Artigos - Dôssie Temático
Recepção: 20 Dezembro 2019
Aprovação: 07 Maio 2020
Resumo: Qualidade de vida e sustentabilidade como condição de saúde representa um dos desafios no século XXI. Na Amazônia, em comunidades ribeirinhas de Caapiranga, foram realizadas atividades baseadas na Metodologia participativa Interação, através da realização de pesquisa e extensão, seguindo princípios de respeito aos saberes tradicionais orientados pelas formas de organização sociocultural local, a fim de proporcionar acesso ao saneamento básico e diminuição dos impactos na saúde e na qualidade de vida desta população. A instalação das fossas sépticas sustentáveis, realizadas em conjunto com os comunitários, ocorreu a partir de ações sobre cuidados preventivos de saúde, tendo como principais resultados melhoria na saúde e a mobilização das práticas de sustentabilidade social e ambiental. Além disso, as ações de educação e saúde visam contribuir com mudanças efetivas de hábitos dessas populações.
Palavras-chave: Saúde, Qualidade de vida, Amazonas.
Abstract: Quality of life and sustainability as a health condition represent one of the challenges in the 21st century. In the Amazon, in riverside communities in Caapiranga, activities were carried out using the Interactive Methodology, through research and extension, following the principles of respect for traditional flavors guided by the forms of local socio-cultural organization. An end to accessible access to basic sanitation and reduction of impacts on the health and quality of life of this population. An installation of sustainable septic tanks carried out in conjunction with waste, occurred from actions on preventive health care, with the main results of improving health and mobilizing social and environmental sustainability practices. In addition to education and health actions, which aim to contribute to effective changes in habits caused.
Keywords: Health, Quality of life, Amazonas.
1 INTRODUÇÃO
No cenário do século XXI, o modelo de sociedade dominante orienta-se pela prioridade absoluta dada ao desenvolvimento econômico centrado na ampliação dos níveis de produção e consumo de mercadorias que resulta numa crise socioambiental sem precedentes na história. A trilha traçada pelo modo de produção e consumo na sociedade capitalista põe em risco a própria civilização moderna. Assim, em face aos diversos desafios, impactos e problemáticas que prevalecem por todos os quadrantes do planeta, a qualidade de vida, e mais especificamente no âmbito da saúde, sofre intensos agravos cujos principais fatores desagregadores e negativos gerados são: intensificação das mudanças climáticas com ampliação, em frequência e gravidade, da degradação ambiental, desastres naturais, aceleração do esgotamento dos recursos naturais não renováveis com perda da biodiversidade, estresse dos recursos hídricos, ameaças de guerras constantes, entre outros, que acrescentam e exacerbam a lista de necessidades com a qual a humanidade se defronta, como desafios para governos e sociedade na contemporaneidade (ONU-BR, 2018).
Esses desafios provocam a capacidade dos países e revelam o (des)compromisso dos policy makers de se envolverem efetivamente em atos voltados para alcançar o almejado desenvolvimento com sustentabilidade. É notória a requisição de medidas de políticas públicas urgentes de países e governantes, bem como a mobilização da sociedade em geral em prol da implementação de ações duradouras que resguardem e promovam a qualidade de vida com efetiva sustentabilidade.
De acordo com o que foi exposto, entende-se que, é necessário e urgente pensar alternativas de sobrevivência para todas as sociedades, sejam elas tradicionais ou modernas, assim como dos sistemas biológicos do planeta, em situação de risco extremo. Contudo, em meio a este cenário, é possível vislumbrar avanços e oportunidades nos mais diversos campos de produção e na disseminação de conhecimentos, como na educação, de modo a proporcionar formação e informação e práticas preventivas no que tange à inovação científica e tecnológica, bem como nas diferentes áreas das ciências (medicina e energia), com difusão oportunizada pela adoção das tecnologias de comunicação global. Assim, os avanços obtidos não podem ser restritos apenas aos que possuem poder aquisitivo, vivem em sociedades ricas e nos centros urbanos, mas também pelos povos tradicionais que vivem nos diferentes recantos do globo, o que implica uma efetiva afirmação dos direitos sociais e humanos.
Diversos estudos realizados no âmbito das comunidades amazônidas consideram o cenário global e as determinações impostas à dinâmica local, e indicam que as populações que residem em comunidades tradicionais na Amazônia possuem formas de vida sustentadas por uma relação profunda com os ecossistemas locais, denotando um modus vivendi singular. Estes povos, conforme estudos indicados, ao longo da história da região demandam acesso aos bens e serviços sociais disponíveis no meio urbano. Igualmente, apontam que as modalidades de organização sociocultural tradicionais não impedem a adoção de novos saberes e práticas, mas os habilita para usufruir e potencializá-las em tecnologias sociais, via adaptação dos saberes externos às necessidades de seu contexto e da existência de seus grupos sociais.
Os diferentes segmentos de povos tradicionais (indígenas, varjeiros, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores), na interlândia Amazônica praticam o manejo dos recursos dos ecossistemas locais, não apenas para a manutenção da subsistência, em termos físicos, materiais e territoriais, de seus grupos domésticos; a pluralidade de formas de manejo que dominam os povos amazônidas servem para garantir a continuidade da organização sociocultural que possuem, assegurando e preservando como fator fundamental para manutenção da identidade politica de seu grupo. Nesta dinâmica, eles enfrentam inúmeros desafios quando se trata de acesso a bens e serviços sociais básicos, tais como Educação, Saúde, Assistência Social, Crédito, Assistência Técnica.
Nas pesquisas desenvolvidas pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos Socioambientais e de Desenvolvimento de Tecnologias Sociais na Amazônia-Grupo Interação1, os povos da Amazônia são reconhecidos como detentores de importantes saberes sobre o uso e manejo dos recursos naturais locais que são transmitidos entre gerações e que garantem a implementação de práticas sustentáveis. Entende-se que os saberes destes povos podem vir a subsidiar a construção de instrumentais e tecnologias com o potencial de gerar alternativas de desenvolvimento com sustentabilidade.
Este artigo sintetiza os resultados dos projetos de pesquisa e extensão, intitulados “Sustentabilidade e Geração de Energia: um estudo da viabilidade de biodigestor em comunidades ribeirinhas da Amazônia” e “Educação Sanitária e Uso de Fossas sépticas sustentáveis em comunidades ribeirinhas no município de Caapiranga/AM”, que trataram sobre a geração de energia e possibilidade de usos de resíduos por biodigestor. (Cujo) O resultado foi (à) a elaboração do projeto de extensão com ações de capacitação e instalação de fossas sépticas sustentáveis nas comunidades de São Lázaro e Santa Luzia, no município de Caapiranga/AM.
Vale ressaltar que este estudo está vinculado à Red Multiben, desenvolvida juntamente com 14 grupos de pesquisas pertencentes ao Brasil, Argentina, Uruguai, Espanha, Costa Rica, Portugal e Colômbia, associada ao Programa Ibero-americano de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo – CYTED, órgão dos países Iberoamericanos para cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento dos países ibero-americanos, cujo estudo em pauta trata sobre qualidade de vida na contemporaneidade.
Os estudos supracitados reconhecem que dentre os inúmeros desafios enfrentados pelos povos tradicionais da Amazônia no século XXI, destacam-se os agravos dos problemas de saúde, causado por múltiplos fatores. Assim, o artigo traz uma reflexão sobre sustentabilidade e saúde nas comunidades ribeirinhas citadas, apresentando a experiência de adoção de fossas sépticas sustentáveis, enquanto opção sustentável e viável para melhoria das condições de saúde e, por conseguinte, representa uma relevante contribuição para melhoria na qualidade de vida dos comunitários das comunidades estudadas.
2 CRISE SOCIOAMBIENTAL E A BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE
No século XXI, as abordagens em torno da construção de perspectivas teórico-práticas de desenvolvimento com sustentabilidade demandam com extrema urgência a elaboração de sistemas sociais e políticos que visem à garantia de direitos para todos de modo justo e equitativo, tendo em vista a constatação de que a sociedade contemporânea confronta-se com um problema de proporções imensuráveis que afeta as estruturas da civilização moderna: a crise socioambiental. A complexidade dos desafios e dos dilemas da crise em curso, percebida nos limites da capacidade de recuperação e manutenção de determinados recursos naturais, são resultantes do modo como os homens, em sociedade, relacionam-se entre si e da forma como se apropriam de toda ordem de recursos.
Embora não possa ser considerada uma posição consensual, diversos setores e agentes sociais (com)partilham a visão de que a natureza da crise que predomina, engloba de maneira indissociável a dimensão social e ambiental, configurando-se como uma crise socioambiental.
O debate contemporâneo sobre a crise socioambiental, por várias décadas esteve centrada na compatibilidade entre desenvolvimento econômico e a conservação da natureza. Os movimentos sociais organizados, ao emitirem inúmeros alertas sobre a necessidade de ampliação dos debates, estimularam o campo científico a aportar o século XXI com compromissos firmados de formatar novos instrumentais teóricos, práticos e analíticos para tratamento de diversas questões sobre a relação sociedade-natureza.
Os sinais de agravamento da crise socioambiental ganharam intensidade em suas manifestações no início dos anos 60 do século XX, chamando atenção para alguns dados alarmantes referentes aos impactos antrópicos na vida do planeta. O ritmo e a intensidade da destruição variam em consonância e/ou modelada pela dinâmica da sociedade envolvente, em função do modelo de exploração dos recursos locais (espécies animais e vegetais) e das relações sociais reguladas pelo modo de produção e consumo.
No que tange aos impactos nas organizações sociais nos diversos continentes, os estudos e relatórios das agências de desenvolvimento multilateral, como Organização das ações Unidas e seus múltiplos órgãos, emitem relatórios anuais indicando o grau de impacto ocorrido. No início da década de 90, em torno de um bilhão de pessoas encontrava-se em situação de pobreza absoluta; três bilhões (sobre 5,3 bilhões) não conseguiam alimentar-se de maneira adequada; esta precariedade conduzia sessenta milhões à morte por fome, ao ano, enquanto quatorze milhões de jovens com idade inferior a quinze anos morriam em consequência de doenças causadas pela fome.
O quadro de extinção das espécies, o esgotamento de diversos recursos não renováveis e a expropriação de povos tradicionais de seus territórios de existência, provocados pela depredação dos recursos naturais, da flora e da fauna, os níveis diversos de poluições e o tão propalado “efeito estufa”, são indicadores importantes que assinalam que a própria sobrevivência humana está incessantemente sob ameaça.
É notória a existência de um leque variado de importantes estudos sobre o tema em pauta nas mais diversas áreas das ciências,visto que abundam as afirmações fundamentadas que atestam a ocorrência de efeitos desencadeadores de reações desconhecidas e imprevisíveis, e que vão além da capacidade de mitigação pelos mecanismos até então conhecidos pela sociedade. Para tal, faz-se mister debater, mesmo que de modo sucinto, as bases conceituais e históricas da emergência do termo sustentabilidade cujo enfoque incide sobre o conceito de desenvolvimento. Entretanto, nas reflexões relatadas neste texto procede-se a um recorte didático, no qual apenas os autores reputados como aqueles que fizeram contribuições significativas para as questões atuais tiveram suas contribuições relatadas.
Godard (1997), em seus estudos, assinala a existência de três matrizes principais de análise: o ecodesenvolvimento (SACHS, 1970); a bioeconomia ou economia ecológica (ecological economics) e o desenvolvimento sustentável (CNUMA, 1991).
O ecodesenvolvimento, a primeira corrente de pensamento que liderou os debates nos primeiros anos da década de 70, teve início sob a direção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, constituindo-se o que ficou conhecido como “estratégias de ecodesenvolvimento” (SACHS, 1974, 1980, 1993). Sachs (2002) foi o precursor neste debate, apresentando o conceito de Ecodesenvolvimento, a partir do qual afirma que a sustentabilidade não é apenas ambiental, mas social, cultural, econômica, de governabilidade política e até do sistema internacional, para manter a paz mundial. Esta foi concebida como uma nova abordagem do desenvolvimento, onde as estratégias pensadas tiveram suas bases fundadas no:
[...] atendimento às necessidades fundamentais (habitação, alimentação, meios energéticos de preparação de alimentos, água, condições sanitárias, saúde e decisões nas participações) das populações menos favorecidas, prioritariamente nos países em desenvolvimento, na adaptação das tecnologias e dos modos de vida às potencialidades e dificuldades específicas de cada ecozona, na valorização dos resíduos e na organização da exploração dos recursos renováveis pela concepção de sistemas cíclicos de produção, sistematizando os ciclos ecológicos. (GODARD, 1997, p.111).
O ecodesenvolvimento representa uma crítica contundente ao modelo de desenvolvimento excludente dos países do Norte, centrando sua abordagem no atendimento das necessidades e da autonomia dos povos dos países fora do eixo Norte. A perspectiva proposta pelo autor pautou-se pela valorização das atividades produtivas das sociedades tradicionais, em geral relegados às margens do desenvolvimento, cujo modelo de produção e consumo diferem da economia de mercado, com atividades marcadas pela participação direta dos produtores, em caráter familiar, de subsistência e/ou informal.
Chaves & Rodrigues (2006) consideram que a abordagem delineada no conceito de ecodesenvolvimento possui caráter de crítica pragmática, que foi proposta no pós-guerra para servir de modelo de desenvolvimento, e que teve sua concretização em projetos experimentais e/ou demonstrativos, com apoio de organizações dos movimentos populares locais, regionais, internacionais ou de agências públicas, de militantes ou independentes.
Essa vertente defende a necessidade de mudanças políticas nacionais e uma reestruturação das relações econômicas Norte-Sul, numa clara reivindicação de alteração na postura nos modos de produção e no padrão de consumo e desenvolvimento dos países industriais.
Para Sachs (2002), a perspectiva de ecodesenvolvimento é composta por cinco principais dimensões de sustentabilidade são elas: 1) Sustentabilidade Social, que preconiza o desenvolvimento como processo que deve assegurar crescimento estável, com distribuição equitativa de renda e garantia do direito de melhoria de vida para a população. 2) Sustentabilidade Econômica, que se torna possível a partir de um fluxo constante de inversões públicas e privadas de recursos, além do manejo e alocação eficiente dos recursos naturais. 3) Sustentabilidade Ecológica, que abrange a expansão da capacidade de utilização dos recursos naturais disponíveis, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas, pela redução de impacto ao meio ambiente, com a redução do volume de substâncias poluentes, sustentada pela adoção de políticas de conservação de energia, recursos, entre outras medidas. 4) Sustentabilidade Geográfica, que busca assegurar a ocupação segura dos contingentes humanos com distribuição espacial equilibrada e desenvolvimento de atividades econômicas compatíveis com a conservação dos recursos naturais locais. 5) Sustentabilidade Cultural, que compreende a valorização dos saberes tradicionais, garantindo que o processo de modernização seja obtido de forma endógena, com mudanças sintonizadas nos valores, habilidades culturais vividas em cada contexto específico.
Por adotar uma crítica ao modelo predominante de desenvolvimento do sistema, a proposta de ecodesenvolvimento (SACHS, 1970; 1974) não agradou ao núcleo de poder, aos principais setores da economia e das elites políticas nacionais e internacionais e, assim, ficou relegada às esferas marginais por muitos anos, tendo sido revisitada nos anos 2000 por diversos movimentos sociais nos países do Sul (CHAVES, 2008).
Para Godard (1997), a segunda vertente, a bioeconomia ou economia ecológica (ecological economics), resguarda uma inspiração interdisciplinar com representação teórica da atividade econômica. Sob esta orientação, Chaves & Rodrigues (2006) indicam que a bioeconomia abrange uma proposta de projeto que:
[...] desenvolva uma nova representação teórica da atividade econômica tendo como ponto de partida a confrontação com os novos conceitos e modelos desenvolvidos pelas ciências da natureza, como: termodinâmica, evolução e organização do ser vivente, ecologia, entre outros. Os teóricos ligados a esta corrente de pensamento iniciam com formulações críticas, tais como: questionam a autogestão do sistema econômico, impossibilidades da extrapolação das soluções locais para globais, impossibilidades de reciclagem completa das matérias-primas, devido aos fenômenos da entropia, não possibilidade de troca entre capital natural e capital produtivo reprodutivo. (CHAVES; RODRIGUES, 2006, p. 101)
Todavia, entende-se que a bioeconomia não conseguiu dialogar de maneira efetiva com os setores da sociedade e da academia de maneira a alcançar uma repercussão significativa nos debates e fóruns acadêmicos e sociais. Desse modo, Godard (1997) indica que a terceira corrente assinalou o prolongamento da teoria neoclássica do equilíbrio e do crescimento econômico, que não estabelece relação entre crescimento e degradação do meio ambiente, os problemas ambientais são tratados como ineficácia da distribuição dos bens econômicos em dado momento e atribui um conteúdo objetivo ao desenvolvimento sustentável. Esta tornou-se a definição mais conhecida, citada no relatório Brundtland (1988), quando afirma que o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidade.
No âmbito dos estudos e das políticas públicas, no início da década de 1990, em face das formas de resistências dos movimentos sociais de cunho socioambiental, o modelo de política predominante sofreu diversas inflexões e mudanças e aos poucos foi sendo suplantado pelo advento de um novo paradigma de desenvolvimento, o ideário do desenvolvimento sustentável, conceito apresentado na Rio 92, que propôs novo estilo de desenvolvimento que apregoa a necessidade de uso moderado dos recursos naturais em detrimento da sobrevivência e manutenção das futuras gerações2.
Na esteira dessa compreensão, para Chaves (2013), o conceito e as práticas centrados na sustentabilidade possuem uma conotação diferenciada da lógica que rege as relações capitalistas que se pautam no crescimento econômico ilimitado sem considerar os limites dos recursos naturais, além de (re)produzir a desigualdade social no bojo da sociedade, ampliando o quadro de empobrecimento de diversos segmentos sociais, causando condições adversas e precárias de sobrevivência para milhares de pessoas em todo o mundo.
O avanço nos debates em torno da necessidade e da emergência em se repensar as formas de desenvolvimento vigentes, tem contribuído para visibilizar problemáticas em diversos campos, entre eles no da saúde, em diferentes contextos. O que possibilita, ao mesmo tempo, a construção de novos paradigmas de abordagem que servem para subsidiar a formulação padrões e/ou soluções de desenvolvimento pautados na sustentabilidade, em suas diferentes dimensões.
2.1 Saúde & Qualidade de Vida, sob o foco da sustentabilidade
A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a saúde não se constitui em ausência de doenças, mas pressupõe o completo estado de bem-estar do ser humano como um indivíduo biopsicossocial (dimensões física, mental, social). Essa condição de cidadania deve assegurar o acesso à saúde em sua integralidade, como direito social dos indivíduos de forma universal. No Brasil, a lei 8.080/90 define o direito à saúde como “um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (art.02 da CF 1988), que deve ser assegurado sem distinção de raça, idade, religião, ideologia política, condições socioeconômicas e culturais.
Nessa discussão, é essencial a compreensão sobre os Determinantes Sociais de Saúde (DSS), que para Buss e Pellegrini Filho (2007, p.78) são elementos que configuram “[...] condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população que estão relacionadas com sua situação de saúde”. Os DSS abrangem um conjunto de fatores que podem contribuir para proporcionar as condições de saúde ou podem implicar em riscos, dentre eles destacam-se: a produção de alimentos, a educação, o ambiente de trabalho, desemprego, serviços sociais de saúde, habitação, acesso a água potável e saneamento básico, entre inúmeros outros.
Importante destacar que, conforme apresentada por Sachs (2002), a perspectiva de sustentabilidade, fundamentada no Ecodesenvolvimento, coaduna-se com a Declaração de Alma-Ata, Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde Alma-Ata (URSS, 6-12 de setembro de 1978), a qual enfatiza que: [...] a saúde [compreende um] estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade é um direito humano fundamental, [...] é a mais importante meta social mundial [...]” (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, p.1).
O entendimento supracitado conduz o debate em torno da urgência de promoção da saúde a reconhecer a necessidade de uma articulação possível em diferentes âmbitos sob as premissas da sustentabilidade. Desse modo, as construções de propostas de sustentabilidade na área da saúde devem ser pautadas no respeito às particularidades e às diferenças de cada região, povo e nação no que diz respeito aos parâmetros relativos à qualidade de vida.
Sobre a qualidade de vida, estudos da OMS (1995) e WHOQOL (1997 apud FARINHA, 2018) asseveram que a qualidade de vida está associada de maneira indissociável à percepção do indivíduo em relação a sua posição na vida no contexto da cultura e dos sistemas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. (WHOQOL, 1997 apud FARINHA, 2018, p.1).
Assim, a terminologia qualidade de vida possui uma amplitude que abrange um conjunto de elementos que estão presentes no processo que envolve o desenvolvimento em suas diferentes dimensões. Outrossim, as requisições que se impõem para o alcance da qualidade de vida dependem de múltiplos atos, sentimentos, atitudes e relacionamentos que guardam diversos conteúdos e propósitos, e envolvem os ativos e/ou domínios intelectuais, práticos, lúdicos, criativos, socioculturais, políticos ou econômicos.
A partir da perspectiva de abordagem delineada sobre qualidade de vida, no contexto Amazônico, para pensar em sustentabilidade na saúde é imperativo considerar as diversas dimensões da realidade que compõem o complexo da região. Assim, entende-se que nos locais em que o atendimento das necessidades e dos cuidados de saúde dos cidadãos, detentores de direitos, é parcializado ou precário, ou mesmo, não é viabilizado; urge, portanto, fomentar ações preventivas que contribuam para a qualidade de vida com sustentabilidade.
3 REGIÃO AMAZÔNICA, DILEMAS E DESAFIOS
De acordo com o perfil geopolítico das regiões brasileiras, segundo os dados do IBGE (2016), a Região Norte, que se configura como uma divisão geopolítica no interior do Bioma Amazônico, a Amazônia Legal é composta por 09 estados3 e ocupa 59% do território brasileiro e abriga em torno de 24 milhões de habitantes (12% da população nacional), com 3.853.222,2 km2, sendo a maior extensão territorial que corresponde a aproximadamente 45% da área total do Brasil. (IBGE, 2016).
O Bioma Amazônico em sua extensão, além de abranger vários estados brasileiros apresenta um enorme potencial para recursos culturais e naturais e, por outro, representa um sério desafio. Portanto, a Amazônia não pode ser considerada apenas como um território constituído por uma formação particular da natureza. A Amazônia, em seus limites no território brasileiro, desde o processo de colonização experimenta inúmeras intervenções de políticas de caráter desenvolvimentista de exploração dos seus recursos naturais, que denotam a expansão da ordem capitalista, numa sequência de ciclos econômicos de crescimento, determinados pelos movimentos do mercado que operam com o objetivo de integrar a região ao circuito do capital nacional e internacional. (CHAVES, 2016)
Na cena amazônica, ao longo do processo socio-histórico de constituição e formação da região, a disponibilidade dos recursos naturais manejados pela diversidade de povos que a compõem engendraram formas de atendimento de suas necessidades de subsistência e de saúde, sob as bases de seus preceitos culturais instituídos. Tal reconhecimento torna mister considerar as práticas tradicionais e associá-las aos conhecimentos técnicos científicos, de modo a potencializar e ampliar as soluções pela geração de inovações e tecnologias sociais. Todavia, falta-lhes o acesso aos bens e serviços sociais disponíveis na sociedade, como condição inerente de cidadãos, enquanto requerimento fundamental para o desenvolvimento com inclusão social sob o prisma da sustentabilidade (CHAVES; COELHO, 2014, p. 47). Mediante tal situação, estes povos enfrentam vários desafios, dentre eles a ausência de saneamento básico em 100% das comunidades ribeirinhas da região.
Desde o processo de colonização da região, as políticas implantadas marcaram os povos amazônicos pelo estigma de "atrasados", "inoperantes" e "incapazes de absorver a cultura moderna”. Tais afirmações de cunho ideológico foram usadas com o intuito de validar a justificativa política de que os problemas regionais derivam da incapacidade dos povos amazônicos de produzir soluções adequadas e eficazes (HADDAD, 1996). Coelho (1994 apud MACIEL, 2002; p.128) declara que os discursos sobre a Amazônia foram constituídos em construções teóricas distantes da realidade regional, denotando uma mistificação com fortes fundamentos ideológicos, elaborações que não passaram pelo valor das conquistas coletivas que conferem o sentido de autenticidade à ação social dos grupos humanos (MACIEL, 2002).
Essas políticas patrocinavam atração de força de trabalho para expansão das relações capitalistas de produção; em seu conjunto, esse movimento do capital na região ampliou o fosso da desigualdade socioeconômica, a vulnerabilidade ambiental e social pelo aumento do empobrecimento e da exclusão social das populações na Amazônia.
O processo de colonização afetou o modus vivendi tradicional dos povos locais, produzindo obstáculos para manutenção das práticas e invenções culturais. Segundo Maciel (2002), o desenvolvimento histórico dos povos foi assolado a tal ponto que muitos desses grupos sofreram certa regressão em sua expansão social, e outros foram vítimas de etnocídio e genocídio.
No entanto, a história de resistência destes povos tem sido resgatada em vários estudos que revelam a riqueza do patrimônio cultural que esses povos possuíam e afirmam as habilidades nas práticas de gestão e conservação dos recursos dos ecossistemas do Bioma Amazônico (CHAVES, 2013). A região precisa ser percebida do ponto de vista de sua complexa constituição socio-histórica (MACIEL, 2002; p.128), resultante da confluência das ações objetivas do homem sobre ela nos diferentes momentos de sua construção, assim, “Pensar na Amazônia de maneira natural é idealizar uma região como um local sagrado, tanto para o bem quanto para o mal, eliminando assim as condições de conhecê-la em suas potencialidades e limitações” (MACIEL, 2002; p.128).
O século XXI trouxe consigo o signo das implicações históricas derivadas do modelo de desenvolvimento que afeta as práticas produtivas em diferentes recantos do planeta, compromete as formas de produção e consumo dos grupos sociais, patrocina o rompimento das organizações e práticas laborais tradicionais, resultando na destruição do conhecimento etnográfico e de etnias únicas.
O atual paradigma técnico econômico combina forças poderosas de produção para impulsionar a dinâmica e os caminhos da sociedade, em um paradoxo que confronta a experiência civilizatória com riqueza concentrada e pobreza generalizada e crescente. As forças esmagadoras do paradigma de produção dominante espalham crises, conflitos e desafios. Sob esse processo imperativo, o desenvolvimento regional é marcado pela correlação de forças entre a ordem capitalista e a cosmovisão dos povos tradicionais amazônidas. Enquanto isso, a ganância e o dinamismo do sistema dominante, atraídos pela rica biodiversidade ambiental, direcionam o olhar e os investimentos para criação de commodities, mesmo que resultem na sujeição das práticas socioculturais tradicionais à subordinação formal e real ao capital (MARX, 1978).
Nesse campo, defrontam-se lógicas e interesses contrapostos, atores que representam os interesses das grandes capitais multinacionais e nacionais em associação com as elites locais, que adensam as forças avassaladoras e o poder da expansão e transformação do capital, em suas determinações complexas que geram ditames e dilemas por toda a face da Amazônia, violando e afetando as formas de organização do trabalho e as práticas dos povos tradicionais compostos por numerosos grupos sociais amazônidas. Todavia, um extenso contingente de nordestinos e migrantes de outras regiões e países também vivem nos recônditos da interlândia amazônica.
Em geral, os (in) fluxos e caminhos impostos pelo sistema econômico na região causaram e ainda causam mudanças radicais no modus vivendi das populações amazônicas, que mediante as ameaças e confrontos entabulam diversas formas de resistência, expressas em mobilizações e estratégias de autoproteção para permanecer nos territórios tradicionais e garantir o direito de manejar os recursos naturais existentes, bem como na busca de condições de acesso aos direitos sociais e de trabalho. Dentre os diversos movimentos sociais que estão sendo editados na região, é possível identificar a composição de estratégias políticos institucionais que aportam avanços em termos de produção de Ciência, Tecnologia e Inovação, com ações pontuais e/ou conjuntas empreendidas pelas instituições, públicas e privadas, sediadas na região. Vale destacar que a pesquisa relatada aqui faz parte deste repertório de lutas.
4 EXPERIÊNCIA DE SANEAMENTO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS
Para adentrar nos domínios da experiência vale apresentar uma sucinta descrição do Estado de Amazonas e do Municipio de Caapiranga, que constitui o espaço geopolítico locus de pesquisa. O estado do Amazonas possui área territorial de 1.559.161.682 km² e 62 municípios e população estimada em 3.489.989 habitantes, dos quais 2.755.490 vivem na área urbana e 728.495 na área rural, possui um dos piores IDH do Brasil com 0,727, enquanto a média nacional é de 0,852. (IBGE, 2016). Manaus, a capital do Amazonas, localiza-se na parte central da Amazônia brasileira, na foz do rio Negro, afluente do rio Amazonas-Solimões com população de 2.182.763 habitantes (IBGE, 2019).
A história de Manaus registra dois momentos de grande importância econômica e social: o primeiro foi o ciclo da borracha, entre a última década do século XIX e a primeira do século XX; e a segunda, com a implantação da Zona Franca de Manaus-ZFM, em 1967.
Devido ao acelerado crescimento populacional causado pelo processo migratório, resultado do processo de implantação do ZFM e do Distrito Industrial de Manaus – DIM, a cidade é formada por duas realidades distintas que se entrelaçam: a modernidade das empresas de tecnologia de ponta, instaladas no Polo Industrial de Manaus-PIM; a extensa periferia com acesso limitado a bens e serviços sociais (saúde, educação, saneamento e outros), o que aumenta a deterioração das condições de vida e agrava os riscos de segmentos sociais que já enfrentam condições de vulnerabilidade ambiental e social (CHAVES, 2013).
Ao considerar a organização do espaço urbano da cidade de Manaus sob uma perspectiva crítica, é possível identificar os impactos sociais e ambientais causados pelas medidas adotadas pelo modelo, tradicionalmente utilizado no Brasil, de planejamento econômico adotado, que setoriza o econômico e o social, exercendo impacto maciço de urbanização e ocupação da cidade sobre os ecossistemas com desmatamento excessivo, ocupações em áreas de conservação e pesquisa ambiental e acúmulo de resíduos nos cursos d`água, gerando risco ambiental e social, particularmente para as populações empobrecidas alocadas em áreas periféricas.
A experiência de pesquisas e extensão desenvolvida pelo Grupo Inter-Ação/ UFAM, que adota os princípios da sustentabilidade dos Determinantes Sociais de Saúde - DSS para promoção de saúde nas comunidades, está sendo realizada desde 2016 nas comunidades de São Lázaro e Santa Luzia, no município de Caapiranga, no Amazonas. Esse município Caapiranga possui 10.975 habitantes (IBGE, 2010), situado na 7ª. Sub-região do Rio Negro/Solimões, com sede no lago de Caapiranga à margem esquerda do Rio Solimões, dista da Capital (Manaus) 147 km em linha reta e 272,2 milhas por via fluvial, limita-se com os municípios de Manacapuru, Anamã, Codajás e Novo Airão.
A comunidade de São Lázaro possui 172 moradores, totalizando 43 famílias; sua infraestrutura é composta por centro comunitário, 01 igreja, 01 escola, posto de saúde, campo de futebol e praça. A comunidade de Santa Luzia, com 98 moradores distribuídos em 26 famílias, possui centro social, 02 escolas, posto de saúde, 02 campos de futebol, igreja católica e igreja evangélica (Grupo Inter-Ação, 2019). Na Amazônia, o acesso às necessidades básicas, bem como a dinâmica de viabilização das políticas públicas junto às comunidades ribeirinhas ainda carecem de atenção e maior avanço, pois são marcadas por contradições do sistema que geram a desigualdade social, a precariedade e/ou ausência de serviços básicos, numa relativa negação de direitos de cidadania.
Em determinadas áreas dessa região o acesso aos serviços de saúde no âmbito da atenção básica pelas populações, sobretudo, indígenas, quilombolas e ribeirinhas, apresentam inúmeras dificuldades, como: falta de atendimento médico e odontológico, fornecimento de medicamentos e vacinas, próteses. Para acessar esses serviços, os comunitários descolam-se para a sede dos municípios que prestam os serviços, que, em geral, atendem a uma demanda maior que a capacidade existente.
Outras situações que confluem para a geração de impactos negativos na condição da saúde dos moradores são: o limitado quantitativo de serviços e profissionais de saúde e a inexistência de infraestrutura de saneamento como água tratada. No Amazonas, os serviços de assistência à saúde são centralizados nas zonas urbanas dos municípios, com ações muito limitadas e eventuais nas comunidades. As comunidades são atendidas através das Unidades Básicas de Saúde Fluviais4 que atendem de maneira muito limitada em razão dos escassos recursos destinados para atender a complexa logística regional. Outra alternativa são os Postos de Saúde implantados nas comunidades, que além de serem poucos, mediante a demanda existente, são mantidos por um Agente Comunitário de Saúde, pessoas da comunidade que recebem um treinamento básico pela Secretaria de Saúde do município a que estão vinculados, mas que não dispõem de recurso (remédios, vacinas, equipamentos, materiais básicos), nem mesmo para realizar os primeiros socorros; quando muito, possuem uma canoa motorizada para conduzir um paciente em estado grave para atendimento. Cada agente atende várias comunidades próximas, limitado pela quantidade de combustível que lhe é disponibilizada.
Em relação ao saneamento básico, em função da falta de abastecimento de água nas comunidades, os moradores usam poços artesianos ou cisterna (armazenamento de água da chuva), montados com recursos próprios; em caso de defeito na bomba ou no período de estiagem, os comunitários fazem uso da água do rio, que não é recomendada para consumo sem tratamento. Essa é uma situação inconteste de falta de políticas públicas nas áreas da saúde, de ausência de ações de prevenção com saneamento básico para as comunidades.
Essa situação é visível quando se observa a destinação dos dejetos humanos nas comunidades ribeirinhas do Amazonas; em geral faz-se uso de “fossas negras” ou “buraco negro”, escavações no solo para armazenar os dejetos humanos, prática que afeta a salubridade dos moradores e danos ao meio ambiente, pois a deposição de dejetos no solo pode contaminar os cursos d’água e até mesmo os lençóis freáticos. Essas instalações construídas na parte externa das moradias (Figura 1) com tubulações ligadas aos banheiros das residências (Figura 2).
Uma das soluções viáveis com adoção de tecnologia social é a fossa séptica sustentável que por ser um sistema simples para tratar o esgoto dos banheiros de residências rurais com até 07 pessoas, permite que o esgoto seja lançado num conjunto de 03 caixas d’água ligadas entre si e não lançados ao solo ou nas correntes de água. (EMBRAPA, 2014). Ao entrar neste conjunto de caixas d’água, o esgoto é tratado pelo processo de biodigestão que reduz a carga de agentes biológicos perigosos para a saúde humana e meio ambiente. O tempo da biodigestão varia conforme a temperatura e a quantidade de pessoas que estão utilizando a fossa. O líquido que se acumula na terceira caixa d’água da fossa séptica é um biofertilizante que pode ser utilizado para adubar árvores, milho, capim entre outros (EMBRAPA, 2014). As fossas sépticas ligadas aos biodigestores sustentáveis oferecem uma alternativa importante de deposição segura de dejetos, além de servir para a produção de energia limpa e produção de fertilizante orgânico (Figura 3 e 4).
Esse modelo de fossas sépticas sustentáveis evita riscos para a saúde dos comunitários, além de promover a sustentabilidade ambiental, ao prevenir que os moradores das comunidades se exponham às doenças comuns no uso das fossas negras, como a hepatite, cólera, leptospirose e o aumento de mosquitos que podem ser vetores de inúmeras mazelas (dengue, malária, Zica). Nas comunidades locus do estudo, as fossas sépticas sustentáveis tornaram possível verificar, em um curto período, que houve a diminuição do número de mosquitos nas habitações que utilizam as fossas. Em médio e longo prazo, espera-se que também possa reduzir a incidência verminoses e outros parasitas por contaminação de veiculação hídrica, oriundos dos tipos de fossas buraco negro, geralmente utilizadas nas áreas rurais da Amazônia. Igualmente é mister frisar que as fossas sépticas sustentáveis impossibilitam a contaminação dos lençóis freáticos.
5 METODOLOGIA
O projeto realizado teve como objetivo principal realizar ações de Capacitação e Instalação de Fossas Sépticas Sustentáveis junto aos comunitários de Caapiranga/AM, a partir da instalação de 6 fossas sépticas biodigestoras nas comunidades, por meio de recurso disponibilizado pela Universidade Federal do Amazonas para execução do Projeto de Extensão- PACE e também em parceria com Associações, ONGs e as famílias que foram beneficiadas e, além disso, foram desenvolvidos oficinas de capacitação e instalação, palestras acerca de higiene sanitária com os comunitários. A proposta está diretamente articulada ao projeto de pesquisa intitulado “Sustentabilidade e geração de energia: um estudo da viabilidade de biodigestor em comunidades ribeirinhas da Amazônia”, submetido em 2017 como proposta de Iniciação Tecnológica.
Dessa forma, a implantação do Projeto de extensão ocorreu articulada ao projeto de pesquisa através de uma proposta metodológica de cunho participativo, fundada na pesquisa-ação em que todos os envolvidos são peças-chave no decorrer do desenvolvimento das atividades. A pesquisa-ação contempla pesquisa e intervenção, trabalhando com dados quantitativos e qualitativos numa dinâmica interdisciplinar, na qual a cooperação e as práticas pedagógicas são fundamentos necessários para a execução do projeto (THIOLLENT, 2000)
Ao tomar como base os objetivos da proposta, o projeto foi desenvolvido com uma estrutura operacional constituída por quatro fases processuais diferenciadas, porém interligadas, complementares e com ações interconectadas.
Fase I – Preliminar: Esta fase contemplou a elaboração do projeto para a articulação de atividades e captação de recursos para o desenvolvimento das ações interventivas nas comunidades com os moradores. Nesta fase foram trabalhadas as seguintes ações: Elaboração do projeto de extensão; Planejamento das atividades; Organização do cronograma de viagens e atividades; Apresentação do projeto aos comunitários.
Fase II – Planejamento e Organização Para as Ações: Nesta fase a equipe técnica e os comunitários delimitaram, por ordem de prioridade, as atividades do cronograma. A equipe técnica e discentes fizeram planejamento, organização e elaboração dos materiais necessários para a execução das ações e atividades propostas. Nesta fase foram realizadas as seguintes ações: Revisão do cronograma de atividades com a participação dos comunitários; Organização das atividades por ordem de prioridade e delimitação dos temas propostos; Organização e elaboração de materiais didáticos; Elaboração de folder e cartilhas para as atividades; Confecção do material didático com linguagem apropriada ao público-alvo.
Fase III – Execução das Ações: Esta fase foi composta pelo desenvolvimento das ações planejadas na fase anterior com os comunitários. Foram realizadas as seguintes atividades: palestra sobre energia renovável na comunidade; Dinâmica de Grupo para levantamento dos recursos locais com potencial para geração de energia; Seminários temáticos sobre: competência técnica para a implantação de fossas sépticas; Oficinas: as dimensões da sustentabilidade e suas implicações na construção de fossas sépticas; prática de montagem das fossas sépticas com a participação de um engenheiro eletricista e uma engenheira ambiental, voluntários no projeto, além dos alunos de pós-graduação e alunos de graduação do curso de serviço social, engenharia de petróleo e gás e os comunitários. Importante ressaltar que todas as atividades foram desenvolvidas com a supervisão da coordenadora do projeto e anuência das comunidades participantes.
Fase IV – Monitoramento e Avaliação das Ações: Essa fase não se constitui como momento fixo e/ou linear, ao contrário, ela agrega uma perspectiva de flexibilidade e de acompanhamento da própria dinâmica do processo de desenvolvimento das ações. Dessa forma, teve como objetivos: monitoramento das fossas/atividades, bem como o processo de execução do projeto por meio de reuniões entre a equipe técnica, discentes e atores envolvidos; Avaliação contínua de forma a verificar o efetivo alcance das ações e assim ter em mãos resultados que aferiram de forma contextualizada todas as etapas do projeto, especificamente seus resultados e impactos, tendo em vista o seu aperfeiçoamento e readequações de acordo com os objetivos propostos; Manter a equipe técnica, os comunitários e os demais envolvidos, informados sobre o andamento do projeto, seu efeito teórico-prático e as metas alcançadas.
Para o alcance desses objetivos foi implementado um sistema de monitoramento e avaliação que se efetivou durante toda a realização do projeto, mantendo relação de alteridade entre equipe de professores, alunos e trabalhadores rurais envolvidos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história humana, o desenvolvimento das sociedades avança tendo por base uma exploração e apropriação desenfreada dos recursos naturais, em detrimento seja dos custos aos ecossistemas, seja dos riscos sociais que resultam dessa apropriação. A problemática socioambiental que se instaurou, por todas as suas manifestações críticas, não se constitui apenas numa tensão conjuntural, mas representa uma séria advertência denotativa de uma crise civilizatória.
Na Amazônia, uma das pautas que tem gerado extensas discussões e reivindicações são voltadas para identificar as oportunidades para utilizar o extenso potencial da biodiversidade com sustentabilidade de maneira a habilitar o atendimento às necessidades das populações locais, o que sugere uma empreitada de desenvolvimento alavancada pelo campo de CT&I, desde que direcionada pelo pacto de excelência acadêmica com compromisso social. Por certo, tal empreitada constitui-se num desafio de magnitude gigantesca, que com urgência carece de ser colocada como agenda prioritária para as instituições públicas e dos diversos agentes sociais que compõem a cena societal.
Os povos tradicionais da Amazônia possuem papel fundamental para a garantia da sustentabilidade ambiental e sociocultural da região, pois suas práticas envolvem o manejo dos recursos naturais disponíveis sem depredação, ordenados pelo modo de vida e de trabalho visando a conservação das condições que garantam o bem-estar das gerações presentes e futuras, baseados no exercício cotidiano para garantir o manejo adequado e a relativa autossuficiência em relação ao mercado.(CHAVES; COELHO, 2014).
Conquanto, os estudos realizados pelo Grupo Interação indicam que os agrupamentos humanos formados pelas comunidades tradicionais enfrentam muitas dificuldades em acessar os serviços de saneamento básico e de saúde, principalmente por não possuírem atendimento em seus locais de domicílio. A distância das redes de serviços públicos obriga essas populações a arcarem com custos elevados com deslocamento em barcos de recreio ou canoas. Tais despesas são proibitivas para a condição financeira deles, além de terem que vivenciar o afastamento, mesmo que temporário, de seu grupo doméstico familiar e tendo que permanecer por intervalos de tempo longo sem poderem exercer(em) suas atividades laborais, o que dificulta sobremodo a manutenção da subsistência e dos gastos com os serviços. A complexa relação homem-natureza vivenciada pelos povos da Amazônia abrange práticas baseadas em saberes tradicionais, e a experiência relatada neste artigo associa saberes tradicionais e técnicos científicos na construção de práticas sustentáveis de cuidados com a saúde em comunidades ribeirinhas.
Ao considerar as condições concretas do contexto local, as populações que residem em comunidades ribeirinhas na Amazônia, as quais têm sua forma de vida associada intimamente com o meio ambiente, constroem alternativas sustentáveis para subsistência, reprodução física, social e cultural com diversas particularidades, mas também enfrentam desafios quando se trata de acesso a bens e serviços sociais básicos. Deste modo, as fossas sépticas sustentáveis e biodigestora se constituem como um sistema inovador de saneamento, sendo uma das tecnologias sociais mais recomendadas no mundo pela Fundação Banco do Brasil e pela Embrapa, no que se refere à melhoria da qualidade de vida nas comunidades rurais.
Para além da perspectiva de sustentabilidade e promoção da saúde, o sistema utilizado nas comunidades ribeirinhas estudadas tem uma relação importante com o modo de vida nessas comunidades, uma vez que a proposta é viabilizada de acordo com os recursos disponíveis nas localidades, com pouca dependência de material externo e com valor acessível aos moradores. Além do mais, a proposta respeita os saberes e valores locais, tendo sido promovida a partir do engajamento dos envolvidos que passaram a conhecer a tecnologia.
A partir dos dados de pesquisa e desenvolvimento de extensão, conclui-se que as fossas sépticas sustentáveis e biodigestores podem ser consideradas como: a) uma tecnologia de saneamento para áreas rurais, que tende a resolver os problemas de contaminação do solo causado pelos despejos de dejetos humanos; b) uma tecnologia de baixo custo econômico, acessível e com potencial de replicabilidade por ser facilmente adaptável para diferentes localidades, atendendo e respeitando as particularidades de povos e regiões; c) promotora de acesso a bens e serviços como saneamento básico, produção de energia e gás de cozinha, produção de fertilizantes orgânicos ricos em nutrientes, podendo ser usados na agricultura; d) conquista de cidadania pelo potencial de dar suporte à promoção da melhoria da saúde e da qualidade de vida.
Nos trabalhos em pauta, a implantação das fossas sustentáveis buscou promover a preservação do meio ambiente e o acesso ao saneamento básico no qual substitui sistemas mais caros e prejudiciais ao meio ambiente, visando implementar processo de consolidação da sustentabilidade ambiental, econômica e social desse sistema nas comunidades, promovendo, assim, mudanças sociais e emancipatórias nas localidades ribeirinhas trabalhadas.
REFERÊNCIAS
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Notas