Artigos - Temas livres
Recepção: 12 Fevereiro 2019
Aprovação: 03 Outubro 2019
Resumo: O artigo, referenciado em pesquisa bibliográfica e documental, objetiva abordar de que forma o Poder Judiciário e as funções essenciais à justiça contribuem na formulação e implementação de políticas públicas. Destaca-se o papel de “mediador” deste Poder, para atenuar situações de descumprimento de direitos, no exercício do seu papel de redimensionador do processo de tais políticas. Busca-se destacar o Neoconstitucionalismo para construção do protagonismo judicial nas políticas públicas, bem como estabelecer relação com princípios constitucionais que fundamentam a atuação do Judiciário e de outras instâncias que exercem funções de justiça nas políticas públicas. Conclui-se pela relevância das ações da Justiça para corrigir ineficiências ou insuficiências na implementação de políticas públicas, buscando garantir direitos constitucionais e, principalmente, a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Judiciário, Políticas Públicas, Princípio de separação de poderes, Princípio da reserva do possível.
Abstract: The article, referenced in bibliographical and documentary research, aims to address how the Judiciary and the essential functions of justice contribute to the formulation and implementation of public policies. It emphasizes the role of "mediator" of this Power, to mitigate situations of noncompliance of rights, in the exercise of its role of resizing the process of such policies. It seeks to emphasize Neo-constitutionalism for the construction of judicial protagonism in public policies, as well as establishing a relationship with constitutional principles that support the work of the Judiciary and other institutions that exercise justice functions in public policies. It is concluded that justice actions are relevant to correct inefficiencies or deficiencies in the implementation of public policies, seeking to guarantee constitutional rights and, above all, the human dignity.
Keywords: Judiciary, Public policies, Principle of separation of powers, Principle of reservation of the possible.
1 INTRODUÇÃO
Políticas Públicas significa Estado em ação, enfatizando as ações governamentais (“policies”). É uma questão técnica, mas também de valores (axiológica), implicando em intervenção na economia e na relação Estado e Sociedade. Tais políticas podem ser pensadas como intervenção na ordem, seja para recompor ou mudar a ordem estabelecida, seja pela ótica de se dar uma resposta a demandas sociais. Em resumo, é um processo socialmente construído, de natureza circular, contraditório, que implica em luta e pode envolver recursos e diversos sujeitos e interesses (SILVA, 2013). É, no dizer de Dye (2008), aquilo que os governos fazem ou deixam de fazer.
Até que sejam implementadas e avaliadas, as políticas públicas passam por um processo, que vai desde a sua concepção, que implica primeiramente na identificação de uma demanda social, com a posterior escolha de uma determinada alternativa para elaboração de uma política ou programa em resposta a demandas e pressões de movimentos organizados da sociedade.
Esse é um processo, denominado por Silva (2013), de movimento das políticas públicas, por se tratar de ações circulares, inter-relacionadas e interdependentes. Movimento que é complexo, ininterrupto e movido por poder, tensões e interesses de um conjunto de sujeitos que participam desse processo.
A autora aponta inicialmente a constituição do Problema e da Agenda governamental. Trata-se de um movimento composto por
[...] uma lista de problemas ou assuntos que chamam a atenção da sociedade e do governo, podendo, por força da pressão social, assumir visibilidade e transformar-se em questão social, e quando merecedora de atenção do poder público, transforma-se em política pública (SILVA, 2013, p. 22-23).
O início do processo das políticas públicas se dá com uma pergunta, um pedido ou demanda. Tem-se então o movimento de constituição do problema, que será objeto da construção da agenda governamental. Uma vez o problema posto na sociedade, este adentra a agenda pública, iniciando-se um processo de disputa de poder que conduz a movimentos de escolha de alternativas que ficam sujeitas a decisões ou a não decisões dos governos. Da agenda pública ou agenda social, tem-se a construção da Agenda Governamental, encaminhando-se para formulação de alternativas de política. Trata-se do “movimento de pré-decisão, abrangendo e constituindo-se de diagnósticos sobre a situação problema, alternativas para seu enfrentamento, indicando o conteúdo geral do programa, os recursos, o aparato institucional e responsabilidades [...]” (SILVA, 2013, p. 25).
Segundo Silva (2013), o movimento das políticas públicas segue, de modo circular, focalizando um ou mais itens da agenda governamental, em direção à construção do movimento denominado pela autora de Adoção da Política: esse é um “movimento decisório de escolha de uma alternativa para enfrentamento da situação problema” (SILVA, 2013, p.25), quando a política é transformada num programa com bases em critérios técnicos e em critérios políticos para, então, direcionar-se para construção do movimento, possivelmente o mais complexo, que é a Implementação. A implementação envolve “um processo complexo que mobiliza instituições, diferentes sujeitos, com interesses e racionalidades diferenciadas, recursos e muito poder” (SILVA, 2013, p.26).
O movimento processual das políticas públicas pode permitir a reelaboração ou produzir mudanças na proposta de política inicialmente formulada durante a sua implementação, isso porque a implementação de um programa, pela sua complexidade e duração, permite a entrado e saída de sujeitos que não participaram dos movimentos anteriores. Segundo Arretche (2001): “Alternativamente, programas cujo desenho final supôs um complexo processo decisório serão necessariamente implementados por agentes que não participaram do Processo de formulação” (ARRETCHE, 2001, p. 46). Ademais, diz ainda a autora: “Um programa é, então, o resultado de uma combinação complexa de decisões de diversos agentes” (ARRETCHE, 2001, p. 47).
Perpassando todo o processo das políticas públicas, tem-se o movimento da Avaliação da Política, que implica num julgamento de valor, que consiste na verificação de resultados anteriores, concomitantes e posteriores à implementação da política. A princípio, a avaliação se volta para verificação do cumprimento dos objetivos e identificação de impactos (avaliação de processo, avaliação de impacto), todavia a própria proposta da política pode ser objeto de avaliação, o que é denominado de avaliação política da política (SILVA, 2013).
Portanto, a política pública deve ser vista como um processo inacabado, em contínuo movimento de interação com uma estrutura de relações de grande complexidade e um ambiente exterior também complexo e em movimento (SILVA, 2013).
É na constituição do processo de políticas públicas que sujeitos sociais entram, saem, permanecem e contribuem, desde a constituição de um problema, que passa a ser objeto de atenção do Estado, escolha de alternativas de política, formulação da política, implementação e avaliação da política.
Em determinados movimentos do processo das políticas públicas é que o Poder Judiciário e as funções essenciais à justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Privada) configuram-se como sujeitos de formulação e implementação de Políticas Públicas, o que se constitui objeto de reflexão do presente artigo.
Para abordar o tema, é inicialmente apresentado um panorama histórico do movimento Neoconstitucionalista, enquanto construção que alargou o papel do juiz no contexto social brasileiro, aspecto inteiramente relacionado com o que se denomina ativismo judicial, momento a partir do qual se pode falar no protagonismo judicial nas políticas públicas. Segue-se apresentando o Poder Judiciário como sujeito das Políticas Públicas, onde são apontados os fundamentos e situações empíricas no campo específico da judicialização da política pública de saúde, a fim de ilustrar a atuação do Poder Judiciário nesse campo.
2 O NEOCONSTITUCIONALISMO E O PAPEL DO PROTAGONISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A evolução do constitucionalismo culminou com o neoconstitucionalismo, movimento que se intensificou após a segunda Guerra Mundial (1945), marcado por intensa relação com o ativismo judicial e, consequentemente, conferindo maiores possibilidades para que o Judiciário se constituísse enquanto sujeito de políticas públicas. Importante ressaltar que as “fases do movimento constitucionalista” são destacadas por razões meramente didáticas e a título de melhor elucidação do panorama atual, vez que se parte do pressuposto de que os movimentos sociais são dinâmicos, complexos e influenciados por diversas determinações sociais, políticas, ideológicas e relações de poder, e que a história não se apresenta de forma linear.
O movimento constitucionalista, que teve seu ápice no final do século XVIII, pode ser caracterizado como um dos frutos obtidos por meio da luta por direitos individuais e de liberdades das pessoas ao serem inseridas em um contexto de dominação pelo Estado.
Nesse sentido, pode-se dizer que as Constituições surgem, em sua origem, para limitar essa ação estatal, estabelecer a separação, independência e harmonia entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e conferir direitos no espectro individual. Nesse momento inicial, ainda não se pode falar em direitos sociais, vez que a ideia era de intervenção mínima do Estado. O que se ressalta nesse momento histórico é o liberalismo clássico que coloca a necessidade de limitação do poder político, após experiências absolutistas.
Constatando-se a insuficiência de atuação do Estado não interventor, e em razão do despontar do capitalismo como modo de produção hegemônico, com fundamentos no liberalismo, corroborar para a exclusão social e concentração de renda, o Estado passou a ser conclamado para evitar abusos e limitar o poder econômico. Culmina com o que autores como Uadi Lammêgo Bulos (2012) denominam de “segunda dimensão de direitos fundamentais”, que envolvem a inserção expressa de direitos sociais nos textos constitucionais da Alemanha (Weimar, 1919); México (1917), que influenciaram a Constituição Brasileira de 1934 e a ideia de um Estado Social de Direito implementado no governo de Getúlio Vargas.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e seus nefastos resultados (1945), houve uma clara tentativa de união entre as nações, o que caracterizou um movimento internacionalista que culminou com a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), criação da Organização das Nações Unidas (1945), exemplos concretos de reconhecimento dos direitos humanos como universais. Sabe-se, entretanto, que o reconhecimento formal desses direitos não garante que sejam materialmente efetivados.
O Neoconstitucionalismo ou pós-positivismo surge nesse contexto histórico, realçando a importância da força normativa da Constituição e a importância dos princípios constitucionais (passando estes a ser encarados com poder normativo dentro do ordenamento jurídico), bem como da positivação de direitos fundamentais (positivação como inserção de direitos de forma expressa no texto constitucional), o que se percebe claramente pela característica analítica da Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF-1988). Nesse aspecto, a CF-1988 possui somente no art. 5º setenta e oito incisos, encontrando-se ainda outros direitos fundamentais ao longo do texto constitucional.
A partir desse quadro histórico, é possível estabelecer relação entre o Neoconstitucionalismo e o ativismo judicial, por ser possível a criação de um espaço que motiva a instituição da judicialização no campo das políticas públicas, uma vez que estas se apresentem insuficientes ou ineficientes, mormente quando se percebe a grande quantidade de direitos reconhecidos constitucionalmente, o que, de certa forma, dificulta sua concretização de forma universal.
No Brasil, a CF-1988 apresenta-se como expressão do processo de redemocratização da sociedade, fazendo dessa Constituição também protagonista da expansão de direitos sociais e a busca de sua efetivação. O marco filosófico do novo Direito Constitucional é, portanto, o pós-positivismo. O debate sobre o novo Direito Constitucional situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas dicotômicos: o jusnaturalismo e o positivismo.
O quadro atual é assinalado pela confluência de um conjunto difuso e abrangente de ideias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo. A interpretação constitucional é uma modalidade de interpretação jurídica. Tal circunstância é uma decorrência natural da força normativa da Constituição, isto é, do reconhecimento de que as normas constitucionais são normas jurídicas, compartilhando de seus atributos. Porque assim é, aplicam-se à interpretação constitucional os elementos tradicionais de interpretação do Direito, de longa data definidos como o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico.
O exposto permite considerar que, no contexto do Neoconstitucionalismo, ocorre a positivação de direitos e garantias, e que o aspecto prático desses direitos envolve a formulação e implementação de políticas públicas. Nesse aspecto, cabe precisar que sujeito, no âmbito jurídico, deve ser considerado sujeito capaz de alguma forma e em algum momento interferir no processo das Políticas Públicas. Aqui tem-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça elencadas na CF/1988.
Sabe-se que o Judiciário segue o princípio da inércia, ou seja, carece de provocação para prestar a tutela pretendida, e a competência jurisdicional é exercida pelos juízes – primeira instância; segunda instância (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais) e terceira instância (Tribunais Superiores e o Superior Tribunal Federal - STF). Evidentemente que, para funcionar, o Poder Judiciário necessita das funções essenciais à justiça para que o provoque, momento no qual se revela a essencialidade do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e Privada (arts. 127 a 135 da CF-1988) como “instigadores” nesse processo, atuando junto ao Poder Judiciário.
3 O PODER JUDICIÁRIO COMO SUJEITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: fundamentação e ilustrações empíricas
No que se refere ao Poder Judiciário, muito se tem falado sobre sua participação na fase de implementação de políticas públicas através da judicialização, quando ineficientes ou inexistentes as políticas públicas elaboradas pelo Poder Legislativo. Ocorre que, na prática, essa judicialização pode ocasionar tensões principiológicas, como por exemplo no que se refere ao princípio da separação dos poderes, da reserva do possível em contrapartida ao princípio do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana.
Um exemplo clássico seria o não cumprimento de uma decisão judicial determinando que uma instância do Poder Executivo (a Secretaria de Saúde, por exemplo) garanta a realização de um procedimento cirúrgico a um usuário do Sistema Único de Saúde - SUS (direito à vida e direito à saúde, de um lado) em virtude de alegada interferência do Poder Judiciário nas atribuições do Poder Executivo, adentrando no âmbito administrativo de outro Poder da República. Aqui, a atuação do Judiciário se situa no movimento da implementação da Política Pública.
Entretanto, é importante mencionar o crescente papel do Judiciário e das funções essenciais à justiça, assumidas pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública e Privada, também como “mediadores” no processo de formulação de políticas públicas em momento anterior à judicialização, através da realização de audiências públicas, da conciliação, mediação e celebração de termos de ajustamento de conduta. É uma tendência que busca, entre outros objetivos, desafogar o Poder Judiciário. Tem-se, portanto, que o Poder Judiciário e outros órgãos que exercem funções essenciais ao serviço jurisdicional podem participar, tanto da formulação da política pública quando de sua implementação, através de diversos mecanismos, como as ações individuais e a possibilidade de controle de constitucionalidade, seja este difuso ou concentrado. Nesse panorama, percebe-se que a atuação deste Poder enquanto sujeito de políticas públicas se dá num amplo espectro.
Com efeito, a própria CF/1988 introduziu instrumentos adequados ao exercício de controle de políticas públicas, a exemplo das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade e de ações civis públicas, que podem ser ajuizadas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública; pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações e as associações já constituídas há pelo menos um ano e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Para melhor esclarecer, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINS) são ações próprias que podem ser ajuizadas quando a lei infraconstitucional está em desconformidade com a Constituição Federal. Nesse contexto, percebe-se que a judicialização de políticas não ocorre de forma isolada ou individual, o que se percebe claramente pela repercussão da atuação do Judiciário por intermédio do Supremo Tribunal Federal. É ao Supremo Tribunal Federal - STF a quem compete, em última instância, interpretar e guardar a Constituição e dar efetividade aos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Assim, é crescente o número de ADINS que são propostas para o Supremo, que, nesse contexto, praticamente tem assumido o papel do Legislativo e, por vezes, do Executivo, à medida que dita a base principiológica das leis brasileiras e edita cada vez mais súmulas vinculantes, além de determinar que sejam adotadas condutas de ordem prática pelo administrador.
No Brasil, a frequente inconstitucionalidade das leis infraconstitucionais levou a comunidade jurídica a socorrer-se nos princípios. O Poder Judiciário recebe uma quantidade excessiva de processos, momento em que o juiz precisa ponderar as regras e os fatos a partir dos princípios, que passam a ter força normativa.
Com as falhas do legislativo, os Tribunais Superiores têm recebido um grande número de ADINS, como já dito. O problema maior, contudo, é, quando declarada a inconstitucionalidade, resta um vazio legislativo, que muitas vezes não é preenchido pelo Legislativo. Para solucionar esse problema, o STF tem adotado interpretações conforme a Constituição que, muitas vezes, extrapolam o limite de sua competência, abrindo possibilidade de o Judiciário legislar. Segundo André Schmidt Neto (2009) a consequência é a aniquilação do controle heterogêneo, isto é, quem faz as leis acaba sendo o mesmo sujeito que as aplica, ante a omissão de outro Poder.
Passa-se agora ao ponto central da discussão, objeto deste artigo, qual seja, saber se o papel de protagonismo exercido pelo Poder Judiciário e as funções essenciais à justiça é ou não violação ao princípio constitucional da separação dos poderes, preconizado pelo art. 2º da CF-1988 e do princípio da reserva do possível.
Adentrando uma questão mais paradigmática, que concerne à divisão do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça elencadas na CF/1988, tem-se que o Judiciário segue o princípio da inércia, e a competência jurisdicional é exercida pelos juízes – primeira instância; segunda instância (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais) e terceira instância (Tribunais Superiores e o STF).
Atuando junto ao Poder Judiciário, a Constituição Federal elenca nos arts. 127 a 135 as funções essenciais que não se confundem com o Judiciário, mas o provocam para que tome decisões diante de conflitos. São estas o Ministério Público; a Advocacia Pública; a Defensoria Pública e a Advocacia Privada.
Toda a temática abordada até o momento está diretamente relacionada com alguns princípios constitucionais, dentre os quais se optou por dar ênfase para o da separação dos poderes. A defesa do Poder Executivo, exercida pelos Procuradores federais, estaduais e municipais (que atuam na defesa judicial e extrajudicial do Poder Executivo), afirma que, ao agir como efetivador de Políticas Públicas ineficientes, o Poder Judiciário estaria usurpando a atuação do Poder Executivo, que possui discricionariedade para agir, desde que de acordo com a lei, sendo este Poder, em última análise, o competente para eleger as Políticas Públicas “prioritárias”.
De fato, é inegável que os recursos estatais não são infinitos, e em muitos casos são insuficientes para atender a toda a demanda social. Tal dilema está diretamente relacionado ao princípio da reserva do possível, que pode ser entendido como a limitação da responsabilidade do Estado diante de impossibilidades materiais no cumprimento de determinada decisão judicial, sendo relevante, num primeiro momento, distinguir as duas vertentes do referido princípio:
Outrora desatento, o Judiciário passou a ser sensível à finitude de recursos, permitindo a discussão do tema no bojo da análise judicial: é o tema da reserva do possível ou pensamento do possível, que pode ser jurídica, quando o orçamento não permite determinado dispêndio, ou fática, quando comprovado não haver recursos para determinado pleito. Nesse sentido, farta a jurisprudência brasileira, embora ainda não ordenada num consenso. (LEITE, 2016, p. 53)
Nas análises dessas tensões principiológicas, na busca de identificar se a interferência do Judiciário, nesses casos, é violação ao princípio da separação dos poderes, Barbosa e Mendes (2017) elencam que o princípio constitucional “irradiante”, ou seja, que norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro e que deve pautar todas as ponderações entre conflitos principiológicos é o da dignidade da pessoa humana:
Os direitos fundamentais e humanos passam a ser afirmados como categoria autônoma, centralizado na valorização da pessoa e no enaltecimento do princípio da dignidade, cuja previsão expressa nos textos constitucionais dos Estados e das normativas internacionais restou efetivada através do processo de constitucionalismo, inaugurando uma nova era da tutela dos direitos humanos e fundamentais. Nesse contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana compreendido como fonte matriz geradora dos demais direitos fundamentais vêm atuar na valorização e proteção da pessoa, vinculando o Poder Público e outros particulares à sua observância (BARBOSA; MENDES, 2017, p. 2).
Dessa forma, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana vincula todos os Poderes da República, sendo certo que, na maioria das vezes em que o Poder Judiciário é provocado diante da ineficiência de políticas públicas, algum direito fundamental/social está sendo violado, negligenciado ou garantido de forma insuficiente. Em decorrência disto, em muitos casos haverá conflito principiológico entre as limitações estatais para garantir a todos o direito posto e o direito subjetivo de todos à saúde, educação e moradia, por exemplo.
Tais tensões principiológicas são extremamente corriqueiras, em virtude do papel de protagonismo exercido pelo Poder Judiciário no atual panorama brasileiro. Em muitos casos essas celeumas alcançam os Tribunais Superiores e, caso haja violação direta à Constituição Federal, são submetidas à análise do Supremo Tribunal Federal que, como já explicitado, é a última instância judicial no país, sendo relevante o estudo de seu entendimento em casos como os que aqui se discute.
Para ilustrar, algumas decisões emitidas pelo Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal explicitam a tensão principiológica envolvendo direitos fundamentais e o princípio da separação dos poderes, celeuma também relacionada com os princípios da reserva do possível e do mínimo existencial:
ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há que falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1107511 RS 2008/0265338-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/11/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/12/2013, grifo nosso)
Nessa decisão em particular, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça - STJ entende a possibilidade de controle de políticas públicas como algo excepcional, atentando para o fato que nem sempre tal controle poderá ocorrer. Ao decidir sobre a necessidade de efetivação do direito à saúde, o STJ entendeu pela não oponibilidade do princípio da reserva do possível em virtude de ser necessário garantir a todos um “mínimo existencial”, direito que se revela mais caro ao ordenamento jurídico, principalmente nos casos em que não haja comprovação específica da incapacidade orçamentária do Poder Público. Assevera, ainda, de forma elucidativa, que o princípio da separação dos poderes não pode ser alegado para afastar a incidência de direitos fundamentais/sociais.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO DE OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública em defesa de interesses individuais indisponíveis, como é o caso do direito à saúde. II - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise, a realização de tratamento médico por paciente destituído de recursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Portanto, o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação. III – Em relação aos limites orçamentários aos quais está vinculada a ora recorrente, saliente-se que o Poder Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente mensurável, não pode se furtar à observância de seus encargos constitucionais. IV - Este Tribunal entende que reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, não configura violação do princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro. V – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - RE: 820910 CE, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/08/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 03-09-2014 PUBLIC 04-09-2014, grifo nosso)
A decisão acima parte do entendimento da saúde enquanto direito fundamental, universal e indisponível, de caráter não contributivo. Portanto, o direito à saúde consta do rol de serviços a serem prestados pelo Poder Público de forma universal, mediante a adoção de políticas sociais, sem que para isso seja necessária qualquer contribuição do indivíduo, diferentemente do que ocorre com a Previdência Social, que possui caráter contributivo1.
Ocorre que, por ineficiência dessas políticas, ocasionadas por fatores como o excesso de demanda, a escassez de recursos, corrupção e a grande burocratização do aparato estatal, o direito à saúde, por vezes, deixa de ser concretizado, levando o indivíduo a situações de grave risco de morte, seja pela recusa no atendimento ou pela demora em prover o tratamento adequado. Por conseguinte, ineficiência na implementação de políticas públicas demanda ao Judiciário protagonismo e ativismo judicial.
As demandas para correções no atendimento de direito não atendidos no campo da política de saúde leva a considerar a aplicabilidade do que se denomina de Princípio da Reserva do Possível. Aqui se trata de forma mais específica acerca das tensões entre princípios que permeiam a aplicabilidade do direito à saúde. Principalmente nos casos em que ocorre a judicialização das demandas, é extremamente relevante mencionar o papel ativista que vem sendo atribuído ao Ministério Público e ao Poder Judiciário no contexto da judicialização de Políticas Públicas, tendo em vista que ambos se deparam constantemente com essas tensões principiológicas em casos complexos, que envolvem situações fáticas extremamente urgentes:
Em torno do Poder Judiciário vem-se criando, então, uma nova arena pública, externa ao circuito clássico 'sociedade civil – partidos – representação – formação da vontade majoritária', consistindo em ângulo perturbador para a teoria clássica da soberania popular. Nessa nova arena, os procedimentos políticos de mediação cedem lugar aos judiciais, expondo o Poder Judiciário a uma interpelação direta de indivíduos, de grupos sociais e até de partidos – como nos casos de países que admitem o controle abstrato de normas – e, um tipo de comunicação em que prevalece a lógica dos princípios, do direito material, deixando-se para trás as antigas fronteiras que separavam o tempo passado, de onde a lei geral e abstrata hauria seu fundamento, do tempo futuro, aberto à inflação do imaginário, do ético e do justo. Tal contexto institucional, dominante, em maior ou em menor medida, nos países ocidentais, além de expressar um movimento de invasão do direito na política e na sociabilidade, tem dado origem a um novo personagem da intelligentzia: os magistrados e os membros do Ministério Público. ‘Guardiães das promessas', na qualificação de Garapon, em meio ao mundo laico dos interesses e da legislação ordinária, seriam os portadores das expectativas de justiça e dos ideais da filosofia que, ao longo da história do Ocidente, se teriam naturalizado no campo do direito. (WERNNECK VIANNA et al., 2007, p. 149).
Quanto a uma das principais teses de defesa do Poder Público nos casos em que ocorre a judicialização de demandas relativas a direito à saúde, tem-se o apelo ao princípio da reserva do possível, citado anteriormente, que pode ser entendido como a limitação da responsabilidade do Estado diante de impossibilidades materiais no cumprimento de determinada decisão judicial, sendo relevante num primeiro momento distinguir as duas vertentes do referido princípio:
Outrora desatento, o Judiciário passou a ser sensível à finitude de recursos, permitindo a discussão do tema no bojo da análise judicial: é o tema da reserva do possível ou pensamento do possível, que pode ser jurídica, quando o orçamento não permite determinado dispêndio, ou fática, quando comprovado não haver recursos para determinado pleito. Nesse sentido, farta a jurisprudência brasileira, embora ainda não ordenada num consenso. (LEITE, 2016, p. 53).
Como já mencionado, outro princípio comumente invocado pelo Estado nos casos judicializados é o da separação dos poderes. No caso da política de saúde, cabe uma explicitação sobre princípios e sua aplicação no campo do Direito.
Em todos os ramos do Direito, as ideias mais gerais acerca de cada área são construídas através de princípios, que são pilares norteadores que buscam proporcionar um entendimento global da matéria. Em seu estudo sobre a teoria dos princípios, Ávila (2012, p. 37) cita Alexy (2008) e sua concepção acerca do conceito de princípio:
Alexy, partindo das considerações de Dworkin, precisou ainda mais o conceito de princípios. Para ele os princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. Com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, Alexy demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre os princípios: nesse caso, a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um princípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. Os princípios, portanto, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam as consequências normativas de forma direta, ao contrário das regras. (ALEXY, 2008, p. 75, grifo nosso)
Dessa forma, em momento algum se coloca em questão a carga normativa dos princípios, sendo estes caracterizados como uma espécie de norma. Uma espécie de norma específica, com características peculiares, como a generalidade, em que se trabalha com possíveis tensões de aplicabilidade e somente o caso concreto poderá revelar qual princípio possui mais peso em determinada situação. Concebe-se, dessa maneira, a importância da atividade interpretativa no que concerne à aplicação dos princípios.
Em sua obra A Teoria dos Direitos Fundamentais, ao tratar da estrutura dos direitos fundamentais, Alexy (2008) alerta para a importância de se diferenciar regras de princípios. Essa diferenciação, segundo o autor, possibilita entender a essência dos direitos fundamentais, sua teoria normativa, sendo, nesse ponto, essencial para a própria formatação da teoria que dá nome à obra do jurista. Defende, ainda, que a diferenciação deve ser precisa, para que se possa utilizar-se sistematicamente dessa distinção.
Primeiramente, cabe esclarecer que se parte do pressuposto de que tanto regras quanto princípios são espécies do gênero norma. Dessa forma, tanto regras quanto princípios possuem imperatividade e devem ser obedecidos obrigatoriamente, não se tratando de meras recomendações ou faculdades.
Para o autor, o maior critério capaz de distinguir princípios de regras não é a generalidade daqueles, e sim a característica de mandamentos de otimização dos princípios:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização [conceito que abrange também permissões e proibições], que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas (ALEXY, 2011, p. 90).
Quanto ao tema, que possui algumas controvérsias, prevalece o entendimento de que o direito à saúde é uma prestação de serviço que deve ser obrigatoriamente prestada de forma gratuita às pessoas, motivo pelo qual adquire um viés de direito público subjetivo, ou seja, passa a ser um direito judicialmente tutelável, sem que uma decisão judicial que obrigue o Estado a fornecer determinado medicamento ou tratamento a um usuário do Sistema Único de Saúde usurpe o papel do Poder Executivo ou Legislativo.
Nessas reflexões, defende-se a ideia segundo a qual, em regra, o princípio da reserva do possível não pode ser invocado para eximir o Poder Executivo de prover o direito à saúde, principalmente nos casos em que já há decisão judicial favorável ao indivíduo, sendo necessário que haja comprovação específica acerca da impossibilidade de se garantir determinado tratamento, o que somente poderá ocorrer através da real impossibilidade financeira do Estado, e sempre buscando formas alternativas de garantir o direito à saúde, que não pode, de forma alguma, ser negligenciado, principalmente sob o manto de alegações genéricas e evasivas do Estado.
4 CONCLUSÃO
As reflexões desenvolvidas no decorrer do presente artigo ressaltam, nessa conclusão, que o Poder Judiciário e as demais funções essenciais à justiça atuam sistematicamente como sujeitos, mormente na implementação, mas também na formulação de políticas públicas, provendo decisões de ordem prática em casos nos quais haja a ineficiência ou insuficiência no atendimento de direitos fundamentais.
Destaca-se, igualmente, que, por si só, essas intervenções visam essencialmente garantir direitos que, na prática, não estejam sendo garantidos.
Foi considerado ainda que essas intervenções não se configuram, a princípio, violação ao princípio da separação de poderes ou do princípio da reserva do possível. Entretanto, não se pode afirmar que, em todos os casos e de forma indiscriminada, o Poder Judiciário poderá coagir o Poder Executivo ou o Legislativo a adotarem determinada conduta, sob pena de violação ao princípio da razoabilidade e da própria independência dos poderes, preconizado no art. 2º da Constituição Federal de 1988. Ou seja: não se pode afirmar que em qualquer caso será possível o Judiciário coagir o Poder Executivo a tomar determinada medida, tampouco exercer o papel do Poder Legislativo, sob pena de instabilidade do próprio pacto federativo.
Além disso, também se revela inegável a necessidade de se considerar eventuais impossibilidades orçamentárias, que, se de fato comprovadas, também não servem de condão para o descumprimento de decisões, devendo ser buscada uma solução menos onerosa que garanta o cumprimento da prestação jurisdicional.
A resposta a determinada questão que se coloca como demanda judicial não é simples e merece análise caso a caso. Importa considerar que não se pode permitir que o Poder Executivo utilize como fundamento para o não cumprimento de decisões judiciais a alegação de que o Poder Judiciário não pode interferir em decisões “de gestão” do Poder Executivo. Uma vez provocada, a tutela jurisdicional é inafastável e o juiz não pode deixar de utilizar dos mecanismos cabíveis na tentativa de efetivar o direito negligenciado ou ferido naquele caso concreto, vez que, se o fizesse, estaria desrespeitando o denominado princípio da dignidade da pessoa humana.
Ressalta-se, nesse contexto, a importância da atividade interpretativa do juiz e da análise do caso concreto, atentando para o fato de que os recursos estatais são limitados, não obstante seja necessária uma incansável busca na tentativa de se efetivar os direitos fundamentais a todas as pessoas, sem discriminação.
Também se reveste de relevância a possibilidade de o Judiciário e as funções essenciais à justiça atuarem em um momento anterior à constatação da ineficiência ou insuficiência da implementação da política pública, através de ações extrajudiciais de solução de conflitos, o que é extremamente salutar para todas as partes envolvidas, principalmente em uma tentativa de não judicialização de demandas. Nesse aspecto, a justiça pode atuar contribuindo para formulação ou correção de determinadas políticas públicas.
Por conseguinte, as reflexões desenvolvidas sobre o tema “o judiciário e as funções essenciais à justiça como sujeitos das políticas públicas” nos levaram a considerar a complexidade das relações que se estabelecem entre os Poderes da República: o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, mormente no que se refere ao processo de formulação e execução de políticas públicas. Nesse processo, nosso foco de atenção procurou destacar as possibilidades, limites e contradições registradas, mas considerando a efetivação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, sem discriminação.
REFERÊNCIAS
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ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Lindy, 2011.
ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Uma Contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: BARREIRA, Maria Cecília Rocho Nobre. Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUCSP, 2001.
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WERNECK, Luiz Viana et al. Dezessete anos de judicialização da política. Revista de Sociologia da USP, v. 19, n. 2: 2007. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n2/a02v19n2. Acesso em: 18 ago. 2017.
Notas
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Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.” (BRASIL, 1988).