Resenha
FREITAS Luis Carlos de.. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias.. 2018. São Paulo. Expressão Popular. 160pp. |
---|
RESENHA
Luiz Carlos de Freitas é um professor com profundos conhecimentos na área de história, política, economia, cultura e da educação nacional e internacional. Preocupado com a defesa da democracia e do direito à educação pública no Brasil, realizou várias pesquisas e publicou diversos artigos e livros científicos em sua produtiva carreira acadêmica. Nas últimas décadas, tornou-se um expoente radical no campo da política e da avaliação educacional, combatendo criticamente a esfinge das políticas neoliberais na educação pública, estandardizadas e antidemocráticas, que segregam, excluem e negam todas as diferenças sócio-histórico-culturais, tornando-se verdadeiras necropolíticas que objetivam a destruição da educação pública.
Freitas graduou-se em pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1970; ingressou no ano de 1985, como professor, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Concluiu o doutorado em Ciências (Psicologia Experimental), pela Universidade de São Paulo, em 1987. Em 1994 concluiu sua tese de Livre-Docência e, em 1996, seu Pós-Doutorado, na Universidade de São Paulo, período em que combinou estudos sobre teoria pedagógica em Moscou. Pesquisa na área de Educação, com ênfase em Avaliação da Aprendizagem e de Sistemas; Políticas Públicas; Neoliberalismo; Didática; Organização do Trabalho Pedagógico; Progressão Continuada e Ciclos de formação.
Foi diretor da Faculdade de Educação da Unicamp em duas gestões; foi coordenador do Laboratório de Observação e Estudos Descritivos (LOED), grupo de pesquisa em avaliação educacional. Atualmente, é professor titular colaborador (aposentado) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
O livro de Freitas intitulado “A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias”, escolhido pela Comissão Editorial da Revista de Políticas Públicas (RPP), para o Dossiê Temático: “REFORMAS REGRESSIVAS E POLÍTICAS PÚBLICAS: afirmação do direito à educação como desafio contemporâneo” é um livro escrito em um contexto em que as ideias e as práticas neoliberais retornam ao cenário brasileiro com força total, principalmente a partir do golpe empresarial-parlamentar de impeachment, em 2016, contra a presidenta eleita Dilma Rousseff (janeiro de 2011 a agosto de 2016), da posse presidencial de Michel Temer (agosto de 2016 a janeiro de 2019) e, também, da tão questionada eleição presidencial de 2018, que deu posse em janeiro de 2019 ao Presidente Jair Messias Bolsonaro, filiado ao Partido Social Liberal (PSL), tendo como seu Ministro da Educação, atualmente, Abraham Weintraub.
Freitas divide suas análises, nesta obra, em dez capítulos convergentes, sendo: o primeiro, - Origens e fundamentos da reforma: breve contextualização. O segundo, - Os novos “reformadores”. O terceiro, - Privatização ou publicização? Existe “meia” privatização? O quarto capítulo, - Evidência empírica, ética e privatização.
Nestes quatro capítulos, Freitas, caracteriza as origens das reformas empresariais da educação em curso no Brasil, porém, aceleradas como nunca, após o golpe empresarial-parlamentar de 2016. Mostra como estas reformas estão totalmente dependentes de uma concepção de educação baseada na defesa do livre mercado. Este conceito de sociedade entende que a qualidade da educação depende, exclusivamente, da inserção das escolas, professores e estudantes em um mercado concorrencial, do qual ela emergiria, então, sem interferência do Estado. Deriva daí o conjunto de recomendações que propõe privatizar a educação (por terceirização e/ou vouchers) e instalar processos de padronização da educação através da dinâmica entre base nacional comum curricular, sistemas de avaliação baseados em testes censitários e responsabilização meritocrática como indutores da inserção da educação no mercado.
Após descrever os processos em que se deram os movimentos da reforma empresarial, sobretudo, nos Estados Unidos da América, no Chile e no Brasil, Freitas apresenta outros dados, frutos de novas pesquisas, nos seguintes capítulos: no quinto, - Padronização, testes e accountability: a dinâmica da destruição. No sexto, - Obstruindo a qualidade da escola pública: mais implicações éticas. No sétimo, - Controlar o processo, precarizar o magistério. E no capítulo oitavo, - Impactos nos estudantes: “toda a escola, seeentido!” Todos os dados indicados nestes capítulos evidenciam que os efeitos nefastos destas políticas nas escolas, no magistério e nos estudantes não apresentam, por oposição, possibilidades concretas de melhorias na educação, dado que dificultam o desenvolvimento de outras formas mais profícuas para se mudar a escola pública, promovendo a estagnação de sua qualidade.
Nestes oito capítulos que se completam gradualmente, Freitas nos oferece elementos para que se entenda com profundidade o processo histórico da reforma empresarial da educação pública brasileira e sua dinâmica, construída com base nas teses da “nova direita” e que reorganiza velhas ideias que se julgava superadas e angaria apoio para implementar suas lógicas mercadológicas. Uma tese é hegemônica quando é facilmente aceita e justificada, sem muitos esforços, fazendo convergir para si o apoio da mídia, empresários, políticos, acadêmicos e educadores. Ao mesmo tempo, apresenta um conjunto de dados que constituem um grande alerta social, evidenciando que, eticamente, essa perspectiva mercantilista para a educação não tem condições de orientar políticas públicas, mesmo depois de décadas de exercitação em vários países, concebendo a qualidade como um processo de inserção das escolas em um livre mercado educacional.
Para o autor, não parece ético que a educação seja colocada a serviço dos interesses de um setor da sociedade fortemente determinado a controlar os conteúdos, métodos e finalidades da educação, ou seja, o empresariado e suas fundações. Não é ético que continuemos a colocar na prática das redes públicas ideias que atingem milhões de jovens, se já temos o alerta de um conjunto de estudos significativo mostrando seus efeitos nefastos. Mesmo que a evidência disponível não seja declarada conclusiva, o nível de questionamento posto à reforma empresarial da educação recomenda que ela seja mantida fora das escolas e da política pública educacional. Esta dupla interdição é uma questão ética, antes que científica.
As análises feitas por Freitas demonstram a ilusão de limitar os processos de privatização, categoria central da reforma, à terceirização para organizações sociais com ou sem fins lucrativos, adicionando regulação à própria essência do livre mercado que fundamenta a reforma empresarial. Na verdade, ela se constitui em momento inicial da privatização, destinado a criar um mercado educacional que avança progressivamente para estágios mais avançados. Uma “regulação da atividade privada” não é compatível com a ideia de “livre mercado e não intervenção do Estado”, sendo, na prática, irrealizável. Não existe quase mercado, a não ser como preparação para o livre mercado.
Por um caminho ou por outro, a passagem da escola pública, uma instituição social historicamente construída, para uma organização empresarial de prestação de serviço, insere a escola e a formação da juventude na lógica incerta do livre mercado, como uma empresa, gerida por acionistas. Além disso, permite que o controle da gestão da escola garanta que as adaptações necessárias para a escola atender aos novos requisitos da atividade produtiva sejam realizadas sem riscos de demandas políticas fora do limite do status quo. Aos poucos, o controle público das instituições é substituído pelo controle de grupos econômicos privados e seus interesses particulares.
A ideia de um país que coloca seu sistema de ensino na lógica do mercado deveria, por si, ser perturbadora. Como em qualquer outro mercado, nele, as unidades operativas subsistem se geram lucro ou, no melhor dos casos, se não dão prejuízo. Unidades podem ser abertas ou fechadas a qualquer tempo, cabendo aos “clientes” encontrar alternativas. Quando tais unidades são escolas e são fechadas de uma hora para outra, as crianças e seus pais têm que procurar outras escolas disponíveis e até que as encontrem os prejuízos se somam na formação dos estudantes, além de outros transtornos.
Uma escola inserida no mercado também se converte em espaço de geração de lucro. Grupos financeiros disputam o controle de escolas pertencentes a operadoras terceirizadas, com ou sem fins lucrativos expressos. O controle financeiro dessas cadeias é negociado nos mercados globais e o risco de sua subordinação aos interesses de mercado e de uma desnacionalização da formação da juventude do país é real.
No plano conceitual, os danos não são menores. A competição, socialmente falando, é um jogo em que se busca vencer o outro. Parte de uma concepção em que a luta pela sobrevivência de uns está posta em detrimento de outros. A solidariedade se transforma em algo do passado.
A privatização da escola impõe um modelo de gestão pautado por conceitos empresariais, de forma verticalizada, orientando, assim, a prática do individualismo e da competição, validando, na sociedade, formas de organização limitadas e injustas, bem como a reprodução de processos culturais relacionados à violência cultural e ao não reconhecimento das diferenças raciais e de gênero.
Instaurar a competição no interior das escolas também propicia que a sua prática educativa, por excelência colaborativa, se converta em algo fragmentado e baseado na concorrência, atingindo não só os professores, mas, também, os próprios estudantes. Nessa concepção excludente, “melhora-se” a qualidade da escola fechando aquelas que não apresentem índices satisfatórios, eliminam-se estudantes submetidos a testes padronizados estreitos e sucessivos e demitem-se professores que não são considerados eficientes. Reproduz-se, nos sistemas educativos, o mesmo conceito de sociedade que a “nova direita” assume para seus propósitos elitistas: o darwinismo social, a lei do mais forte, em uma proposta de sociedade orientada ao livre mercado competitivo.
Se posicionar de maneira crítica à reforma empresarial da educação não significa afirmar que na escola pública esteja tudo bem. Implica reconhecer que existem alternativas a serem construídas para melhorá-la. Assume que melhorar a escola pública é diferente de querer destruí-la, como faz, na prática, a reforma empresarial da "nova" direita.
Para Freitas, isto é de grande gravidade, pois a reforma empresarial não só produz efeitos negativos, como também ofusca as autoridades e toma o lugar de outras soluções colaborativas que poderiam estar sendo construídas, impedindo-as de se desenvolver: bloqueia, ela mesma, a própria evolução da qualidade da escola pública, ao apostar em métodos excludentes e de responsabilização verticalizada. Retira, paulatinamente, seu financiamento pela transferência de recursos públicos para contratos terceirizados, assessorias e finalmente pelos vouchers.
As políticas neoliberais querem que os pais se comportem como clientes irados e ajudem a eliminar escolas que não atinjam padrões arbitrários medidos por meio de avaliações arbitrárias e estreitas. Não é isso que devemos esperar da comunidade da escola. Devemos envolvê-la na crítica da sua escola e fazê-la interessar-se pela construção da qualidade da escola de seus filhos, pois, a melhoria da qualidade das escolas públicas deve ser vista como um processo de negociação de baixo para cima e não um processo de “responsabilização” de cima para baixo.
Por fim, nos capítulos, nono: - Um outro horizonte é possível; e no capítulo décimo, - Uma proposta para a resistência, são apontados elementos para uma política alternativa e um programa para a resistência, com vinte urgentes pontos a serem defendidos por todos os brasileiros que lutam pela democracia, pela educação pública, pela diversidade e pela cidadania com base em direitos conquistados.
Esta obra é indicada a estudantes das licenciaturas, professores, gestores públicos, e demais interessados em compreender, discutir e a defender a educação pública brasileira frente ao desmonte das necropolíticas neoliberais da "nova" direita. O livro não é de difícil entendimento, mas exige conhecimentos básicos em história da educação contemporânea e história da política geral do Brasil a partir dos anos de 1930. Contribui com grupos de pesquisa de mestrados e doutorados em diferentes áreas da educação, que buscam analisar o desafiador contexto político-econômico contemporâneo da educação pública brasileira.