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Fatores associados à ocorrência de acidentes de trânsito no Brasil em 2013
Factors associated with the occurrence of traffic accidents in Brazil in 2013
Revista Latinoamericana de Población, vol. 11, núm. 21, pp. 167-179, 2017
Asociación Latinoamericana de Población



Recepção: 04 Março 2017

Aprovação: 28 Setembro 2017

DOI: https://doi.org/10.31406/relap2017.v11.i2.n21.7

Resumo: O presente artigo analisou a associação entre a ocorrência de acidentes de trânsito e fatores demográficos e comportamentais para o Brasil. Utilizou-se a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, tendo sido analisados 26.754 casos de condutores de carro e motocicleta de 18 anos ou mais de idade. Por meio de modelos de regressão de Poisson foram estimadas razões de prevalência (RP) para três modelos multivariados. Entre os principais resultados, verificou-se que apenas a escolaridade do condutor não alcançou significância estatística em nenhum dos modelos multivariados, sendo observados também diferenciais entre homens e mulheres no efeito do hábito de beber e dirigir sobre a ocorrência de acidentes de trânsito.

Palavras-chave: Acidente de Trânsito, Fatores Demográficos, Fatores Comportamentais, pns 2013.

Abstract: This article analyzes the association between the occurrence of traffic accidents and demographic and behavioral factors in Brazil. We use the database of the National Health Survey (PNS) 2013 and analyze 26,754 cases of car and motorcycle drivers aged 18 or over. Through Poisson regression models we estimate prevalence ratios (PR) for three multivariate models. Among the associated factors included, only driving classes did not reach statistical significance in any of the models, and different effects were found for the habit of drinking and driving on the occurrence of traffic accidents among men and women.

Keywords: Traffic accident, Demographic factors, Behavioural factors, pns 2013.

Introdução

A mortalidade por causas externas configura-se como um grave problema social, econômico e de saúde pública, sendo os óbitos por acidentes de trânsito de grande relevância dentro desse grupo. Segundo relatório da oms para 2013, entre todas as regiões do mundo, a África apresentava a maior taxa de mortalidade por acidentes de trânsito (24,1 óbitos por 100 mil habitantes). Embora a região das Américas tenha apresentado a segunda menor taxa entre os demais continentes (16,1 óbitos por 100 mil), em seu território verificam-se diferenciais importantes no que se refere ao risco de óbito por essa causa. Enquanto a Guatemala registrou uma taxa de mortalidade por acidentes de trânsito de 6,7 óbitos por 100 mil habitantes, a República Dominicana alcançou 41,7 óbitos por 100 mil no mesmo período (oms, 2013).

No caso do Brasil, segundo esse mesmo relatório da oms, o país apresentava uma taxa de mortalidade por acidentes de trânsito de 22,5 óbitos por 100 mil habitantes, superando alguns países latino-americanos, como a Argentina (12,6 e o Chile (12,3) (oms, 2013). Os acidentes de trânsito deixam muitos feridos que podem ficar com sequelas temporárias ou por toda a vida, gerando altos custos com internações hospitalares e gastos previdenciários (Oliveira; Sousa, 2012). Em 2012, a Previdência Social estimou em R$ 12 bilhões os gastos com benefícios relacionados a acidentes de trânsito (Brasil, 2014). Essa é uma situação preocupante, pois grande parte desses beneficiários encontra-se em idade ativa e, portanto, deveria estar contribuindo para o sistema em vez de receber.

A ocorrência dos acidentes de trânsito é de natureza multifatorial, sendo encontrada na literatura referência aos fatores ligados às condições ambientais das vias, às condições mecânicas dos veículos e aos fatores humanos (oms, 2015; Alavietal., 2017). Embora seja importante considerar o componente aleatório dos sinistros viários, a maior parte dos acidentes de trânsito que ocorrem em todo o mundo é previsível e prevenível (oms, 2015). Considerando a importância dos fatores humanos, sobretudo no que diz respeito às características individuais e sociais dos condutores, o objetivo desse artigo é verificar a associação de características socioeconômicas e comportamentais à ocorrência dos acidentes de trânsito no Brasil, em 2013. Para atingir o objetivo proposto, utilizou-se a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (pns) 2013 que inclui, entre outros, informações relacionadas aos acidentes de trânsito e práticas dos condutores, tais como dirigir sob efeito de bebida alcóolica e uso de equipamentos de segurança. Foram utilizados modelos de regressão de Poisson para identificar a associação e os efeitos dos fatores associados selecionados sobre a ocorrência desses acidentes, e esses aspectos serão mais bem explicados nos próximos itens desse artigo.

Fatores associados aos acidentes de trânsito

Vários estudos relacionados às causas dos acidentes de trânsito afirmam que essas ocorrências são resultado de múltiplos fatores que, em grande medida, são passíveis de prevenção (Bacchieri; Gigante; Assunção, 2005; Laranjeiraet al., 2007; Teixeira; Calixto; Pinheiro, 2008; Almeida; Pignatti; Espinosa, 2009; Nodari; Chagas; Lindau, 2012). Segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (oms, 2013), a chave para a redução da mortalidade por acidentes de trânsito é garantir que os países adotem leis que cubram os cinco principais fatores de risco: dirigir sob efeito de álcool; excesso de velocidade; e a não utilização de capacete, cinto de segurança e dispositivos de restrição infantil. O próximo item apresenta com detalhes alguns desses fatores contribuintes para a ocorrência dos acidentes de trânsito.

Características socioeconômicas dos condutores

A maior prevalência dos condutores do sexo masculino em acidentes tanto fatais como não fatais tem sido atestada por vários estudos, tendo em vista a maior exposição masculina ao risco (Teixeira; Calixto; Pinheiro, 2008; Oliveira; Sousa, 2012; Rocha; Chor, 2013; Moraiset al., 2014). Segundo dados da oms (2013), os homens representam mais de 77% dos óbitos no transito em todo o mundo.

Além da predominância masculina entre as vítimas de acidentes de trânsito, verifica-se também padrão etário jovem dos envolvidos nessas ocorrências (Barroset al., 2003; Teixeira; Calixto; Pinheiro, 2008). Esses jovens representam parte da população em idade ativa do Brasil, o que significa impactos negativos na economia por perder mão de obra e contribuintes para a Previdência Social. Ademais, de acordo com alguns estudos, os óbitos por acidentes de trânsito já começam a afetar a expectativa de vida da população brasileira (Camargo, 2007; Araújoet al., 2009; Camargo; Iwamoto, 2012).

Estudos prévios encontraram associação entre ocorrência de acidentes de trânsito e baixa escolaridade (Magalhãeset al., 2011; Maltaet al., 2016), uma vez que menores níveis de instrução podem significar também condições insuficientes de conscientização e conhecimento ao dirigir. Porém, cabe ressaltar que a escolaridade pode ser uma proxy para condições socioeconômicas do indivíduo, sendo possível, portanto, que a associação entre acidentes de trânsito e menores níveis de instrução seja fruto da maior exposição desses indivíduos a situações que favorecem a ocorrência desses eventos (Andrade; Mello-Jorge, 2016).

No que se refere à raça/cor, que também pode ser uma proxy para a condição social do indivíduo, estudos para localidades do Brasil têm encontrado relação entre raça/cor e ocorrência de acidentes de trânsito, sendo os maiores riscos para indivíduos autodeclarados pretos ou pardos (Araújoet al., 2009; Maltaet al., 2016). Esses resultados têm sido explicados por alguns autores como uma reprodução das desigualdades socioeconômicas por raça/cor existente no Brasil, em que as condições socioeconômicas desfavoráveis da população negra e indígena se perpetuam e se manifestam também no campo da saúde, como a maior exposição às causas externas de morbimortalidade (Araújoet al., 2009; Andrade; Mello-Jorge, 2016).

Quanto às regiões brasileiras, o Norte e o Nordeste tendem a apresentar os piores indicadores sobre ocorrência de acidentes de trânsito do que as demais, sendo também as regiões com menor prevalência no uso de importantes equipamentos de segurança no trânsito, como cinto de segurança e capacete (Maltaet al., 2016).

Características comportamentais

Mais de 90% das causas relacionadas aos acidentes de trânsito são humanas e apenas 10% referem-se às condições ambientais, das vias ou do veículo (Teixeira; Calixto; Pinheiro, 2008). No âmbito mundial, constata-se que entre 35% e 50% das ocorrências de acidentes de trânsito estão ligadas à presença de alcoolemia do condutor (Adura; Jorge, 2013). O ato de dirigir alcoolizado traz riscos tanto para o motorista quanto para os passageiros. Segundo o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, cerca de 34% da população geral adulta afirmou que já pegou carona com motoristas alcoolizados (Laranjeiraet al., 2007).

Entre os fatores comportamentais no trânsito que podem causar sérias lesões ou até mesmo a morte de passageiros e condutores está a não utilização de equipamentos de segurança (oms, 2013). Os capacetes são instrumentos eficientes para a redução da probabilidade de traumatismos na cabeça (opas, 2007). Porém, segundo dados da pns 2013, estima-se que no Brasil a prevalência de uso desse equipamento ainda não alcança 100% (83,4% entre condutores e 80,1% entre passageiros de motocicleta) (Maltaet al., 2016). No caso do uso de cinto de segurança, também são estimadas prevalências ainda menores (79,4% de uso nos bancos da frente e 50,2% nos bancos de trás), embora seja amplamente disseminado que a utilização desse dispositivo seja importante para a proteger passageiros e condutores de ferimentos graves, tais como traumas de face e de abdômen (Fonseca, 2007; Mohammadzadehet al., 2015). Quanto aos dispositivos de restrição infantil nos veículos, popularmente conhecidos como “cadeirinhas”, “bebê conforto” ou “assento de elevação”, eles são igualmente importantes para a proteção das crianças. O não uso ou a utilização inadequada desses dispositivos podem acarretar sérias consequências, como lesões abdominais, torácicas, ou até mesmo o óbito (Sousaet al., 2014).

O consumo de bebida alcóolica antes de dirigir está associado ao aumento no risco de ocorrência de acidentes de trânsito, uma vez que motoristas que dirigem sob efeito de álcool têm a sua capacidade motora e de discernimento alterada (oms, 2013). No Brasil, proporção de motoristas adultos de carro ou moto que dirigem logo depois de beber é estimada em 24,4% para homens e em 24,1% para jovens de 18 a 29, que constituem os principais grupos mais vulneráveis a essa atitude no trânsito (Maltaet al., 2016).

Material e métodos

A base de dados da pns 2013 objetiva averiguar com maior abrangência a situação de saúde e os estilos de vida da população brasileira (Damacenaet al., 2015). Optou-se por utilizar essa base de dados tendo em vista tanto a sua ampla abrangência geográfica quanto o fato de incluir características demográficas e comportamentais relacionadas ao trânsito, como o consumo de bebidas alcoólicas antes de dirigir. Foram analisados 26.754 casos de condutores de carro ou moto com idade acima de 18 anos em todo o Brasil. Para expressar a ocorrência do acidente de trânsito, construiu-se uma variável de resposta binária assumindo zero (0), se o respondente dirige carro ou motocicleta mas não tinha se envolvido em acidente de trânsito no qual tenha sofrido lesões corporais nos últimos 12 meses, e um (1), se o respondente dirige carro ou motocicleta e tinha se envolvido em acidente de trânsito no qual tenha sofrido ferimentos nos últimos 12 meses como condutor de um desses meios de transporte.

Na pns 2013 é possível obter informações para condutores de outros meios de transporte terrestre, porém, optou-se por analisar apenas casos de condutores de carro e motocicleta por serem quantitativamente mais significativos em comparação aos demais. Embora estudos prévios apontem diferenciais importantes entre condutores de motocicleta e de carros, tais como perfil socioeconômico mais desfavorável dos primeiros e também a própria condição de fragilidade dos motociclistas com relação a boa parte dos demais meios de transportes terrestres (Souza, 2007; Andrade; Mello-Jorge, 2017), optou-se em agregar essas duas categorias de condutores. Isso foi necessário tendo em vista os poucos casos de respondentes que disseram ter sofrido algum acidente de trânsito nos últimos 12 meses e com lesão corporal (1.076 casos de condutores de carro ou moto). Com relação à idade do condutor, construiu-se a variável grupos etários: 18 a 29 anos; 30 a 39 anos; 40 a 49 anos; e 50 anos ou mais. A escolaridade do indivíduo foi classificada em quatro grupos: sem instrução/ensino fundamental incompleto; fundamental completo/ensino médio incompleto; ensino médio completo/ensino superior incompleto; ensino superior completo. A raça/cor ficou subdividida em dois grupos (brancos/amarelos e pretos/pardos/indígenas) e a região do respondente foi categorizada em Região Norte, Região Sudeste, Região Sul e Região Centro-oeste. Como característica comportamental no trânsito, incluiu-se a variável se o respondente dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica.

Sobre os métodos, foram utilizados modelos de regressão de Poisson. Usualmente empregado no estudo da ocorrência de um pequeno número de eventos, em função de um conjunto de variáveis explicativas (Parodi; Botarelli, 2006), o modelo de regressão de Poisson foi entendido como o mais apropriado para a análise dos dados por considerar a ocorrência de acidentes de trânsito um evento raro na amostra analisada (1.076 casos de condutores de carro/moto que se envolveram em acidente grave nos últimos 12 meses, o que representa 4,02% do total de casos analisados). A pns 2003 possui um desenho amostral complexo, mais especificamente, uma amostragem por conglomerado em três estágios de seleção, com estratificação das unidades primárias de amostragem (upa). Nesse caso, recomenda-se a incorporação desse desenho nas estimativas (Souza-Junior, 2015), o que foi realizado nos cálculos das proporções e estimativas dos intervalos de confiança, bem como dos modelos de regressão utilizados no presente trabalho, ambos por meio do comando svy para amostras complexas, disponível no pacote estatístico stata, versão 12. Nos modelos de regressão de Poisson foram estimadas as razões de prevalência (rp) e que são indicadas em estudos de corte transversal com desfechos binários, para associação entre exposição e desfecho (Moraiset al., 2014). Inicialmente, procedeu-se a uma análise univariada, tendo como variável dependente a ocorrência/não ocorrência do acidente de trânsito nos últimos 12 meses como condutor de carro ou motocicleta. Todos os fatores associados apresentaram valor de p inferior a 0,25 na análise univariada, então, todos foram incluídos nos modelos multivariados. Em seguida, foram construídos três modelos multivariados: o primeiro incluiu os fatores associados demográficos; o segundo adicionou o fator associado ao comportamento ao dirigir; e o terceiro modelo incluiu um termo interativo entre sexo e se o condutor dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica. Para verificar a significância global das variáveis em cada modelo foi utilizado também o teste de Wald.

Resultados e discussão

Os resultados da análise descritiva se encontram na Tabela 1. Conforme é possível observar, do total de condutores de carro ou moto com idade entre 18 e 29 anos, cerca de 6% declararam envolvimento em acidente de trânsito no qual tenham sofrido lesões corporais nos últimos 12 meses. Esse percentual diminui à medida que se avança nos grupos etários mais elevados, sendo de apenas 1,34% no grupo etário 50 anos ou mais.

Tabela 1
Se nos últimos 12 meses se envolveu em acidente de trânsito no qual tenha sofrido lesões corporais como condutor de carro ou moto, por fatores selecionados, com indicação do intervalo de confiança (ic) de 95%, Brasil, 2013 (N=26.754)

Fonte dos dados básicos: pns, 2013.

O intervalo de confiança indica a precisão dos dados e é determinado pelo erro amostral da pesquisa. Significa que, estatisticamente, a proporção estimada pode variar entre o limite inferior e o superior

Fonte dos dados básicos: pns, 2013 O intervalo de confiança indica a precisão dos dados e é determinado pelo erro amostral da pesquisa. Significa que, estatisticamente, a proporção estimada pode variar entre o limite inferior e o superior

https://www.seade.gov.br/wp-content/uploads/2016/01/Primeira_Analise_33_dez_final.pdf

Do total de condutores de carro ou moto do sexo feminino, cerca de 2% se envolveram em acidente de trânsito nos últimos 12 meses, enquanto para os homens esse percentual foi praticamente o dobro (4,63%). Vale ressaltar que os homens constituíram maioria no total da amostra de condutores de carro ou moto (66%). Já com relação à escolaridade, a maior parte dos condutores tinha ensino médio completo ou ensino superior incompleto, seguindo tendência da escolaridade da população brasileira. Para esse nível de ensino, cerca de 4% dos condutores de carro ou moto disseram ter sofrido acidente de trânsito com lesões corporais no último ano, enquanto na categoria “fundamental completo/ensino médio incompleto” essa cifra foi um pouco maior (5,10%) (Tabela 1).

Tabela 2
Razões de prevalência (rp) multivariadas de fatores selecionados para a ocorrência de acidentes de trânsito entre condutores de carro ou moto, Brasil, 2013

Fonte dos dados básicos: pns, 2013.

*valor de p igual ou menor que 0,10

**valor de p igual ou menor que 0,05

Fonte dos dados básicos: pns, 2013 *valor de p igual ou menor que 0,10 **valor de p igual ou menor que 0,05

No que se refere à raça/cor, entre os condutores de carro ou moto autodeclarados brancos ou amarelos, 3,07% disseram ter se envolvido em acidente de trânsito e, entre aqueles autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, esse percentual foi de 4,86%. A Região Norte apresentou, comparativamente às demais, percentual um pouco maior de condutores de carro ou moto que se acidentaram nos últimos 12 meses (cerca de 6%) (Tabela 1).

Com relação à variável comportamental “se dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica”, entre aqueles que responderam “sim”, o percentual de condutores de carro ou moto que se acidentaram e com lesões nos últimos 12 meses foi de 8,22% e, entre aqueles que disseram “não”, correspondeu a 4,29% (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta as razões de prevalência estimadas pelos modelos multivariados da regressão de Poisson a fim de identificar os fatores associados à ocorrência dos acidentes de trânsito entre condutores de carro ou moto e a interação entre esses fatores.

No modelo 1, que incluiu os fatores associados demográficos, os grupos etários de 40 anos ou mais se revelaram fatores associados e protetores à ocorrência de acidentes de trânsito, em comparação ao grupo etário de referência (18 a 29 anos). O sexo também se apresentou como um fator associado importante, indicando para condutores de carro ou moto do sexo masculino uma razão de prevalência de acidente de trânsito nos últimos 12 meses 120% maior em comparação com as mulheres (RP=2,20; p<0,05). No que se refere à região, residência na Região Norte (RP=1,52; p<0,05) e na Região Centro-Oeste (RP=1,45; p<0,05) se mostrou como fator deletério aos condutores de carro ou moto, em comparação à residência na Região Sudeste do país. A raça/cor e a escolaridade do indivíduo não se associaram à ocorrência de acidentes de trânsito no modelo 1 Tabela 2).

No modelo 2, com a inclusão da variável comportamental se o respondente dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica, algumas variáveis ganharam significância estatística, outras tiveram seus efeitos potencializados ou até mesmo perderam associação com a variável dependente. No caso dos grupos etários, a categoria 30 a 39 anos (RP=0,71; p<0,10) alcançou significância estatística e os demais grupos etários mantiveram a associação apresentada no modelo 1, porém, com magnitude ainda maior (Tabela 2).

A escolaridade continuou não apresentando associação estatística com a ocorrência de acidentes entre condutores de carro e moto, e a variável raça/cor se revelou como um fator associado, sendo maior a razão de prevalência para a categoria dos pardos/pretos/indígenas (RP=1,50; p<0,05) com relação à categoria de referência (brancos e amarelos). O sexo do condutor e a região de residência perderam associação estatística com a inclusão do fator associado comportamental, que, por sua vez, apresentou-se como um fator associado importante: a razão de prevalência de acidentes de trânsito para condutores que disseram ter dirigido em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica foi 73% maior em comparação com aqueles que disseram não ter tido essa atitude alguma vez (RP=1,73; p<0,05) (Tabela 2).

Entre os resultados do modelo 2, chama a atenção a perda de significância estatística da variável sexo, um fator importante relacionado à ocorrência de acidentes de trânsito conforme estabelecido pela literatura. A fim de testar essa possível relação entre sexo e se o respondente dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica, foi incluído um termo interativo entre essas duas dimensões no modelo 3. Conforme é possível verificar, essa interação foi estatisticamente significativa, indicando que o efeito de beber e dirigir sobre a ocorrência de acidente de trânsito não parece ser o mesmo para homens e mulheres. A razão de prevalência para condutores do sexo masculino que declaram ter dirigido em algum dos dias que consumiram bebida alcóolica foi 63% menor em relação às mulheres que também declararam ter esse hábito.

Discussão

Esse artigo testou a associação de fatores demográficos (grupos etários, sexo, escolaridade, raça/cor e Grandes Regiões) e comportamental (se dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica) com a ocorrência dos acidentes de trânsito entre condutores de carro ou moto no Brasil em 2013. De um modo geral, pode-se dizer que os resultados encontrados corroboram trabalhos prévios e também indicam interações importantes entre os fatores associados selecionados.

A associação encontrada entre sexo e a ocorrência de acidentes de trânsito tem sido bem fundamentada pela literatura (Teixeira; Calixto; Pinheiro, 2008; Oliveira; Sousa, 2012; Rocha; Chor, 2013; Moraiset al., 2014). Ela Pode Ser um resultado não só da sobrerrepresentação de homens entre os condutores de veículos, significando para eles uma maior exposição ao risco de acidentes, mas também do fato de que as mulheres tendem a uma maior percepção de risco e respeito às leis de trânsito, o que as protegeriam mais dessas ocorrências (Bose; Segui-Gomez; Crandall, 2011; Alver; Demirel; Mutlu, 2014).

Todavia, com relação a esse último aspecto, há tendência de maior envolvimento de mulheres em acidentes de trânsito em decorrência de mudanças comportamentais dessas condutoras, tais como a combinação entre bebida alcóolica e direção (Alver; Demirel; Mutlu, 2014; Vaca; Romano; Fell, 2014). No presente artigo, verificou-se uma interação estatisticamente significativa entre sexo e se o condutor dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica, sendo para as condutoras um efeito maior desse hábito de beber e dirigir para a ocorrência de acidentes. Apesar desse resultado estar em linha com estudos prévios (Kerr-Corrêa, 2005; Vaca; Romano; Fell, 2014), é importante destacar que a variável utilizada no presente artigo como fator comportamental no trânsito não possui um período de referência definido. Tal limitação deve ser considerada uma vez que a variável dependente construída (ocorrência/não ocorrência de acidente de trânsito) diz respeito aos 12 meses anteriores à data da entrevista.

Com relação aos resultados encontrados para os grupos etários, também tem sido relatada pela literatura maior associação de acidentes de trânsito com jovens condutores (Dantaset al., 2009; Alver; Demirel; Mutlu, 2014). Fatores como dirigir sob efeito de álcool e outras drogas, menor respeito às leis de trânsito, inexperiência e desatenção ao volante contribuem para que o grupo etário jovem esteja mais envolvido em ocorrências desse tipo (Brasil, 2010; Alver; Demirel; Mutlu, 2014). Inclusive os resultados encontrados mostraram que a inclusão do fator associado se dirigiu em algum dos dias em que consumiu bebida alcóolica potencializou os efeitos protetores dos grupos etários mais velhos em relação àquele de 18 a 29 anos, o que pode ser um indicativo dessa interação entre idade do condutor e consumo de álcool antes de dirigir. O fator associado relacionado ao comportamento no trânsito também parece ter interagido com a raça/cor e a região de residência do condutor, uma vez que, no primeiro caso, houve ganho e, no segundo, perda de significância estatística nos modelos 2 e 3, respectivamente. Porém, a possível sinergia existente entre esses fatores selecionados não foi explorada no presente estudo.

Por fim, cabe ressaltar que o banco de dados da pns 2013 fornece base importante para explorar não apenas a ocorrência de acidentes de trânsito, mas também o comportamento do condutor e a severidade dos ferimentos provocados por esses acidentes em associação a fatores demográficos. Nesse estudo foi explorada apenas uma dimensão desses acidentes que representam um importante problema econômico e de saúde pública no país e em várias regiões do mundo.

Também é importante destacar como limitação desse estudo o pequeno número de casos de condutores que sofreram algum acidente com lesão corporal, o que implicou a agregação das categorias de condutores de carro e motocicletas, embora se reconheça que esses grupos guardam importantes particularidades.

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Autor notes

1 Doutora (2009-2013) em Demografia, mestre e graduada em Ciências Sociais (2002-2006) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Desde 2014 é professora adjunta do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ufrn) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Demografia (ppgdem) também da ufrn.
2 Mestrando em Demografia pelo Programa de Pós-graduação em Demografia da ufrn. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes).


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