Resumo: Este trabalho busca analisar o quão determinante seriam as políticas precificação de emissões de gases do efeito estufa (GEE) na competividade logística agroindustrial no Brasil. Para isso, considerou dois projetos de infraestrutura logística em fase de pré-concessão, Ferrogrão e Ferrovia Paraense, visando o escoamento da produção de grãos no estado do Mato Grosso. Assim, determinando as áreas de influência não apenas por meio dos custos de transporte, bem como com a incorporação dos custos provenientes das emissões, as soluções logísticas intermodais, considerando os dois projetos, indicam que essas são as que apresentam potencial maior área de influência para captação das menores emissões GEE. Cenário esse corroborado, visto que, consideradas elevações no custo por tonelada de CO2 emitido, o escoamento por meio da Ferrogrão e da Ferrovia Paraense se tornariam maiores.
Palavras-chave:PrecificaçãoPrecificação,EmissõesEmissões,AgronegócioAgronegócio,LogísticaLogística,GrãosGrãos.
Abstract: This paper analyzes how crucial the pricing policies of greenhouse gas (GHG) emissions would be in the agroindustrial logistic competitiveness in Brazil. Two transportation infrastructure projects are analyzed, Ferrogrão and Pará Railway. By determining the areas of influence not only through transportation costs, as well as the incorporation of emissions costs, intermodal logistics solutions, considering the two projects, indicate that these are the ones with the largest potential area of influence to capture the lowest GHG emissions. This is corroborated as, considering increases in the cost per ton of CO2 emitted, the flow through Ferrogrão and Pará Railway would become larger.
Keywords: Pricing, Emissions, Agribusiness, Logistics, Grains.
Artigos - Dôssie Temático
POLÍTICA DE PRECIFICAÇÃO DE GEE: impactos econômicos e ambientais na agrologística de grãos no Mato Grosso
Recepção: 20 Dezembro 2019
Aprovação: 25 Abril 2020
O estado do Mato Grosso é o maior produtor de soja e milho do Brasil, e a maior parte do grão exportado é movimentado através do uso do modal rodoviário, incorrendo em custos de transporte mais elevados, bem como um maior consumo de energia e emissão de CO2.
A crescente preocupação com questões ambientais e climáticas tem fomentado discussões a respeito dos impactos das emissões de CO2 na economia. Sob este aspecto, uma série de autores convergem para com a ideia de que a precificação do CO2 emitido possa ser uma política eficaz para reduzir as emissões desse gás na atmosfera.
Objetivando a redução de custos no transporte de grãos produzidos na região centro-oeste, projetos de infraestrutura ferroviária têm sido apresentados pelo governo federal como forma de ampliar a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. Além de impactos econômicos, tais projetos podem também estar vinculados a uma menor emissão de CO2 nas operações logísticas, dado que o modal ferroviário tende a apresentar um coeficiente de emissão de CO2 por tonelada de grãos transportada, menor, em comparação com o modal rodoviário. Na gama de projetos discutidos pelo governo federal brasileiro, têm-se a Ferrogrão e a Ferrovia Paraense, ambos relacionados à maior utilização dos portos localizados na região Norte do país no processo de exportação.
Inserido no contexto, o presente artigo tem o objetivo de analisar e discutir possíveis impactos da política de precificação das emissões de CO2 nas áreas de influência das soluções logísticas. O trabalho analisará, considerando esses dois projetos de infraestrutura de transporte, o comportamento dos fluxos de transporte de grãos exportados pelo Mato Grosso em diferentes cenários de precificação da emissão do gás carbônico. Ou seja, não apenas os custos de transporte serão determinantes na área de influência de cada corredor de transporte, mas também o custo de emissão atrelado à utilizada de cada solução logística.
O artigo é divido em quatro partes, além dessa introdução. Na sequência deste capítulo introdutório, na segunda parte do artigo, é apresentado o referencial teórico atrelado a essa temática de pesquisa. Na terceira está detalhada a metodologia utilizada neste trabalho - análise comparativa dos custos atrelados a cada solução logística considerada. Na quarta são apresentados os resultados. Por fim, são discutidas as conclusões na quinta seção.
No Brasil, de 1990 a 2015, o setor da agricultura correspondeu a 19,33% de toda emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil, de acordo com dados da United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC, 2019). O setor de energia é o terceiro maior emissor, com cerca de 16,53% em todo o período, sendo que a atividade de transporte geral representa 46,82% dessa parcela – aproximadamente 7,74% do total de GEE emitido no país.
Da emissão de carbono surgem os custos sociais (STERN REVIEW ON THE ECONOMICS OF CLIMATE CHANGE, 2006). Estes correspondem ao “custo global trazido a valor presente de se lançar uma tonelada de CO2 na atmosfera hoje, considerando o total de danos que essa tonelada adicional causa ao longo de todo período que permanecer na atmosfera” (NICOLETTI e LEFÈVRE, 2016). Nessa contextualização, Stern Review on the Economics of Climate Change (2006), Nicoletti e Lefèvre (2016), Knopf et al. (2018), Boyce (2018) e Tvinnereim e Mehling (2018) apontam a precificação de emissões como uma das formas eficazes para se buscar a redução nas emissões de CO2.
A estratégia de precificação das emissões se dá pela internalização, por meio da instituição de normas legais, dos custos sociais relacionados à emissão de gases que contribuem para o efeito estufa nos custos de produção. Dessa forma, produtos ou serviços com menor emissão de carbono na atmosfera tendem a ter custos menores do que aqueles que exigem maior necessidade de emissão para serem produzidos ou consumidos.
Uma das políticas de precificação de carbono é o cap-and-trade. Neste, é estabelecida uma meta de emissão para cada setor da economia (cap), com o surgimento de duas maneiras para se realizar a precificação: (i) tributação ou (ii) comércio (trade) de emissão (via crédito de carbono, por exemplo). A noção de comércio de emissão se daria pela possibilidade de revender cotas de emissão sobrantes em determinada empresa para outra que não cumpriu com a meta pré-estabelecida.
A precificação nas emissões de GEE é planejada ou adotada por diversos países, províncias, estados ou cidades, apesar de haver diferenças e particularidades na forma de implementação dos métodos de controle baseados na precificação do carbono. De acordo com o Banco Mundial (2019), os únicos países que adotam tanto o mecanismo cap-and-trade estão na Europa (Suécia, Finlândia, França, Reino Unido, Irlanda, Islândia, Dinamarca e Suíça). No Japão, México e no estado de British Columbia, nos EUA, há vigência do método cap, mas não o trade (contudo, a adoção deste é considerada). No Brasil, tal como Chile, China, Turquia e Tailândia, ainda não existe a aplicação tanto do estabelecimento de metas como da comercialização da emissão do gás carbônico, mas há considerações sobre possibilidades futuras de implantação.
Trazendo um comparativo entre Brasil, Japão e Suécia, a Figura 1 apresenta a emissão do setor de transportes entre 1990 a 2015. Observa-se que, para esse setor, a emissão de GEE aumentou cerca de 154% no Brasil. No caso do Japão, o crescimento é observado até 2001, quando as emissões de gases de efeito estufa no setor de transporte passaram a ter uma diminuição, com o início das ações para a descarbonização da matriz energética, sendo que em 2012 iniciou-se, efetivamente, a política de taxação das emissões de CO2 no país, chamada de Tax for Climate Change Mitigation (Banco Mundial, 2019). Por outro lado, a Suécia, pioneira na precificação das emissões de GEE conseguiu reduzir seus níveis de emissão de GEE no transporte ao longo do período analisado em 5,1%.
É importante ressaltar que os preços (taxas) variam de acordo com cada localidade. De acordo com o Banco Mundial (20179), a Suécia é o país com a maior taxa por tonelada de gás carbônico emitida (tCO2): US$ 127,00 por tonelada do gás. Na sequência, a Suíça e o Principado de Liechtenstein apresentam valores na ordem de US$ 96,00 por tonelada de CO2, seguidos pela Finlândia (entre US$ 60,00 e US$ 70,00) e Noruega (US$ 59,00). No Japão, a taxa para a mesma unidade de gás emitido é de US$ 3,00. Todavia, Tvinnereim e Mehling (2018) apontam que, mesmo com a efetividade comprovada do método de precificação das emissões, para se atingir o princípio de ‘descarbonização profunda’ é preciso que haja completa transformação da economia, que não será atingida somente com os instrumentos previstos nessa estratégia.
No Brasil, os esforços governamentais com o intuito de reduzir as emissões de GEE estão baseados na INDC (Intended Nationally Determined Contributions), que prevê redução das emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2005 (MMA, 2015). Contudo, não há menção sobre a possibilidade de implementação de políticas de precificação de emissão, reservando-se quanto à possibilidade de utilizar mecanismos de mercado estabelecidos sob o Acordo de Paris.
Adicionalme nte, IIDRI (2015 apud NICOLETTI; LEFÈVRE, 2016, p. 154) indica que:
[...] para alcançar a meta de 43% de redução nas emissões nacionais até 2030, além do desmatamento ilegal zero e da implantação de uma agricultura de baixo carbono, como proposto no Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), o Brasil precisará precificar a tCO2e emitida no setor energético em aproximadamente US$ 50,00.
Considerado um setor com grande representatividade nas emissões de GEE, o agronegócio brasileiro é uma das principais atividades da economia do país. Barros e Castro (2017) indicam que toda a cadeia do agronegócio, que cresceu a uma taxa média de 2,7% ao ano no período de 1994 até 2004, apresentou, ao longo dos últimos anos, parcelas próximas a 20% do PIB doméstico.
Inserida nesse contexto de ganhos de produção, destaque é dado à cadeia da soja onde 67,17 milhões de grãos e produtos derivados foram exportados em 2016 (SECEX, 2016). Tal cadeia produtiva tem sido de grande relevância para a geração de divisas ao país (SILVA et al., 2011). Parte significativa dessa expressiva produção brasileira é decorrente do desempenho do estado do Mato Grosso, que figura como o principal produtor nacional para as culturas de milho e soja (IBGE, 2018). De todo o volume de soja comercializado pelo Brasil, o Mato Grosso se apresenta como o principal estado produtor e exportador - mais 26 milhões de toneladas de soja exportadas em 2016 (SECEX, 2016). Quanto à cadeia do milho, a produção nacional é da ordem de 85 milhões de toneladas (IBGE, 2018), sendo 28,9 milhões de toneladas a quantidade exportada em 2016 (SECEX, 2016).
De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT, 2016), 61% da movimentação de cargas no Brasil ocorre por meio do modal rodoviário, sendo o modal ferroviário responsável por 21% da composição da matriz de transporte nacional. A grande dependência pelo transporte rodoviário na matriz de transporte brasileira também é verificada pelos dados divulgados pelo MME (2015), que mostram que este modal de transporte consome 92,6% de toda energia demandada pelo setor de transporte no Brasil.
Isso ocorre, devido aos elevados custos fixos e de implementação do modal ferroviário (ELLER et al, 2011), e gera, por meio da movimentação do Centro-Oeste para os portos de Sul e Sudeste, por meio da BR 163 e BR 364, problemas de perda de produto, tempo e competitividade (CORREIA; RAMOS, 2010), sendo alguns desses problemas resolvidos pelo uso da intermodalidade, como aponta Silva e Marujo (2012).
Segundo Campos Neto (2016), visando um aumento na malha ferroviária, em 2016, após uma sucessão de investidas do Governo Federal em tentar viabilizar o investimento público para a ampliação das ferrovias, com o Programa de Financiamento em Logística (PIL), foi lançado o programa de investimentos PPI, que além da ampliação da Norte-Sul, contou com mais duas ferrovias no seu planejamento, dentre as quais está a Ferrogrão que, de acordo com Lopes (2018), é uma ferrovia potencial que objetiva interligar o escoamento da produção do Mato Grosso com os portos do Arco Norte, por meio da linha férrea, de 930 quilômetros, a ser construída interligando Sinop (MT) até Miritituba (PA). Em Miritituba (PA) a carga será transferida da ferrovia para a hidrovia, modal este que será responsável pelo transporte da produção até os portos de Santarém (PA) e Barcarena (PA). O projeto é um greenfield das principais tradings operantes no Brasil e visa a redução de custos para a exportação pela região Norte.
Dentre outros empreendimentos atualmente discutidos no Brasil está a Ferrovia Paraense, empreendimento que consiste em uma linha férrea de 1319 quilômetros no Norte do país, com o objetivo de ampliar as movimentações de cargas na região, passando pelas principais regiões produtoras de bauxita e soja do estado do Pará. O traçado projetado para esta ferrovia faz a ligação entre o município de Barcarena (PA) e Santana do Araguaia (PA), na divisa com o estado do Mato Grosso (PARÁ, 2017).
Como apresentado, as análises deste artigo objetivam discutir o impacto da precificação das emissões de CO. atrelada às atividades de transporte na competitividade das soluções logísticas encontradas atualmente pelos exportadores de soja e milho, além de dois projetos ferroviários atualmente considerados pelo governo federal. A análise comparativa é realizada a nível municipal no estado do Mato Grosso, o qual contempla um total de 141 cidades, cujos dados de produção de grãos em 2016 foram obtidos junto ao IBGE (2018).
Faz-se necessário, também, a definição das soluções logísticas que potencialmente podem ser utilizadas para a realização do transporte de grãos sentido exportação. Neste trabalho, cada solução logística é composta por um porto de destino e uma configuração da operação de transporte. Os cenários nos quais a realização do transporte até os terminais portuários pode ocorrer são: (a) com a utilização do modal rodoviário de forma exclusiva; (b) com a utilização dos modais rodoviário e ferroviário em conjunto; (c) com a utilização dos modais rodoviário e hidroviário em conjunto; e (d) com a utilização dos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário em conjunto.
A definição das soluções logísticas consideradas para análise tem como base dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX, 2018), que mostram que os portos de Santos (SP), Barcarena (PA), São Luís (MA), Itacoatiara (AM) e Paranaguá (PR) e Santarém (PA) foram responsáveis por exportar aproximadamente 94% do total exportado pelo Mato Grosso e 70% do total exportado pelo Brasil no ano de 2017 (SECEX, 2018). Um total de 15 soluções logísticas foram consideradas, baseado em dados do Sistemas de Informações de Fretes (SIFRECA, 2016) Desse total, duas soluções logísticas dizem respeito aos projetos de infraestrutura ferroviária supracitados que, se efetivos, podem alterar a configuração dos fluxos de exportação de grãos do Mato Grosso – a Ferrogrão e a Ferrovia Paraense. As demais soluções logísticas já se encontram disponíveis para os exportadores mato-grossenses. A descrição das soluções logísticas consideradas é apresenta na Tabela 1:
A partir da definição dos municípios de origem de carga e as potenciais soluções logísticas para o transporte de grãos, foi construída uma matriz “origem-solução logística” (O-SL). Tal matriz é composta por 2115 combinações, para as quais foram obtidas as respectivas distâncias rodoviárias, ferroviárias e hidroviárias. As distâncias atreladas ao modal rodoviário foram obtidas junto à plataforma do Google Maps (2018) e as distâncias ferroviárias e hidroviárias foram obtidas em fontes oficiais (PPI, 2018; PARÁ, 2018; ANTAQ, 2018; ANTT, 2018).
Para cada combinação O-SL foi calculado o custo logístico total, que neste trabalho é composto pelo custo de transporte e pelo custo atrelado à emissão de CO.. A Equação 1 ilustra essa estrutura matemática de cálculo adotada.
Sendo:
i = conjunto de municípios mato-grossenses;
j = conjunto de soluções logísticas;
CTij = custo logístico total, em reais por tonelada de grão, para a movimentação de carga do município . pela solução logística .;
Tij = custo de transporte associado à movimentação de carga do município . pela solução logística ., em reais por tonelada de grão;
Eij = custo atrelado à emissão de CO. para a movimentação de carga do município . pela solução logística ., em reais por tonelada de grão.
Especificamente sobre o custo de transporte (Tij), esse é composto pelos custos associados a cada uma das etapas da operação de transporte. O custo atrelado à movimentação dos produtos pelo modal rodoviário foi calculado baseado em informações do Sistema de Informações de Fretes (SIFRECA, 2016). As informações obtidas junto ao SIFRECA (2016) dizem respeito a uma base de dados de frete rodoviários do Mato Grosso, praticados por empresas transportadoras de grãos (soja e milho) no ano de 2015.
A partir de um total de 2.375 informações, foram estruturados dois modelos de regressão, os quais foram utilizados para calcular estimativas dos fretes rodoviários entre cada origem e destino. Os destinos, nesse caso, podem ser os terminais portuários, terminais de transbordo ferroviário e terminais de transbordo hidroviário.
O primeiro modelo de regressão, representado pela Equação 2, foi estruturado para o cálculo dos fretes para rotas cuja distância é inferior a 500 quilômetros (coeficiente de determinação igual a 0,9653). A Equação 3 representa o modelo de regressão estruturado para rotas cuja distância é superior a 500 quilômetros (coeficiente de determinação igual a 0,8901). Tal diferenciação dos valores de fretes reduz o viés da análise, ao incorporar características distintas da precificação do transporte para rotas de curtas e longas distâncias, conforme observado na base de informações do SIFRECA (2016).
Onde:
TRij = frete rodoviário para o transporte de grãos do município . para o destino rodoviário da solução logística j, em reais por tonelada transportada;
distrod = distância rodoviária na solução logística j, em quilômetros (GOOGLE MAPS, 2018).
As estimativas para os fretes ferroviários (TFij) foram obtidas tendo como base o cálculo do frete rodoviário. Para uma mesma combinação de localidades, o frete ferroviário foi calculado a partir de um desconto de 20% no valor do frete rodoviário calculado pelas Equações (2) e (3). Para o frete hidroviário (THij), as estimativas foram calculadas da mesma forma, porém foi adotado um desconto de 65% no valor do frete rodoviário. Tal metodologia de precificação é baseada no trabalho de Branco e C (2011) e na base de dados do SIFRECA (2016). O custo de transporte (Tij) é obtido pela Equação 4.
Onde:
Tij = custo de transporte associado à movimentação de carga do município i pela solução logística j, em reais por tonelada de grão;
TRij = custo de transporte rodoviário da movimentação de grãos do município i pela solução logística j, em reais por tonelada de grão;
TFij = custo de transporte ferroviário da movimentação de grãos do município i pela solução logística j, em reais por tonelada de grão;
THij = custo de transporte hidroviário da movimentação de grãos do município i pela solução logística j, em reais por tonelada de grão.
O cálculo do custo atrelado à emissão de CO2 na operação de transporte (Eij) tem como variáveis adicionais o preço a ser cobrado por tonelada de gás carbônico emitida e o coeficiente de emissão de CO2 de cada modal de transporte, conforme ilustra a equação 5. Os coeficientes de emissão de CO2 de cada modal de transporte, em quilograma de CO2 por tonelada de grão transportada e por quilômetro percorrido (KgCO./ton.km), foram: 0,11917 para o modal rodoviário; 0,0346 para o ferroviário; e 0,018 para o hidroviário (PMBC, 2013).
Onde:
l = conjunto de modais de transporte (rodoviário ferroviário e hidroviário);
j = conjunto de soluções logísticas;
P = preço cobrado por tonelada de CO2 emitida no transporte de grãos, em reais por tonelada de gás carbônico;
ei = coeficiente de emissão de CO2 por modal de transporte ., em quilogramas de CO. por tonelada transportada e por quilômetro percorrido;
dlj = distância percorrida, em quilômetros, utilizando o modal de transporte . na solução logística ..
Quanto ao preço cobrado pela emissão de CO2, dados do Banco Mundial (2017b) mostram que o preço médio atualmente praticado é de US$ 10,00 por tonelada de CO2 emitida, havendo países em que os preços atingem US$ 100,00 e US$ 200,00 por tonelada do gás. Tais valores, convertidos em reais (BCB, 2018), irão ser utilizados para o cálculo em diferentes cenários - taxa de câmbio de R$ 3,3838/US$, referente ao dia 18 de abril de 2018
A partir da estrutura de cálculo apresentada, foram realizadas análises comparativas de forma a identificar, para cada município do Mato Grosso, qual é a solução logística de menor custo (CTij) nos diferentes cenários considerados. Os resultados são discutidos na próxima seção.
Nesta seção do artigo são discutidos os resultados obtidos a partir das análises realizadas. De modo a apresentar maior clareza na exposição dos resultados, a primeira parte desta seção irá discutir a área de influência das soluções logísticas em termos de mínimo custo de transporte. Na sequência, será apresentada uma discussão sobre a área de influência das soluções logísticas no que diz respeito apenas à minimização das emissões de CO2. Por fim, a parte final discutirá cenários considerando as variáveis custo de transporte e emissão de CO2 em conjunto, de forma a analisar o impacto da precificação das emissões na competitividade das soluções logísticas para o transporte de grãos.
Em uma análise comparativa entre as soluções logísticas listadas, nota-se que seis estão relacionadas à minimização dos custos de transporte nos municípios mato-grossenses. Tais soluções de transporte são: (solução i) transporte rodoviário direto até o Porto de Santos; (ii) transporte até o Porto de Santos com a utilização do terminal ferroviário de Rondonópolis; (viii) transporte para o porto de Itacoatiara a partir da utilização do terminal hidroviário de Porto Velho; (xii) transporte até o Porto de Santarém a partir da utilização do terminal hidroviário de Itaituba; (xiv) transporte até o Porto de Santarém com a utilização infraestrutura pretendida pelo projeto da Ferrogrão; e (xv) transporte até o Porto de Barcarena com a utilização da infraestrutura pretendida pelo projeto da Ferrovia Paraense. Tem-se, portanto a utilização de um total de quatro portos – Santos (SP), Itacoatiara (AM), Santarém (PA) e Barcarena (PA).
Desse conjunto de soluções, a vinculada ao projeto da Ferrogrão (solução xiv) é a solução de mínimo custo para 23 cidades do Mato Grosso, havendo um volume total de 17,9 milhões de toneladas de grãos como carga potencialmente captável por esse fluxo de transporte. Tal quantia corresponde a, aproximadamente, 43,02% do volume total de grãos produzidos no Mato Grosso. O resultado evidencia a importância que esse projeto de infraestrutura tem para as movimentações de grãos do Mato Grosso, além da potencial contribuição do mesmo para a redução de custos da principal área produtora do estado.
Em segundo lugar, com uma demanda potencial da ordem de 7,26 milhões de toneladas, o transporte rodohidroviário, com a utilização do terminal de Porto Velho (RO) (solução viii), tem uma área de influência da de 35 municípios. Trata-se do conjunto de municípios localizados ao oeste do estado, os quais são beneficiados pelos custos inferiores do modal hidroviário.
Na sequência, o transporte rodoferroviário de carga, via utilização do terminal de transbordo de Rondonópolis (solução ii), é o que tem a terceira maior área de influência em termos de volume. A análise comparativa evidencia que esta solução tem uma demanda potencial da ordem de 6,85 milhões de toneladas de grãos, quantia captável de 30 municípios do estado. Tal resultado elucida a importância que essa infraestrutura tem atualmente para o transporte de grãos produzidos no Mato Grosso até o Porto de Santos.
As soluções xii, xv e . têm como demanda potencial 3,74, 3,47 e 2,39 milhões de toneladas, respectivamente. O transporte rodoviário direto até o Porto de Santos é, como esperado, a solução logística com menor área de influência, sendo esta localizada no extremo leste do estado. As outras duas soluções logísticas têm suas áreas de influência localizadas nas regiões norte e noroeste do Mato Grosso, sendo importante também o destaque atrelado ao projeto de investimento da Ferrovia Paraense para as movimentações do estado.
Agora, em uma análise da área de influência das soluções logísticas sob a ótica de minimização das emissões de CO2 no transporte de grãos do estado, nota-se que apenas quatro soluções de transporte são utilizadas. A Ferrogrão, novamente, é a solução com maior volume potencial de movimentação – da ordem de 27 milhões de toneladas de grãos. Tal solução se mostrou como a mais eficiente para a minimização das emissões de CO2 do transporte de grãos do estado, com uma área de influência composta por 74 municípios, principalmente os das regiões central e norte do estado. Apesar de ainda se tratar de um projeto de investimento no Brasil, a Ferrogrão se mostra relevante para a redução, também, dos impactos ambientais relacionados à movimentação dos grãos produzidos e exportados pelo Estado.
O transporte rodoferroviário via Rondonópolis (solução xx) tem uma área de influência composta por 44 municípios ao sul do estado. Tal área é responsável pela produção de aproximadamente 8 milhões de toneladas de grãos. Tal resultado adiciona a questão ambiental à importância que essa solução logística tem para o estado do Mato Grosso, pelo fato de já ser uma solução logística em operação.
A Ferrovia Paraense é a solução logística que minimiza a emissão de CO2 da operação de transporte em 19 municípios (5,19 milhões de toneladas de grãos) e o transporte rodohidroviário via Porto Velho em quatro municípios (0,39 milhões de toneladas de grãos). As demais soluções logísticas consideradas não se apresentaram efetivas para a minimização das emissões de CO2 atreladas à operação do transporte de grãos, o que gera indicativos de que uma possível precificação das emissões desse poluente passe a alterar a competitividade das soluções logísticas do Estado.
Além disso, destaca-se também a importância dos portos da região norte do país. Tanto em termos de custo como em termos de emissão de CO2, tais portos se mostram mais eficientes para uma parcela significativa dos municípios mato-grossenses, apesar de os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) ainda serem bastante representativos nas exportações do Estado.
A Figura 2 ilustra o comparativo até aqui discutido. Na parte esquerda da mesma é possível visualizar a área de influência das soluções logística do Mato Grosso sob a ótica do mínimo custo de transporte, ao passo que na direita é ilustrada a área de influência das soluções logísticas sob a ótica da mínima emissão de CO2 na operação de transporte. A síntese desses resultados é apresentada na Tabela 2.
Ao considerar a precificação das emissões de CO2 da operação de transporte uma realidade aos exportadores de grãos, conforme indicativo acima apresentado, alterações passam a ser verificadas na competitividade e área de influência das soluções de transporte. Ao considerar a cobrança de R$ 33,83 (equivalente a US$ 10,00) por tonelada de CO2. emitida no transporte de grãos, reduções no volume potencial de movimentação são observadas nas soluções logísticas i e xii em comparação com o primeiro cenário discutido.
A solução . (transporte rodoviário direto da soja até o Porto de Santos) tem uma redução de 12,5% no volume potencial de movimentação, o qual é relativo à perda de um município da área de influência elucidada no primeiro cenário supracitado. Tal resultado corrobora a expectativa inicial da análise, uma vez que essa solução é caracterizada única e exclusivamente pela utilização do modal rodoviário, o qual apresenta maiores coeficientes de emissão de CO2.
O transporte rodohidroviário via Itaituba (PA), (solução xii), por sua vez, tem uma redução de 41% no volume potencial de movimentação, aproximadamente 1,54 milhões de toneladas (total de três municípios). Apesar de tal solução contemplar o transporte hidroviário em uma etapa, o projeto da Ferrogrão passa a ser mais competitivo em algumas localidades anteriormente cativas a essa solução.
Ainda nesse cenário analisado, a Ferrogrão é a solução logística que apresenta maior ganho no potencial de movimentação, com um aumento de 1,12 milhões de toneladas oriundos de dois municípios que anteriormente não faziam parte da sua área de influência. Esse aumento da competitividade da Ferrogrão é atrelado ao fato de essa solução logística se dar a partir da utilização do transporte ferroviário e hidroviário em conjunto com o modal rodoviário. A combinação desses modais de transporte faz com que a mesma se torne mais eficiente em termos de emissão de CO2, conforme já apresentado na Figura 2.
Incrementos de 0,41 milhão de tonelada (11,8%) e 1,12 milhões de toneladas (16,5%) são observados nas soluções logísticas da Ferrovia Paraense (solução xv) e do transporte rodoferroviário via Rondonópolis (ii), respectivamente. Tais soluções, pela característica multimodal, também se apresentam mais eficientes em cenários cuja precificação das emissões de CO2 é uma realidade.
A elevação do preço cobrado por tonelada de CO2 emitida para R$ 338,38 (US$ 100,00) continua a evidenciar alterações na competitividade das soluções logísticas para exportação de grãos do Mato Grosso. Nesse cenário analisado, a solução ii tem um aumento de 1,1 milhões de toneladas (16,0%) em comparação com o cenário que considera apenas os custos de transporte. Para a solução logística xv tem-se um aumento estimado no raio de captação de carga da ordem de 1,7 milhões de toneladas de grãos (48,9%), ao passo que a solução xiv tem um aumento estimado de 2,3 milhões de toneladas (13,1%). Esta última, que caracteriza o projeto da Ferrogrão, se consolida como a solução logística com maior potencial de captação de carga – total de 20,25 milhões de toneladas de grãos.
A maior redução do volume potencial de captação de carga é observada para a solução logística xii, a qual capta carga apenas dos municípios localizados na região norte do Mato Grosso. Essa redução é da ordem de 2,96 milhões de toneladas de grãos (aproximadamente 79%) em comparação com o primeiro cenário analisado neste trabalho. Na sequência, o transporte rodoviário direto até o porto de Santos (solução logística .) reduz 64% do seu potencial de captação de carga, ao passo que uma redução de 9% é estimada para a solução logística viii. A Figura 3 ilustra a área de influência de cada uma das soluções logísticas acima discutidas – a parte esquerda da figura retrata o cenário em que o custo por tonelada de CO2 emitida na operação de transporte é de US$ 10,00, ao passo que o custo de US$ 100,00 é retratado pela parte direita da figura. Tais dados estão sintetizados na Tabela 3.
A discussão acima realizada mostra que uma possível precificação do CO2 emitido na operação de transporte de grãos alteraria a competitividade dos corredores de transporte do Mato Grosso. Os cenários analisados destacam o maior potencial de utilização atrelado aos dois projetos de investimento atualmente discutidos no Brasil – a Ferrogrão e a Ferrovia Paraense.
Fonte: Elaborado pelos autores, baseado nos resultados obtidos.
Variações na área de influência de cada uma das soluções logísticas analisadas em função de diferentes preços cobrados por tonelada de CO2 emitida no transporte de grãos são apresentadas na Figura 4. À medida que o preço cobrado por tonelada de CO2 emitida se eleva, nota-se um aumento no volume de carga potencialmente movimentado pela solução logística caracterizada pelo projeto da Ferrogrão (solução logística xiv). O aumento no volume movimentado se dá por essa solução passar a se tornar mais competitiva em algumas regiões do Mato Grosso do que as soluções logísticas . (transporte rodoviário direto até o Porto de Santos), viii (exportação via Itacoatiara, com a utilização do terminal de Porto Velho) e xii (exportação via Santarém, com a utilização do terminal de Itaituba).
Em termos de volume total, 17,9 milhões de toneladas são o potencial de movimentação estimado para a Ferrogrão, em uma situação é que a emissão de CO2 não é precificada, ao passo que 25,7 milhões de toneladas de grãos são tidos como o potencial de movimentação em uma situação em que R$ 1.860 é o preço cobrado por tonelada de CO2 emitida na operação de transporte.
Aumentos sequenciais no volume potencial de movimentação também são verificados nas soluções logísticas ii (transporte rodoferroviário para o Porto de Santos, com a utilização do terminal de Rondonópolis) e xii (Ferrovia Paraense). Para o caso da Ferrovia Paraense, esta passa a ser mais competitiva em regiões anteriormente cativas da solução logística cuja exportação ocorre por Santarém, a partir da utilização do terminal de Itaituba. Quanto à solução ii, a Figura 4 mostra que essa passa a ser mais competitiva em algumas regiões anteriormente contempladas nas áreas de influência da solução logística . (transporte rodoviário direto até o Porto de Santos).
A partir das análises apresentadas na seção anterior deste artigo, o trabalho evidencia que em um cenário no qual são elaboradas políticas de precificação das emissões de CO2 nas operações de transporte acarretaria em alterações significativas na área de influência das soluções logísticas disponíveis aos exportadores mato-grossenses. Convergindo com a expectativa inicial do trabalho, a cobrança por toneladas de CO2 emitida na operação de transporte tende a favorecer soluções logísticas multimodais, como é o caso dos dois projetos de infraestrutura ferroviária consideras neste estudo.
Os resultados também mostraram o grande potencial de movimentação atrelado à Ferrogrão, independente do cenário analisado. Tais resultados ressaltam o potencial de redução de custos de transporte atrelados a tal solução logística. Além disso, cabe destaque à solução logística contemplada pelo Terminal de Rondonópolis, que aumentaria ainda mais a sua área de atuação em um cenário de precificação das emissões de CO2 na atividade de transporte.
Pertinente à Ferrovia Paraense, o trabalho também mostra a área de influência potencial desse projeto de infraestrutura, o qual também aumenta sua demanda potencial no Mato Grosso em cenários de precificação das emissões de CO2 na atividade de transporte.
Por fim, como sugestão, trabalho futuros podem considerar a presença de outras infraestruturas de transporte e áreas produtivas de outros estados brasileiros. Além disso, considerações sobre a emissão de CO2 nas atividades portuárias e do transporte marítimo até o destino final também trariam grandes contribuições à literatura. Este último ponto é apontado como uma das limitações deste trabalho.