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PRÁTICA DA CULTURA DA QUEIMA NAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ESTADO DO TOCANTINS
Revista de Políticas Públicas, vol. 24, núm. 1, pp. 205-225, 2020
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Dôssie Temático



Recepção: 04 Julho 2019

Aprovação: 07 Maio 2020

Resumo: Estudo descritivo analítico de abordagem quantitativa, com objetivo de analisar a prática da cultura da queima nas atividades agropecuárias e suas implicações no Estado do Tocantins. Para tanto, foi realizada a busca dos dados de queimadas no estado do Tocantins por meio do Banco de Dados de Queimadas no sítio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; posteriormente, os dados foram tabulados, expressos através de gráficos com auxílio do software Excel® e, por fim, discutidos. Os dados reforçam que o uso do fogo pelo ser humano nas atividades de agropecuária é uma prática que resiste a gerações e geram impactos negativos. As queimadas apresentam-se como um problema predominantemente crescente no Tocantins. Os meses de agosto, setembro e outubro compreeendem o período com maior ocorrência de queimadas. Diante disso, podemos afirmar que a queimada é uma prática persistente e crescente na cultura da agropecuária no Brasil. Com vista ao aumento das queimadas, associado a seu potencial gerador de efeitos nocivos nos mais diversos aspectos ao homem, torna-se importante o intensivo trabalho para adoção de técnicas menos danosas. Embora haja intervenções aparentemente não tão exitosas, justificadas pelo aumento crescente de números de focos de queimada, talvez fosse necessária a intervenção de uma educação formal que contribua para mudanças de hábitos das populações de modo a alterar o panorama das queimadas no país.

Palavras-chave: Cultura, Queimadas, Tocantins.

Abstract: Descriptive analytical study with a quantitative approach, with the objective of analyzing the practice of the culture of burning in agricultural activities and its implications in the State of Tocantins. For that purpose, the search for burn data in the state of Tocantins was carried out through the Burn Database on the website of the National Institute for Space Research, afterwards the data were tabulated, expressed through graphics with the aid of the Excel® software and finally , discussed. The data reinforce that the use of fire by human beings in agricultural activities is a practice that resists generations and generates negative impacts. Fires are a predominantly growing problem in Tocantins. . The months of August, September and October comprise the period with the highest occurrence of fires. Therefore, we can affirm that burning is a persistent and growing practice in the culture of agriculture in Brazil. With a view to increasing fires, associated with its potential to generate harmful effects in the most diverse aspects to man, it is important to work intensively to adopt less harmful techniques. Although there are apparently not so successful interventions, justified by the increasing number of outbreaks of burning, perhaps it would be necessary to intervene in a formal education that contributes to changes in the habits of the population in order to change the panorama of fires in the country.

Keywords: Culture, Burned, Tocantins.

1 INTRODUÇÃO

O fogo é um fator importante, responsável há milhões de anos por moldar ecossistemas e selecionar espécies em diversos ambientes no mundo. Segundo Schmidth et al, (2016) a prática da utilização do fogo na realização de atividades antrópicas no cerrado é historicamente evidenciada no manejo da agricultura e pecuária.

No aspecto ecológico o fogo vem ao longo dos anos atuando como fator co-determinante na seleção de características morfológicas e fisiológicas, fazendo do Cerrado um bioma resistente ao fogo e ao mesmo tempo dependente dele (PIVELLO, 2011). O fato é que a intensiva reincidência vem alterando as características e espécies vegetais predominantes, além de influenciar diretamente em aspectos microclimáticos e na qualidade do ar (SCHMIDT et al, 2016).

O Estado do Tocantins, apresentando o cerrado como bioma predominante (91%), sofre anualmente com intensivas queimadas, estas impulsionadas com o avanço da fronteira agrícola, a conversão de florestas e savanas em áreas pastadas, grande área territorial de reserva indígena e inúmeros municípios de pequeno porte onde o suporte de infraestrutura de combate a incêndios e queimadas é bem limitado ou quase inexistente, favorecendo, assim, a disseminação, seja por causas naturais ou por influência antrópica na ocorrência e propagação das queimadas (NEVES, 2016; IBGE 2017).

O clima predominante no estado é o tropical seco, caracterizado por uma estação chuvosa (de novembro a abril) e outra seca (de maio a outubro). É durante a estação seca que o problema das queimadas se agrava, potencializado pela escassez de chuva, fortes ventos e baixa umidade do ar. Apesar dos esforços governamentais, há vários anos consecutivos o Estado do Tocantins vem ocupando local de destaque negativo no que se refere à incidência de queimadas, principalmente em áreas de conservação como é o parque nacional do jalapão e na ilha do bananal, que, reincidentemente, sofrem com a devastação do fogo (BRETOS, 2012). Diante disso, o estudo pretende analisar os impactos da prática da cultura da queimada nas atividades agropecuárias no estado do Tocantins.

Trata-se de um estudo descritivo analítico com perspectiva quantitativa. Segundo Minayo e Sanches (1993), o método quantitativo é definido como uma explicação dos fenômenos por meio de uma linguagem numérica. A estatística é habitualmente empregada para interpretar os resultados colhidos, sendo capaz de promover correlação da realidade empírica com a teoria em que o estudo é embasado.

Para tanto, foi realizado o levantamento dos focos de queimadas no estado do Tocantins no período de 2013 a 2017, por meio do banco de dados de queimadas (BDQueimadas) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Nesta plataforma foram extraídos os dados: a) ocorrência mensal das queimadas no estado do Tocantins, b) focos de queimadas indígenas no estado do Tocantins, e c) focos de queimadas por área indígena no estado do Tocantins, para o período em questão. Posterior à coleta, os dados foram organizados em gráficos com auxílio do software Excel®, com intuito de compreender e analisar o comportamento da queimada no estado do Tocantins, e, por fim, os dados foram descritos e discutidos.

Realizou-se, ainda, a exploração da literatura para a contextualização do problema, e das dimensões envolvidas no mesmo. Foram consultadas as bases de dados SciELO, Embrapa, Scopus, Google Acadêmico, utilizando os seguintes descritores: prática da cultura da queimada, queimada no estado do Tocantins, queimadas e atividades agropecuárias, queimadas no Brasil, história da queimada, história do uso do fogo e história da agricultura. Por se tratar de um fenômeno histórico, não houve delimitação do período/ano de publicação dos periódicos, no entanto, primou-se pelos mais recentes.

2 HISTÓRIA DA AGRICULTURA

A agricultura1 é uma prática milenar empregada pelos primitivos como forma de sobrevivência. De origem ainda não esclarecida, evidências circunstanciais apontam que a mesma nasceu, provavelmente, da necessidade dos povos se fixarem em um local. Acredita-se que o homem primitivo, de maneira instintiva e inconsciente, percebeu que não havia necessidade de mudança de ambiente para alimentar-se, que o alimento poderia ser cultivado nas proximidades da moradia, tornando-a fixa. Suspeita-se, ainda, que a agricultura era uma atividade desenvolvida pelas mulheres, uma vez que os homens eram responsáveis pela caça e pelo rebanho (SERENO; WIETHOLTER; TERRA, 2008).

“Monte de lixo” é uma das hipóteses mais difundidas quanto à origem da agricultura. Os primitivos, após chegarem da coleta de alimentos, desprezavam continuamente os restos de sementes e raízes nos arredores de suas moradias, uma espécie de depósito de lixo. Logo, esse lixo enriquecia o solo, permitindo com que as plantas colonizassem, sem competição, próximas as moradias, denominadas “cozinhas primitivas”. Notaram que não havia mais necessidade de buscar o alimento tão longe, que poderiam cultivá-los próximo às suas instalações (SERENO; WIETHOLTER; TERRA, 2008).

Hawkes (1983) discorda dessa hipótese; para ele, a agricultura de fato surgiu a partir do momento em que o homem obteve conhecimento amplo de suas plantas, somente nessa fase “a cultura2 pode ser considerada domesticada e a agricultura estabelecida definitivamente”. Esse fenômeno ficou conhecido como domesticação de plantas. Para Harlan (1992), a domesticação de plantas é “um processo evolutivo operando sob a influência de atividades humanas”. Esse processo pode ser considerado um dos mais importantes relacionados à história do ser humano, por ter possibilitado ao homem o cultivo de espécies para seu próprio consumo, além de ser apontado também como fator pré-requisito para o surgimento das civilizações. Contudo, pode-se definir que a domesticação das plantas é um processo evolutivo de muitas mudanças genéticas e morfológicas, percebidas através das modificações de comportamento do homem, diretamente relacionadas com o desenvolvimento da agricultura de subsistência, executada, inicialmente pelo grupo dos caçadores-coletores (SERENO; WIETHOLTER; TERRA, 2008).

No Brasil, a história da agricultura é retratada desde o período pré-colonial, pelos povos indígenas que praticavam a agricultura de subsistência. Atraídos pelas riquezas naturais no território brasileiro, os portugueses instalaram-se nas terras brasileiras promovendo profundas modificações no modo de vida dos nativos, bem como na flora local, na inserção da atividade econômica, extração e na forma de produção de alimentos (agricultura) (ALTAFIN, 2005).

Nesse cenário, o desmatamento tornou-se uma das principais consequências da agricultura. Iniciou-se no Brasil com a exploração do pau-brasil (primeira atividade econômica do país) no litoral do Nordeste, com a destruição da Mata Atlântica para extração dessa árvore muito apreciada pelos Europeus que a usavam como madeira e tintura. Não obstante, o processo de degradação ambiental se alastrou com o cultivo da cana-de-açúcar, e posteriormente com a criação de gado. Continuou a se alastrar seguindo em direção à região sudeste e sul do país nas Matas Araucárias, avançando para o centro-oeste a partir de 1980 sobre os Cerrados (MACHADO, 2012).

Para Paulus e Schlindwein (2001), a agricultura, antes de ser uma atividade essencialmente econômica, é também uma atividade cultural e, mais do que processos naturais, trata-se fundamentalmente de processos socioculturais de uma construção humana, sendo fortemente influenciada pela carga cultural que carregam os indivíduos que a praticam.

Portanto, o homem primitivo de fato influenciou significativamente a forma de se fazer agricultura. O homem moderno recebeu esse “pacote”, como uma espécie de herança cultural, e cabe a ele, com uso de técnicas cada vez mais refinadas, e com vistas a atender suas demandas e interesses, reproduzir, aperfeiçoar o cultivo, com o objetivo de garantir a sobrevivência de sua espécie (SERENO; WIETHOLTER; TERRA, 2008).

3 CULTURA DA QUEIMADA

A prática da queimada surgiu com o cultivo da cana-de-açúcar pelos colonizadores que empregavam o fogo para a limpeza das áreas a serem plantadas. Com vistas em interesses econômicos, instalou-se no Brasil a monocultura da cana, como consequência, a queimada tornou-se rotineira. Após a queima inicial da vegetação existente para a instalação dos canaviais, ocorriam as queimas para despalhar a cana e facilitar a colheita (CARCARÁ; NETO, s/d). Em decorrência do cultivo promissor da cana, as vilas se tornaram mais povoadas, acarretando uma crescente demanda por alimentos. A exploração de cultivos alimentares passou a representar uma importante atividade produtiva, onde, para o cultivo desses alimentos, as queimadas eram realizadas, recomendadas e deixadas como herança cultural (ALTAFIN, 2005).

Dentre as atividades relacionadas à agricultura, a queimada é umas das práticas culturais mais presentes e difundidas no Brasil. Já se passaram mais de quinhentos anos, e o fogo ainda é a principal ferramenta utilizada na agricultura em todas as regiões do Brasil (CARCARÁ; NETO, s/d).

No Brasil a queima é utilizada em sistemas de produção primitivo ou convencionais praticados por indígenas, caboclos, ribeirinhos, populações pobres rurais, pequenos produtores, no sistema de agricultura familiar, e também em sistemas com altos níveis de tecnicidade. Em geral são praticadas nas atividades referentes a agricultura e pecuária (PEDROSO JUNIOR; MURRIETA; ADAMS, 2008; LEONEL, 2000; SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007; COUTINHO, 2005).

Observa-se que o uso da queimada está comumente atrelado a populações que detêm menos recursos para manutenção das atividades de agropecuária, justamente por ser uma prática de baixo custo e fácil adoção, associado ao efeito benéfico que as cinzas proporcionam ao solo pela sua composição química capaz de fornecer aporte imediato de cátions e outros elementos necessários. O efeito dessa queimada para o preparo do solo, aproxima-se da ação do fertilizante e do corretivo, considerados de alto custo para esses produtores que padecem com a precariedade de políticas adequadas de fomentos e assistência técnica a esse relevante segmento de produtores, e o acesso remoto às tecnologias capazes de substituir essa prática (SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007). Coutinho (2005) complementa que a queimada também é capaz de promover o controle de carrapatos nas pastagens, combate de pragas em restos de culturas, facilita o trabalho humano na colheita da cana-de-açúcar, entre outros interesses.

Na agricultura, a queima ocorre no final do período entre dois períodos de cultivo, é quando a vegetação secundária que cresce após o cultivo (capoeira) é cortada, seca e queimada. Já na atividade pecuarista, a queima é realizada em especial para eliminar os resíduos de capim rejeitados pelo gado, além de ter a capacidade de eliminar espécies de menor valor nutritivo e palatabilidade (SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007).

As atividades agrícolas que são adeptas ao emprego das queimadas são classificadas como agricultura de corte e queima ou itinerante. Trata-se de qualquer sistema agrícola contínuo no qual clareiras são abertas para serem cultivadas por períodos mais curtos de tempo do que aqueles destinados ao pousio3. É uma adaptação altamente eficiente às condições onde o trabalho, e não a terra, é o fator limitante, mas não significativo na produção agrícola (PEDROSO JUNIOR; MURRIETA; ADAMS, 2008). Há evidências de que a agricultura de corte e queima, antes de provocar danos à biodiversidade, estimula o seu desenvolvimento (DIEGUES, 2000). Embora tenha sido parte das práticas de cultivo de inúmeros povos desde o neolítico em todo o mundo, esse sistema agrícola se faz presente ainda quase que exclusivamente ligado às estratégias de subsistência de populações indígenas ou de baixa renda, e que vivem em áreas florestadas (ADAMS; MURRIETA, 2008).

A queimada é uma prática tão arraigada às atividades agropecuaristas, que alguns autores tratam o período com maior frequência de queimadas como a “estação das queimadas” ou “regime de queima” compreendido entre os meses de julho a outubro, outros de julho a novembro, dependendo das características do bioma e clima local (SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007; MIRANDA; NETO; NEVES, 2010). Órgãos competentes, preocupados com os efeitos nocivos gerados pela queimada de forma indiscriminada (danos à saúde, empobrecimento gradual do solo, perda de biodiversidade, risco de incêndios florestais, danos à rede de transmissão elétrica, entre outros), desenvolveram uma técnica considerada sustentável, denominada como queima controlada, regulamentada (SÁ, KATO, CARVALHO FIGUEIREDO, 2007; BRASIL, 1998).

3.1 Identidade por trás da queimada

Como já mencionado anteriormente a queimada ainda é praticada em especial pelos índios, caboclos, ribeirinhos, pequenos agricultores, na agricultura familiar e pelos indivíduos de baixa renda (CARCARÁ; NETO, s/d; COUTINHO, 2005).

Indiscutivelmente o uso do fogo na agricultura itinerante ou na agricultura de corte e queima é uma prática milenar que acompanha a cultura do homem, contribuindo inclusive para sua evolução. É empregada especialmente nas regiões florestadas, tropicais do planeta, predominantemente no Brasil na região Amazônica (ALVES; MODESTO JUNIOR, 2014). Na Amazônia esse sistema de corte-e-queima, em 1998, era responsável por alimentar aproximadamente 600 mil famílias de pequenos produtores (PEDROSO JUNIOR, 2008). Para Kleinman et al (1995), esse tipo de manejo de agricultura – corte-e-queima constitui o principal componente dos sistemas de subsistência de populações pobres rurais.

Diante dos fatos históricos, é possível afirmar que a queimada nas atividades de agropecuária é de fato uma herança cultural do homem que perpassa gerações até os dias atuais. Carcará e Neto [s/d] afirmam que a população adulta traz de forma intrínseca a cultura da utilização do fogo para as atividades agrícolas, e que, além da questão cultural, a educação formal incide positivamente no emprego da técnica, de modo que quanto menor o nível de educação da comunidade, maior o uso de fogo.

Vale salientar que o uso da técnica por essas populações (índios, caboclos, ribeirinhos, pequenos agricultores, na agricultura familiar e pelos indivíduos de baixa renda) está associado a fatores sociais condicionantes, como a falta de acesso a tecnologias que substituam a prática da queima, baixo nível de escolaridade, técnica de baixo custo, carência de apoio governamental, e incentivo financeiro ao pequeno agricultor, entre outros. Associado, também, ao custo e benefícios da queima referentes a produção, cultivo, e a criação de gado, tais como, ser considerado um método apropriado às condições tropicais, pela adubação do solo através do depósito das cinzas, eliminação das plantas invasoras, gramíneas exóticas, resíduos de capim rejeitados pelo gado, controle de carrapatos e rebrota das gramíneas mais palatáveis e de melhor qualidade nas pastagens, o combate de pragas em restos de culturas4 e limpeza de campo para novo plantio (rotação de culturas5) (PEDROSO JUNIOR; MURRIETA; ADAMS, 2008; CARCARÁ; NETO, s/d; COUTINHO, 2005; MACHADO, 2012; SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007; LEONEL, 2000).

São vastos e compreensíveis os fatores que desencadeiam o uso do fogo (queimada) por essas comunidades. Neste cenário, a fim de resguardar as comunidades praticantes da queima, mas também preocupados com o uso do fogo indiscriminado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Minerais (IBAMA), em 1998, através da portaria nº 94, institui e regulamenta a queima controlada, resolve:

Art. 1º - Fica instituída a queima controlada, como fator de produção e manejo em áreas de atividades agrícolas, pastoris ou florestais, assim como com finalidade de pesquisa científica e tecnológica, a ser executada em áreas com limites físicos preestabelecidos.

[...]

Art. 5º - Fica instituída a queima solidária, realizada como fator de produção, em regime de agricultura familiar, em atividades agrícolas, pastoris ou florestais (BRASIL, 1998, p. 1).

A queima controlada à qual se refere o artigo supracitado, diz respeito àquela em que o fogo é utilizado de forma prescrita e conduzida dentro dos limites de intensidade e velocidade pré-estabelecidos por órgãos de competência, visando o mínimo de danos e custo acessível. Para tanto, se utiliza material combustível natural e o solo sobre boas condições climáticas (em especial dois dias após chuva), de modo que favoreça o confinamento e/ou controle do fogo na área pré-determinada (ARAÚJO; RIBEIRO, 2005; GONÇALVES, 2005).

Considerada uma técnica versátil, pode ser empregada com os mais variados objetivos, no entanto, a sua maior empregabilidade está relacionada com o manejo do material combustível para redução dos riscos de incêndios florestais (CARDOSO, et al, 2000).

Salienta-se que o descumprimento ou inobservância das disposições na portaria em questão acarreta consequências. Obriga-se o responsável à reparação ambiental ou indenização quando, pelo uso indevido do fogo, gerar danos ao meio ambiente, ao patrimônio e ao ser humano. As penalidades incidirão tanto sobre os autores, ou quem, de qualquer modo, concorra para sua prática (BRASIL, 1998).

Quanto à queima solidária, trata-se da queima realizada pelos produtores sob forma de mutirão ou de outra modalidade de agrupamento (BRASIL, 1998).

Para Hecht (1989), o fogo é considerado essencial ao manejo para fins humanos nos trópicos e que o problema não está nele, mas no seu uso abusivo e extensivo que, ao inibir a regeneração, compromete a biodiversidade.

Ainda não é consensual o uso do fogo para fins das atividades agropecuárias, mesmo que seja usada pelos produtores menos favorecidos (pelos índios, caboclos, ribeirinhos, pequenos agricultores, na agricultura familiar e pelos indivíduos de baixa renda) em especial pela preocupação das consequências devastadoras associadas a essa prática.

A agricultura familiar constitui uma parcela importante e significativa no cenário econômico do país. Estima-se que cerca de 85% do total de propriedades rurais do Brasil pertencem a esse grupo. Trata-se de 13,8 milhões de indivíduos que têm na agricultura praticamente sua única alternativa de vida; desses, aproximadamente 4,1 milhões (77%) são de estabelecimentos familiares ocupados pela agricultura. O usufruto da produção da agricultura familiar pela população em geral apresenta números consideráveis; cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira são oriundos desse arranjo de produção rural, e quase 40% do valor bruto da produção agropecuária são produzidos pelos agricultores familiares. Na década de 90 foi considerado o segmento que mais obteve crescimento (TOSCANO, 2005).

Diante dos dados, é inquestionável a importância da agricultura familiar no cenário brasileiro, não limitado à subsistência, mas para o fornecimento de alimentos à população, porém há a preocupação com a prática da queima para a produção e cultivo de alimentos por essas comunidades.

Uma alternativa que possivelmente poderia amenizar os efeitos danosos do uso do fogo pela agricultura familiar é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que, consiste na oferta do crédito rural para essas famílias com vista ao “financiamento à implantação, ampliação ou modernização da estrutura de produção, beneficiamento, industrialização e de serviços no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas, visando à geração de renda e à melhora do uso da mão de obra familiar” (BANCO CENTRAL BRASIL, 2017).

O crédito rural do PRONAF deve considerar de forma mais efetiva as questões do desenvolvimento regional e territorial (BANCO CENTRAL BRASIL, 2017). O que nos leva a crer na possibilidade de as famílias agricultoras aderirem às novas tecnologias menos nocivas, antes, remotas pela falta de recursos, para a substituição do modelo de produção (corte-e-queima) empregada por essas comunidades.

Leonel (2000) retrata que o uso indiscriminado da queimada, como técnica de preparo da terra para agricultura é atribuído de forma equivocada aos índios. Para o autor, o fogo faz parte, nestas culturas, de um conjunto de técnicas integradas de manejo para subsistência da tribo, e que o fazem de forma coletiva, regulada e organizada, enquanto o fogo piromaníaco6 do não-índio ocorre geralmente na calada da noite, de forma imprudente, sem mecanismos culturais reguladores, sem o devido conhecimento, com vistas a atender interesses próprios ou sentimento de ira.

Ricardo (1999) relembra que o os índios habitam a terra há aproximadamente 12 mil anos, e por isso não podem ser responsabilizados pelas perdas florestais, uma vez que, nos últimos 500 anos, estima-se que 93% das florestas na Mata Atlântica foram destruídas, e 14% na Amazônia, enquanto, as áreas indígenas representam cerca de 20,66% do espaço amazônico, e estão entre as áreas mais densas da floresta.

Hecht (1989) defende que o manejo indígena, ao contrário do que se propaga, tem a capacidade de estimular a diversidade, permite a recaptura de nutrientes e estimula a regeneração, uma vez que o fogo provocado pelos índios é combinado por atividades que compensam o seu potencial destrutivo.

Estudos mostram que populações tradicionais residentes em áreas florestais manuseiam o fogo com muita cautela, pautado no conhecimento acumulado, na sabedoria, na experiência, uma vez que cabe aos anciãos, e não aos chefes, a tarefa de decidir a época de queimar (LEONEL, 2000; PEDROSO JUNIOR, 2008). Hecht (1989) afirma que esses anciãos, no caso dos índios, (pajés, especialistas no fogo) detêm o conhecimento sobre a graduação do fogo, qualidade das cinzas, e as técnicas de controle do mesmo pelos ventos, não limitado somente ao uso agrícola, mas também a rituais e à medicina.

Júnior (2008) destaca o etnoconhecimento dos quilombolas. Ressalta a relevância do conhecimento ecológico que os povos tradicionais possuem quanto ao manejo, a conservação e a interação com a diversidade de recursos naturais e variedades cultivadas, além das técnicas agrícolas desenvolvidas e as formas organizacionais do trabalho familiar, frente aos obstáculos e limites impostos pelas florestas tropicais

Contudo, os fatos denotam o cuidado extremo da manipulação indígena do fogo. Caso o fogo ocorresse de forma indiscriminada, os índios, bem como as populações tradicionais estariam destruindo seu próprio esforço de roçar e plantar, assim como seu habitat. Logo, a cultura indígena “faz a roça”, mas não conhece a expressão “trabalho”, nem a expressão “natureza”, pois fazem parte dela (MINDLIN, 1985).

Enfim, para essas comunidades adeptas, a queima nas atividades agropecuárias Mesquita [s/d] traça um paralelo que diz: “o fogo é o trator e as cinzas são os fertilizantes”.

3.2 Impacto das queimadas

A queimada é um fator que gera preocupação desde o início do século XVII, como mostra o primeiro código florestal brasileiro, intitulado “Regimento sobre o Pao-Brazil” instituído em 12/12/1605, o qual determinava a proibição do uso do fogo nas matas com o pau-brasil.

Embora as queimadas produzam benefícios a curto prazo para o agricultor, é inegável os prejuízos gerados pela mesma. Uma das maiores preocupações, se não a maior delas, consiste na emissão excessiva de gás carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera. Estima-se que aproximadamente 75% das emissões de gases brasileiras que contribuem para as mudanças climáticas são associadas ao solo (PEDROSO JUNIOR, 2014; SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO, 2007; MESQUITA, s.d; PAULUS; SCHLINDWEIN 2001; ZANONI, 2000).

Pesquisas demonstram que em cada hectare de pasto queimado são jogados na atmosfera, aproximadamente 1.500 kg de carbono, 36 kg de nitrogênio e 3,6 kg de enxofre (EMBRAPA, 2006). Essa fumaça produzida pela queimada é rica em gases como o monóxido de carbono e o ozônio, que se concentram na atmosfera e tornam o clima mais seco, as temperaturas mais altas e o ar irrespirável (MESQUITA, s.d). Houghton (2000) chama atenção para o desmatamento (não causado exclusivamente pelo uso do fogo) na Amazônia. Esse é responsável pela emissão de 200 milhões de toneladas de carbono na atmosfera por ano, e representa 2,5% da emissão global do carbono.

Quando se trata do cerrado, bioma predominante no estado do Tocantins, Miranda e Miranda (2000) aponta que a queimada neste cenário provoca, em média, a liberação de 5,6 t C/ha. Isso associado à taxa média de sequestro de carbono do cerrado (consiste na captura e estocagem do gás carbônico pela vegetação, evitando-se assim sua emissão e permanência na atmosfera), concluiu-se que seriam necessários 1,8 anos para o equilíbrio entre o carbono emitido e o sequestrado.

Os efeitos nocivos provindos da prática do uso do fogo nas atividades de agricultura e pecuária são multidimensionais. Empobrecimento do solo decorrente das alterações físicas, químicas e biológicas pelo uso do fogo, processos erosivos, desmatamento, perda de biodiversidade, aquecimento global, impacto de partículas liberadas pela queimada sobre os mecanismos de formação de nuvens e de seu efeito no potencial de ocorrência de chuvas, suspensão das operações de pouso e decolagem devido à densa fumaça que se forma com as queimadas, perdas significativas no patrimônio rural (áreas florestais), impactos na economia do país, entre outros. Em termos de saúde humana, ocorre o aumento de problemas, e doenças respiratórias, além da redução na função pulmonar em crianças, elevação das taxas de mortalidade em indivíduos com doenças cardiovasculares (PEDROSO JUNIOR, 2008; SÁ; KATO; CARVALHO; FIGUEIREDO 2007).

O custo médio estimado referente aos prejuízos gerados pela queimada na Amazônia vai de US$ 90 bilhões a US$ 5 trilhões (MENDONÇA et al, 2004). Segundo nota publicada em 2006, no sítio Governo do Brasil, o IBAMA investe R$ 25 milhões por ano, apenas nas atividades de prevenção e combate às queimadas e incêndios florestais.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados estatísticos representados nos gráficos abaixo reforçam os argumentos já expostos no estudo. O uso do fogo pelo ser humano nas atividades de agropecuária é uma prática que resiste a gerações (herança cultural) e geram impactos negativos. O IBAMA aponta que 95% das queimadas são provocadas pela ação humana (GOVERNO DO BRASIL, 2017). Para Coutinho (2008), a ocorrência dos incêndios florestais quase sempre está associada à não adoção de medidas preventivas e de segurança, acarretando a perda do domínio sobre as áreas queimadas. Ainda nesse contexto, Mesquita (s/d) corrobora, ao evidenciar o uso do fogo pelo homem, quando aponta como as principais causas dos incêndios florestais no Brasil, “a queima para limpeza, que corresponde a 63,7% da área queimada, seguida da queima criminosa ou provocada por incendiários (14,7%); fogos de recreação ou acidental (11,6%); diversos (4,4%); fumantes (2,9%); estradas de ferro (0,5%); e queimas de origem natural ou provocada por raios, que representa apenas 0,2%”.

Como mostra o Gráfico 1, as queimadas apresentam-se como um problema predominantemente crescente no país. Os meses de agosto, setembro e outubro compreeendem o período com maior ocorrência de queimadas. No ano de 2016 houve um ligeiro decréscimo nos índices, seguido pelo discrepante aumento dos números de queimada em 2017, em especial no mês de setembro. Diante disso, podemos afirmar que a queimada é uma prática persistente e crescente na cultura da agropecuária no Brasil.


Gráfico 1
Ocorrência mensal das queimadas no estado do Tocantins no período de 2013 a 2017
Dados obtidos do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (INPE), 2018.

Embora a legislação brasileira referente ao uso do fogo venha sendo aprimorada ao longo dos anos, existe uma série de barreiras culturais que dificultam esse controle, uma vez que o fogo é tido como uma ferramenta que os agricultores de subsistência se apropriam e a defendem como estratégia de sobrevivência (CABRAL, FILHO, BORGES, 2013). Para Carcará e Neto (s/d), enquanto as ações, planos governamentais não mostrarem resultados efetivos, o agricultor continuará realizando queimadas no campo de forma nômade e circular.

Surgem alguns conflitos inerentes à prática da queimada, os povos tradicionais e índios que os praticam. Há quem defenda o meio ambiente e os que lutam pelo ser humano. Arruda (1999, p. 86) menciona:

As tentativas de solucionar este problema dentro do padrão de atuação dos órgãos públicos têm esbarrado na ineficácia da ação repressiva, nas dificuldades de fiscalização, nos problemas sociais decorrentes da expulsão das populações e consequente formação ou ampliação das favelas nos municípios próximos, nos conflitos crescentes e, consequentemente, na disseminação do significado das políticas ambientais como políticas repressivas e contra os interesses e necessidades das populações locais.

Discussões referentes ao meio ambiente estão cada vez mais presentes na agenda política e científica; com isso, a presença humana em áreas de preservação de ecossistemas ameaçados tornou-se alvo de críticas. Consequentemente, o acesso de populações indígenas e tradicionais aos recursos florestais tem sido restringido de forma significativa, estimulando a migração dessa população para zonas periféricas dos centros urbanos, comprometendo a qualidade de vida dos mesmos (PEDROSO JUNIOR, 2008).

Arruda (1999) ainda levanta o questionamento: “não é paradoxal que as populações tradicionais sejam colocadas como antagônicas às necessidades de proteção dos recursos naturais”? Para o autor, essas populações são invisíveis, e indesejáveis ao poder público que estão presos a concepções ambientais tecnicistas e inadequadas, faz inferência a criação de unidades de conservação superpostas a áreas indígenas, ou em terras onde comunidades humanas de grande diversidade sociocultural se instalaram, e desenvolveram seu estilo de vida conforme os ambientes naturais específicos (ARRUDA, 1999, p. 86).

Não é sua presença permanente que tem preservado tais áreas do modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela destruição crescente do meio ambiente?

Enfim, não são elas as responsáveis até o presente pela conservação das áreas que agora tentamos colocar sob nossa proteção legal?

Como já discutido, no Brasil as populações tradicionais, pequenos agricultores, entre outros são adeptos da prática da queimada para as atividades agrícolas e pecuária. O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), através do monitoramento de queimadas e incêndios florestais, apresentam os registros dos focos de queimadas em terras indígenas no estado do Tocantins (gráfico 2). Como se pode observar, os focos de queimadas em terras indígenas seguem praticamente o mesmo comportamento das queimadas no estado do Tocantins, ressalvo, no ano de 2015 e 2016, que, quando comparados com as queimadas no estado do Tocantins, ocorreu fenômeno inverso. Em 2016, no estado, houve o decréscimo dos índices de queimadas, enquanto nas terras indígenas, esse declínio ocorreu em 2015, com elevação das taxas em 2016.

Embora predomine o crescente foco de queimadas indígenas no estado do Tocantins, estudos revelam o conhecimento desses povos no manejo do fogo. Como já disse Leonel (2000), o uso do fogo indiscriminado é associado inequivocamente aos índios. Segundo o autor, o regime de queima utilizado por povos indígenas não é aleatório, é correlacionado com os objetivos de manejo que estes pretendem alcançar. Wadt (2006) explica que as áreas desmatadas, queimadas pelos índios, são posteriormente deixadas em pousio na forma de capoeira, como estratégia de regeneração da vegetação nativa que permite o acúmulo de carbono e outros nutrientes na biomassa, dando possibilidade para que essas áreas possam ser reutilizadas futuramente para atividades agrícolas.


Gráfico 2
Foco de queimadas índigenas no estado do Tocantins
Dados obtidos do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (INPE), 2018.

O Gráfico 3 apresenta os focos de queimadas por área indígena no estado do Tocantins. O estado do Tocantins possui uma população aproximadamente de 6000 índios. Segundo dados do sítio NEAI (Núcleos de estudos e assuntos indígenas) são nove tribos instaladas no estado, sendo, Apinajé (povo panhi), Avá-canoeiros, Akwê Xerente (povo Akwen), Karajá, Javaé, Xambioá (povo Iny), Krahô (povo Meri), Krahô-canela e Pankaray. Como se vê no gráfico, o INPE apresenta denominações referentes às tribos diferentes do NEAI, embora estejam retratando os mesmos povos, porém fazem inferência a área, ou seja, área que está inserida à tribo (terra indígena). É o caso do parque do Araguaia, Inawebohona, Utaria Wyhyna e Kraolandia, (todas) terras indígenas ocupadas pelos índios das etnias, Karajá, Javaé, Avá-canoeiros e Krahô. O parque do Araguaia está localizado no terço norte da ilha do bananal, sudoeste do Estado do Tocantins, próximos aos municípios de Pium e Lagoa da Confusão, numa faixa de transição entre a floresta Amazônica, cerrado e pantanal. O parque abarca essas terras indígenas supracitadas (ILHA DO BANANAL, 2018; NÚCLEO DE ESTUDOS E ASSUNTOS INDÍGENAS, 2018).


Gráfico 3
Focos de queimada por área indígena no estado do Tocantins (2013-2017)
Dados obtidos do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (INPE), 2018.

Estudos mostram a alteridade da queima empregada pelos povos indígenas. Mistry et al. (2005) refere que os Krahô utilizam o fogo como ferramenta de manejo ao longo da seca. É empregado desde o início da estação seca, em abril, até setembro, na seca tardia. Algumas áreas são deixadas sem queimar por alguns anos, dependendo do recurso a ser manejado e também do significado cultural e espiritual que determinados espaços representam nesse território.

Leonel (2000) explica que o uso do fogo pelos índios é preparado a partir da abertura de clareiras que formam corredores, a fim de que o fogo se alastre para locais indesejados, e evitar que o calor em excesso gere danos às raízes previamente plantadas. A parcela a ser queimada é cercada com grama seca e arbustos, com as plantas que eles tradicionalmente acreditam “gostar de fogo” porque elas têm a capacidade de reter o fogo por mais tempo. Durante a queima, os índios permanecem atentos, sob vigília, munidos com ramos de palmeiras e banana brava, preparados para qualquer eventualidade que ultrapasse o que (se) foi planejado. Enfim, caso o fogo fosse descontrolado, eles estariam destruindo seu próprio esforço de roçar e plantar, inclusive seu plantio, bem como seu habitat, suas reservas, hortas, seus locais de descansos, entre outros.

Contudo, embora haja grande preocupação com as queimadas, diante dos fatos, supõe-se que o fogo indiscriminado seja da prática inconsequente de indivíduos despreparados com vistas a atender interesses próprios, em especial econômicos.

5 CONCLUSÃO

Irrefutavelmente é reconhecido, regulamentado e culturalmente empregado o uso do fogo de forma controlada na agricultura aos pequenos produtores, índios, populações tradicionais, entre outros. Considerada importante prática rudimentar necessária para subsistência dos antepassados, perpetuou-se até os dias atuais, e, como uma espécie de herança cultural, constitui atualmente uma das práticas mais difundidas e empregadas no país nas atividades econômicas - agricultura e agropecuária. No entanto, os números elevados e os danos provenientes da queimada têm gerado muitas preocupações além de sérios conflitos de interesses.

Com o passar do tempo, por meio do fortalecimento do Estado, do advento das questões ambientais e ainda a mobilização da sociedade civil, a queimada passou a ser mal interpretada em termos de sustentabilidade e ainda vista como um “perigo” à vida humana.

Os tempos são outros, e as exigências também. São muitos os fatores contemporâneos que culminam para o aumento da queimada e, consequentemente, a interpretação deturpada da mesma.

O aumento populacional, o aumento dos números de produtores, a procura incessante de alimentos, as exigências do mercado, o encarecimento na produção de insumos, a necessidade da produção de alimentos e carnes em menor tempo, a exportação, a ganância do ser humano, entre outros fatores, contribuem maciçamente para o descumprimento das normas regulamentadoras das atividades econômicas que interferem no meio ambiente e, consequentemente, para o aumento dos números de queimadas.

Para alguns autores o tratamento dessa temática pelos órgãos responsáveis ignora o potencial conservador dos segmentos culturalmente diferenciados que historicamente preservam a qualidade das áreas que ocupam. Isso nos leva a acreditar que as atividades extrativistas de grandes escalas, que geram lucros altos para grandes empresas tendem a exterminar ou, pelo menos, tornar escassa a população nativa ou aquelas que dependem da terra para subsistência (pequenos agricultores). Fato esse que pode ser comprovado pela grande procura e valorização de alimentos orgânicos, pela mudança de disposição de hortas, entre outros. Esses estão se tornando cada vez mais raros, e, quando encontrados, com preços elevados.

Com o aumento das queimadas, associado a seu potencial gerador de efeitos nocivos ao homem e ao ambiente, torna-se importante o aprofundamento de estudos que visem adoção de técnicas menos danosas e mais acessíveis que amenizem ou controlem as queimadas. Embora haja intervenções (PRONAF, legislações que regulamentam o uso do fogo, etc) aparentemente não tão exitosas, justificadas pelo aumento crescente de números de focos de queimada, talvez fosse necessária a intervenção de uma educação formal que contribua para mudanças de hábitos das populações, de modo que a longo prazo, mesmo que em pequenas escalas, consiga alterar o panorama das queimadas no país. Substituir o método não é a alternativa mais exitosa, uma vez que, como já citado neste estudo, é um mal necessário.

Cabe sugerir, ainda, diante da escassez percebida, estudos que tratem e valorizem a queimada como manifestação cultural e vital imbricada no processo de desenvolvimento econômico e de subsistência dos pequenos produtores e populações tradicionais ou étnicas que encontram, nessa prática, uma alternativa para continuação da produção, assim como já foi historicamente retratado. Dar voz a essa comunidade e à sociedade civil para que discutam e proponham soluções e ou estratégia (políticas públicas, projetos) para eles e por eles, referentes a essa temática, seria de grande contribuição para mitigar os números das queimadas no estado.

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Notas

[1] Agricultura - atividade que tem por objetivo a cultura do solo para produzir vegetais úteis ao homem e/ou para a criação de animais; lavoura.
2 Nesse contexto “cultura” diz respeito à ação, efeito ou modo usado para tratar a terra ou as plantas; cultivo, terreno cultivado; categoria de vegetais cultivados: a cultura das flores; culturas forrageiras. [CULTURA]. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em: https://www.dicio.com.br/cultura/.
3 Pousio, em agricultura, é nome que se dá ao descanso ou repouso proporcionado às terras cultiváveis, interrompendo-lhe as culturas para tornar o solo mais fértil. Além desta finalidade, pode ser usado como meio de controle de ervas daninhas, consorciada a outras práticas, como a rotação de culturas.
4 Nesse contexto “cultura” diz respeito à ação, efeito ou modo usado para tratar a terra ou as plantas; cultivo, terreno cultivado; categoria de vegetais cultivados: a cultura das flores; culturas forrageiras. [CULTURA]. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em: https://www.dicio.com.br/cultura/.
5 Consiste no plantio alternado ou sequencial de várias culturas em uma mesma gleba (SOUSA, 2009).
6 Piromania – comportamento repetitivo de atear fogo. [PIROMANIA]. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em: [https://www.dicio.com.br/piromania/]. Acesso em: 24/10/2018.


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