Recepção: 07 Abril 2018
Aprovação: 08 Setembro 2018
DOI: https://doi.org/10.5902/1984686X33082
Resumo: O presente relato apresenta os resultados de um estudo realizado com professores do atendimento educacional especializado que atuavam em salas de recursos multifuncionais. Participaram sete professores da rede municipal de um município paulista, de médio porte, que contabilizava 1.314 matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais, e foi baseada em entrevistas com grupos focais realizadas durante dois encontros. Todos os encontros foram videogravados, e posteriormente as falas foram transcritas e analisadas usando-se o software Atlas-ti. O corpus do estudo foi composto por 240 excertos nas narrativas dos professores, classificadas em 165 códigos e 16 famílias. Os resultados foram organizados nos seguintes temas: a) O Processo de avaliação para identificação; b) A questão do diagnóstico clínico, c) Avaliação para planejamento, d) Plano de atendimento, e) Avaliação do desempenho no atendimento educacional individualizado, f) Avaliação do rendimento acadêmico na classe comum, g) Retenção/promoção de nível ou série, h) Participação dos alunos em avaliações padronizadas de larga escala. No conjunto as evidencias permitem concluir que coexistem uma variedade de processos de avaliação, o que indica a falta de diretrizes mais claras para as escolas e professores. Observou-se fragilidades nos processos de avaliação para identificação, negligencia em relação aos processos de avaliação tanto para planejamento quanto do desempenho, o que parece indicar que ainda estamos longe de garantir mais do que a presença, mas a efetivação do direito à educação dos alunos do público alvo da Educação Especial nas escolas brasileiras.
Palavras-chave: Educação Especial, inclusão escolar, avaliação educacional.
Abstract: The present report presents the results of a study carried out with teachers of the specialized educational services that worked in multifunctional resource rooms. Seven teachers from the municipal network of a medium-sized São Paulo municipality, which counted 1,314 students with educational special needs. Interviews conducted with focus groups held during two meetings all videotaped and the speeches were analyzed using the Atlas-ti software. The corpus of the study composed by 240 excerpts in the teachers' narratives, classified in 165 codes and 16 families. The results were organized in the following topics: a) The assessment process for identification; b) The question of clinical diagnosis, c) Assessing for planning, d) Assessment for attendance, e) Evaluation of performance in the specialized educational service, f) Evaluation of academic performance in the common class, g) Retention/promotion of level or series, h) Participation of students in large scale standardized assessments. Overall, the evidence allows concluding that coexist a variety of evaluation processes, indicating the lack of clearer guidelines for schools and teachers. There were weaknesses in the processes of assessment for identification, negligence in relation to evaluation processes for both planning and performance, which seems to indicate that we are still far from guaranteeing more than presence, but the realization of the right to education of the students from the target audience of Special Education in Brazilian schools.
Keywords: Special Education, School Inclusion, Educational Assessment.
Resumen: El presente relato presenta los resultados de un estudio realizado con profesores de la atención educativa especializada que actuaban en salas de recursos multifuncionales. Participaron siete profesores de la red municipal de un municipio paulista, de mediano porte, que contabilizaba 1.314 matrículas de alumnos con necesidades educativas especiales, y se basó en entrevistas con grupos focales realizadas durante dos encuentros. Todos los encuentros fueron grabados, y posteriormente las palabras fueron transcritas y analizadas usando el software Atlas-ti. El corpus del estudio fue compuesto por 240 extractos en las narrativas de los profesores, clasificadas en 165 códigos y 16 familias. Los resultados se organizaron en los siguientes temas: a) el proceso de evaluación para la identificación; b) La cuestión del diagnóstico clínico, c) Evaluación para la planificación, d) Plan de atención, e) Evaluación del desempeño en la atención educativa individualizada, f) Evaluación del rendimiento académico en la clase común, g) Retención / promoción de nivel o serie, h) Participación de los alumnos en evaluaciones estandarizadas a gran escala. En el conjunto las evidencias permiten concluir que coexisten una variedad de procesos de evaluación, lo que indica la falta de directrices más claras para las escuelas y profesores. Se observó que hay fragilidades en los procesos de evaluación para identificación, negligencia en relación a los procesos de evaluación tanto para la planificación y el desempeño, lo que parece indicar que todavía estamos lejos de garantizar más que la presencia, pero la efectividad del derecho a la educación de los alumnos del público objetivo de la Educación Especial en las escuelas brasileñas.
Palabras clave: Educación Especial, inclusión escolar, evaluación educativa.
Introdução
Com o advento da educação inclusiva, decorrente dos diferentes movimentos sociais, a garantia de acesso à escolarização na classe comum das escolas regulares vai aumentando paulatinamente, como indica o continuo crescimento das matrículas de alunos do público alvo da Educação Especial nos censos escolares (MEC/INEP), e isso tem levado as escolas a modificar o olhar em relação à diversidade de seu alunado e a (RODRIGUES & MARANHE, 2008). Assim, a presença desse alunado nas escolas comuns tem levado a alterações na organização escolar, em especial no redimensionamento de práticas avaliativas. Não obstante, o processo de como avaliar os alunos do público alvo da Educação Especial nas escolas comuns ainda é pouco conhecido, sendo necessário estudar como se dá a participação do aluno com deficiência nos diferentes cenários e atividades que compõem a rotina escolar (OMOTE, 2004).
No passado o princípio organizador da Educação Especial gravitava em torno da constatação da presença/ausência da deficiência, de modo a se determinar como e onde o aluno deveria ser ensinado e por quem (VALLE & CONNOR, 2014), e a práticas avaliativas eram essenciais para identificar condições particulares dos alunos e justificar tanto a elegibilidade aos serviços educacionais especializados, tais como as classes e escolas especiais, quanto a exclusão destes alunos das classes comuns, (BASTOS, 2002). A partir do movimento pela inclusão escolar, a avaliação deixa de ter a finalidade de retirar esses alunos das classes comuns, mas sim de garantir o direito dos mesmos a escolarização com seus pares.
Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), todo aluno do público alvo da Educação Especial (PAEE), deve ser avaliado de modo que sejam identificadas suas necessidades para a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário. Nesse contexto a avaliação torna-se elemento fundamental para acompanhar o processo de ensino-aprendizagem, contribuir para o planejamento de oferta dos recursos necessários para viabilizar o seu sucesso educacional, assessorar as tomadas de decisão quanto a mudanças de estratégias/metodologia de ensino visando garantir a escolaridade do aluno (OLIVEIRA; CAMPOS, 2005).
De modo geral, pode-se dizer que a avaliação em Educação Especial tem três funções distintas: a) identificação e definição de elegibilidade, b) planejamento do ensino e a c) monitoramento da aprendizagem do aluno na escola (MENDES, 2010). A avaliação para identificação e elegibilidade parte da definição oficial de quem é o PAEE que é convencionada pela política educacional do país. A identificação é importante porque prevê alguns direitos adicionais, pois para além da frequência a uma classe comum os estudantes do público alvo da Educação Especial terão direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) (BRASIL, 2008). Além da colocação dos alunos em serviços específicos de apoio, cabe aos profissionais avaliar para planejar o ensino e acompanhar o desempenho dos alunos ao longo do percurso de escolarização, de modo a garantir a oferta de recursos necessários que viabilizem o êxito acadêmico dos mesmos (CAMPOS; OLIVEIRA, 2005). O presente relato descreve e analisa o processo de avaliação dos alunos PAEE, na visão de profissionais da Educação Especial de um município paulista de médio porte.
Metodologia
Participantes
Sete professores de Educação Especial responsáveis pelo atendimento educacional especializado (AEE) em salas de recursos multifuncionais (SRM), de uma rede municipal. Todos os participantes eram formados em pedagogia com habilitação e/ou especialização em Educação Especial, sendo um deles mestre em Educação Especial, seis do sexo feminino e um do sexo masculino.
Local
Município de médio porte do interior de São Paulo, com cerca de 200 mil habitantes, a maioria concentrada na área urbana, com população escolar de 33.963 alunos (nas redes: municipal, estadual, conveniadas e projetos), e 1.314 matrículas de alunos PAEE (IBGE, 2010).
Procedimentos
Foram realizados oito encontros quinzenais de cerca de 90 a 120 minutos de duração, para discussão de temáticas norteadoras da investigação, um dos quais sendo a questão da avaliação do estudante PAEE. Os encontros visavam a descrição e reflexão sobre a prática, a partir de diálogos entre participantes e dois pesquisadores que conduziram os grupos focais. Todos os encontros foram videogravados, e posteriormente transcritos. Os dados foram extraídos de dois dos encontros nos quais o tema específico da avaliação do estudantes PAEE foi abordado.
A transcrição dos áudios foi analisada qualitativamente usando-se o software Atlas.Ti. Após a indexação da transcrição no software, procedeu-se a leitura do mesmo e a marcação de trechos do documento selecionados pelo pesquisador, considerados relevantes para responder ao objetivo da pesquisa (citações ou codificação). Cada citação pode ser dividida em trechos que correspondem a uma categoria (código), as quais foram elaboradas de acordo com o conteúdo presente nas transcrições. Posteriormente as categorias foram agrupadas em famílias de categorias, de acordo com a identificação umas com as outras. A Tabela 1 a seguir apresenta as famílias estabelecidas, assim como o número de códigos e citações (excertos) presentes em cada família.
Resultados e Discussão
Os resultados, baseados nas famílias, foram sintetizados e organizados nos seguintes temas: a) avaliação para identificação; b) A questão do diagnóstico clínico, c) Avaliação para planejamento, d) Plano de atendimento, e) Avaliação do desempenho no AEE, f) Avaliação do rendimento acadêmico, g) Retenção/ promoção e h) Participação em avaliações de larga escala.
a) Avaliação para identificação
A Figura 1 ilustra o percurso relatado pelos participantes em relação ao processo de identificação do aluno PAEE no ensino comum, com suspeita de deficiência intelectual, uma vez que os alunos com deficiências sensoriais e transtornos globais do desenvolvimento já chegavam à escola identificados.
Assim, o responsável por levantar a suspeita era o professor do ensino comum, a partir da observação do rendimento do aluno nas atividades realizadas em sala de aula. Para alguns autores essa prática se justifica uma vez que os professores têm a condição privilegiada de estar em contato direto com os alunos em sala de aula diariamente e conseguir comparar o desempenho dos alunos (FERNANDES & VIANA, 2009).
Uma vez levantada a suspeita, o professor do ensino comum entrava em contato com a coordenação pedagógica da escola, que realizava uma pré-avaliação, e encaminhava o estudante para a equipe de Educação Especial, da própria escola ou à outra, pertencente a mesma região. Os professores especialistas da SRM iniciavam uma avaliação dos casos encaminhados seguindo protocolo elaborado pela equipe da secretaria de educação, e adaptada às especificidades dos estudantes. Caso profissionais sentissem necessidade de outras avaliações, os casos eram encaminhados para diferentes serviços existentes no município (instituição especializada ou serviços de saúde). Contudo, o profissional da educação especial da escola era o ponto de referência, e destaca-se nos relatos a dificuldade de acesso a outros especialistas do sistema de saúde, o que, no município estudado, acabava culminando no encaminhamento para uma instituição especializada, que era o público alvo de interesse da clientela instituição especializada.
A equipe de profissionais da Secretaria Municipal de Educação era composta por uma fonoaudióloga, uma psicóloga e uma pedagoga, para auxiliar as 54 unidades de ensino existentes no município. Cumpre destacar que essa equipe não era exclusiva da Educação Especial, e essas profissionais recebiam todos os encaminhamentos da rede. A psicóloga, por exemplo, era mais demandada para casos de indisciplina, maus-tratos infantis ou outras situações de vulnerabilidade da criança. A fonoaudióloga tinha uma atuação mais próxima do professor especializado, realizando avaliações fonoaudiológicas, orientando atividades e acompanhando alguns casos. Assim, embora existisse essa pequena equipe, as condições de trabalho e a demanda de atendimentos inviabilizava uma atuação mais efetiva, e denunciava a falta de suporte multiprofissional para lidar com as demandas presentes no cotidiano das escolas.
Outro ponto de destaque refere-se ao tempo entre o encaminhamento realizado pela equipe de Educação Especial e o retorno do resultado, pois quando os alunos eram encaminhados para a instituição especializada, o tempo decorrido entre o encaminhamento e o retorno variava de dois a quatro meses. Quando envolvia o setor de saúde do município, não havia estimativa, chegando a anos de espera pelo retorno em alguns casos. Tal situação denuncia a dificuldade do trabalho em rede entre a saúde e educação, especialmente quando o laudo se torna um condicionante para acesso ao AEE. Cabe destacar que em alguns bairros havia serviço em rede estabelecido, e neste caso o atendimento ocorria mais rápido.
Enquanto aguardavam retorno da avaliação a escola vivia sempre o conflito de decidir matricular ou não o aluno, ainda não identificado, na SRM, e a norma era de absorver esse público “em espera”, desde que houvesse vagas disponíveis.
b) A questão do diagnóstico clínico
Ao longo da coleta de dados ficou evidente o conflito dos profissionais em relação a importância do diagnóstico clínico ou laudo para definir a elegibilidade do aluno ao AEE. O Quadro 1 a seguir apresenta os relatos dos professores a respeito do diagnóstico.
Por um lado, os professores consideravam que o diagnóstico favorecia o atendimento, fornecia dados a respeito da condição do aluno, o que facilitava o planejamento das atividades, além de possibilitar acesso a serviços. Por outro lado, consideravam que, às vezes, o laudo resumia-se à função de definir a elegibilidade do aluno ao AEE, e cumprir questões burocráticas e financeiras, como o cadastro no sistema público de processamento de dados, e o consequente recebimento, pela escola, do valor da dupla matrícula do aluno que frequentava classe comum e AEE.
Assim, embora a Nota Técnica 04/2014 do MEC/SECADI/DPEE, indique que a elegibilidade do aluno para o AEE não está condicionada ao laudo clínico, visto que o atendimento nesse contexto tem cunho pedagógico e não clínico, e o pagamento da dupla matricula pudesse fomentar a identificação, em algumas condições mais complexa, como no caso da deficiência intelectual, transtornos do espectro autista e altas habilidades/superdotação, as escolas e os professores não pareciam confortáveis em assumir a responsabilidade pela identificação e rotulação do alunado, e a exigência do laudo parecia tornar o processo, supostamente mais criterioso.
c) Avaliação para planejamento
Definida a elegibilidade do aluno para o AEE, iniciava-se o segundo processo de avaliação, para identificar as potencialidades do aluno, aspectos a serem desenvolvidos para garantir a participação e aprendizagem. Os participantes responsáveis pelo AEE relataram utilizar nesta etapa um roteiro de habilidades elaborado pela equipe, o Guia Portage (Williams & Aiello, 2001) e as provas piagetianas. A aplicação dos instrumentos dependeria da condição do aluno-alvo, mas o roteiro de habilidades era aplicado a todos os alunos (“Mesmo que ele venha com um diagnóstico fechado essa ficha de habilidades é aplicada (...) eu preciso saber em termos de aprendizagem o que é que eu vou trabalhar com ele (22:650-22:955)”).
Nesta etapa os professores relataram a necessidade de avaliar habilidades desenvolvimentais a partir de inventários, roteiros e provas, mas sem qualquer referência a instrumentos e procedimentos de avaliação baseados no currículo da classe comum que o aluno frequentaria. Ao final da avaliação para planejamento todos os alunos tinham como documentação: ficha cadastral, ficha de anamnese, relatório da avaliação, resumo inicial e plano de atendimento.
d) Plano de atendimento
O plano de atendimento era considerado o coração das atividades desenvolvidas com o aluno no AEE, e se referia as atividades a serem implementadas no ambiente da SRM, em geral, divorciado do ensino da classe comum. De fato, esse plano de atendimento era bimestral, previa as habilidades (interação social, linguagem escrita e comunicação oral) que deveriam ser trabalhadas com o aluno em cada atendimento previsto no período. Entretanto, alguns participantes indicaram que, às vezes, havia influência do professor do AEE no planejamento da classe comum, como pode ser visto no excerto abaixo.
Esse ano aconteceu uma coisa muito legal, as coordenadoras da escola planejaram dentro do conteúdo do que estava sendo trabalhado em sala de aula, elas tiveram a preocupação de nos procurar, e falou “olha, a gente está pensando em aplicar isso, pra esse aluno que tem deficiência, você acha que está legal, está adequado, está fundo muito do conteúdo que a sala está trabalhando?”, então existe essa parceria. (28:404-28:1043)
Vale destacar que no município estudado, havia a presença em escolas públicas municipais do professor de ensino colaborativo ou coensino[1], um modelo alternativo de apoio do professor especialista cujo trabalho é junto com o professor regente na classe comum. No caso dos participantes, alguns deles trabalhavam no AEE, tanto na SRM como na classe comum, enquanto que outros trabalhavam exclusivamente na SRM. O que parece evidente é que o AEE no modelo de coensino parece favorecer mais a troca de saberes e parcerias no planejamento visando o currículo na classe comum, do que o AEE na SRM (MENDES, VILARONGA; ZERBATO, 2014).
e) Avaliação do desempenho no AEE
De acordo com os participantes as avaliações realizadas eram: (1) resumo do caso comparando-se início e final do ano; (2) Portfólio; e (3) Diário de atendimentos, com anotações de frequência, atividades desenvolvidas, conteúdo e o desempenho do aluno na atividade. Nota-se que as avaliações realizadas pelos professores da SRM eram exclusivamente qualitativas, baseadas no julgamento dos mesmos a respeito dos avanços do aluno nos objetivos propostos. Novamente neste tópico destaca-se que a avaliação do desempenho dos alunos na SRM referia-se exclusivamente ao que era feito no AEE, sem referência ao desempenho do aluno na classe comum, e nas medidas relacionadas ao currículo da classe que o aluno frequentava.
f) Avaliação do rendimento acadêmico
O Quadro 2 a seguir apresenta os relatos dos professores a respeito dessa questão, organizadas em nove categorias identificadas a partir dos relatos.
Assim, embora existam orientações aos professores para buscarem apoio dos professores especialistas para realizar as adequações necessárias nas avaliações dos alunos PAEE, na prática a avaliação depende das concepções que os professores do ensino comum têm a respeito das capacidades do aluno, da função da avaliação, da atitude em relação à filosofia de inclusão escolar e da função da escolarização que eles atribuem para alunos PAEE.
Como pode ser notado, alguns professores resistem em alterar suas práticas avaliativas e, além de não acomodarem as avaliações, não mudam sua postura quanto a mensuração dos avanços dos alunos. Em um extremo, o professor desconsidera qualquer habilidade do aluno e atribui o menor conceito, sob a justificativa de que se trata de um aluno da Educação Especial. No outro extremo, dá-se o conceito máximo, também sob a justificativa de ser um aluno especial. Por outro lado, há aqueles que atribuem a regra “se é da Educação Especial, então dou 5!”. Enfim, não há critérios estabelecidos para se atribuir conceitos aos estudantes PAEE, e isso dificulta o monitoramento do desempenho do aluno na classe comum.
Há que se valorizar, contudo, algumas boas práticas indicadas pelos participantes de acomodações nos processos e instrumentos de avaliação, na busca por apoio do professor especialista para adequar as avaliações e compreender melhor o funcionamento e a capacidade dos alunos presentes em sua sala de aula.
g) Retenção/ promoção
Na esteira da avaliação do rendimento, surge o questionamento sobre a decisão de aprovação/retenção do aluno PAEE. Quanto à aprovação, os professores apresentaram falas como “aluno com deficiência não pode ser reprovado”. (62:515-62:724), e quanto a reprovação, aspectos como “[...]as vezes a criança estava ali na quarta série já com quinze anos. (61:1084-61:1283)”. Entre esses dois extremos da questão, as participantes apresentaram posturas mais reflexivas sobre as práticas atuais a esse respeito:
Se o fato de permanecer mais um ano ele vai, adquirir os conteúdos, vai trazer um benefício, a gente sempre fala assim, o que que vai ser mais complicado o fato dele não seguir com a turma [...] então é uma análise de caso a caso (63:190-63:471)
Segundo os participantes, dentre os aspectos levados em consideração na hora de decidir sobre a trajetória acadêmica dos alunos PAEE, não havia mais o predomínio do domínio de conteúdo (“Não é mais do conteúdo não” (65:306-65:354), mas considerava-se também a idade, aspectos de conveniência na organização e funcionamento das escolas, como pode ser notado no trecho a seguir:
Mais ou menos assim a escola que eu estou, tem pelo menos oito primeiros anos para você ter uma ideia, e quatro quintos anos, então quer dizer a gente está falando de redistribuição desses alunos. Esses oito primeiros anos vão ter que ser absorvidos nas séries iniciais, como que você vai ficar retendo tantos alunos também, não dá. Então eu acho que muitos critérios são levados em consideração. (65:1069-66:95)
A despeito dessa tentativa de discussão dos casos e consideração de diferentes variáveis para definir a aprovação/reprovação, a norma adotada, em geral, era de que quando o aluno tivesse um diagnóstico, ele não ficava retido (“Com diagnóstico não. Sem diagnóstico sim (66:520-67:430)”), exceto quando não havia assiduidade à escola.
h) Participação em avaliação padronizadas
No município avaliado os alunos da educação básica participavam de três provas padronizadas: a Prova Brasil[2], o SARESP[3] e uma avaliação municipal. Segundo os participantes, em algumas dessas avaliações havia adaptações para os alunos, como por exemplo, presença do ledor e tempo estendido para a realização da prova.
Entretanto, quanto a participação em provas de larga escala, alguns participantes citaram que os alunos do PAEE eram convidados a ficar em casa nos dias em que ocorriam essas avaliações (“Não vão para a escola. (50:369-50:398”), pelo receio da escola ter seus indicadores rebaixados pelo desempenho do aluno com deficiência, apesar de tal prática nas escolas municipais ser desencorajada pela gestão do município.
Em síntese os relatos sobre a participação dos alunos do público alvo da Educação Especial em provas de larga escala indicaram condições variadas, desde a colocação de barreiras até procedimentos para garantir a participação. Segundo vários relatos, as barreiras à participação eram impostas mais nas escolas da rede estadual do que nas escolas municipais. Finalmente cabe estacar que as acomodações permitidas nas provas de larga escala, eram de acesso, tais como ampliar o tempo, prover ledores, provas em braile, etc. não havendo relatos sobre adaptações de conteúdos e nos critérios de avaliação.
Considerações Finais
Os resultados evidenciam as tensões existentes nas escolas quanto ao que, quem e como avaliar os alunos do PAEE, visando tanto a definição de elegibilidade, ao planejamento do ensino e ao monitoramento da aprendizagem.
O aluno PAEE pode chegar a escola já identificado, o que provavelmente acontece a uma minoria de estudantes cujas condições são de alta visibilidade, como é o caso das deficiências sensoriais, física e determinadas síndromes, e por isso são identificadas pelo sistema de saúde ou mesmo pela própria família. Entretanto, a grande maioria de estudantes, particularmente aqueles com suspeita de deficiência intelectual, são identificados pela escola, incialmente por um professor do ensino comum. Entretanto, há que se ressaltar que esse processo de triagem pode conter vieses de gênero, raça, nível socioeconômico, desvantagens culturais e background (MENDES, LOURENÇO, 2009). Portanto, deixar essa responsabilidade pela triagem inicial para um professor do ensino comum, ou mesmo para o professor especializado, pode tornar o processo pouco criterioso.
No tocante a avaliação para o planejamento e do desempenho os relatos dos professores indicam que os problemas ainda são muitos e as práticas vigentes parecem perpetuá-los. As orientações técnicas previstas em documentos oficiais (BRASIL, 2001; BRASIL, 2006) ainda conduzem a uma prática centrada no aluno e na deficiência, reproduzindo o modelo médico de avaliação. Tal visão centralizada no aluno acarreta em entraves para se realizar um planejamento conjunto entre o ensino na classe comum e na SRM. Logo, a realidade aponta para um planejamento restrito ao que vai acontecer no AEE, calcado nas dificuldades do aluno, não considerando, portanto, todo o processo de escolarização do mesmo. Como consequência a avaliação do desempenho do aluno também sofre com esse divórcio entre o ensino na SRM e na classe comum.
Finalmente destaca-se que as práticas das avaliações em larga escala foram acentuadas a partir da criação e vigência dos fundos (FUNDEB e FUNDEP), de tal modo que as mesmas passaram a ser um parâmetro de financiamento do setor educacional. Contudo, as mesmas devem contribuir para a melhoria da qualidade do ensino brasileiro, para a redução das desigualdades, além da democratização do ensino público (SILVA; MELETTI, 2012), mas apenas uma parcela pequena de alunos PAEE participam efetivamente dessas avaliações, não revelando a realidade presente nas instituições de ensino.
Apesar da realidade descrita no presente trabalho ser restrita a um município, com suas particularidades, consta-se que os resultados aqui encontrados também são evidenciados em vários outros municípios (MENDES, CIA, D´AFFONSECA, 2015). Espera-se que essa realidade, mais uma vez exposta, contribua para a reflexão sobre a necessidade de melhorar os processos de avaliação dos estudantes do PAEE nas escolas se o objetivo é, de fato, garantir o direito à educação a essa parcela da educação, e consequentemente, de se construir um sistema educacional mais inclusivo no país.
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Notas