Entrevista
A QUESTÃO AMBIENTAL NA CONTEMPORANEIDADE: conflitos socioambientais, garantias constitucionais e a efetividade das políticas públicas em debate - Entrevista especial com Dimas Floriani
Benjamin Alvino de Mesquita - Saudando e agradecendo ao Professor Floriani pela interlocução, eu começo esta entrevista perguntando: O senhor, como expoente dessa área de conhecimento, poderia nos apresentar uma síntese sobre o debate teórico ambiental, enfatizando (as) essas questões centrais desse debate e como estas vêm sendo pensadas e implementadas nas últimas décadas em diferentes países?
Dimas Floriani - Agradeço por esta oportunidade de entrevista, professor Benjamin. É uma ocasião, inclusive, para reafirmar a posição de que a produção do conhecimento é resultado de um processo histórico, com condicionantes sociais amplos, tanto no que se refere aos seus conteúdos – filosóficos, teórico-metodológicos, políticos, éticos e valorativos – como institucionais – o tipo de ciência que é produzida; se se trata de uma ciência pública e pertinente, e como se distribuem as diversas ciências na hierarquia de poder assumidas pelo mercado, isto é, das tecnociências às humanas.
Estamos considerando o terreno híbrido de um novo tipo de produção do conhecimento acadêmico. Refiro-me, aqui, aos enfoques teórico-metodológicos multi, inter e transdisciplinares, com diversas nuances e modulações institucionais em programas de pós- graduação com diversas designações – ciências ambientais, meio ambiente e desenvolvimento, meio ambiente e desenvolvimento rural, regional, etc. –. Frente a isso, surgiram desafios de ordem epistemológica, inspirados em debates acadêmicos, mas não exclusivamente, sobre que novos arranjos ocorreriam se as múltiplas disciplinas científicas, formatadas pela matriz positivista, se abrissem a um diálogo com a filosofia, as ciências da vida, da natureza e da sociedade, com a possibilidade de constituir um novo consórcio, ou como diriam Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, ainda em 1979, em seu já clássico livro, sobre uma nova aliança das ciências com a natureza.
Pode-se dizer que a partir desse processo, os efeitos se fizeram sentir, fossem virtuosos ou colaterais, promovendo outros arranjos entre as disciplinas científicas para pensar novas formas institucionais de produção do conhecimento, em áreas de fronteira, entre sociedade e natureza. Refiro-me aqui especialmente a programas de pós-graduação multi e interdisciplinares, nas áreas atualmente designadas pela CAPES como ciências ambientais ou interdisciplinares, em meio ambiente e desenvolvimento.
A propósito da transdisciplinaridade, a questão é mais complexa e ela ganha fórum de debate quando a Ecologia Política reivindica sua existência pelo diálogo de saberes entre conhecimento científico e saberes culturalmente enraizados. Mas este tema merece outro debate, eventualmente mais adiante.
Passados já quase 30 anos desde então, podemos vislumbrar outro panorama institucional, considerando quase uma situação de ciência “normal” para esta nova área institucionalizada, embora ainda “subalterna” em relação às tecnociências, mas com direito à “cidadania”, isto é, com reconhecimento e espaço instituído em algumas associações regionais e nacionais da comunidade epistêmica do campo.
Sobre a gênese desse processo, cabe aqui uma importante referência histórica: os anos 90 do século XX representaram para o Brasil um divisor de águas, para as questões socioambientais, com a realização da Rio-92 (Eco-92 ou Cúpula da Terra) tendo repercussão na esfera do Estado – nas políticas científico-tecnológicas e nos regimes internacionais de meio ambiente – e da sociedade civil, com a mobilização de organizações e movimentos sociais amplos, oriundos da Constituição de 1988, como expressão de uma grande onda democratizante no país, com o fim da ditadura, formalmente, em 1985.
O histórico da constituição do campo socioambiental no país já é merecedor de inúmeras dissertações e teses e não valeria a pena, portanto, aprofundá-lo aqui. O que se pode dizer, sem falso ufanismo, é de que o Brasil foi pioneiro na construção institucional de programas multi e interdisciplinares sobre a questão socioambiental. O que se verifica internacionalmente é que o debate ambiental foi internalizado pelas diversas ciências nos países nórdicos, nas disciplinas das engenharias, direito, economia, sociologia, além de muitos centros de pesquisa sobre políticas aplicadas ao meio ambiente.
Na Europa, o enfoque tem sido sobre concepções vinculadas à Modernização Ecológica, Políticas da Natureza, Sociedade de Risco e o Princípio da Precaução. A ecologia profunda representa também um importante insumo do pensamento ecológico e tem influenciado em muito o movimento ambientalista. Resumidamente, pode-se dizer que a característica do pensamento socioambiental tem sido marcada até agora pelo hibridismo em seus fundamentos e pela polinização nas disciplinas que se abrem ao debate.
Contudo, alertados pelo grande confinamento ao qual nos vemos submersos, não podemos subestimar o conjunto das teorias que compõem o campo da produção teórica em suas diversas vertentes. Muitas vezes, as teorias socioambientais subestimaram os enfoques da ecologia profunda, mas hoje, mais do que nunca, essas teorias são um alerta para as atuais situações extremadas, expostas pela grande crise da pandemia. Nada mais oportuno do que reler James Lovelock, Ruppert Sheldrake, Gregory Bateson e Fritjof Capra ou então valorizar os trabalhos de Bruno Latour e Eduardo Viveiros de Castro para refletirmos sobre a inseparabilidade entre sociedade-natureza, a capacidade de carga do Planeta Terra e o fio tênue que nos separa de uma hecatombe provocada pelo antropoceno. Creio que temos que abolir as ingenuidades sobre a trajetória da história das sociedades humanas, que vai do inferior ao superior, do atrasado ao adiantado, da tradição à modernidade e de levar a sério a forma de como os sistemas de super exploração da natureza acabará provocando a ira da Pachamama, mãe generosa e provedora para os nativos andinos, agora não mais disposta a perdoar os excessos cometidos contra ela.
É hora então de retornarmos aos autores e autoras que em determinados momentos foram considerados catastrofistas ou descontextualizados. Nada melhor que a própria realidade para acionar o alarme; o primeiro grande efeito pandêmico do século XVI, segundo Jared Diamond foi produzido pelos germes europeus que levaram as populações nativas ocidentais à beira da extinção. Carl Sagan com suas reflexões sobre vida e morte na virada do milênio diz que no século XXI serão os tônicos e tóxicos que causarão danos no mundo despreparado. Para contrapor-se a essa inércia, segundo ele, seria necessário expandir o campo da saúde pública de forma que inclua a saúde cultural; premonitoriamente, cita o poeta inglês John Donne, em poema de 1611, com o verso: “Este novo mundo pode ser mais seguro, se for informado sobre os perigos das doenças do antigo”.
Benjamin Alvino de Mesquita - De que forma as reflexões teóricas de autores latino- americanos como Henrique Leff, Arturo Escobar, Alberto Acosta, Antônio Elizalde Hevia, Henri Acserald podem contribuir na formulação de um pensamento e de políticas ambientalmente justas?
Dimas Floriani - Como não poderia ser diferente nesses tempos de busca pela diversidade epistêmica, de acordo aos preceitos do pensamento plural como guia de análise sobre fenômenos complexos da sociobiodiversidade, o pensamento ambientalista ou socioambiental latino-americano tem diferentes matrizes filosóficas em seus fundamentos epistemológicos: teorias marxistas, teorias da pós-modernidade francesa, mas em diálogo com os etno-saberes dos povos originários, Teoria Ecológica, Economia Política, Ecologia Profunda e Economia Ecológica, Sociologia e Economia Ambiental, diálogo com a filosofia da ciência (física teórica e biologia evolutiva), da ecosofia e espiritualidade e do pensamento complexo, sobretudo a partir das obras de Morin, da teoria sistêmica, com suas diferentes vertentes, em especial da autopoiésis da Escola de Santiago; as teorias feministas sobre ecologia foram e são muito importantes também.
Não sou contra o uso de tipologias como recurso classificatório pela tradição científica; ela nos ajuda a usar o método da semelhança e diferença, embora de forma parcial, para classificar dimensões e paradigmas do ambientalismo ocidental. Só para utilizar um exemplo de tipologia, dentre inúmeros, de Fischer-Kowalski, citado por dois autores alemães, Horst Gronke e Beate Littig, e traduzidos pela revista Impulso, da Unimep-Piracicaba-SP, que enumeram quatro grandes tipos:
1. O paradigma tóxico que se pergunta pelas causas dos danos ambientais e pelos limites da tolerância ecológica e em termos de salubridade; este paradigma retorna com muita força hoje. 2. O paradigma do balanceamento natural que indaga pelas relações funcionais dos sistemas naturais, suas suscetibilidades e possibilidades de reação produtiva, para daí deduzir as políticas ambientais de preservação deles ou as medidas de conservação de sua resiliência; este paradigma tem influenciado muito os teóricos da economia ecológica, da economia verde ou natural. 3. O paradigma da entropia que leva em consideração processos de intercâmbio da matéria, tendo como pano de fundo os fluxos energéticos; neste sentido, a sociedade é um sistema que tanto consome energia quanto produz entropia, à medida que consome reservas fósseis de energia desenvolvida ao longo de milhões de anos; os autores de maior relevância internacional são Georgescu-Roegen e Herman Daly e no Brasil temos Clóvis Cavalcanti, entre outros; este paradigma influenciou bastante uma parte do pensamento de Leff quando reivindica o modelo ecotecnológico para a produção agrícola. 4. O paradigma convivial sobre o pano de fundo de tradições éticas e filosóficas questiona a posição predominante do ser humano em relação a outros seres vivos. A natureza não é encarada como meio ambiente, e sim como criação (em parte sagrada) merecedora de respeito e tendo, por ela mesma, direito à existência.
Enfim, só pra dizer que as classificações, apesar de úteis, não deixam de ser expressões de um olhar cultural e, como os autores disseram, trata-se de um olhar ocidental e não Oriental, do Sul, ou do Extremo-ocidente como seria o caso da América Latina que incluiria outros paradigmas críticos, tais como o do Buen Vivir dos povos andinos, as teorias do pós- desenvolvimento, do desenvolvimento à escala humana, da racionalidade ambiental, da (in)justiça ambiental, do saber cuidar, etc. Temos que fazer justiça também a um economista híbrido, que influenciou muito as origens do debate sobre sustentabilidade que é Ignacy Sachs com a ecossocioeconomia e que tem muitos seguidores no Brasil; dialogou muito com Celso Furtado, principalmente quando este apontou os limites do desenvolvimento como um padrão único e universal.
No fim da era das grandes narrativas, essa busca por teorias plurais não é, contudo, uma tomada de posição em nome do relativismo, nem do ecletismo paralisador, mas uma atitude epistemológica frente aos desafios da pesquisa sobre temas transversais, tais como os do socioambientalismo. Além disso, é uma forma de resistência ao pensamento unidimensional presente já no movimento dos estudos culturais e decoloniais que começaram na India, aplicando a reflexão que fazia Antonio Gramsci na Itália sobre ‘subalternidade; na África, no contexto da descolonização e na América Latina desde os anos 60, pela resistência e crítica ao imperialismo. Por aqui, autores como, José Carlos Mariátegui, desde os anos 30 e Anibal Quijano no Peru, Rodolfo Stavenhagen, no México, Darcy Ribeiro no Brasil, Fals Borda na Colômbia e tantos outros ainda, lançaram as sementes para a colheita que se faz hoje entre um imenso coletivo de pesquisadores e teóricos, incluindo aqueles que você cita em sua pergunta.
No Brasil, a referência emblemática foi Chico Mendes, embora em vida não disfrutasse dessa notoriedade. Foram as circunstâncias políticas do momento de sua morte em 1988, justamente no mesmo ano da aprovação da Constituição, que desencadearam o grande debate sobre a questão ambiental e que resultou em reconhecimento dele como uma figura de proa, nacional e internacional, capaz de conduzir as grandes campanhas e lutas de resistência dos setores subalternos, transformando a questão ambiental em uma questão eminentemente política. Raoni, Krenak como indígenas e tantas outras lideranças camponesas anônimas, centenas delas assassinadas, deram sequência a essa resistência. A história da resistência dessas populações permanece em grande medida invisível, ainda. Em 2019-20 é dramático o retrocesso no capítulo relativo à proteção dos territórios indígenas, das áreas de conservação, pelo incentivo ao desmatamento, à garimpagem, às atividades neoxtrativistas e pelo avanço do agronegócio.
Sem uma crítica de raiz ao tipo de pensamento segmentado que separa cultura, natureza e política não há como operar um pensamento fora dos padrões dominantes, domesticados pelo economicismo ou por aquilo que Boaventura de Sousa Santos vai nomear de razão metonímica, em que a parte substitui o todo. Nada mais perverso, como efeito colateral dessa forma de pensamento, quando no país se vive a pandemia sob a ameaça não apenas do vírus, mas do fantasma ameaçador da perda do emprego, da renda, dos negócios, enfim, das atividades produtivas vistas sob a ótica exclusiva do crescimento econômico.
É como se o mundo fosse acabar – e em um certo sentido, pode estar se acabando mesmo esse tipo de mundo que foge em direção a um futuro para o qual não se sabe exatamente aonde fica e até quando dura essa busca – e trata-se, portanto, de as atuais sociedades criarem alternativas de estilos de vida, com diferentes estratégias de sociabilidade, uma vez que com uma crise dessa envergadura é possível visualizar a caixa preta do sistema e as razões de sua derrocada, se houver insistência em repetir o que já não funciona: por um lado, o aprofundamento das crises socioambientais, provocadas pelas mudanças climáticas, decorrentes de processos de coevolução do Antropoceno; por outro, de um sistema altamente discriminatório em termos de oportunidades e de distribuição da riqueza.
Trata-se aqui, pois, de ver as imperfeições e os limites do mercado, ou da hiper ‘economização’ das sociedades, espécie de um deus ex maquina e de deixar para trás palavras de ordem como as de Margareth Tatcher, para quem não haveria alternativa fora do sistema de mercado. Enfim, o tema da pandemia mereceria por si só uma longa abordagem que ainda está longe de ser pensada com todos os ingredientes e consequências, para a humanidade como um todo, inclusive.
Buscando responder se as reflexões teóricas dos autores mencionados por você podem contribuir na formulação de um pensamento e de políticas ambientalmente justas, eu teria algumas coisas a dizer. Em primeiro lugar, respondo afirmativamente. Sem dúvida que essas teorias têm dialogado principalmente com os atores antissistema, com aqueles que de uma forma ou de outra se opõem ao hegemonismo do mercado, do pensamento único e dos estilos de vida consumistas. Resgatam, assim, um passado rebobinado pelo ressurgimento indígena e pela nova visibilidade das populações tradicionais que investem fortemente em práticas produtivas alternativas, como é o caso da agroecologia e de todas as demais vertentes da policultura não contaminante.
Já não são movimentos ingênuos, de classe média, mas iniciativas de raiz, isto é, organizações e movimentos sociais culturalmente enraizados. Por sua vez, esse pensamento produz capilaridades nas agências formadoras, seja do conhecimento ou da opinião pública e ganha um público cada vez mais amplo nas diversas esferas do mundo da vida: novos hábitos alimentares, na economia de cuidados, enfim em novos estilos de vida e de consumo.
Embora ainda em minoria nas universidades, cresce também sua audiência entre pesquisadores. O diálogo de saberes entre conhecimento científico e saberes culturais deixou de ser algo risível para ser encarado de outra maneira. Autores como o chileno Miguel Altieri, responsável pelos estudos pioneiros em agroecologia já formam seguidores em toda América Latina; os mexicanos Victor Toledo e Arturo Argueta reviveram os saberes ancestrais das populações originárias e camponesas, demonstrando a importância da etnologia dos saberes e das práticas ecológicas culturalmente enraizadas desde a tradição do saber cultivar e saber cuidar a natureza. Todos esses estudiosos têm contribuído para a ampliação, aprofundamento e tomada de posição a respeito de novos estudos e de práticas associadas com a soberania e a segurança alimentar.
Benjamin Alvino de Mesquita - Há consenso entre os diferentes discursos quanto ao enfrentamento das questões que afligem a todos e, de modo especial, os subalternos? No seu artigo “As retoricas da sustentabilidade na América Latina”, o senhor nos convida a uma reflexão sobre algumas concepções teóricas da produção discursiva, a teoria dos sistemas societais heterogêneos e a modernidade, visões essas prevalecentes nesta fase atual da globalização. O senhor poderia explicitar como se articular esses aspectos?
Dimas Floriani - Certamente não há consenso nem entre os dominantes nem entre os subalternos, especialmente quando se trata de disputar sentidos em face dos fenômenos sociais; entendemos que os seres humanos mobilizam recursos de ordem simbólica, além dos materiais, pelos sistemas de práticas. Talvez fosse o caso de qualificar melhor os termos: por dominantes ou hegemônicos entendemos os que lideram de diversas formas o modelo de desenvolvimento capitalista globalizado, seja pelos Estados e seus principais aparelhos ideológicos e que incluem os aparelhos de controle e coerção, os agentes econômicos de mercado comprometidos com a reprodução do capital, os sistemas de inovação tecnológica (as tecnociências), e todos os sistemas de legitimação político-ideológicos e institucionais.
Por sujeitos subalternos, de uma maneira geral, podemos considerar grupos e categorias sociais que pertencem historicamente a um sistema de subtração ou de destituição de sua condição original, pelos mecanismos de expropriação dos territórios, privação da liberdade, integração forçada ao Estado Nacional, como é o caso das populações indígenas, das demais populações tradicionais, dos sem-terra e dos afrodescendentes. Em sociedades heterogêneas como as latino-americanas, a subalternidade assume essa configuração histórica. No texto ao qual você faz referência, faço uma distinção entre atores subalternos e atores não integrados ao sistema dominante, para diferenciar aquelas organizações que militam em causas socioambientais e que desenvolvem ações de defesa do meio ambiente e de apoio às lutas dessas populações.
Procurei, então, apresentar um marco teórico que nos auxiliasse a entender os processos de construção de estratégias discursivas e retóricas entre os diversos atores que contestam as estratégias dos setores sociais dominantes que defendem o modelo desenvolvimentista e de crescimento econômico, embora muitos deles busquem colorir de verde seu discurso, propondo paliativos para os problemas ambientais. Contudo, não podemos confundir a diversidade de propostas encaminhadas pelo mainstream como se se tratasse de um simples jogo de cena. Nas não cabe aqui entrar nos detalhes sobre o método que utilizei para fazer a análise de discurso de ambas as estratégias e para aqueles e aquelas que tiverem interesse em se aprofundar no tema basta consultar o capítulo citado que faz parte do livro editado pela UFPR, América Latina: Sociedade e Meio Ambiente, 2016.
Naquele estudo, nossa intenção foi de contrapor dois tipos de formulações discursivas, produzidas no contexto do grande evento internacional da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, RIO+20 e da Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, ocorridos simultaneamente em junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro. Por um lado, uma discursividade que se inscreve nas grandes estratégias políticas e geopolíticas globais dos Estados-Nação, dos agentes econômicos e políticos multissetoriais e transnacionais, cujo eixo articulador é o sistema de mercado, com suas lógicas financeiras e mercantis, com os desafios do crescimento econômico, impregnado agora pela semântica da sustentabilidade e da economia verde.
Desde outra perspectiva oposta, a produção de uma retórica da contestação, enunciada por atores, saberes e visões de mundo fundamentalmente contrapostas às matrizes de pensamento e de ação da Conferência da ONU. Esta ordem discursiva reivindica para si a condição de representante da Cúpula dos Povos.
Para identificar os sistemas discursivos e os usos retóricos sobre sustentabilidade desses atores, partiu-se de dois textos oficiais e tornados públicos: ‘Nosso Futuro Comum’ e ‘Documentos Finais da Cúpula dos Povos na Rio+20 Por Justiça Social e Ambiental’. Após identificar as articulações internas dos textos, a hierarquização e organização temática e os sistemas valorativos de cada um dos domínios discursivos, constatou-se que os usos de sustentabilidade são uma espécie de passe partout para ambas as retóricas, o que não significa ausência de antagonismos de posição em que se constataram dissonâncias entre escalas hierarquizadas para cada uma delas, como é o caso da importância dada ao crescimento econômico, por parte da retórica hegemônica, embora acompanhado de “sustentado e inclusivo”, termos ausentes e criticados pela retórica oposta.
Observando-se os pontos da agenda da retórica da contestação, o que sobressai é o questionamento ao modelo dominante de desenvolvimento, onde não se priorizam as dimensões de justiça social e ambiental, a defesa dos bens comuns relegados pela mercantilização, onde os usos extrativos abusivos dos minerais e da produção energética ocorrem em detrimento da reprodução material e cultural das populações locais, descuidando-se e desprotegendo estratégias de produção e de soberania alimentar e ainda de outras formas de alternativas de economia social.
Lançando um olhar panorâmico mais amplo sobre a relação tensa entre atores hegemônicos e subalternos, podemos considerar os seguintes aspectos: essa dinâmica não é linear, nem homogênea entre todos esses sujeitos considerados como subalternos, uma vez que a colonialidade do poder exerce sobre eles um trabalho de ideologização e convencimento por meio dos aparelhos ideológicos do Estado (escola, mídia, religião, estilos de vida consumista, etc.). Por sua vez, os mecanismos de poder hegemônicos operam igualmente por resiliência e vão se adaptando, neutralizando, cooptando e eliminando os desafios oriundos da contestação social, ou então, utilizando-se desses a fim de garantir os elementos centrais dos interesses (materiais e ideológicos) dos grupos e instituições sociais que lideram essas ações estratégicas.
Quanto às análises de discurso, elas possuem evidentemente limites hermenêuticos e para corroborar essa limitação, o grande ensaísta Octavio Paz afirmou e ao mesmo tempo questionou de que se as palavras são máscaras, o que há detrás delas? Contudo, Habermas tem uma boa fórmula para definir esses mecanismos vinculados à ação social e discursiva, em sua obra magna, Teoria da Ação Comunicativa, em que busca aprofundar os diversos tipos de ação: a teleológica que combina meios e fins, segundo escolhas estratégicas e que mobiliza expectativas entre os indivíduos, a ação regulada por normas (sistema do direito e dos valores), a ação dramatúrgica em que os implicados colocam-se em cena, aproveitando, pela sua interação com os demais, o acesso recíproco à própria subjetividade, a qual é sempre exclusiva de cada um. Finalmente, no conceito de ação comunicativa está pressuposto que a linguagem é um meio de entendimento em que falantes e ouvintes se referem, desde seu mundo da vida e, ao mesmo tempo, a algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo, para negociar definições da situação que possam ser compartilhadas por todos.
Benjamin Alvino de Mesquita - Professor Floriani, partindo da premissa de que o desenvolvimento capitalista é desigual e combinado e que, neste sistema econômico, são as grandes empresas, instituições financeiras e agências multilaterais que definem as políticas ambientais, por que então ficamos surpreendidos que os pobres herdem apenas os danos ambientais? Se os problemas socioambientais no hemisfério sul são decorrentes da expansão capitalista, qual a relevância para o hemisfério norte dessa relação entre as desigualdades econômicas e danos socioambientais? Nos países da periferia do capitalismo onde os conflitos, danos e desigualdades se multiplicam, é possível afirmar que a efetividade das políticas ambientais teve pouca eficácia durante essas últimas décadas? A despeito da baixa eficácia das políticas públicas é possível falar de uma ruptura, isto é, de uma nova compressão da problemática ambiental? Elas, no presente, estariam associadas às políticas neoliberais e à ascensão da extrema direita? Neste cenário de globalização financeira, há uma espécie de consenso na América Latina quanto à forma de integração as políticas neoliberais. Nota-se que os governos optam por commodities e megas infraestruturas. Todos reconhecidamente geradores de impactos avassaladores sobre os territórios onde se instalam e também vetores de fragmentação dos mesmos. No entanto, os avaliadores desse processo (Estados Nacionais e Banco Mundial) não parecem comovidos com os aspectos negativos que acompanham essa opção, traduzidos em deslocamento compulsório, a expropriação e a exclusão social. O escudo da sustentabilidade e do emprego se consubstancia na oferta de políticas públicas e/ou compensações ambientais como forma de mitigar os impactos resultante desta implantação. Comente esses aspectos que nascem dessa escolha unilateral.
Dimas Floriani - Gostaria de situar a resposta no contexto de nossas atuais atividades de pesquisa, sobre alguns dos conteúdos apresentados pelas suas questões: participamos de um coletivo de docentes e discentes na linha de Epistemologia e Sociologia Ambiental do PPGMADE-UFPR, com o projeto de pesquisa em andamento, registrado no CNPq, com o título de CONFLITOS DO SOCIOAMBIENTALISMO DESDE AS MARGENS: as intermitências do desenvolvimento e da democracia na América Latina. Problematizamos algumas das questões que envolvem a discussão sobre modernidade periférica e capitalismo, crises do desenvolvimento e intermitências da democracia, na perspectiva do debate socioambiental.
Constatamos, então, de que as dinâmicas estruturais do capitalismo periférico são produzidas e reproduzem simultaneamente os mecanismos de heterogeneidade estrutural, segundo alguns critérios econômicos e sociais definidos pela teoria da CEPAL de acordo com Alicia Bárcena e Antonio Prado); nessas dinâmicas se inscrevem os agentes sociais que, por sua vez, são condicionados pelos mesmos mecanismos heterogêneos, caracterizados pela coevolução de diversos sistemas interconectados (sistemas hegemônicos, sistemas híbridos e sistemas de borda).
A produção de desigualdades sociais resulta e reforça ao mesmo tempo o quadro da formação social capitalista periférica no contexto de modernidades múltiplas. Em termos de políticas inclusivas e redistributivas, trata-se de um modelo recursivamente vicioso e excludente que deriva de uma situação histórica herdada pelo modelo dependente-associado ao sistema mundial, caracterizado inicialmente pela condição colonial primário-exportadora e posteriormente pela globalização dos mercados em que os agentes econômicos modernos buscam alinhar-se sob o signo do crescimento econômico.
Este segmento capitalista moderno combina vantagens comparativas no caso do capitalismo agrário (disponibilidade abundante de terras e matérias primas) e competitivas (modernização tecnológica e usos intensivos de agrotóxicos) para a produção e exportação de commodities pelo agronegócio e com investimentos internacionais em atividades neoextrativistas (mineração, principalmente).
Em termos de estratégias industriais e comerciais, ambas se desenvolvem por investimentos de grandes empresas transnacionais (como é o caso da indústria automotiva e das grandes cadeias de supermercados e shoppings), voltadas principalmente ao consumo moderno das classes médias. O capital financeiro combina funções especulativas (principalmente pelo endividamento público) com financiamento das atividades produtivas e de consumo, com elevadas taxas de juro.
Para ter presentes as dinâmicas intersistêmicas, é necessário analisar desde diversos ângulos a constituição dessa condição de sociedades periféricas (modernidade periférica ou modernidades múltiplas), com diversas consequências tecnológicas, econômicas, políticas, culturais, ambientais atravessadas por conflitos entre os diversos agentes. Esses conflitos são de diversas ordens, tais como políticos (sistemas de poder, relação entre o público, estatal e privado, mecanismos de participação, gestão e decisão), culturais (etnicidade, identidade, estéticas), econômicas, tecnológicas (tecnocientíficas x artesanais), socioambientais (usos e concepções de natureza), discursivas (retóricas), filosóficas e epistêmicas (papel da ciência e dos saberes), éticas sobre a relação sociedade-natureza e ideológico- axiológicas,(valores baseados em crenças de diversos tipos, incluindo as religiosas e de costumes).
As apostas às teorias do desenvolvimento vêm sendo gestadas e criticadas desde diferentes perspectivas teóricas e políticas por parte de diversos agentes sociais: por um lado, as concepções neoliberais vão atribuir ao mercado os destinos estratégicos da economia, impulsionado basicamente pela busca do crescimento econômico, contrapondo-se assim ao papel dos Estados Nacionais que exerciam em grande parte políticas de investimento em infraestrutura para garantir a expansão da produção industrial e agrícola; ao eleger os mecanismos de mercado como soberanos nas estratégias de crescimento, o neoliberalismo mina as bases da soberania nacional e relega ao ostracismo as políticas redistributivas efetuadas pelo Estado desenvolvimentista, uma vez que a distribuição de renda é vista como variável dependente do crescimento.
Por outro lado, a busca por soluções e alternativas ao desenvolvimento, em oposição à busca de alternativas de desenvolvimento, gestadas por atores considerados subalternos, desde as bordas do sistema, questiona os limites do núcleo duro do sistema hegemônico de mercado, incapaz de gerar soluções para uma imensa parcela da população destituída das condições básicas de vida, bem como de colocar a seu alcance o acesso ao planejamento de estratégias de bem-estar (bem viver) estáveis e duradouras.Indaga-se, para tanto, se é necessário igualmente ressignificar o próprio sentido de desenvolvimento, por meio de novos conceitos e outras formas de concebê-los. Até que ponto categorias analíticas de ecologia das práticas e ecologia dos saberes possibilitam estabelecer novas bases para operar desde as margens do sistema hegemônico?
Como já é por demais conhecido, as teorias do desenvolvimento foram elaboradas por teóricos comprometidos com a centralidade do modelo capitalista hegemônico e posteriormente transplantadas, adaptadas ou assimiladas a contextos histórico-sociais e culturais bem diversos, sobretudo em situações coloniais como da África ou de dependência como da América Latina.
Outra pergunta a se fazer para a busca por soluções, dentro dos limites históricos do desenvolvimento e de suas contradições ou então desde as margens do sistema, é se ambas as possibilidades (alternativas de desenvolvimento x alternativas ao desenvolvimento) são antagônicas ou complementares; mais ainda, se aparecem como antagônicas, as possibilidades de coexistência é da ordem estrutural (sistêmica) do modelo neoliberal? Ou se a possibilidade de outra matriz hegemônica ( por exemplo, a desenvolvimentista, estatista, social democrática, etc.) poderia promover algum tipo de coexistência?
Pensar em alternativas ao desenvolvimento requer, portanto, não apenas conceber de outra forma mecanismos que permitam a uma organização social ser capaz de reproduzir-se materialmente, mas também de engendrar instituições em que a gestão, as normas, e os valores que regem as estratégias de sociabilidade se desloquem do atual sistema de racionalidade capitalista para outras racionalidades, com possibilidade de se sobreporem ou então de coexistirem com a atualmente vigente. Essa questão não é apenas de ordem epistêmica, mas se refere ao domínio das experiências concretas, isto é, de como são construídas alternativas políticas e culturais autônomas.
A modernidade periférica com seu processo de modernização econômica e tecnológica e a consequente segmentação de classes sociais conduzem esse processo aos limites da injustiça ambiental, uma vez que combina elementos de herança colonial com uma crescente mercantilização da natureza, em diversas modalidades: produção e expansão do espaço do capital pelo agronegócio, pelo neoextrativismo e pela apropriação dos territórios pertencentes aos povos indígenas e às populações tradicionais.
A produção de uma nova semântica pelos sujeitos sociais subalternos, historicamente invisibilizados e silenciados só é possível pelo trabalho de ressemantização de sua condição identitária, cultural e política, em uma perspectiva plural. Esses novos-antigos sujeitos se redefinem ao politizar seus agenciamentos frente ao modelo hegemônico de desenvolvimento periférico e ressignificam suas estratégias em busca de alternativas ao desenvolvimento, no lugar de reafirmar as propostas de alternativas de desenvolvimento.
Portanto, repensar a questão democrática nas atuais condições históricas e políticas da América Latina exige deslocar-se do modelo teórico vigente, situado no Estado e nos imaginários desenvolvimentistas das elites que giram ao seu entorno e que deixam de lado a rede de relações e conflitos sociais, em grande parte invisibilizada e criminalizada, como no caso de inúmeras populações tradicionais camponesas, indígenas, afrodescendentes, povos ribeirinhos e da floresta; ou seja, abrir espaços de ressignificação e pertinência dos sujeitos subalternos do campo, do mar, de setores urbanos marginalizados pelos processos de gentrificação, desemprego e de violência gerada pela exclusão social e pela incapacidade de resposta do Estado desenvolvimentista e pelo neoliberalismo.
Para complicar, vivemos momentos preocupantes na América Latina, com o fim do ciclo de governos populares ou populistas de centro-esquerda. No entanto, as estratégias neoliberais têm falhado na Argentina e no Chile, modelo cantado em verso e prosa pela direita neoliberal. Em resumo, o panorama político recente na América do Sul é basicamente o seguinte: presenciamos uma relação tensa e até dramática de transições de sistemas sociais e políticos aparentemente estabilizados para evidências de rupturas cruciais como no caso do Brasil (2013-2016), do Equador, Chile e Bolívia em 2019. Essas rupturas são de diferentes matizes e seus resultados não são unidirecionais; neste sentido, são emblemáticos os casos opostos da Bolívia e do Chile em que o primeiro representa a ruptura de um modelo de coexistência etno-política, com desenlace autoritário e o segundo de um modelo neoliberal aparentemente estável para uma transição incerta ainda do ponto de vista de uma outra institucionalidade.
Benjamin Alvino de Mesquita - Para os “negacionistas climáticos”, o aquecimento global é fruto da invenção dos europeus para atravancar o desenvolvimento nos países periféricos. Quais as implicações desse discurso na condução das políticas socioambientais? E, as políticas ambientais podem ser utilizadas como instrumentos para a promoção da justiça social? Existe uma escala e/ou uma tipologia da chamada vulnerabilidade social e conflitos ambientais quanto às formas que apresentam nos diferentes países? Os conflitos socioambientais se diferenciam (ou não) de acordo com o nível de desenvolvimento econômico alcançado pelos países, ou a lógica capitalista já se encarregou de universalizá-los?
Dimas Floriani - Com a grande onda neoliberal dos últimos anos, o que se observa por parte de governos populistas de direita é o negacionismo em relação às mudanças climáticas – o aquecimento global junto com a referência a gênero tornaram-se palavrões ideológicos – e há uma aposta de alguns países do G8 para enfraquecerem os mecanismos das agências multilaterais de negociação sobre políticas de mitigação ambientais e de criação de novos tipos de cooperação em pesquisa para gerar a produção de energias alternativas, por exemplo, frente à matriz fortemente apoiada na exploração de combustíveis fósseis. Provavelmente, com a crise do Covid19, se a humanidade aprender alguma coisa com ela e se a aventura neoliberal for derrotada, poderão abrir-se novos cenários para a prevenção de um futuro mais seguro e o combate às mudanças climáticas entrarão na linha de mira das prioridades, bem como as políticas de segurança frente às pandemias.
Para tanto, é necessário que ocorra convergência de fatores numa mesma direção. Ou seja, não bastam apenas que as ideias sejam justas. É preciso que elas encontrem as condições objetivas e subjetivas, a fim de entrarem na pauta de prioridades dos governos nacionais e das instituições internacionais. Tomemos dois exemplos bem emblemáticos. O primeiro é o da renda mínima universal; a garantia de que todos tenham a renda mínima como um direito. Há quantos anos que esta proposta anda circulando mundo afora! Na Europa, teóricos como o belga Philippe Van Parijs, o alemão Robert Kurz e muitos outros, juntamente com o ex-senador Eduardo Suplicy, no Brasil, foram os que mais insistiram nesta proposta. É bem verdade que o bolsa família foi uma primeira grande iniciativa nessa direção, embora insuficiente. Precisou que o Covid19 entrasse em cena para que a sociedade tomasse consciência e assimilasse a importância desta proposta.
Da mesma maneira, como segundo exemplo, é o da taxação de grandes fortunas que sempre foi uma agenda de partidos de esquerda. Com a pandemia, é algo que começa a se tornar aceitável entre visões políticas diferentes. Setores do capital financeiro deram-se conta disso e rapidamente se anteciparam com uma vaquinha bilionária de alguns bancos para combater o coronavírus. Quer dizer, são necessários movimentos sinérgicos para que isso aconteça. Contudo, isto não quer dizer que se torne automaticamente uma política de Estado, pois depende da correlação de forças entre os atores e seus respectivos projetos de governo, nem que de uma hora prá outra os empresários tenham feito votos franciscanos de pobreza.
Podemos seguir com a mesma linha de raciocínio, para ver como podem vir a ocorrer medidas pró ativas na defesa do meio ambiente por parte dos agentes públicos e privados. Entretanto, com uma grande diferença: no caso das mudanças climáticas, é certo que se podem associar enchentes, secas, furacões e aumento do nível do mar com as mudanças climáticas e que os prejuízos dos empresários agrícolas são reconhecidos pelos próprios como fenômenos com origem nas grandes mudanças climáticas. Embora no imaginário social o meio ambiente seja visto como signo negativo da modernidade, segundo palavras do sociólogo inglês Anthony Giddens, existe a dificuldade de juntar catástrofes naturais com responsabilidade direta desses fenômenos pela ação humana.
Os problemas dessa ordem devem ser entendidos e encaminhados em função de diferentes escalas, com algumas ressalvas. É bem verdade que se não houver equacionamento dessas questões do ponto de vista conceitual e político, as respostas aos problemas socioambientais, dadas pelos diversos agentes, sempre serão parciais e limitadas. Aproveito para relatar uma pequena referência a alguns municípios próximos de Rosário, na província de Santa Fé, na Argentina, cujas prefeituras já internalizaram medidas protetivas e mitigadoras frente aos efeitos severos das mudanças climáticas, aparentemente opostos, como as enchentes e as secas que assolam aquela província, atravessada pelo rio Paraná. Tem sido notável o envolvimento por parte do setor público e das organizações da sociedade civil que desenvolveram outro olhar e outras práticas, com projetos concretos, em torno daquilo que aparentemente é uma coisa abstrata, como poderia sugerir o significado de ‘aquecimento global’ e de ‘mudanças climáticas’, mesmo porque os golpes sofridos sempre atingirão regiões e localidades.
Creio que o Nordeste do Brasil poderá nos ensinar muito no sentido de fazer frente às catástrofes climáticas. E aqui seria importante reunir as grandes ocorrências em escala mundial e ver em que medida governos e sociedades constroem suas estratégias de mitigação e em que medida ocorrem as resiliências do ponto de vista regional e local, a partir de projetos de recuperação aplicados nos diferentes tipos de impactos climáticos. Uma nova subdisciplina da Sociologia Ambiental, que é a Sociologia das Catástrofes, juntamente com a Geografia, a Economia ecológica, a Agroecologia, para as zonas rurais, o Planejamento Urbano, as Políticas Públicas e a Climatologia poderiam nos auxiliar muito nesses diagnósticos regionais e juntamente com as populações atingidas traçar estratégias de empoderamento delas, em face dessas ocorrências.
As universidades, especialmente as públicas, são e serão cada vez mais convocadas para desenvolver junto aos atores locais comunitários e aos agentes públicos projetos de desenvolvimento local, de maneira transdisciplinar, para reafirmar que a ciência é um bem comum e, portanto, público, e que o conhecimento aplicado deve ser socialmente pertinente.