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PARTICIPAÇÃO E DELIBERAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA: desafios e potencialidades dos Fóruns Regionais de Governo
Revista de Políticas Públicas, vol. 23, núm. 2, pp. 863-881, 2019
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Temas livres


Recepção: 12 Fevereiro 2019

Aprovação: 03 Outubro 2019

Resumo: Os Fóruns Regionais de Governo de Minas Gerais foram criados em 2015 com a intenção de viabilizar um canal para as demandas provenientes da população das diferentes regiões do estado. A nova instância participativa se desenvolveu nos últimos quatro anos, sob o slogan do governo de Minas Gerais (2015-2018) de “ouvir para governar”. O presente trabalho teve como objetivo analisar características centrais do desenho institucional e do processo participativo, a partir das reflexões teóricas de Fung e Wright (2003) sobre a Empowered Participatory Governance e de Tarragó, Brugué e Cardoso Jr. (2015), a respeito da construção de uma Administração Pública Deliberativa. Na análise, foram identificados potencialidades e desafios na implementação dos Fóruns Regionais de Governo (2015-2018) e levantadas reflexões sobre sua consolidação como inovação democrática no modelo mineiro de gestão.

Palavras-chave: Participação social, Administração pública deliberativa, Desenho institucional participativo, Inovação democrática, Fóruns Regionais.

Abstract: The Minas Gerais Regional Government Forums were created to provide a channel for the demands of the population of the different regions of the state. The new participatory instance has developed, over the past four years, under the slogan of the Minas Gerais government (2015-2018) of "listening to govern". The objective of this study was to analyze the central characteristics of the institutional design and the participatory process, based on the theoretical reflections of Fung and Wright (2003) on Empowered Participatory Governance and Tarragó, Brugué and Cardoso Jr. (2015) on the construction of a Deliberative Public Administration. In the analysis, were identified potentialities and challenges in the implementation of the Regional Government Forums and raise reflections on its consolidation as a democratic innovation in the Minas Gerais management model.

Keywords: Social participation, Deliberative public administration, Participatory institutional design, Democratic innovation, Regional Forums.

1 INTRODUÇÃO

Os Fóruns Regionais de Governo (FRG) de Minas Gerais foram criados em 2015, no início do mandato do governador Fernando Pimentel, do Partido dos Trabalhadores (PT), com o objetivo de estimular a democracia participativa, por meio da criação de instâncias de participação regionalizadas nos denominados territórios de desenvolvimento do estado. O modelo previu a discussão de prioridades de políticas públicas a partir dos instrumentos de planejamento e representou uma inflexão na gestão pública mineira, anteriormente marcada pelo forte alinhamento às premissas gerenciais da New Public Management (e ao gerencialismo), e pautada em propostas tecnocráticas, com baixa permeabilidade à participação do cidadão na definição das prioridades de governo.

A análise da governança dessa instância participativa é o objeto do presente trabalho. Para tal, partiu-se das perspectivas teóricas que abordam a superação dos déficits democráticos dos modelos burocrático e gerencial de administração pública por meio da introdução de elementos participativos. Para Santos e Avritzer (2002), a consolidação da democracia participativa é viabilizada pela inovação institucional articulada à inovação social, sendo uma das formas de promover esta articulação o experimentalismo democrático. Ainda nessa linha, Fung e Wright (2003) defendem que o Estado é um espaço para a democratização e promoção de transformações institucionais a partir da interação com a sociedade. A partir da concepção de Empowered Participatory Governance (EPG), os autores enfatizam a necessidade de que o governo se reconfigure para incorporar a participação dos atores sociais na tomada de decisões, inclusive por meio da deliberação. Tarragó, Brugué e Cardoso Jr. (2015) propõem uma administração pública deliberativa (APD) como nova perspectiva permeada por diálogo e flexibilidade, argumentando que a participação social nas decisões públicas permite construir inteligência coletiva para lidar com problemas complexos e democratizar as políticas públicas.

Tendo como referência tais perspectivas, foi elaborado um modelo para a análise dos FRG a partir de características associadas ao potencial democrático dos desenhos institucionais (FUNG; WRIGHT, 2003) e de diretrizes para uma administração associadas ao processo participativo (TARRAGÓ; BRUGUÉ; CARDOSO JR., 2015).

O artigo tem como objetivo geral analisar a experiência dos FRG, suas potencialidades e desafios. O caminho metodológico parte de uma revisão bibliográfica, com o foco em aportes da teoria democrática e gestão pública participativa, além da participação social no Brasil e em Minas Gerais, incluindo ainda monografias desenvolvidas na Escola de Governo1 com o foco nos FRG, com registro e análise da experiência. Foi realizado um levantamento documental na Secretaria de Estado Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais (SEEDIF), responsável pela implementação dos FRG. Recorreu-se também à observação direta de reuniões e da dinâmica dos Fóruns, e à realização de entrevistas semiestruturadas com atores-chave2.

Para além desta introdução, o trabalho está estruturado em quatro seções. Na segunda seção, são revisados aspectos da teoria democrática e as perspectivas de EPG e APD. Na terceira, aborda-se brevemente a participação social em Minas Gerais e no Brasil nas últimas décadas, destacando a arquitetura participativa consolidada no país e a lacuna democrática na gestão dos governos mineiros afinada com o gerencialismo. Na quarta seção são apresentadas e analisadas as etapas dos FRG desde a sua criação, em 2015. Por fim, tecem-se considerações finais sobre as potencialidades e desafios identificados na experiência (2015-2018).

2 PARTICIPAÇÃO E DELIBERAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA: pressupostos teóricos e analíticos

A análise da experiência dos FRG envolve desenvolvimentos conceituais que perpassam a teoria democrática do século XX e a literatura recente sobre gestão pública participativa. Nesta seção, apresentam-se pressupostos considerados relevantes para a compreensão dos FRG.

As propostas de democracia participativa e deliberativa visam, de forma geral, a ampliação da inclusão política dos cidadãos e da democratização do Estado, da sociedade e das relações entre ambos. Partindo do princípio de que a democracia não deve se restringir ao voto periódico para eleição de representantes, os teóricos da participação e da deliberação se voltam para a abertura dos processos decisórios da política aos cidadãos.

No campo participacionista, é importante a contribuição de Pateman (2012), que destaca a participação como elemento decisivo para a tomada de decisão política. A autora enfatiza que a participação viabiliza “escolas de democracia”, tendo em vista a dimensão do aprendizado a partir do processo participativo. O argumento defendido é o de que os indivíduos aprendem a participar participando, uma vez que as capacidades, habilidades e características dos cidadãos estão inter-relacionadas com formas de estruturas de autoridade. Para Pateman (2012), a criação de uma sociedade participativa decorre de mudanças estruturais, reformando-se estruturas de autoridade antidemocráticas.

Já o campo da deliberação, que se alarga em diversas concepções nas últimas décadas, constitui-se inicialmente a partir dos aportes teóricos de Jürgen Habermas. Suas principais construções se centram na ideia de deliberação e de um fluxo comunicacional da “periferia para o centro”, enraizando-se na premissa de soberania popular, como fundamento da democracia deliberativa. É relevante o entendimento da deliberação como a dimensão comunicativa da interação, do diálogo, debate e argumentação. Nesse sentido, Bohman (2009, p. 69) argumenta que:

A deliberação pública é um diálogo com um objetivo particular. Ela almeja superar uma situação problemática através da solução de um problema ou resolução de um conflito. A atividade conjunta através da qual a deliberação se constitui na esfera pública é dialógica e não meramente discursiva. Os discursos empregam critérios regulativos específicos de justificação, e eles são tipicamente estruturados em direção a um tipo ou outro de demanda. [...] em contrapartida, o diálogo é a mera troca de razões. Ele não almeja necessariamente produzir demandas bem justificadas, mas sim demandas que são amplas o suficiente em escopo e suficientemente justificadas para serem accountable diante de um público indefinido de concidadãos.

Brugué, Tarragó e Cardoso Jr. (2015) identificam a necessidade de se incorporar a racionalidade deliberativa na análise de políticas públicas, a fim de lidar com a complexidade dos problemas que permeiam a sociedade e, por meio do diálogo, viabilizar a democratização de tais políticas. Os autores fazem um contraponto à tecnocracia, enfatizando que a racionalidade tecnocrática, como posto no gerencialismo - que visa principalmente eficiência e eficácia -, não consegue atingir a raiz dos problemas sociais tendo em vista que, pela sua natureza centralizadora, é incapaz de mobilizar os diferentes atores envolvidos, gerando respostas insuficientes para os problemas identificados. Eles enfatizam que:

[...] para que uma política pública tenha sucesso, precisamos gerar inteligência em seu conteúdo mediante a implementação de processos que permitam incorporar as opiniões de todas as partes interessadas, utilizando a dinâmica essencialmente política do diálogo. Não se deve desassociar o conteúdo das formas. Por meio das formas (processos participativos), dotaremos de inteligência os conteúdos das políticas e seremos mais capazes de realizá-los, porque, embora sempre se vá decepcionar alguém, teremos gerado sinergias e capital social suficiente para chegar a grandes acordos capazes de superar os interesses particulares (TARRAGÓ; BRUGUÉ; CARDOSO JR., 2015, p. 20).

Para os autores, o diálogo representa um processo de aprendizagem social capaz de gerar respostas mais adequadas às demandas dos cidadãos por meio do envolvimento dos interessados e/ou atingidos pelas ações governamentais. E, para a construção de um diálogo autêntico, são elencadas três condições ou fases: explicar-nos, ouvir ou escutar e prestar contas.

A primeira – explicar-nos -, consiste em garantir que informações claras e compreensíveis sobre a política pública sejam adequadamente disponibilizadas aos cidadãos. Deve-se pensar nesse quesito enquanto um exercício de transparência e pedagogia, um processo que busca construir confiança e evita a criação de falsas expectativas.

A segunda condição, a de ouvir ou escutar, possui três pontos principais, segundo os autores: i) definir e aplicar regras claras, acordadas e elaboradas em conjunto pelos principais atores do processo, tendo em perspectiva a garantia de "respeito mútuo, visão coletiva, predisposição em mudar de opinião, mente aberta, vontade de cooperação, empatia, etc." (TARRAGÓ; BRUGUÉ; CARDOSO JR., 2015, p. 22); ii) organizar e estruturar a deliberação da maneira mais profissional possível, garantindo que as convocatórias, informações, as pautas, o calendário e os encontros se adaptem às particularidades e aos objetivos; e iii) garantir a representatividade e a diversidade dos atores envolvidos, a fim de que o diálogo seja de qualidade ao englobar diferentes visões. Sobre esse aspecto, Dobson (2014) argumenta que a escuta é uma dimensão relevante para objetivos centrais da democracia. Para o autor, há uma relação direta entre escuta e poder e é necessário identificar e criar meios para que os poderosos de fato ouçam os menos poderosos, para que estes experimentem o poder de serem ouvidos como algo natural, e não como uma exceção. É necessário, portanto, institucionalizar a escuta e buscar desenvolver seu potencial como uma dimensão relevante da participação e da deliberação.

A terceira condição, a de prestar contas, diz respeito à necessidade de responder aos resultados concretos das deliberações. Para satisfazer tal quesito, Tarragó, Brugué e Cardoso Jr. (2015) apontam que a Administração Pública deve trabalhar internamente as propostas com três objetivos:

i) analisar a adequação das propostas às diretrizes e às orientações políticas do governo; ii) estimular a criatividade de seu capital humano em introduzir outros elementos inovadores que nos permitam gerar mais e novos conhecimentos sob a forma de inteligência administrativa; e iii) tornar efetivas as propostas operacionais (TARRAGÓ, BRUGUÉ, CARDOSO JR., 2015, p. 23).

Em sequência, é importante desenvolver uma fase de retorno, comunicando aos envolvidos como contribuições foram internalizadas e quais delas serão implementadas.

Partindo do entendimento do Estado como um dos lócus de democratização, também Fung e Wright (2003) defendem a constituição de instituições mais efetivas e participativas que o tradicional formato que combina a representação eleitoral e a administração burocrática. Os autores argumentam que, em um contexto em que os arranjos institucionais estão falhando no atendimento às demandas sociais, um modelo participativo pode contribuir para ampliar a capacidade de aprendizagem, a accountability e a difusão de informações.

Os autores afirmam que a rota formal de inovação democrática, partindo do Estado, possibilita que recursos e poder sejam canalizados para a deliberação e a participação, de modo que tais iniciativas se tornem formas permanentemente mobilizadas de participação. Essa perspectiva entende como complementares elementos da democracia representativa, participativa e deliberativa. O aprofundamento democrático, para Fung e Wright (2003), passa pelo conceito de Empowered Participatory Governance: modelo de governança em que o governo se reconfigura para incorporar a participação dos atores sociais nas decisões. Os autores atribuem três princípios comuns às experiências em EPG que analisaram: a) o foco em problemas específicos; b) o envolvimento das pessoas comuns afetadas e dos street-level bureaucrats; e c) a busca por soluções a partir de processos deliberativos.

A orientação prática permite o foco em questões tangíveis e facilita a transparência. O segundo princípio diz respeito à participação bottom-up, viabilizando canais para a participação e aplicação do conhecimento dos atores diretamente afetados pelos problemas, buscando a tomada de decisões mais acertada na definição de soluções.

Fung e Wright (2003) destacam que os princípios da EPG podem ser aprofundados, na prática, por características específicas do desenho institucional: a) a devolução da autoridade de decisão pública para as unidades locais empoderadas; b) a criação de vínculos formais de responsabilidade, distribuição de recursos e comunicação que conectem essas unidades entre si e com a autoridade central; e c) o uso e geração de novas instituições estatais para apoiar e guiar esses esforços descentralizados de resolução de problemas.

As premissas e características apresentadas para o aprofundamento de modelos participativos de gestão pública fundamentam a compreensão dos FRG no presente trabalho. Antes do desenvolvimento empírico, contudo, é realizada uma breve contextualização para situar a criação dessas instâncias.

3 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS CENÁRIOS BRASILEIRO E MINEIRO: antecedentes e o contexto de criação dos FRG

Esta seção cuida de apresentar sucintamente o cenário participativo no Brasil e em Minas Gerais. Parte-se da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e de seus desdobramentos para a estruturação de uma ampla arquitetura participativa no país, até o contexto político atual, destacando-se, por fim, o cenário mineiro.

O período de redemocratização no Brasil e as décadas subsequentes foram cenários do surgimento e consolidação de uma ampla arquitetura participativa, amparada nos princípios constitucionais, na legislação promulgada posteriormente e no próprio aparato administrativo estatal. O saldo das últimas três décadas é positivo no que se refere à participação social e à inclusão cidadã, entretanto é necessário destacar tais avanços situando o contexto atual da democracia brasileira e as perspectivas recentes sobre a participação.

A CF/88 representou um marco da nova institucionalidade democrática no país, destacando-se a atuação dos movimentos sociais e associações civis na Assembleia Nacional Constituinte. A combinação entre democracia representativa e participativa é central na construção do novo paradigma institucional que definiu a relação entre Estado e sociedade a partir da década de 1980 (SANTOS; AVRITZER, 2002; DAGNINO, 2002; PAULA, 2005).

Dentre os mecanismos de exercício da democracia direta trazidos pelo novo texto constitucional há a previsão de referendos e plebiscitos, ação civil pública, ação popular e de iniciativas populares de projetos de lei. A CF/88 também abriu a possibilidade para o exercício e a consolidação da participação social estabelecendo a recomendação ou exigência da criação de conselhos de políticas públicas, com foco nas políticas sociais (CARNEIRO; BRASIL, 2014).

A partir dos anos 1990, os governos municipais assumiram o papel de protagonistas em termos de inovação democrática, engendrando diferentes desenhos e práticas participativas no âmbito local. O Orçamento Participativo3 é um dos símbolos desse protagonismo, disseminado em diferentes cidades brasileiras e mundialmente reconhecido por seu desenho participativo inovador, de “baixo para cima”, que combina elementos da participação e representação (SANTOS; AVRITZER, 2002; AVRITZER, 2009). A legislação federal que regulamentou as políticas sociais nos anos 1990 também contribuiu para a institucionalização da participação social ao induzir a criação de conselhos municipais gestores para tais políticas4, vinculados, muitas vezes, a seus fundos de financiamento. Tal vinculação implicou em uma obrigatoriedade e, consequentemente, na expansão significativa do número de conselhos existentes, especialmente nos campos da saúde e assistência social (CARNEIRO; BRASIL, 2014; PIRES, 2014).

A partir de 2003, a participação adquiriu caráter prioritário e a esfera nacional contou com expansão significativa dos mecanismos participativos, conforme apontam Pires et al (2010). Conselhos já existentes foram reformulados e novos foram criados em diferentes áreas; um grande número de conferências foi realizado e ampliaram-se seus temas e objetos; bem como outros desenhos institucionais participativos foram criados e implementados. Embora sem protagonismo, os estados também vivenciaram desdobramentos dessa expansão, em decorrência, principalmente, das diretrizes federais e da previsão legal, tendo realizado as etapas de conferências e seguido a tendência do aumento no número de conselhos, como demonstra a pesquisa ESTADIC (IBGE, 2013).

Com a eleição de Dilma Rousseff em 2010, a perspectiva participativa se manteve, embora de maneira bem menos expressiva. O primeiro mandato do Governo Dilma foi marcado por um ambiente de descontentamento de significativa parcela da população dos grandes centros urbanos, com manifestações sociais durante a Copa das Confederações da FIFA, culminando nas manifestações de junho de 20135.

Nesse cenário, Pires (2014) analisa os desafios da participação institucional no país, apontando um possível descolamento entre as práticas atuais de mobilização social e o funcionamento interno dos espaços participativos institucionalizados. Avritzer (2016) classifica o cenário à época como “impasse da democracia no Brasil”, entendido como “uma crise de crescimento e de evolução da cultura democrática no país”. Tal impasse estaria centrado em cinco elementos, sendo que um deles se relaciona diretamente à temática aqui abordada: “os limites da participação popular na política, que tem crescido desde 1990 e é bem-vista pela população, mas não logra modificar sua relação com a representação” (AVRITZER, 2016, p. 9). Dessa maneira, o autor remete a um esvaziamento recente do campo participativo institucional. O impeachment de Dilma Rousseff agravou a grave crise institucional e política, resultando na chegada ao poder do então vice-presidente Michel Temer, cujo governo trouxe retrocessos no âmbito das políticas sociais e acabou por acentuar os desafios às instituições democráticas. É nesse cenário de incertezas e empecilhos institucionais que se insere a criação e implantação dos FRG em Minas Gerais, na contramão do cenário nacional.

Embora o cenário de expansão da arquitetura participativa verificado no âmbito federal tenha tido desdobramentos nos governos subnacionais, cabe destacar que, no que se refere à participação social, os estados não tiveram inovações substanciais. Para o presente estudo é importante contextualizar a baixa permeabilidade à participação na Administração Pública mineira, sobretudo no Poder Executivo.

Promulgada em 1989, a Constituição do Estado de Minas Gerais segue a linha do texto federal, com previsão constitucional da participação social, embora esta não tenha se colocado como prioridade. Contudo, Minas Gerais seguiu a tendência dos demais estados na institucionalização de conselhos e realização de etapas das conferências6. No período 2003-2014, o governo de Minas Gerais foi ocupado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja gestão foi focada na implementação de uma reforma administrativa nos moldes do gerencialismo, sob o rótulo de "Choque de Gestão". O modelo foi marca dos 12 anos de governo do PSDB e teve como objetivo principal a redução do déficit fiscal do Estado. Estabelecendo o foco nos resultados e desempenho, essa diretriz de gestão apresenta, por outro lado, um déficit democrático, não incorporando de forma satisfatória a participação social. Essa lacuna foi verificada por Ladeira (2008), tendo em vista a baixa participação na definição e no controle da execução da estratégia.

Ainda que o quadriênio final do ciclo de poder do PSDB tenha sinalizado o reconhecimento do déficit democrático, as adaptações no modelo, sob o rótulo de "Gestão para a Cidadania", mantiveram a prioridade voltada para o equilíbrio fiscal, qualidade do gasto e foco nos resultados, conforme Vilhena e Ladeira (2012). A busca da ampliação da dimensão de cidadania culminou em uma tentativa de regionalização e participação social, denominada “Estado em Rede”. O novo arranjo baseou-se formalmente em mecanismos de governança em rede, participação democrática e gestão integrada de ações e informações, buscando envolver a sociedade civil na elaboração, planejamento e controle social das ações de governo. Essa iniciativa, no entanto, não passou da fase-piloto.

A partir dessa síntese, argumenta-se que a participação social não integrou de forma efetiva a agenda do poder executivo estadual nas últimas décadas. Apesar da criação de conselhos e da realização das etapas estaduais das conferências nacionais, não foram verificadas inovações democráticas na gestão pública endereçadas ao aprofundamento da participação social.

4 OS FRG: uma análise do desenho e das características do processo participativo

O estado de Minas Gerais tem como características centrais a grande extensão territorial e a ampla diversidade histórica, cultural, socioeconômica e política, subdividindo-se em 853 municípios distribuídos por suas diversas regiões. Assim, promover a participação de forma regionalizada representa, por si só, um grande desafio. Como abordado, o modelo de gestão adotado entre os anos de 2003 e 2014 tinha um caráter centralizador e pouca iniciativa em prol da incorporação da diversidade da dimensão local e da participação da sociedade como um input para as políticas públicas. A partir de 2015, com a mudança de governo, foi assumido um compromisso de transformação dessa forma de gestão a partir da incorporação da participação social associada à territorialização, resultando nos FRG.

4.1 O que são os Fóruns Regionais de Governo?

Os FRG visam à incorporação de demandas levantadas junto à população pela Administração Pública, por meio de canais de diálogo diretos e regionalizados, com caráter consultivo e propositivo. O governo eleito com o slogan de campanha de "ouvir para governar" propôs, no início da gestão, uma nova territorialização para o estado7. Conforme o decreto nº 46.774/2015, os FRG foram instituídos com o objetivo:

[...] de fortalecer e articular as representações territoriais e a atuação conjunta entre a administração pública estadual e a sociedade civil na formulação, na execução, no monitoramento, na avaliação de programas e políticas públicas e no aprimoramento e democratização da gestão pública (MINAS GERAIS, 2015).

Em cada um destes territórios foi criada uma instância participativa denominada colegiado executivo, coordenada por um secretário executivo indicado pelo governador, que tinha como atribuição promover a articulação entre território e governo. O decreto nº 46.774/2015 prevê representações governamentais e não-governamentais na composição de cada colegiado executivo. Essa composição compreende vinte e cinco cadeiras ocupadas pela sociedade civil, com membros eleitos em assembleia aberta à participação popular e, em média, dezesseis cadeiras por representantes dos órgãos governamentais, além de prefeitos e vereadores. Além da atuação contínua dos colegiados executivos, ocorreram eventos de maior porte, que contaram com a participação de autoridades e de milhares de cidadãos.

Na 1ª rodada, ocorreu a instalação dos Fóruns Regionais, com a presença do governador e outras autoridades. Na 2ª rodada, foram recebidos formulários para o diagnóstico territorial, com o preenchimento de demandas pela população. Estas demandas foram discutidas e priorizadas em grupos temáticos com participação dos cidadãos. Além disso, foram eleitos representantes da sociedade civil que iriam compor os colegiados executivos. Na 3ª rodada, foram realizadas as primeiras devolutivas das demandas priorizadas. Na 4ª rodada, foram realizados os circuitos de ações e serviços dos Fóruns Regionais, mobilizando as equipes técnicas dos órgãos para uma exposição da carteira de serviços do governo estadual à população. Por fim, na 5ª rodada, foram feitas reuniões gerenciais com os colegiados executivos, com um balanço crítico dos FRG e uma prestação de contas (ANELLI, 2018).

4.2 Análise do desenho institucional e do processo participativo: potenciais e desafios

A forma como foi operacionalizado o desenho institucional dos FRG é discutida nos próximos tópicos, a partir das ideias de Fung e Wright (2003) e de Brugué, Tarragó e Cardoso Jr. (2015), apresentadas no modelo de análise exposto no Quadro 1.


Quadro 1
Modelo de análise
Elaboração própria.

4.2.1 Características do Desenho Institucional

Conforme apontam Fung e Wright (2003), a reorganização do aparelho estatal a partir do desenho da participação é um dos requisitos para a consolidação de uma estrutura de governança participativa, uma vez que a participação em diferentes assuntos e espaços geográficos requer a criação de novas instituições estatais a fim de sustentar e direcionar esses esforços. No caso dos FRG, essas reestruturações se deram com a nova divisão territorial do estado e com a criação de representações permanentes nos 17 territórios de desenvolvimento.

Incorporando “todo o espectro político e social do território”, os colegiados representam a base do modelo e podem ser considerados, pelo seu processo de constituição, como potencializadores da rota formal da participação no estado, sendo formas democráticas permanentemente mobilizadas e com uma perspectiva de continuidade. Um dos atores da alta gestão envolvido na implementação dos FRG afirma, em entrevista, que o colegiado surgiu da necessidade de “permanência do diálogo”.

Na prática, a atuação dos colegiados não se deu de forma homogênea. Não só a especificidade de cada território8 influenciou a forma de funcionamento, mas também a dificuldade de se estabelecer um direcionamento para sua atuação, uma vez que as etapas de implementação dos FRG foram sendo definidas ao longo do processo. Enquanto alguns colegiados se reuniram com mais frequência, outros contaram apenas com as reuniões oficiais de cada etapa. Não é possível afirmar, portanto, que a institucionalização dessas instâncias ocorreu uniformemente em todos os territórios. Os colegiados executivos são vistos pela equipe de implementação dos FRG, de uma forma geral, como um grande avanço na comunicação e no diálogo do governo com a população. Representam uma nova instância de pressão política e servem também de orientação para a atuação das secretarias e órgãos, que estão em frequente contato com os envolvidos.

Dessa forma, os colegiados executivos potencializam duas das características do desenho institucional apontadas por Fung e Wright (2003): a descentralização para as instâncias de ação local; e a criação de instituições formais de governança democrática e deliberativa permanentemente mobilizadas para a resolução de problemas. Embora seu desenho seja consultivo, os atores entrevistados afirmam que, de certa forma, as demandas identificadas pelos colegiados guiam esforços dentro do Estado no que se refere às ações de políticas públicas. Foi destacada, no entanto, a necessidade de vinculação dessas instâncias ao planejamento institucionalizado, de forma a garantir a continuidade e a influência da participação social nos instrumentos de definição de ações estatais, como o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) e o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG).

Para a consolidação da EPG, outra característica essencial colocada por Fung e Wright (2003) é a supervisão e coordenação centralizada. Os FRG contaram, desde o início, com uma coordenação estratégica por parte do governo. Essa estrutura modificou-se, uma vez que a coordenação foi transferida para uma secretaria extraordinária, criada especificamente para alocar a coordenação dos FRG e do desenvolvimento regional9. Para esta análise, cabe destacar que tais mudanças, decorrentes das decisões políticas e estratégicas de governo, prejudicaram a continuidade do processo. O ano de 2016, quando ocorreu essa mudança, representou um hiato nas reuniões dos colegiados, ainda que as demandas deles advindas continuassem sendo analisadas internamente no âmbito das secretarias de Estado.

Nos FRG, a coordenação teve um papel extremamente relevante: o de viabilizar não só a comunicação territorial, mas também facilitar a comunicação interna no governo. A interação entre os atores estatais centrais, os atores estatais do território e os atores sociais e políticos em cada localidade foi possibilitada por essa coordenação, em parceria com os secretários executivos. O papel exercido pelos secretários é destaque no modelo. A alta gestão teve a intenção de que esses atores fossem uma “ponte” real entre o território e a administração central, a fim de reforçar os laços com o local e entender as especificidades das demandas de cada região, aperfeiçoando o atendimento à população. Como já evidenciado, o perfil dos escolhidos influenciou muito nesse processo e a relação da própria coordenação com tais atores é complexa, tendo em vista a autonomia que possuem enquanto ocupantes de cargos de confiança do governo. Estabelecer direcionamentos para a realização constante de reuniões e acompanhamento da sociedade civil foi um desafio identificado, sobretudo pelos técnicos.

Outro aspecto colocado como desafio refere-se à comunicação com os órgãos locais. Foi evidenciado um problema de comunicação comum à administração pública central: as secretarias têm dificuldades de conseguir informações com suas unidades regionais, o que dificultou o processo de coordenação. Essa comunicação, no entanto, foi potencializada pelos encontros realizados nos FRG, uma vez que algumas questões de ordem local encontraram resolução nesse âmbito, sem passar pela coordenação central. Tais resoluções, por vezes, foram propiciadas pela cooperação entre diferentes áreas de políticas públicas10, mas não ocorreu o adequado registro para a reprodução nos diferentes territórios como boa prática.

Pode-se dizer, portanto, que os FRG apresentam potencial expressivo no estabelecimento de vínculos de comunicação e troca de informações, bem como de aprendizado organizacional, mas faltam ainda mecanismos para a disseminação dessa troca e desse aprendizado.

4.2.2 Etapas do processo participativo

Como já mencionado, os FRG envolveram a realização de eventos de maior porte, que contaram com participação de autoridades e viabilizaram maior mobilização e participação popular. As principais etapas realizadas são discutidas nos próximos tópicos com base nas dimensões elencadas por Brugué, Tarragó, Cardoso Jr. (2015).

  • a) Explicar-nos

Os FRG tiveram uma fase inicial de apresentação, com abertura dos trabalhos e introdução dos passos para sua implantação nos territórios, esclarecendo à população os objetivos e a metodologia. Embora houvesse uma diretriz inicial, os rumos que o processo tomaria ainda não estavam claros, de forma que isso foi sendo construído ao longo da implementação. Ainda que não tenha sido previsto em seu planejamento inicial, o circuito de ações e serviços dos FRG visou a apresentar diferentes serviços e ações desenvolvidas pelos órgãos estaduais, contando também com a prestação de alguns serviços in loco. Assim como na primeira, nesta rodada também houve a presença do governador, de secretários de Estado e de equipes técnicas tanto do nível central quanto das unidades regionais:

[...] com apresentações, reuniões, oficinas ou palestras sobre iniciativas, programas ou ações específicas do órgão ou secretaria; com prestação de serviço ou cadastro possível de ser levado para o interior, a fim de facilitar o acesso da população, com a prestação de informações gerais no stand. [...] no processo de organização da nova etapa, foi ressaltada a importância da participação efetiva das chefias e equipe técnica nos eventos. Além disso, as áreas que contam com órgãos de governo com representação regional devem fortalecer a articulação e atividades desses órgãos em cada território (LONGUINHO, 2017, p. 69-70).

Dessa maneira, os FRG atendem à etapa de explicar-se com a apresentação das diretrizes adotadas para se consolidar a experiência e, posteriormente, ao buscar levar serviços e ações que nem sempre são conhecidos pelos cidadãos, proporcionando maior acesso às informações sobre as políticas públicas.

  • b) Ouvir ou escutar

Na 2ª rodada, foi elaborado o Diagnóstico Territorial, com participação ativa dos cidadãos. Foram disponibilizados formulários para que os participantes tivessem tempo para se reunir com associações, movimentos sociais, coletivos ou com outros cidadãos para apresentarem demandas da localidade. O intuito era o de dar voz aos cidadãos para que as principais precariedades dos territórios fossem apontadas e chegassem ao conhecimento do governo. Foram coletadas mais de 12 mil demandas, demonstrando a participação dos cidadãos no processo, mas evidenciando também a dificuldade em se definir, de maneira concisa, os principais pontos de necessidade da atuação governamental. Também ocorreu a eleição de representantes governamentais e não-governamentais para a instituição do novo canal de diálogo. Em cada território foram eleitos 25 representantes da sociedade civil e o mesmo número de suplentes, além de 16 representantes de órgãos estaduais, em média, e prefeitos e vereadores responsáveis por representarem seus microterritórios. Assim, foi criada uma instância colegiada, de caráter consultivo e propositivo, responsável não só pela fiscalização das ações estatais, mas também por ser um elo entre território e governo.

Com a dificuldade em se definir demandas objetivas, houve a necessidade de priorização das mais de 12 mil questões vocalizadas pelos cidadãos ao governo central. Adotando os eixos temáticos do PMDI foram priorizadas pouco mais de 2 mil demandas em uma nova rodada nos territórios. Para tal, os cidadãos foram divididos em grupos, levando-se em conta a respectiva área de interesse do PMDI, para que discutissem as demandas categorizadas, buscando alcançar um consenso, mas fazendo uso também de votação para elencar prioridades. De um total de 12.689 demandas apresentadas, 2.143 foram priorizadas. A categorização por eixos temáticos revelou que as demandas relacionadas à saúde e proteção social foram as mais frequentes, com 34% do total. Os demais eixos temáticos se dividiram da seguinte maneira: 25% de educação e cultura; 21% de desenvolvimento produtivo, científico e tecnológico; 10% de infraestrutura e logística; e 10% de segurança pública (ANELLI, 2018).

Entre as grandes etapas, também ocorreram reuniões ordinárias dos colegiados, convocadas pelos secretários executivos, que tiveram como objetivo reunir os envolvidos para o acompanhamento da execução das demandas, além de discutir e buscar soluções para problemas locais. Segundo dados internos da SEEDIF, o número de reuniões ordinárias nos territórios chegou a 216 no período 2015-2018. Essas reuniões representam um novo espaço para o diálogo e transparência sobre a execução das prioridades elencadas pela população.

Os FRG contemplam, dessa forma, o aspecto de ouvir e escutar por terem sido desenvolvidas atividades territorializadas e abertas para a população como um todo. Também houve um esforço de abarcar as demandas da população para que compusessem, em alguma escala, ações a serem executadas pelo poder público, além do acompanhamento destas pelo colegiado.

  • c) Prestar contas

Inicialmente, as demandas recebidas foram categorizadas de acordo com os cinco eixos do PMDI, além de serem organizadas de acordo com os órgãos de governo competentes, a fim de incorporá-las ao planejamento. O objetivo era o de garantir a execução ou, ao menos, uma resposta adequada para a população. Na 3ª rodada, foram reunidas as respostas dos órgãos às demandas priorizadas e foram feitos eventos com as devolutivas aos cidadãos em cada território. Assim, aconteceu a primeira grande prestação de contas do nível de execução das demandas que haviam sido vocalizadas na 2ª rodada dos FRG.

Na 5ª rodada, foram desenvolvidas atividades nos 17 territórios para prestação de contas, acompanhamento e avaliação das demandas. Nesta etapa foi feita uma apresentação aos membros dos colegiados executivos com dados e informações pertinentes sobre o nível de envolvimento dos cidadãos, o nível de atendimento às demandas, de maneira geral e regionalizada, o número de reuniões ordinárias realizadas, além de um relato das rodadas dos FRG e as principais ações. Em relação ao status de atendimento, 21% das demandas foram atendidas, enquanto 22% estavam em execução, e 26% foram parcialmente atendidas. Portanto, 21% foram não atendidas, 6% não foram respondidas, e 4% delas estão categorizadas como não se aplica, ou seja, não seriam de competência do governo estadual (ANELLI, 2018).

Embora o aspecto de prestar contas seja contemplado por tais ações, destaca-se que o acesso às devolutivas se deu apenas pelos membros dos colegiados executivos, na plataforma online “ParticipaMG”. A fim de se democratizar ainda mais a instância e dar transparência às ações tomadas a partir dela, o ideal seria a disponibilização dos dados de maneira aberta.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho trouxe como temática a participação social e a deliberação na gestão pública, tendo como foco a análise das características do desenho institucional e do processo participativo nos FRG. Partindo da concepção de que certas características ampliam o potencial democrático do processo participativo, buscou-se entender se tais características foram contempladas. A análise permitiu evidenciar potencialidades e desafios na experiência.

Com base nas abordagens teóricas para a consolidação de uma gestão pública participativa, pode-se apontar como potencialidades dos FRG: a viabilização de instâncias participativas de articulação territorial; a criação de espaços de diálogo que permitiram a ampliação da interação entre órgãos e entes governamentais, bem como destes com a sociedade civil; a ampliação do acesso à informação sobre as ações governamentais; a criação de um canal direto para a vocalização de demandas da sociedade civil; e o potencial de construção de aprendizagem coletiva e organizacional a partir da experiência.

No que se refere aos desafios para a consolidação desse modelo, salientam-se: dificuldades advindas do processamento das demandas da sociedade civil pelo Estado; acompanhamento das informações; determinação e cumprimento de diretrizes para a periodicidade das atividades dos colegiados executivos; continuidade das atividades ao longo do processo de mudanças na estrutura de governo; disseminação ampla das informações relativas aos FRG via plataforma ParticipaMG, garantindo o alcance para além das publicações oficiais; e a viabilização do atendimento às demandas apresentadas em um contexto de limitações fiscais e orçamentárias decorrentes da crise econômica em Minas Gerais.

Cabe destacar o caráter inovador da experiência no âmbito de Minas Gerais, tendo em vista a fragilidade das instâncias participativas no estado, conforme apontado na contextualização realizada dos antecedentes dos FRG. Além disso, por se tratar de uma implementação recente, os FRG configuram-se como uma interface ainda nova e em processo de construção. Nesse sentido, alterações no desenho institucional podem caracterizar-se como experimentalismo democrático, conforme a tipologia de Santos e Avritzer (2002). As dimensões de potencialidades resultantes desse processo de experimentalismo não podem ainda ser determinadas com clareza. Entende-se que a aprendizagem institucional a partir do experimentalismo é um dos fatores que podem direcionar rumos para um novo ciclo de gestão participativa, trazendo desdobramentos efetivos para a gestão de políticas públicas no Estado e para que um modelo de Administração Pública Deliberativa seja consolidado.

REFERÊNCIAS

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ANDRADE, Henrique Biondi. Participação social, sistemas deliberativos e seus conectores: uma análise dos Fóruns Regionais de Governo. Monografia (Graduação em Administração Pública) – Escola de Governo Professsor Paulo Neves de Carvalho, Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte. Orientadora: Flávia Brasil, 2017.

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LONGUINHO, L. P. Capacidades estatais para a promoção da participação social: uma análise dos Fóruns Regionais de Governo de Minas Gerais. Monografia (Curso Superior em Administração Pública) – Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte. Orientadora: Flávia Brasil, 2017.

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Notas

1 Sobre as monografias do Curso de Administração Pública, Pereira (2015) realizou uma análise do desenho institucional dos FRG no momento de sua concepção, analisando o potencial de aprofundamento democrático. Santos (2016) aborda o perfil dos colegiados executivos em sua composição e representatividade e analisa o funcionamento dos FRG em suas primeiras rodadas. Andrade (2016) faz uma análise sobre a incorporação das demandas dos FRG no planejamento das secretarias de Estado. Andrade (2017) parte da perspectiva dos sistemas deliberativos e seus conectores para o entendimento dos Fóruns e seus atores. Longuinho (2017) analisa as capacidades estatais para a participação social no âmbito dos FRG, tendo em vista dimensões institucionais, políticas, administrativas e técnico-deliberativas demandadas na implementação do modelo. Miranda (2018) analisa a efetividade dos FRG, sob os aspectos de territorialização; representatividade e deliberação; e inserção no ciclo de políticas públicas. Anelli (2018) faz uma análise acerca dos aspectos de inclusão política presentes na experiência, notadamente a representação, participação e deliberação. Além destes trabalhos, no âmbito da pós-graduação, a dissertação de Silva (2017) traz elementos para a análise dos FRG como ferramenta de planejamento.
2 A observação direta e entrevistas foram proporcionadas pela atuação de dois dos autores na equipe da SEEDIF. Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, realizadas no segundo semestre de 2017 com cinco membros da equipe técnica da coordenação dos FRG e quatro membros da alta gestão da equipe de idealizou o modelo.
3 Cabe destacar que a expansão de tais mecanismos está atrelada à chegada ao poder de partidos essencialmente progressistas, como o Partido dos Trabalhadores (PT), que possuíam sua base em movimentos sociais.
4 Distinguem-se de tais conselhos obrigatórios por legislação federal um amplo conjunto de conselhos de direitos e de outras políticas públicas, além dos conselhos temáticos e conselhos de programas.
5 Em resposta à pressão popular das manifestações de 2013, o governo federal apresentou, em 2014, o Decreto Federal nº 8.243, criando uma política nacional de participação, propondo a articulação das instâncias já existentes no âmbito federal (CARNEIRO; BRASIL, 2014). Essa proposta foi derrotada no âmbito legislativo, o que pode estar relacionado, ao menos em parte, à crise de governabilidade que culminou, em 2016, no processo de impeachment da Presidenta Dilma.
6 O art. 17 da Lei Delegada nº 112, de 2007, que dispõe sobre a organização e estrutura da administração pública do poder executivo estadual aponta a existência de 48 conselhos que integravam a administração direta. No entanto, não existem informações sobre o contínuo funcionamento de todas essas instâncias.
7 A nova perspectiva de territorialização, adotada a partir de 2015, dividiu o estado de Minas Gerais em 17 territórios de desenvolvimento, no lugar das dez regiões de planejamento adotadas anteriormente. O conceito de territórios, no decreto que instituiu os FRG, relaciona-se à perspectiva do desenvolvimento econômico e social centrada nos grupos sociais que estão conectados, nestes espaços geográficos, por identidades e culturas comuns.
8 Alguns entrevistados destacam as diferenças nas características sociopolíticas de cada território perfil dos membros da sociedade civil dos colegiados, bem como o perfil do próprio secretário executivo.
9 Inicialmente, ficou estabelecido que a coordenação dos FRG seria compartilhada pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), pela Secretaria de Estado de Governo (SEGOV) e pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (SEDPAC).
10 Alguns entrevistados mencionaram o grande potencial dos FRG em fortalecer ações de intersetorialidade no estado, propiciando a cooperação e soluções conjuntas entre órgãos que sempre operaram em “caixas separadas”.


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