melhor (CARDOSO et al., 2016). Daí a importância de investir-se também em programas de prevenção, além dos programas de intervenção.
Quanto ao delineamento dos estudos (Quadro 2), apenas quatro dos nove estudos incluíram grupos de controle, ativos ou passivos (CORKUM et al., 2015; VAN DER DONK et al., 2015; EVANS et al., 2016; PFIFFNER et al., 2016), além dos grupos experimentais. A inclusão de grupos de controle nesses estudos aumentou o seu grau de confiabilidade, na medida em que descartou a possibilidade de que os benefícios observados a partir das intervenções fossem decorrentes da mera passagem do tempo ou da maturação dos participantes.
A utilização de instrumentos (Quadro 2) informatizados na implementação dos programas foi utilizada em apenas dois estudos (CORKUM et al., 2015; VAN DER DONK et al., 2015). Em um deles, a comparação do COGMED (www.cogmed.com) com outro treinamento compensatório (Paying Attention in Class) mostrou maiores ganhos em apenas uma tarefa de treinamento em memória viso-espacial, em favor do COGMED. Esse fato confirma estudos anteriores de que o treino computadorizado melhora as habilidades específicas às quais ele se destina, por exemplo, a memória operacional, porém não há evidências de melhoras em autocontrole, criatividade ou flexibilidade. Além disso, esse tipo de intervenção não contribui para a transferência e generalização das habilidades treinadas em outros contextos (DIAMOND; LING, 2016).
Considerando as metodologias adotadas nos programas investigados, constatamos um amplo espectro de atividades empregadas: trabalhos individuais e grupais, atividades computadorizadas, voltadas à psicoeducação, treinamento para pais e professores, intervenções psicossociais e tarefas de desafio dentro da sala de aula (Quadro 3).
Apenas dois estudos, de Sayal e colaboradores (2015) e Ratto e colaboradores (2016), não apresentaram evidências de resultados benéficos ou piora após as intervenções; os demais sete estudos selecionados apresentaram evidências de resultados positivos, sendo que os estudos de Van Der Donk e colaboradores (2015) e Evans e colaboradores (2016) apresentaram melhoras apenas no aspecto comportamental, não apresentando melhoras no desempenho acadêmico. Os demais quatro trabalhos apresentaram evidências de resultados positivos em ambos os aspectos, comportamental e acadêmico, como: redução e melhoras nos sintomas de TDAH (PFIFFNER et al., 2013; VILLODAS et al., 2014; CORKUM et al., 2015; EVANS et al., 2016; PFIFFNER et al., 2016), melhoras nas habilidades acadêmicas (PFIFFNER et al., 2013; PFIFFNER et al., 2016) e sociais (VILLODAS et al., 2014; PFIFFNER et al., 2016), maior organização (EVANS et al., 2016; PFIFFNER et al., 2016), maior eficiência das funções executivas (VAN DER DONK et al., 2015) e redução significativa na frequência do comportamento-alvo (OWENS et al. 2012) (Quadro 4).
Como principais achados termos as publicações que apresentaram melhoras nos aspectos acadêmicos e comportamentais.
Corkum e colaboradores (2015), em um estudo realizado no Canadá, tiveram como objetivo testar a aceitabilidade, satisfação e eficácia de uma intervenção baseada na web para professores de crianças em idade escolar com TDAH. Para isso, 58 professores e seus alunos com TDAH participaram de um programa de seis sessões de intervenção semanais e seis semanas de acompanhamento. As análises de intenção de tratamento encontraram melhorias significativas com base nos relatórios dos professores (mas não dos pais) sobre os principais sintomas de TDAH e sobre o comprometimento do grupo de tratamento do TDAH para o professor. Os professores relataram um alto nível de aceitabilidade e satisfação com o programa de intervenção, mostrando o potencial de um programa de intervenção on-line para TDAH.
O programa Colaborative Life SkillsProgram (CLS) foi utilizado em três estudos, sendo que quatro autores estão presentes em todos os artigos (com a ordem de autoria diferente). Em dois trabalhos (PFIFFNER et al.,2013; VILLODAS et al., 2014), a amostra foi composta por 57 crianças da Califórnia (sendo 20 meninos e 17 meninas com média de idade de 8,1 anos) e uma amostra de 135 crianças com média de idade de 8,4 anos foi utilizada no trabalho de PFIFFNER e colaboradores (2016). Enquanto o estudo de Pfiffner e colaboradores (2013) buscou avaliar os resultados acadêmicos, o engajamento do aluno na aprendizagem, os sintomas de TDAH, as habilidades organizacionais e os problemas com a lição de casa, o de Villodas e colaboradores (2014) avaliou aspectos sociais e comportamentais.
Esse programa foi adaptado a partir de uma intervenção clínica para TDAH tipo predominante desatento para ser implementado em escolas e para alcançar crianças com toda a gama de comportamentos do TDAH, tornando-se uma forma de intervenção mais acessível e sustentável. O CLS inclui a entrega simultânea de adaptações de três abordagens de tratamento apoiadas empiricamente ao longo de um período de intervenção de 12 semanas: orientação comportamental do professor e uso de boletins diários, treinamento comportamental para pais e treinamento de habilidades sociais para crianças. Notou-se grande aceitabilidade, uma vez que, no pós-tratamento, pais, professores, crianças e LSPs avaliaram itens destinados a refletir sua satisfação com o tratamento sendo que a satisfação dos pais, professores e LSP com CLS foi alta. A grande maioria dos pais e professores (> 90%) avaliou o programa como apropriado ou muito apropriado para tratar a atenção das crianças, problemas acadêmicos e habilidades sociais e recomendaria fortemente o programa. Os alunos (98%) relataram que gostaram do grupo e/ou aprenderam muito (PFIFFNER et al., 2013).
Em 2016, em outro estudo, Pfiffner e colaboradores (2016) envolveram 135 crianças com sintomas de TDAH, do 2º ao 5º ano, de 23 escolas públicas urbanas da Califórnia. Ele teve por objetivo avaliar a eficácia do programa de intervenção psicossocial CLS em estudantes do ensino fundamental, comparando com os serviços habituais da escola e da comunidade. Foi aplicado o CSI para pais e professores para selecionar as crianças com seis ou mais sintomas de TDAH. Após 12 semanas de treinamento para professores, pais e estudantes, os resultados demonstraram que os alunos que passaram pelo CLS tiveram uma melhora significativamente maior, em comparação com os que foram submetidos aos serviços habituais, nas avaliações de pais e professores sobre os sintomas de TDAH e organização funcional, nas avaliações dos professores sobre o desempenho acadêmico e nas avaliações dos pais sobre os sintomas de TOD e habilidades sociais.
Reunindo os três trabalhos (PFIFFNER et al., 2013; VILLODAS et al., 2014 e PFIFFNER et al., 2016), percebe-se o CLS como um importante programa que pode trazer melhoras nos aspectos sociais e comportamentais de crianças. Além disso, pode trazer melhoras nas habilidades acadêmicas e redução na gravidade dos sintomas de TDAH que podem ser atribuídas, pelo menos em parte, a melhorias na habilidade de organização do aluno.
O estudo de Owens e colaboradores (2012) teve o objetivo de avaliar a percentagem de crianças que respondem positivamente a uma intervenção com Daily Report Card (DRC) e o quanto os benefícios aumentam a cada mês de intervenção em uma sala de aula. Participaram 66 crianças, com idade entre 5 e 12 anos, sendo 50 que preencheram os critérios para TDAH, 10 com sintomas de risco para conduta disruptiva e seis com ODD (Oppositional Disruptive Disorder) ou CD (Conduct Disorder) que receberam quatro meses de intervenção. Segundo os autores, estudos que examinaram benefícios de intervenções baseadas na escola ao longo do tempo sugerem que as intervenções devem ser implementadas por dois a três meses para alcançar resultados aprimorados e que há benefícios adicionais se persistir por mais de três meses.
A DRC é uma ferramenta para monitorar e modificar comportamentos-alvo claramente definidos (por exemplo, interrupções, conclusão do trabalho). Ao usar o DRC, o professor fornece feedback ao aluno sobre cada comportamento-alvo (idealmente no ponto de desempenho), e o desempenho da criança em cada alvo é avaliado em relação aos objetivos. Os pais revisam a DRC com a criança a cada dia e fornecem recompensas relacionadas ao nível de sucesso em todos os comportamentos-alvo. DRCs podem ser atraentes para os professores, porque eles podem ser adaptados às necessidades de cada aluno e são flexíveis no que diz respeito aos comportamentos que são direcionados (por exemplo, a produtividade acadêmica, comportamentos disruptivos), a frequência de coleta de dados (por exemplo, diariamente, semanal), o classificador do comportamento (por exemplo, professor, estudante), as contingências utilizadas (por exemplo, reforço positivo, custo de resposta) e a localização das contingências (por exemplo, casa, escola) (OWENS et al., 2012).Os resultados indicaram que 72% da amostra tinha, todos os seus comportamentos-alvo classificados como melhorados, 8% tinham todos os seus alvos classificados como declínio e 20% tinham um comportamento-alvo em cada classe.
As publicações que apresentaram melhoras no aspecto comportamental também são relevantes.
Evans e colaboradores (2016) realizaram uma pesquisa em escolas norte-americanas em que foram incluídos 326 estudantes. Foi utilizado o Challenging Horizons Program em duas versões: After School (CHP-AS) e a versão Mentoring (CHP-M). O objetivo foi avaliar a eficiência dessas duas versões, comparando-as entre si e com um grupo controle sem intervenção alguma. Na versão CHP-AS, os estudantes se encontravam com conselheiros duas vezes por semana, em sessões de 2 horas e 15 minutos, após o horário escolar. Na versão Mentoring, o programa era aplicado por um professor da escola, o qual era supervisionado por um consultor da pesquisa. Os estudantes se encontravam uma vez por semana com o mentor em sessões de aproximadamente 15 minutos em horário escolar. No grupo controle, nenhuma intervenção foi realizada. Os pesquisadores apontam que esse é o maior estudo randomizado que avaliou os efeitos da intervenção e também o follow-up de um programa realizado na escola para adolescentes com TDAH. Os resultados deste estudo indicam que o CHP-AS fornece benefício significativo para adolescentes com TDAH na organização e gestão do tempo, problemas com lição de casa, funcionamento acadêmico e sintomas de desatenção, áreas críticas para adolescentes com TDAH. Esses benefícios significativos do CHP-AS ocorreram tanto em comparação com o CC quanto com o CHP-M.
Com o intuito de comparar o efeito de dois programas no desempenho acadêmico em crianças com TDAH, Van der Donk e colaboradores (2015) desenvolveram o estudo “Cognitive Training for children with ADHD: a randomized controlled trial of cogmed working memory training and “paying attention in class”. O objetivo principal dos pesquisadores foi replicar e estender estudos prévios sobre o programa de Treinamento Cogmed para Memória de Trabalho (TMTC) e compará-lo a um treinamento compensatório denominado “Paying Attention in Class”, para verificar se haveria diferenças significativas no desempenho acadêmico das crianças.
Para tanto, 102 crianças foram divididas aleatoriamente em dois grupos e receberam treinamentos por um período de cinco semanas, frequência de cinco vezes por semana, 45 minutos cada sessão. As avaliações ocorreram em três momentos consecutivos: no início da pesquisa, logo após a intervenção e seis meses após a intervenção. Os resultados mostraram somente um efeito de tratamento replicado na memória de trabalho viso-espacial em favor do TMTC. Efeitos de tempo foram encontrados nas medidas neuropsicológicas amplas, baseadas nas avaliações de pais e professores em ambos os grupos. No entanto, o estudo não mostrou efeitos de tratamento ou de tempo nos desempenhos acadêmicos.
As publicações que não evidenciaram efeitos dos programas de intervenção são descritas abaixo.
O estudo de Ratto e colaboradores (2016) teve por objetivo descrever considerações metodológicas e adaptações feitas aos procedimentos de pesquisa usando uma estrutura de Diffusion of Innovation (DOI), a fim de efetivamente recrutar e envolver famílias de baixa renda, minorias étnicas, particularmente latinas, de crianças com transtornos do desenvolvimento neurológico em um estudo comparativo de eficácia de duas intervenções escolares para disfunção executiva. Foi realizada a comparação entre Unstuck and On Target (UOT) e Parents and Teachers Supporting Students (PATSS) usando DOI para engajar minorias étnicas em148 crianças com TEA e TDAH de escolas de maioria de baixa renda. As estratégias e as adaptações feitas realçam a necessidade de uma abordagem reflexiva e flexível para trabalhar com famílias de baixa renda e minorias étnicas em pesquisas clínicas em comunidades. Os pesquisadores observaram que é preciso tomar medidas adicionais para construir a confiança da comunidade e relacionamentos, a fim de recrutar com êxito e reter os participantes em seus estudos.
Outro estudo analisado foi o de Sayal e colaboradores (2015), que teve por objetivo investigar o impacto de intervenções precoces baseadas em contexto escolar sobre o desempenho acadêmico durante o ensino fundamental. Os pesquisadores realizaram um follow-up de 6 anos em crianças de 4 a 5 anos de idade.As intervenções em nível escolar envolveram fornecer um livreto com informações baseadas em evidências e/ou feedback com identificação de crianças com alto nível de TDAH. A amostra consistiu em 73.367 crianças de 2.040 escolas primárias. Os professores do primeiro ano receberam uma escala de classificação de comportamento consistindo em 18 itens de TDAH do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV, para avaliar todas as crianças de suas respectivas classes antes do final do ano acadêmico.
A fim de pesquisar a estabilidade dessas classificações, as crianças foram reavaliadas por seus novos professores de classe dezoito meses após a avaliação da linha de base em inglês e matemática.Os resultados desta pesquisa mostraram que não houve evidência de benefícios ou piora após as intervenções no grupo de crianças de risco para TDAH nem efeitos de longo prazo durante o seguimento dos 6 anos. Contudo, quando se avalia toda amostra, inclusive crianças que não apresentam risco de TDAH, foram encontrados efeitos positivos com o uso do livreto de intervenção na pontuação em matemática. Os autores verificaram que a desatenção de linha de base foi associada com resultados acadêmicos mais pobres, enquanto a impulsividade foi associada com melhores resultados acadêmicos. Além disso, os autores argumentam que as crianças com níveis elevados de TDAH apresentam sintomas que demandam uma intervenção contínua e variada, logo em seus primeiros anos escolares, em vez de uma única intervenção. Afirmam ainda que intervenções comportamentais ou educativas podem maximizar o alcance potencial das intervenções.
A revisão ampla dos estudos de intervenção em TDAH mostrou um grande número de pesquisas sendo direcionadas para a aplicação clínica. Entretanto, como o interesse desta pesquisa era de que as intervenções deveriam ocorrer dentro do contexto escolar, o número de estudos encontrados para esta revisão foi baixo (N=nove). É possível que esse número baixo esteja associado às dificuldades encontradas pelos pesquisadores quando desenvolvem estudos dentro de um contexto que conta com uma rede complexa de influências sociais, como o contexto escolar.
O estudo de Evans e colaboradores (2016) traz algumas considerações a respeito das dificuldades que limitam a realização de intervenções em escolas, como problemas com o funcionamento cotidiano da instituição, interrupções nos períodos de férias, más condições do tempo, dificuldades de transporte para as crianças (caso tenham que ficar após a aula) e choque com outras atividades escolares. Podemos ainda citar outras dificuldades, como a ausência de um espaço adequado para realizar as avaliações pré e pós-intervenção das crianças, ausência de um espaço adequado para realizar o trabalho de intervenção e falta de colaboração dos profissionais da escola.
Em relação a esses últimos, alguns estudos (OWENS et al. 2012; VILLODAS et al. 2014; EVANS et al. 2016; SAYAL et al. 2015) fizeram referência à falta de adesão dos professores ao trabalho de intervenção. Se considerarmos que a maioria dos programas desenvolvidos teve como mediadores os próprios professores, podemos inferir que, sem a devida adesão, os resultados das intervenções podem ficar comprometidos. Assim, a soma desses fatores pode nos auxiliar a entender porque pesquisas sobre intervenções com crianças com TDAH em escolas ainda se mostram bastante escassas, ainda que haja concordância entre pesquisadores da comunidade científica sobre a sua importância.
O objetivo deste estudo de revisão sistemática foi investigar estudos de intervenção baseados em evidências com crianças/adolescentes com TDAH, dentro do contexto escolar, no período entre 2012 a 2017. Devido à alta prevalência de TDAH e à cronicidade de seus sintomas, a busca por tratamentos para o manejo eficaz dos sintomas de TDAH tem sido uma grande preocupação entre pesquisadores nas últimas décadas (MIRANDA et al., 2006). Sabe-se que, em decorrência dessa cronicidade, intervenções no contexto escolar, assim como as intervenções farmacológicas, necessitam ser estendidas por um longo período de tempo antes que possam ser concluídas definitivamente (MIRANDA et al., 2006).
O conjunto dos resultados desta revisão sistemática mostra que desenvolver programas de intervenção para crianças com TDAH em escolas é um grande e necessário desafio para pesquisadores das áreas da educação e saúde mental. Pesquisas têm demonstrado que as abordagens multidisciplinares são as mais recomendadas para o tratamento de TDAH, o que inclui o uso de psicoestimulantes combinado com intervenção comportamental e treino cognitivo (TAYLOR et al., 2004).
Os resultados das análises mostraram a utilização de um amplo espectro de metodologias nos programas investigados, tais como emprego de atividades computadorizadas, treinamento para pais e professores, intervenções psicossociais e tarefas de desafio dentro da sala de aula. Em sete dos nove artigos, as intervenções possibilitaram melhoras nos sintomas de TDAH, nas habilidades sociais, de organização e/ou funções executivas e quatro apresentaram melhoras tanto nos aspectos comportamentais quanto no desempenho acadêmico, foco da preocupação de pais e professores, motivo pelo qual devem ser mais explorados.
Por conseguinte, o trabalho de intervenções com crianças com TDAH em escolas apresenta-se como mais uma importante forma de tratamento na abordagem multidisciplinar, dentro do contexto em que os sintomas de TDAH se manifestam com mais clareza e intensidade: a própria escola.