Resumo: Diante da escassez de instrumentos validados para identificação de estudantes talentosos, a percepção de professores tem se mostrado um importante recurso. Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar a validade e a precisão de uma escala de Identificação de Talentos pelo Professor (ITP). Os participantes foram 4 psicólogos (F3), 10 professoras (F10) e 120 estudantes (F62) com idade entre 9 e 11 anos. A ITP possui 30 itens e avalia as áreas de compreensão verbal, raciocínio viso-espacial, pensamento lógico, rapidez de raciocínio, memória visual e pensamento criativo. Os resultados indicaram as evidências de validade da estrutura interna do ITP pela concordância de juízes e pelo coeficiente Kappa de Cohen (K=0,82). A evidência de validade por critério externo foi confirmada comparando-se o índice total Cognitivo da ITP com outro teste já validado de inteligência Geral, Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil (TNVRI), (r= 0,30). Os testes da ITP que mais contribuíram significativamente para esta validade foram o de memória visual (r=0,37) e pensamento criativo (r=0,33). A precisão da ITP encontrada pelo Coeficiente Alpha foi alta (α= 0,80). Conclui-se que a ITP é um instrumento válido e preciso e pode auxiliar no processo de identificação de talentos por professores por atender aos requisitos científicos.
Palavras-chave:avaliação psicológicaavaliação psicológica, talento talento, altas habilidades altas habilidades,superdotaçãosuperdotação.
Abstract: Faced with the scarcity of validated instruments for the identification of gifted students, the perception of teachers has proved to be an important resource. Therefore, the purpose of this study was to investigate the validity and accuracy of a Teacher Talent Identification (ITP) scale. The participants were 4 psychologists (F3), 10 female teachers (F10) and 120 female students (F62) aged 9 to 11 years. The ITP has 30 items evaluating the areas of verbal comprehension, spatial reasoning, logical thinking, quick thinking, visual memory and creative thinking. The results indicated evidence of the validity of the internal structure of the ITP by agreement of judges and by the Cohen Kappa coefficient (K = 0.82). Evidence of validity by external criterion was confirmed by comparing the ITP's total Cognitive Index with another validated test of General Intelligence, Nonverbal Testing of Infantile Reasoning (TNVRI), (r=0.30). The ITP tests that contributed most significantly to this validity were visual memory (r=0.37) and creative thinking (r=0.33). The accuracy of the ITP found by the Alpha Coefficient was high (α=0.80). It is concluded that the ITP is a valid and precise instrument and can help in the process of identification of talents by professors to meet the scientific requirements.
Keywords: psychological evaluation, talent, high ability, giftedness.
Resumen: Ante la escasez de instrumentos validados para la identificación de estudiantes talentosos, la percepción de los profesores se ha mostrado un importante recurso. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue investigar la validez y la precisión de una escala de Identificación de Talentos por el Profesor (ITP). Los participantes fueron 4 psicólogos (F3), 10 profesoras (F10) y 120 estudiantes (F62) con edad entre 9 y 11 años. La ITP tiene 30 ítems evaluando las áreas de comprensión verbal, raciocinio espacial, pensamiento lógico, rapidez de razonamiento, memoria visual y pensamiento creativo. Los resultados indicaron las evidencias de validez de la estructura interna del ITP por la concordancia de jueces y el coeficiente Kappa de Cohen (K=0,82). La evidencia de validez por criterio externo fue confirmada comparando el índice total Cognitivo de la ITP con otra prueba ya validada de inteligencia General, Prueba No verbal de Razonamiento Infantil (TNVRI), (r=0,30). Las pruebas de la ITP que más contribuyeron significativamente a esta validez fueron el de memoria visual (r=0,37) y pensamiento creativo (r=0,33). La precisión de la ITP encontrada por el Coeficiente Alpha fue alta (α = 0,80). Se concluye que la ITP es un instrumento válido y preciso y puede auxiliar en el proceso de identificación de talentos por profesores por atender a los requisitos científicos.
Palabras clave: evaluación psicológica, talento, alta habilidad , dotación.
Escala de identificação de talentos pelo professor, ITP: evidências de validade e precisão
Teacher Talent Identification Scale (ITP): Evidence of Validity and Accuracy
Escala Identificación de Talentos por el Profesor (ITP): Evidencias de Validez
Recepção: 19 Março 2018
Aprovação: 16 Novembro 2018
Dados do Censo Escolar 2016/2017 apontam que há 48,8 milhões de alunos matriculados na educação básica no Brasil, muitos deles, superdotados. Segundo Borland (2009b), 3 a 5% da população mundial é composta por indivíduos superdotados. Essa porcentagem inclui habilidades de raciocínio matemático e linguístico e, caso um espectro maior seja considerado, pode chegar a 20% (GAGNÉ & GÜENTHER, 2012). Contrariamente a essas previsões, a identificação desses estudantes é incipiente. O mesmo Censo Escolar aponta que há 186,1 mil escolas de educação básica no Brasil e nelas foram identificados como superdotados 15.925 (INEP/MEC, 2016/2017), ou seja, um aluno superdotado para cada conjunto de 11,7 escolas.
No ano de 2001, foram estabelecidas Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica visando ao atendimento específico à essa população (BRASIL, 2001). Além de decretos como a Lei no 13.005/2014, que estabelece metas para a efetivação de um ensino inclusivo (BRASIL, 2014), observa-se crescente interesse tanto pela identificação e desenvolvimento do potencial humano quanto pela temática da avaliação psicológica associada à operacionalização, construção, validação, normatização e adaptação de testes e escalas (CHACON; MARTINS, 2006; PRIMI, 2003).
A despeito de tais diretrizes e crescimento da área, há escassez de estudos que informem propriedades psicométricas, evidências de validade, adequação de medidas para essas finalidades (GRAHAM; MIILANOWSKI; MILLER, 2012; HUTZ & BANDEIRA, 2003;) e instrumentos que mensurem variáveis como talento, criatividade e motivação (MAIA-PINTO; FLEITH, 2004; RECH; FREITAS, 2005). A escassez pode se dar pela complexidade da temática e a multidimensionalidade de aspectos a serem considerados no processo de avaliação e baixa utilização de instrumentos de medida pelos próprios psicólogos (NORONHA, 2002). Diferentes instrumentos e formas de avaliação permite uma visão mais integral dos que são talentosos e contribui para um melhor atendimento às suas diferenças (RENZULLI, 2004; VIRGOLIM, 2007).
Os conceitos altas habilidades / superdotação e dotação / talento estão entre os mais utilizados em referência ao potencial elevado (BRASIL, 2001; GAGNÉ & GÜENTHER, 2012). A legislação brasileira, por meio da Resolução da Secretaria de Educação no 81/2012, no Art. 1., prioriza os termos “altas habilidades/superdotação”, propondo como seus portadores indivíduos que apresentem potencial elevado e grande envolvimento com áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas, sejam eles intelectual, acadêmica, psicomotor, de liderança ou de criatividade, associados a um alto grau de motivação para a aprendizagem e para a realização de tarefas em assuntos de seu interesse (BRASIL, 2006b).
Quanto aos termos “dotação / talento”, o primeiro diz respeito à posse e ao uso de notáveis capacidades naturais; o segundo, a um alto nível de desempenho e maestria em habilidades sistematicamente desenvolvidas (GAGNÉ & GÜENTHER, 2012). Nesse sentido, talentosos são indivíduos com curiosidade intelectual, observadores excepcionais, habilidosos em abstrair e desenvolver atitudes de questionamentos (ALENCAR, 2012). O termo talento propicia que se evite o elitismo de privilegiar apenas os que possuem desempenho superior, como de artistas, inventores ou laureados, mas pelo menos os 10% melhores em um campo de atividade humana, considerando a mesma faixa etária e atividade (GAGNÉ & GÜENTHER, 2012).
Este estudo distingue dois tipos de talentos (RENZULLI, 2004): o acadêmico (escolar) e o produtivo-criativo. O primeiro relaciona-se à aprendizagem tradicional, em que os alunos apresentam habilidades para a solução de problemas complexos do cotidiano, capacidade de pensamento abstrato para fazer associações, rapidez do pensamento, julgamento crítico, independência do pensamento, elevada compreensão e memória (ALENCAR, 2012; STERNBERG; KAUFMAM, 2010; WECHSLER, 2008).
Entre os modelos que avaliam esse talento está a teoria das capacidades cognitivas de Cattell-Horn-Carroll, CHC, que consiste em uma visão multidimensional da inteligência, sendo apontada como a teoria que melhor representa a estrutura intelectual A CHC apresenta a inteligência composta de um fator G, no primeiro estrato e outros dez fatores ligados às áreas amplas do funcionamento cognitivo, são eles: inteligência fluida (Gf); inteligência cristalizada (Gc); conhecimento quantitativo (Gq); leitura e escrita (Grw); memória de curto prazo (Gsm); processamento visual (Gv); processamento auditivo (Ga); capacidade e armazenamento e recuperação da memória de longo prazo (Glr); velocidade de processamento (Gs); e também Rapidez de decisão (Gt). Além destes fatores, existem outras 70 habilidades específicas intelectuais. O avanço dessa teoria, no entanto, depende do desenvolvimento de novas baterias oriundas do Modelo CHC (MCGREW; FLANAGAN, 1998), pois demonstra a complexidade de medir a inteligência.
O talento criativo, refere-se àquelas pessoas que possuem originalidade, imaginação e capacidade para resolver problemas de forma diferente e inovadora e que têm reações e produções diferentes (BRASIL, 2006b). Pressupõe-se que, em determinadas condições e por intermédio de um processo, “elabora um produto que é, pelo menos em alguma medida, novo e valioso” (MARTÍNEZ, 2003, p. 9). É considerado um constructo complexo, multidimensional onde estão unidos aspectos cognitivos, traços de personalidade e variáveis ambientais (RUNCO, 1999; WECHSLER, 2008).
Para ambos os talentos, há que fazer uso de uma multiplicidade de instrumentos como testes psicométricos; escalas; questionários; observação do comportamento; entrevistas com pais, professores, etc. (RENZULLI, 2004). As escalas e testes não fazem diagnósticos, constituem-se instrumentos de rastreamento, pois fornecem dados objetivos úteis para avaliação, intervenção e pesquisa. A identificação desses talentos requer, portanto, uma sequência de procedimentos; etapas definidas e instrumentos apropriados em um processo continuo de avaliação (DELOU, 2012).
No processo de identificação de quem são os estudantes superdotados, a participação de professores é fundamental. Pelo contato diário com o aluno, são os que mais percebem sinais de potencial superior (MAIA-PINTO & FLEITH, 2004). A despeito de pesquisadores colocarem em dúvida esse papel como fonte segura de nomeação, tanto por baixa eficácia e eficiência, quanto por focarem mais nas fraquezas dos alunos do que em suas potencialidades, há outros que veem o professor como fonte segura de identificação (RENZULLI, SIEGLE, REIS, GAVIN & SYTSMA REED, 2009). O que lhes falta é um treinamento apropriado para essa prática incluindo esclarecimentos sobre o processo de identificação e discussão dos objetivos dos programas especiais e procedimentos (FREEMAN; GÜENTHER, 2000; WECHSLER; BLUMEN; BELDELMAN, 2018).
Entre os estudos que obtiveram a percepção de professores, destacam-se pelo menos três. Primeiro, o estudo de Wechsler e Suárez (2016), cujos resultados mostram que os professores possuem muitas dúvidas sobre os conceitos de talento e superdotação e que os professores não estão preparados para atuar junto à alunos talentosos e superdotados em suas salas de aula. O estudo Maia-Pinto e Fleith (2002), aponta que os professores consideram importante o papel da escola na educação do aluno superdotado, mas não adotam medidas nem instrumentos de identificação, segundo seu conhecimento superficial. No segundo estudo, de Pierce, Adams, Neumeister, Cassady, Dixon e Cross (2007), os pesquisadores analisaram as percepções de 27 professores do 4o ano do Ensino Fundamental acerca da identificação de estudantes talentosos. Verificaram que, embora experientes, esses professores demonstraram concepções limitadas sobre talento.
De acordo com os parâmetros científicos recomendados para o uso de testes ou instrumentos psicológicos é necessário que existam dados empíricos demonstrando as suas evidências de validade e precisão (INTERNATIONAL TESTING COMMISSION 2018). Assim sendo, torna-se exigido que um teste possua evidência de validade, preferencialmente observada por mais de um método (por exemplo, estrutura interna critério externo) e também que demonstre precisão (consistência na correção, confiabilidade dos itens), como determina o Conselho Federal de Psicologia (2010).
Tais parâmetros são essenciais para os profissionais que se dediquem a tomar decisões sobre um indivíduo (ELOSUA, 2017). Infelizmente, ainda não existem instrumentos para a identificação de estudantes talentosos no Brasil que apresentem estas qualidades psicométricas (NAKANO & SIQUEIRA, 2012). O que há são diferentes formatos que têm o propósito de ser uma ferramenta auxiliar na observações e indicações de professores para programas, (FONSECA, 2010; FREEMAN; GAGNÉ; GÜENTHER, 2012). Quatro instrumentos ou escalas são os mais utilizados no nosso país para identificação de alunos superdotados, como detalhado a seguir:
a) Escala para a avaliação das características comportamentais de alunos com habilidades superiores – SRBCSS, de Renzulli, Smith, White, Callahan, Hartman & Westberg (2002), traduzido no Brasil por Virgolim (2001). Tem como finalidade coleta de relatórios dos professores e pais sobre traços psicológicos e comportamentais nas áreas de aprendizagem; motivação; criatividade, liderança, artes visuais, música, drama, comunicação e planejamento. Os coeficientes de consistência interna obtidos para cada escala em diferentes estudos internacionais são altos, variando entre 0,73 a 0,84 (LABAR; FRUMOS, 2013); TOURON, REPARAZ & PERALTA, 1999). Entretanto, apesar do seu amplo uso no nosso país, esta escala ainda não foi validade e nem existem estudos sobre sua precisão.
b) Escala de Identificação de Dotação e Talento (Freitas, Scheline & Perez, 1991) Esta escala apresenta diferentes áreas de talentos para avaliação de alunos e atua como um checklist durante a primeira etapa do processo de identificação de talentos. A precisão de sua estrutura interna indicou 3 fatores: O Fator 1 apresentou um alfa de 0,97; o Fator 2, de 0,89 e o Fator 3, de 0,83. Seu alfa de Cronbach total foi de 0,97. Vale ressaltar ainda que ainda não foram encontrados estudos de validade sobre esta escala.
c) Lista Base de Indicadores de Superdotação - parâmetros para observação de alunos em sala de aula (Delou ,1987). Esta escala é utilizada na observação de alunos, em sala de aula, com vistas à avaliação de indicadores de superdotação. A sua estrutura interna foi auferida pela concordância de professores. A autora ressalta que não se trata de um teste de inteligência, mas da identificação de alunos com comportamentos indicadores de superdotação, na Educação Básica. Assim sendo, esta escala ainda carece de estudos sobre a precisão e validade.
d) O Guia de observação Direta em Sala de Aula de Guenther (2012) - o instrumento tem como referencial teórico a psicologia humanista e os pressupostos do Modelo Diferenciado de dotação e talento – DMGT – Gagné (2008, 2012). Trata-se de um instrumenta desenvolvido pela metodologia do Centro Para o Desenvolvimento do Potencial e Talento - CEDET – Lavras, MG, composto de 31 itens indicadores de capacidade observáveis, nos domínios de capacidade humana: Inteligência, criatividade, capacidade sócioafetiva, capacidade física e capacidade perceptual. O professor regente da turma aponta os nomes de dois alunos que mais se destacam em cada item. A analise dos dados é feita seguindo a orientação do Manual de Identificação de alunos dotados e talentosos, em que são contados os indicadores apontados para cada aluno, nos vários domínios e, a seguir, agrupados por área de domínio.
Vale registrar que existem outros bons instrumentos na literatura brasileira para indicação de alunos superdotados. O primeiro é a Escala de Avaliação de Altas Habilidades/Superdotação – versão professor, (NAKANO, CAMPOS & SANTOS, 2016), que já teve auferida a validade da sua estrutura interna (ZAIA, NAKANO & PEIXOTO, 2018). O segundo é o Gifted Rating Scale – school form (GRS-S) de (PFEIFFER & JAROSEWICH, 2003) que ajuda identificar alunos superdotados. Esta escala foi traduzida para o contexto brasileiro por Nakano e Siqueira (2012), mas ainda não apresenta estudos de precisão ou validade
Considerando a importância do processo de identificação de talentos na escola por meio de professores, é necessário que sejam oferecidos instrumentos válidos e precisos para tal processo. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi investigar as evidências de validade (pela estrutura interna e critério externo) e também a precisão dos itens de uma escala proposta para observação de talentos na sala de aula.
Participaram 4 psicólogos (F3) como juízes especialistas, com experiência na área de construção de instrumentos e identificação de potenciais; 10 professoras (F10), das quais 6 eram regentes de classe, e 120 estudantes (F=62). Todas as professoras e os estudantes eram do 4o e 5o anos do Ensino Fundamental I em duas escolas particulares do interior de São Paulo. A idade dos Estudantes variou entre 9 e 11 anos. A amostra se deu por um critério de escolha que considerou a formação dos juízes, o tempo de dois anos de atuação das professoras, idade e ano escolar dos estudantes. Quanto ao critério de seleção de professores, apesar de todos terem sido convidados, apenas um professor de Educação Física não aceitou participar. As turmas em questão têm um professor regente e outros três que lecionam disciplinas especiais (Artes, Inglês e Educação Física). O critério de seleção das escolas se deu por ambas fazerem parte do mesmo sistema educativo e mesma grade curricular, o que contribui para melhor controle de vieses.
Escala Identificação de Talentos pelo Professor – ITP. Instrumento do tipo rastreio utilizado para identificação de talentos criativos e intelectuais na etapa de triagem. Composta, inicialmente, por 50 itens e resultando em 30, dada a busca de maior qualidade. É do tipo Likert, compreende valores do 1 ao 5, em que o número 1 correspondeu à opção “nunca observado” e o número 5, à opção “sempre observado”. Os itens foram construídos e categorizados por meio da literatura científica que descreve características de indivíduos talentosos tanto na área escolar quanto criativa-produtiva, conforme o modelo CHC de inteligência, que enfatiza a natureza multidimensional da inteligência ao invés de uma visão unidimensional (FLANAGAN; MCGREW; ORTIZ, 2000).
São seis as áreas que compreendem a Escala ITP.
Área 1. Compreensão Verbal - avalia a inteligência cristalizada e se refere às capacidades de apreender conhecimentos adquiridos, compreender conceitos, generalizar, pensar construtivamente e elaborar abstrações por meio de símbolos verbais (NASCIMENTO; FIGUEIREDO, 2002a; PRIMI, 2003). Um exemplo de item da área é: “Diante da produção de um texto, faz poucas associações de ideias” (frase afirmativa com sentido negativo).
Área 2. Raciocínio ou Inteligência Visuoespacial - refere-se à habilidade de visualizar um objeto, manipulá-lo mentalmente e imaginar os resultados dessa alteração (RUEDA; MUNIZ, 2011). Um exemplo de um item da área é: “Destaca-se em atividades de interpretação de mapas, diagramas ou formas geométricas”.
Área 3. Pensamento ou Raciocínio Lógico - avalia a inteligência fluida que é a habilidade de relacionar ideias, articular conceitos abstratos, compreender implicações e reorganizar informações (ALMEIDA; GUISANDE; PRIMI; FERREIRA, 2008). Tais funções referem-se à capacidade de compreender relações dedutivas (raciocínio que parte de uma ou mais premissas gerais e chega a uma ou mais conclusões particulares) e indutivas (processo mental que parte de dados particulares, à medida que são constatados) (FERREIRA, 2010; MARCONI; LAKATOS, 2007). Quanto ao exemplo de um item da área é: “Consegue descobrir coincidências em ideias diferentes”.
Área 4. Rapidez de Raciocínio - avalia a rapidez de reação e percepção de tarefas, por vezes, simples. Refere-se à capacidade de manter a atenção em situações que pressionam o foco da atenção (PRIMI, 2003). Esse teste afere o poder de concentração ao avaliar competências como a habilidade de resolução de problemas sob pressão de tempo, a atenção aos detalhes e a análise numérica. O exemplo desta área é: “Leva mais tempo para compreender relações entre os conteúdos dados em sala de aulas”.
Área 5. Memória - se refere à capacidade de reter conceitos apreendidos por um curto período de tempo para em seguida recuperá-los (NUNES; OLIVEIRA, 2010; RUEDA, SISTO, CUNHA; RAAD, 2010). Um exemplo de item desta área é: “Refere-se com facilidade a dados sobre fatos históricos, textos e poesias”.
Área 6. Criatividade - esta avalia o pensamento divergente, conceito difícil de se identificar por se tratar de um fenômeno multidimensional (WECHSLER, 2008). Trata-se da capacidade de gerar grande número de ideias; flexibilidade de pensamento; originalidade, que é a capacidade de quebra de padrões habituais de pensar; geração de respostas incomuns e originais; fantasia; imaginação; inconformismo; utilização de analogias e combinações fora do comum entre outros aspectos (DAVID, MORAIS, PRIMI; MIGUEL, 2014; PFEIFFER; JAROSEWICH, 2003). Um exemplo de itens que compõem a área é: “Destaca-se pela originalidade de ideias”.
Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil (TNVRI), de Pasquali (2005), composto por 58 itens. Este teste visa medir a inteligência geral e pode ser aplicado coletivamente. Por ser aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, foi escolhido como parâmetro para o estudo das evidências de validade externa, comparando os seus resultados com aqueles obtidos pela escala ITP. O estudo da validade e precisão desse teste foi realizado com 994 crianças brasileiras dos 5 aos 11 anos, mostrando-se adequado para medir o raciocínio analógico, em forma concreta ou abstrata.
O estudo foi registrado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (CAAE 22737713.2.0000.5481). Respeitou-se os princípios éticos elegidos pela resolução 196/96 (BRASIL, 1996b), que incluem esclarecer os participantes (juízes, professores e estudantes) sua voluntariedade e interrupção do estudo diante de qualquer motivo sem implicação de ônus ou justificativa.
Distribuída e explicada uma cópia do instrumento aos juízes avaliadores e um texto que resumia os domínios propostos, cada juiz deveria ler os itens e classificá-los de acordo com os domínios. Estes estiveram organizados de modo aleatório. Acompanhou a escala o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que fosse assinado por todos os participantes. Após a devolução do instrumento, foi verificada a concordância de juízes por meio do percentual de concordância para cada item, exigindo-se um valor ≥ 80%. Além disto a concordância geral dos itens foi avaliada pelo coeficiente Kappa de Cohen.
Devido ao fato de não existir ainda no país uma bateria de inteligência infantil que avalie as diferentes áreas da inteligência e que possa também ser administrada de modo coletivo, a medida escolhida para critério de validade (como medida externa de convergência) foi o Teste Não Verbal de Inteligência Infantil (TNVRI). Este teste é uma medida da inteligência Geral (Fator G),
As professoras responderam a escala ITP sobre cada estudante e estes estudantes responderam ao TNVRI), em grupo, nas suas salas de aula. Não houve controle de aproveitamento escolar ou de transtornos do neuro-desenvolvimento dos alunos.
A evidência de validade da ITP pela convergência com o TNVRI foi analisada pela Correlação de Pearson. Neste sentido, não só o índice cognitivo total desta escala foi comparado com o total do TNVRI como também foram comparadas as suas outras áreas.
Os resultados observados na Tabela 1 apontaram que 10 itens (n = 10) da escala obtiveram concordância perfeita de 100% entre os juízes. Esses itens foram percebidos nas áreas de Raciocínio espacial e de Pensamento Criativo. Outros itens (n = 18) obtiveram concordância moderada, entre 70 e 80%. Essa concordância foi mais observada na área de Pensamento Lógico. Na área de Memória Visual, dois itens obtiveram concordância igual ou inferior a 50%. Após reformulados e submetidos novamente à apreciação dos juízes, apresentaram concordância perfeita.
Quanto à verificação da concordância entre observadores, os itens foram divididos de acordo com a área avaliada. Na Tabela 1, é possível observar suas porcentagens de concordância.
A área 1, de Compreensão Verbal, dos 4 itens, um obteve concordância perfeita entre os juízes (100%); os demais (n = 3) obtiveram concordância moderada, de 75% cada.
A área 2, Raciocínio ou Inteligência Espacial, em metade dos itens dessa área, houve concordância perfeita, apontando, assim, para evidências de adequação dos itens já na primeira análise. Mesmo diante de um número baixo de juízes avaliadores, pode-se dizer que a concordância foi bastante substancial. Assim sendo, todos os itens dessa área foram mantidos.
A área 3, Pensamento ou Raciocínio Lógico, apenas um item apresentou concordância perfeita, os demais, moderada. A razão pode estar em uma dificuldade dos juízes ou mesmo na confusão entre os termos dedução e indução, deixando em segundo plano a questão de relacionar ideias ou articular conceitos abstratos.
A área 4, denominada Rapidez de Raciocínio, assim como no item anterior, predominou a concordância moderada. Os resultados apontam para a adequação dos itens em relação à área que se pretendeu avaliar.
A área 5, Memória, foi a que mais apresentou concordância inferior a 50%, considerada fraca e carecendo, inclusive, de revisão. Percebeu-se que os juízes atribuíram itens da área Memória para a área 4, Rapidez de Raciocínio, confundindo, assim, a questão de reter e recuperar conceitos apreendidos com a questão da velocidade com que tais conceitos são percebidos.
Na área 6, de Criatividade, foi a segunda de maior concordância perfeita. O conjunto de itens parece estar representado de maneira adequada ao conteúdo que pretende avaliar.
Os 30 itens foram alocados em uma planilha de dados para o cálculo de concordância entre os juízes. Para esse fim, o cálculo utilizado foi o coeficiente de Kappa, que afere tanto à clareza da linguagem quanto à pertinência prática dos itens (HERNÁNDEZ-NIETO, 2002). A escala apresentou evidencias de validade de sua estrutura interna pelo conteúdo (CVC=0,82). Cada item do instrumento obteve CVC acima do ponto de corte estabelecido, que é de CVCc ≥ 0,70 e igualmente de CVCt ≥ 0,70 para o instrumento, de forma geral, conforme recomendado na literatura da área (CASSEPP-BORGES; BALBINOTTI; TEODORO, 2010). Para Primi et al. (2009), a concordância alta significa que os juízes avaliaram os itens como pertencentes aos fatores ou dimensões para as quais foram elaboradas conforme se vê na Tabela 1.
Diante do propósito de verificar a consistência interna de cada um dos itens construídos, todos apresentaram coeficiente inferior α=.70. considerada baixa. Por exemplo, os Itens 1, 5, 8, 10, 13, 18, 20, 22, 23, 27, 28, e 30 obtiveram o índice alpha = .52. Este resultado, contrário à busca de seu índice geral, foi afetado pelo baixo índice de juízes avaliadores, apenas quatro. Bland e Altman, 1997, propõem que quando maior o número de indivíduos que preenchem o instrumento, maior é o índice ou variância esperada.
A precisão da escala ITP, foi obtida por meio da estatística Alpha de Cronbach, a qual obteve um índice de α=,80. Assim sendo, os valores obtidos demonstram que a ITP possui alta confiabilidade. Segundo Steiner (2003), valores do coeficiente entre 0,80 e 0,90 demonstram a consistência de resultados de um teste.
A seguir, foram investigadas ase vidências de validade do ITP por critério externo. Para tanto, foi utilizado o teste TNVRI para comparação pela Correlação de Pearson, como demonstra a Tabela 2.
Conforme apresentado na Tabela 2, existe correlação significativa (p≤0,05) entre o Índice Cognitivo Total desta escala com o total do TNVRI (r=0,31), indicando assim que existe evidência de validade por convergência, pois ambos os testes estão medindo construtos semelhantes. O fato da correlação obtida não ter sido muito alta pode ser explicada devido às diferentes dimensões de inteligência avaliadas pela ITP, enquanto o TNVRI somente avalia a inteligência fluída ou abstrata.
Interessantemente, nota-se que a grande contribuição da ITP para as correlações significativas com TNVRI foi derivada, principalmente, das áreas de memória visual (0,37) e do pensamento Criativo da ITP (r=0,33). Tais dados estão indicando a dificuldade que possuem os professores de perceber as diferentes expressões de talentos ou altas habilidades.
Dentre as áreas avaliadas pela ITP, observa-se também que a compreensão verbal está relacionada significativamente com todas as outras áreas avaliadas (0,37 a 0,52), demonstrando a influência das habilidades verbais, ou inteligência cristalizada, em vários processos mentais. Outra área que aparece como sendo bastante influenciável em todas as demais avaliadas é a memória visual, pois está significativamente relacionada com todos as dimensões intelectuais medidas (0,33 a 0,52). Este dado é bastante coerente com o modelo tridimensional de inteligência, proposto por Guilford (1967), no qual a memória aparece como sendo um processo básico nas operações de pensamento, depois do primeiro contato com o objeto, pela cognição.
Este estudo visou avaliar as evidências de validade e precisão da escala de Identificação de Talentos por Professores (ITP). A análise das evidências de validade de conteúdo da escala ITP por meio da concordância entre as respostas dos quatro juízes participantes é importante tanto por determinar a adequação teórica de cada item em relação aos fatores ou dimensões propostas, quanto por apontar se algum dos fatores medidos foi super ou sub-representado pelo pesquisador (PRIMI, MUNIZ & NUNES, 2009; REPPOLD, GURGEL & HUTZ, 2014). A ausência de evidências de validade levaria à insegurança de interpretações e à sua ilegitimidade (PRIMI, MUNIZ; NUNES, 2009). Nesse processo, foram considerados o conteúdo, a relevância, a adequação dos itens e as sugestões para melhoria na escrita. Ou seja, objetivou a busca por evidências de validade e precisão da Escala de Identificação de Talentos pelo Professor, ITP, dado ao fato de que não existem, no país, instrumentos validados e precisos para avaliar tanto o talento escolar quanto o criativo e produtivo, como aponta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Conselho Federal de Psicologia, 2011).
A análise contribuiu para a adequação teórica de cada item e das seis dimensões propostas. O conjunto dos 30 itens que compuseram a escala ITP apresentou concordância, indicando assim que as evidências de validade por conteúdo são satisfatórias. Além disso, cada item do instrumento obteve CVC acima do ponto de corte estabelecido (≥ 0,70), confirmando, assim, o pertencimento às dimensões para as quais foram elaboradas. Por sua vez, a precisão total da escala ITP alcançou nível bem alto, demonstrando assim a confiabilidade nos seus resultados.
As evidências de validade externa da ITP foram analisadas considerando um critério externo, que é o teste TNVRI, que avalia a inteligência geral (Fator G). Este teste foi escolhido por já ter sido aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, embora não avalie as diferentes dimensões que a inteligência pode apresentar, segundo a teoria mais atualmente aceita que é a de Carroll-Horn-Catell (FLANAGAN; MCGREW; ORTIZ, 2000; MCGrew, 2009). Considerando que a ITP avalia diferentes áreas da inteligência, para fins de comparação, foi considerado o índice cognitivo total desta escala como forma de comparar com o fator G da TNVRI. Os resultados obtidos demonstraram as relações significativas entre o TNVRI e o ITP, indicando assim as evidências de validade desta escala.
Interessantemente, os resultados indicaram que somente dois tipos de inteligência, avaliadas nos testes de memória visual e criatividade, contribuíram com relações significativas com a medida critério, ou seja, o teste de inteligência TNVRI. Tais resultados demonstraram que a área de memória é a melhor percebida pelo professor, que geralmente associam ter boa memória com inteligência, não percebendo, portanto, as outras dimensões que compõem a inteligência. Assim sendo, existe a necessidade de maior preparo do professor no nosso país para compreender e identificar os talentos ou as altas habilidades, como já apontado por Wechsler e Fleith (2017).
Existiu também uma relação significativa, porém baixa, entre os resultados do pensamento criativo na ITP com a inteligência na ITP. Deve-se ser ressaltado, entretanto, que não existe consenso entre os que pesquisam a relação entre inteligência e criatividade (STENBERG, 2001). Algumas pesquisas também encontraram correlações fracas entre inteligência e criatividade (MAIA & LIMA, 2018; SOUZA & WECHSLER, 2013). Um dos mais recentes estudos (MILIAN & WECHSLER, 2018) encontrou correlações fracas entre inteligência e criatividade figural e correlações fortes entre inteligência e criatividade verbal. Portanto, considerando a criatividade como um processo que pode influenciar, em maior ou menor grau, a inteligência, recomenda-se manter este subteste na ITP.
Assim sendo, este estudo confirmou a validade e a precisão da ITP. Ressaltou também a necessidade de investigar a validade e precisão de instrumentos que visam avaliar os talentos ou altas habilidades. Conforme comentado anteriormente, as escalas utilizadas atualmente para a indicação de professores para alunos em salas de recursos carecem destas informações científicas, podendo, portanto, gerarem muitos erros.
Certamente, a avaliação de talentos não deve ser limitada a uma escala de identificação, mesmo que esta possua validade e precisão. Outras informações são necessárias para complementar o processo de identificação, tais como entrevistas com pais, observações e avaliação de desempenho acadêmico, produção do aluno fora da sala de aula, etc. buscando conhecer o indivíduo que está sendo avaliado dentro de um processo mais amplo, que considere, por exemplo, suas limitações e particularidades.
Estudos futuros ainda são necessários com a ITP, considerando que foi utilizada somente em uma região do país. Assim sendo, esta escala pode ser mais estudada com maiores amostras de professores de outros locais e também com alunos de outras séries educacionais. Outro aspecto importante seria comparar as diferentes áreas da ITP com outros tipos de testes, que possam avaliar construtos semelhantes, haja visto que não existe ainda uma bateria de testes de inteligência infantil que congregue várias habilidades e que possa ser administrada de forma grupal. Também é recomendado que os professores recebam mais informações e treinamento sobre o tema dos talentos e habilidades, considerando que possuem dificuldades de identificar as suas diferentes formas de expressão.
Considerando a importância da identificação dos talentos para que o aluno possa receber atenção diferenciada nas salas de recursos, pesquisas que fundamentem a construção e qualidades psicométricas das medidas utilizadas podem ser consideradas essenciais. Desta maneira, poderemos ter maior eficácia no investimento em recursos de educação diferenciados para aqueles alunos que merecem, seguramente, um estímulo especial, pois são notadamente a esperança para o futuro melhor da nossa sociedade.