Resumo: O presente artigo objetiva investigar como as variáveis que retratam a percepção dos funcionários sobre confiança se manifestam no clima organizacional em diversas organizações no Brasil. A pesquisa pode ser caracterizada quanto à sua natureza como quantitativa, quanto ao seu objetivo como descritiva, e a coleta de dados foi desenvolvida com o método survey. A coleta de dados ocorreu no período de abril a maio de 2010, sendo que a amostra das empresas se deu por conveniência, ou seja, aquelas que se candidataram a participar da pesquisa, em número de 481 empresas. Destas foram pesquisados 139.230 funcionários, sendo que esta amostra se caracteriza como probabilística estratificada, proporcional, por sexo, utilizando a seleção randômica. Foram realizados testes de normalidade dos dados (Kolmogorov-Smirnov; Shapiro-Wilks), bem como avaliada a consistência interna do instrumento e das diferentes dimensões de clima por meio do Alfa de Cronbach. Foram desenvolvidos testes de média e de correlação de Spearman para verificar a associação entre as dimensões. Entre os principais resultados destacam-se: um resultado positivo em relação ao indicador geral de clima, bem como ao de confiança nas relações pesquisadas, correlação positiva forte entre as dimensões clima e confiança. Verificou-se que a confiança organizacional apresenta maiores índices de concordância que a interpessoal; entretanto, ambas podem ser consideradas positivas, pois o nível de concordância é maior que 50% para os dois aspectos.
Palavras-chave:confiança organizacionalconfiança organizacional, clima organizacional clima organizacional, gestão de pessoas gestão de pessoas.
Abstract: The purpose of this paper is to investigate how the variables that depict the perception of the employees about trust are manifested in environment Brazilian Organizations. The research is quantitative with respect to its nature and descriptive with respect to its goal. Data collection occurred from April to May 2010 and was developed with the survey method. Four hundred eighty-one organizations signed up in the order to participate in the research and 139,230 employees answered the survey. The sample is probabilistic stratified, random and proportional by sex. Data normality tests were performed (Kolmogorov-Smirnov, Shapiro-Wilks) and assessed the internal consistency of the instrument and the various dimensions of environment through the Cronbach Alpha. We developed average tests and Spearman correlation to verify the association between dimensions. The main results are: a positive result with respect to the environment as well as trust in the surveyed relationships, strong positive correlation between the environment dimensions and trust. It was found that the organizational trust presents higher concordance rates than interpersonal; however, both of them can be considered positive because the level of agreement is greater than 50% for both.
Keywords: organizational trust, organizational climate, people management.
CONFIANÇA ORGANIZACIONAL E INTERPESSOAL COMO UMA DIMENSÃO DE CLIMA ORGANIZACIONAL
Organizational and interpersonal trust as a dimension of organizational climate
Recepção: 15 Dezembro 2012
Aprovação: 31 Março 2015
Mudanças contextuais provocam alterações nas relações entre pessoas e organizações. Em relação às mudanças de contexto, diversos autores contemporâneos afirmam que o conhecimento e a inovação têm se tornado fatores de produção fundamentais. Asseguram também que, para que haja criação, disseminação de conhecimento e inovação, necessita-se cada vez mais do fator humano atuando de forma integrada, ou seja, por meio de equipes (Von Krogh et al., 2001).
Dessa forma, há que se considerar que a maior necessidade de gerenciar o conhecimento requer que os indivíduos trabalhem em equipe e colaborem entre si. Conforme apontam os estudiosos do assunto Von Krogh et al. (2001), um elemento essencial ao processo de aprendizagem é a confiança. Torna-se relevante a interconectividade que pressupõe uma mudança de foco do colaborador isolado para o colaborador em rede, o que torna imprescindível, além da gestão do Capital Humano das Organizações, a gestão do Capital Social ou Relacional. Este, por sua vez, diz respeito às redes de relacionamento construídas entre os indivíduos, com base na confiança, cooperação e inovação, e que impulsionam e facilitam o acesso à informação e a geração e o intercâmbio de conhecimento (Park et al., 2004).
Acrescentem-se a isso as mudanças contextuais, desafios e mudanças inerentes ao contexto interno das organizações, que incluem mudanças na organização do trabalho. Para alguns autores, o trabalho torna-se mais enriquecido e desafiador, e as relações de trabalho estabelecem maior interdependência entre empresa e empregado (Albuquerque, 1999). Há ainda que citar que tanto estudos nacionais como internacionais apontam para modelos mais competitivos, que, segundo Fischer (2002), têm como principal característica a diferenciação dos trabalhadores. Dessa forma, a confiança organizacional e interpessoal pode ser afetada se as pessoas não perceberem que as organizações diferenciam os funcionários baseadas em critérios. Albuquerque (1999) e Echeverria (2002) afirmam que, quando se altera a forma de gerir pessoas para modelos mais voltados ao comprometimento, a confiança é fator essencial para garantir a relação entre empregado e organização.
Considera-se também que a confiança deve ser considerada um fator fundamental na gestão do ambiente organizacional por se tratar de um mecanismo por meio do qual os atores sociais reduzem a complexidade interna do seu sistema de interação pela crença na credibilidade de uma pessoa ou de um sistema (Giddens, 1991). Acredita-se também que ela nasce da partilha de valores e capacita as pessoas a trabalharem em conjunto, o que pode gerar mais conhecimento e inovação.
Diante disso, o objetivo deste artigo é investigar como as variáveis que retratam a percepção dos funcionários sobre confiança se manifestam no clima organizacional das organizações contemporâneas no Brasil. Pretende-se demonstrar que as variáveis que retratam a percepção de confiança, que raramente são abordadas no campo da gestão de pessoas, têm significativa relevância no que tange aos resultados de clima organizacional. Parte-se do pressuposto de que a confiança se apresenta como uma dimensão de clima e pode contribuir para que a percepção sobre o ambiente de trabalho seja mais positiva. Para embasar o estudo, apresenta-se na sequência a literatura pesquisada a respeito de confiança e clima visando identificar como as temáticas se relacionam. Apresentam-se também a metodologia utilizada e, por fim, os resultados e as conclusões provenientes dos resultados da pesquisa.
Para tratar do referencial teórico sobre confiança, parte-se de uma definição conceitual mais geral sobre o tema, posteriormente busca-se diferenciar confiança interpessoal e organizacional e, por fim, apresenta-se um levantamento sobre as publicações no Brasil a respeito do tema.
Giddens (1991, p. 13) considera o conceito de confiança como um dos fundamentos da sua formulação teórica que visa “tentar obter uma nova caracterização tanto da natureza da modernidade quanto da ordem pós-moderna que deve emergir do outro lado da era atual”. Nesses termos, Giddens (1991) busca desenvolver uma teoria social crítica que dê conta da sociedade contemporânea. O autor se preocupa com a evolução dos “ambientes de confiança e risco nas culturas pré-modernas e modernas”, mostrando a historicidade presente nestes ambientes, conforme a Tabela 1 apresentada a seguir:
Para Giddens (1991, p. 42), risco e confiança “se entrelaçam entre si”; a confiança serve para minimizar os riscos, mas um risco aceitável é fundamental para que a confiança se mantenha.
Segundo Fukuyama (1996), quanto mais alto o grau de confiança nas organizações, maior a cooperação espontânea e menos se precisa de “aparatos legais” como sistemas de normas e regulamentos, negociados ou coercitivos, para garantir a cooperação. Para ele, as organizações com nível mais alto de confiança internamente se tornam mais eficientes do ponto de vista econômico, pois não precisam investir tão fortemente nesses sistemas.
Na teoria da estruturação social proposta por Luhmann (1996), a confiança pode ser de três tipos: a processual, a baseada em características e a institucional. A primeira se refere ao passado ou a trocas realizadas em período anterior; é um processo cumulativo e incremental de construção da confiança por meio da acumulação gradual de conhecimento direto ou indireto sobre o outro, como a reputação, a marca e a garantia de qualidade. Pressupõe um grau de estabilidade e a existência de uma baixa troca de firmas e outras instituições de mercado, sendo esse tipo de confiança deliberadamente desenvolvido pelas empresas. O segundo tipo de confiança, aquele baseado em características, surge das relações sociais entre o que confia e aquele em que a confiança é depositada. Ela depende de um nível de relação social entre os indivíduos, pois se baseia em valores e não se dá deliberadamente. E o terceiro tipo de confiança, a institucional, é formado pela estrutura social. Depende de mecanismos legais que reduzam o risco; esta pode ser produzida deliberadamente se houver mecanismos socialmente legitimados.
Para Giddens (1991, p. 41), a confiança é definida como a “crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de outro, ou na correção de princípios abstratos”. Neste trabalho, concorda-se com o conceito geral de confiança que a considera um mecanismo em que os atores sociais reduzem a complexidade interna do seu sistema de interação pela crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema (Giddens, 1991). Acredita-se também que ela nasce da partilha de valores e capacita as pessoas a trabalharem em conjunto. Assumido o conceito de confiança, passa-se a apresentar os níveis de análise do conceito que norteiam este trabalho, confiança organizacional e interpessoal.
Segundo Costa (2000, p. 293), “a confiança está associada a cinco níveis de análise que variam segundo o grau de complexidade e abstração. A confiança pode ser relativa à mensagem, à pessoa que transmite, à organização, ao clima institucional e ao clima sociopolítico”, sendo que, as duas primeiras (mensagem e pessoa) correspondem ao nível interpessoal e as demais ao nível organizacional.
Há que se dizer ainda que a confiança é um construto multidimensional que compreende as dimensões cognitiva, afetiva e comportamental. A dimensão cognitiva proporciona a fundação que nos permite distinguir as pessoas e as instituições que são dignas da nossa confiança. A dimensão afetiva refere-se à ligação emocional existente entre as pessoas envolvidas na relação. E a dimensão comportamental reflete as variações em importância das duas dimensões anteriores (Costa, 2000, p. 292).
No que se refere à confiança organizacional, segundo Costa (2000), ela diz respeito à relação estabelecida com o sistema formal, sendo estando baseada em leis, regulamentos e nas práticas que mantêm a organização como um todo. A autora enfatiza, considerando o caráter anônimo dos sistemas, os aspectos cognitivos e racionais da confiança organizacional. Ainda, tratando-se dos conceitos de confiança interpessoal e confiança organizacional, a fim de verificar as formas como os diversos autores os operacionalizam, apresenta-se a Tabela 2.
Quando se trata da confiança interpessoal, Lundasen (2002) descreve que ela é derivada da pesquisa psicológica, inicialmente associada a traços de personalidade. Mas esta teve a contribuição de diversas outras teorias que ocasionaram a diversificação das definições e dos aspectos desse tipo de confiança. “Apesar dessa diversificação das teorias, o modo mais comum de operacionalizar a confiança generalizada é por meio de surveys. Com frequência, uma única questão sobre confiança é considerada suficiente para avaliar a confiança generalizada” (Lundasen, 2002, p. 305).
Em relação ao conceito de confiança interpessoal, concorda-se com a definição de Costa (2000, p. 292), pois se acredita que essa “refere-se à confiança entre indivíduos e suas bases são as percepções pessoais ou do grupo em relação aos motivos e intenções de outros indivíduos”. E entende-se neste estudo que a confiança interpessoal está relacionada com as relações entre os indivíduos. Já a confiança organizacional se refere às relações com o sistema formal, estando baseada em normas e leis, liderança, ou seja, o cumprimento de compromissos expressos pela organização por meio desse sistema formal normatizador.
O conceito de confiança aplicado a organizações é um tema muito difundido nos estudos internacionais. No Brasil, entretanto, o tema não encontra a mesma relevância e frequencia. Na base de pesquisa SPELL® Scientific Periodicals Electronic Library, http://www.spell.org.br/, que contém artigos de mais de 80 periódicos com estratos (Qualis/Capes) B3 a A2 nacionais, foram identificados em 27/10/2014 um total de 78 artigos relacionados à confiança, estando relacionados às áreas de finanças, marketing e estratégia. Relacionados diretamente com comportamento organizacional e a temática desse artigo foram identificados 37 artigos. As publicações foram: 1 em 1995, 2 em 2003, 1 em 2004, 1 em 2005, 3 em 2006, 2 em 2007, 2 em 2008, 2 em 2009, 3 em 2010, 8 em 2011, 2 em 2012, 7 em 2013 e 5 em 2014, ou seja, número reduzido, pois foram publicados 27.172 documentos. Foram pesquisados os últimos dez anos em revistas nacionais indexadas no Scielo, onde foram encontrados apenas 14 artigos sobre o tema, conforme apresenta a Tabela 3.
Dos artigos levantados na RAE, três tratam de confiança e cooperação no ambiente interno da organização. Desses, um trabalha com a premissa de que o estabelecimento de um ambiente de confiança pode neutralizar a sensação de vulnerabilidade nos relacionamentos entre os profissionais; outro analisa o papel desempenhado pelas relações de confiança na gestão; e o último analisa os tipos de relacionamento no trabalho e quais seus elementos-chave. O quarto artigo trata da confiança como fator importante nas relações interorganizacionais. Já o quinto examina a confiança tanto no vendedor como na empresa, como antecedentes da satisfação em compras de alto valor, com foco no setor imobiliário.
Ainda conforme a tabela 3, na RAC foram identificados quatro artigos. Dois deles tratam da relação de confiança com o consumidor. Um desenvolve e testa um modelo teórico baseado em hipóteses que analisam a relação entre a confiança, o valor percebido e a lealdade de usuários de Internet Banking em situações de trocas relacionais de serviço no Brasil, e o outro examina o impacto do gerenciamento de reclamações na confiança e na lealdade do consumidor, em trocas de serviços relacionais. O terceiro tem como objetivo investigar possíveis diferenças nos níveis de confiança entre dois paradigmas: a Velha e a Nova Economia. E o quarto discute o papel das expectativas dos empregados quanto ao comportamento dos seus líderes em relações de confiança, com foco na construção do capital intelectual.
Dos dois artigos publicados na RAUSP, no período pesquisado, um descreve o papel e a contribuição da confiança interpessoal nas organizações, visando favorecer o processo gerencial no que tange a identificar e agrupar os fatores que formam a confiança no trabalho e auxiliam a gestão do fenômeno pelos gerentes nas empresas. O outro investiga o processo sucessório de uma empresa familiar, à luz de suas relações de poder e confiança.
Os três artigos ainda não descritos foram obtidos cada qual de uma revista. O artigo publicado na Revista Psicologia: Organizações e Trabalho procura estabelecer os modos de produção de confiança mais importantes na formação de equipes. Da Revista de Sociologia e Política obteve-se um paper que enfoca os significados teóricos e empíricos dos conceitos de “capital social” e “confiança”. Já o artigo da Revista Opinião Pública é um ensaio teórico que aborda algumas das diferentes teorias que estão ligadas tanto à definição como aos efeitos da confiança generalizada.
É possível verificar que não se aborda confiança sob um único aspecto, mas três artigos associam confiança e cooperação, e outros três tratam da confiança no relacionamento com o consumidor. Da mesma forma, notou-se que o tema confiança tem sido estudado a partir de diversas abordagens. De acordo com Rocha (2008), o tema pode ser analisado por meio das abordagens econômica e sociológica. A primeira se atém à racionalidade das relações de troca, e a segunda, de caráter mais social, visa a explicar confiança a partir de normas e expectativas, com base em relações passadas.
Novelli e Fischer (2008) acrescentam mais uma abordagem ao que descreve Rocha (2008). Consideram que o conceito de confiança é estudado em três campos, cada qual com o seu enfoque: na economia, como elemento para estimar ganhos e perdas; na psicologia se destacam as relações interpessoais pelos papéis de confiante e confiado; e na sociologia a confiança está incorporada às relações sociais e serve para lhes dar consistência e perenidade.
Sato (2003, p. 2) chama atenção para a filosofia como um dos campos que estudam a confiança, destacando os estudos do filósofo político Tocqueville (1962) e de Salomon (2000). Dessa forma, é possível afirmar que o tema confiança envolve pelo menos cinco áreas do conhecimento, pois a autora também destaca que “o tema da confiança foi introduzido, muito recentemente, na área de recursos humanos” e que a grande maioria dos estudiosos desse campo se concentra no estudo da “estrutura da organização e no processo interativo, assim como no aperfeiçoamento da competência individual” (Sato, 2003, p. 2).
O tema confiança tem sido investigado sob perspectivas diversas. Dentre os mais frequentes, é possível destacar: a cooperação dentro das organizações – McAllister (1995); a relação entre justiça organizacional, confiança e liderança – Pillai (1999); a construção da confiança entre organizações virtuais – Kasper-Fuehrer e Ashkanasy (2001); e a relação entre confiança, poder e controle – Bachmann (2001), Reed (2001) e Das (2001).
Diante do exposto, verifica-se que do levantamento efetuado apenas um artigo aborda a relação confiança e ambiente/clima organizacional: Cunha e Melo (2006), o qual afirma que a criação de um ambiente de confiança melhora a percepção e as relações interpessoais.
A preocupação com a percepção das pessoas sobre o ambiente de trabalho é cada vez mais presente, pois cresce o número de estudos sobre clima e até mesmo a publicação de listas de empresas que buscam se destacar pelo ambiente de trabalho, tanto no Brasil quanto no mundo. Diversos autores apontam que o gerenciamento do clima é de suma importância para a gestão de pessoas: Martins (2008) e Gordon e Cummins (1979). De acordo com Schneider e Hall (1972, p. 447), o conceito de clima é importante, pois “ele tem possibilitado a pesquisadores estudarem múltiplas dimensões de comportamento organizacional sob a guarda de um só conceito global”.
Quando se trata de uma definição conceitual de clima, verifica-se que o termo clima foi publicado pela primeira vez por Lewin et al. (1939). O conceito desenvolvido pelos autores era de clima ou atmosfera social, já que descrevia sentimentos, atitudes e processos sociais. Em estudo posterior, eles descrevem que são três as fontes para o desenvolvimento do clima organizacional: exposição dos funcionários à mesma estrutura; processos e práticas que tornam o grupo um conjunto homogêneo; e o compartilhamento de significados por meio da interação social.
Martins (2008, p. 29) reforça que a percepção dos empregados sobre o ambiente de trabalho tem se tornado fator importante para as organizações quando descreve que, devido às rápidas mudanças que vêm ocorrendo nos anos de globalização, as empresas têm tentado conhecer melhor a dinâmica da vida organizacional, buscando identificar como trabalhadores expostos a uma série de estímulos oriundos da organização e do ambiente de trabalho têm percepções similares e atribuem significados semelhantes aos aspectos importantes da vida organizacional.
Para Kolb et al. (1978, p. 76), “as interações dos padrões de motivos dos membros de uma organização combinam-se com os estilos de liderança das pessoas-chave da organização, com suas normas e seus valores e com a estrutura da organização para criar o clima psicológico.” Os autores acrescentam ainda que os administradores devem compreender o conceito de clima, pois “a eficiência da organização pode ser aumentada através da criação de um clima organizacional que satisfaça as necessidades de seus membros e, ao mesmo tempo, canalize esse comportamento motivado na direção dos objetivos organizacionais”.
Os estudos de Argyris (1960) podem ser considerados a primeira análise sistemática que utiliza a denominação clima organizacional. Nessa análise, uma conclusão do autor é extremamente importante para esse trabalho, ele conclui que é necessário que as organizações criem um ambiente interpessoal que privilegie a confiança, a abertura e onde a ameaça seja um fator reduzido.
Schneider (1990, p. 384) define clima organizacional “como a percepção de um ‘operador’ sobre os eventos, as práticas, os procedimentos e os tipos de comportamentos que são recompensados, apoiados e esperados em um ambiente”. A percepção desse “operador” sobre as rotinas e recompensas que caracterizam um ambiente constitui, então, o clima das organizações.
Em parceria, Schneider e Snyder (1975) desenvolveram um estudo visando esclarecer uma possível sobreposição entre os conceitos de satisfação no trabalho e clima organizacional. Para tanto, os autores começam por diferenciar os conceitos. Segundo eles, “clima organizacional é conceituado como a percepção global que as pessoas têm de/sobre a organização. É, então, uma impressão global do que é a organização” (Schneider e Snyder, 1975, p. 318; tradução dos autores). Já satisfação é conceituada como “uma avaliação mais personalista das condições existentes no local de trabalho”, ou seja, consiste na percepção processada e filtrada através de um sistema individual de normas, valores e expectativas (Schneider e Snyder, 1975, p. 318).
Pesquisados e analisados todos os conceitos de clima descritos anteriormente, neste trabalho se adota o conceito de Schneider e Reichers (1990, p. 22). Considera-se que clima é “a percepção compartilhada ‘da maneira como as coisas são no ambiente’. Mais precisamente, clima é a percepção compartilhada de procedimentos, práticas e políticas de uma organização tanto formais quanto informais”.
No Brasil, confiança é um constructo pouco estudado no campo de Gestão de Pessoas e Comportamento Organizacional, pois poucos materiais foram identificados com o intuito de relacionar os dois conceitos norteadores. Entre os estudos de clima que apontam confiança (Argyris, 1960; Levering, 1995) como fator importante para a manutenção ou criação de um bom ambiente para se trabalhar, mas são apenas associações de forma mais superficial, o que comprova que confiança é um aspecto que deve ser considerado como uma dimensão ou categoria de análise para o estudo da qualidade do ambiente organizacional.
Schneider e Snyder (1975) reforçam isso quando descrevem que clima organizacional não pode ser considerado um conceito unidimensional, pois muitos eventos, práticas e procedimentos podem contribuir para uma nova percepção dos empregados sobre a organização. Assim, reafirmam que o clima é composto por uma série de dimensões que podem ser avaliadas levando em consideração uma série de condições inter-relacionadas.
Dessa forma, os pesquisadores e estudiosos de clima organizacional, ao elaborar instrumentos para avaliação do clima em organizações, geralmente agrupam as questões em dimensões. Dentro da perspectiva acadêmica, apenas um estudo foi encontrado no qual confiança aparece como uma das dimensões do modelo: foi a proposta de avaliação de clima de Kolb et al., descrita na tabela 4.
Confiança aparece como uma categoria na proposta de avaliação comercial de clima desenvolvida por Levering em 1988. Com relação ao ambiente de trabalho de modo geral, o autor afirma que a essência de um bom lugar para trabalhar está na qualidade de seus relacionamentos. Define que um excelente lugar para se trabalhar é aquele “onde os funcionários confiam nas pessoas para quem trabalham, têm orgulho do que fazem e gostam das pessoas com quem trabalham”. Ele descreve três tipos de relacionamentos interconectados que compõem o ambiente de trabalho, conforme a tabela 5.
Esses relacionamentos são interconectados e se fundamentam em alguns elementos-chave. É possível verificar que, para Levering, o relacionamento entre os empregados e a direção da empresa tem como elemento fundamental a confiança; para ele, esse é o elemento mais importante na criação de um bom lugar para se trabalhar.
Ramacciotti (2007, p. 84) propõe a criação de um clima de confiança e descreve sua importância ao afirmar que “[a]s empresas que criam um clima de confiança reconhecido por todos constroem um recurso valioso, que lhes facilita obter um melhor desempenho.” O autor ainda acrescenta que a criação de um clima de confiança torna os indivíduos mais dispostos a confiar e agir com base nas decisões e ações dos colegas.
Os autores desse estudo fizeram a opção operacional de utilizar o questionário que foi elaborado e validado por Veloso et al. (2007); ele é utilizado nas Pesquisas das Melhores Empresas para se Trabalhar. Os autores consideram que as experiências que as pessoas vivenciam ao trabalhar em empresas propiciam o desenvolvimento de percepções. Por meio dessas percepções, as pessoas estabelecem vários tipos de relações que têm impacto no comportamento dos empregados. Esses impactos comportamentais influenciam o clima organizacional e podem ser classificados nas categorias: identidade, motivação e satisfação, liderança, aprendizado e desenvolvimento, conforme a representação da Figura 1.
Os autores não propõem confiança como uma categoria, mas no conteúdo do questionário se apresentam três questões a respeito de confiança, que, se confirmadas como uma dimensão, podem servir de parâmetro de análise. Apresentam-se as referidas questões: (a) Tenho confiança na empresa em que trabalho; (b) Tenho confiança naquilo que meu chefe diz; e (c) Nesta empresa a gente pode confiar nos colegas de trabalho.
A pesquisa aqui descrita é de natureza quantitativa e utiliza a técnica survey. De acordo com Terence e Escrivão Filho (2006, p. 3), “nos estudos organizacionais, a pesquisa quantitativa permite a mensuração de opiniões, reações, hábitos e atitudes em um universo, por meio de uma amostra que o represente estatisticamente”.
A pesquisa também pode ser caracterizada, quanto ao seu objetivo, como descritiva. A pesquisa descritiva se propõe quando o objetivo é descrever características de uma população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática. Assume, em geral, a forma de levantamento (Gil, 2010), para o qual foram realizados eventos do tipo “café” de divulgação da pesquisa, dos quais as empresas foram convidadas a participar e onde houve a apresentação da pesquisa, para as empresas que responderam questionário eletrônico com dados básicos sobre tempo de atuação e número de funcionários e aceitaram participar da pesquisa. Para essas empresas, a coleta de dados ocorreu no período de abril a maio de 2010, sendo que a amostra de empresas foi definida por conveniência, ou seja, aquelas que se candidataram a participar da pesquisa, em número de 481 empresas.
A amostra foi selecionada a partir das organizações que se inscreveram e participaram da pesquisa das Melhores Empresas para se Trabalhar; por isso o entendimento de que são as organizações que pretendem se destacar pela qualidade do ambiente de trabalho. Assim, alguns critérios são adotados para a composição da amostra das empresas: a empresa deve operar há cinco ou mais anos no país; ter pelo menos 100 funcionários com vínculo empregatício (não são considerados estagiários e terceiros). Compõem a amostra empresas de diferentes portes, localização geográfica e origem de recursos diferentes. Dessas foram pesquisados 139.230 funcionários, sendo que esta amostra se caracteriza como probabilística estratificada, proporcional, por sexo, utilizando a seleção randômica.
O questionário foi desenvolvido pelo grupo de pesquisas Gestão de Pessoas e Gestão do Conhecimento nas Organizações da FEA-USP – e, sendo utilizado para coleta de dados em uma pesquisa anual, para a qual se candidatam as empresas que pretendem se destacar pela qualidade do ambiente de trabalho – e já foi validado por Veloso et al. (2007). Tal questionário é composto por quatro partes: caracterização dos respondentes – composta por dez questões; uma questão que pergunta sobre o que faz o funcionário considerar uma empresa um excelente lugar para se trabalhar; sessenta e oito assertivas que visam identificar o grau de satisfação dos respondentes em relação ao seu ambiente de trabalho (clima organizacional) e são agrupadas em: Identidade, Satisfação/Motivação, Aprendizado/Desenvolvimento e Liderança, Confiança. Utiliza-se escala de Likert de 5 pontos (sendo 1 = Discordo totalmente e 5 = Concordo totalmente); há também a opção NS/NR: Não sei/Não quero responder.
Para avaliar a consistência interna das escalas foi utilizado o coeficiente Alfa de Cronbach. De acordo com Pereira (1999), este coeficiente pode ser interpretado como um coeficiente de correlação ao quadrado que indica um ajuste na confiabilidade da escala, isto é, varia entre 0 e 1 e, quanto maior este valor, melhor a confiabilidade. A análise de confiabilidade das escalas foi realizada para o instrumento total e obteve alfa de 0,986, o que pode ser considerado alto, e para os domínios Id/Sat/Apren/Des/Líder (60 itens), obtendo um alfa de 0,984, e para as três variáveis de confiança, que foram agrupadas como uma categoria, obtendo Cronbach de 0,715, o que ainda pode ser considerado moderadamente alto.
Os escores de cada domínio/dimensão: Id/Sat/Apren/Des/Líder, Confiança e o Escore Geral correspondem às médias das respostas dos itens referentes a cada domínio. Os escores foram obtidos para cada indivíduo pela média dos valores dos itens correspondentes (escala de 1 a 5). Estes indicadores/escores foram todos transformados para a escala de 0 a 100 (%) para que, com esta padronização, ficasse mais claro o “tamanho” de cada domínio. Esta transformação foi feita para cada indivíduo i (i = 1,2,…, 138.918) pela razão entre a diferença do escore do individuo i e o valor mínimo obtido e a diferença entre o valor máximo e mínimo obtidos (escorei – min(escore))/(max(escore) – min(escore)), o que nos dará para cada indivíduo uma fração variando de 0% a 100%.
O banco de dados utilizado nesta pesquisa apresentou distribuição normal. Assim, quando aplicados os testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilks, verificou- se que a totalidade dos dados apresenta as características gaussianas. Segundo Hair et al. (2009), os dois testes aqui aplicados são os mais comuns, indicados para grande número de observações, como é o caso desta pesquisa. A identificação da normalidade dos dados é feita em ambos os testes por meio do cálculo do nível de significância das diferenças em relação à distribuição normal. A correlação entre os escores de Id/Sat/Apren/Des/Líder e Confiança foi avaliada por teste não paramétrico de Spearman (Siegel e Castellan Jr., 1988). Os testes de correlação, segundo Hair et al. (2009), representam o conceito de associação entre variáveis ou dimensões, ou seja, indicam que as mudanças em uma dimensão estão associadas às mudanças em outra na qual a primeira esteja correlacionada. Assim, se uma variável muda, é possível prever como será a mudança na outra. Quanto mais elevadas forem as correlações, maior será a capacidade preditiva.
Conforme já mencionado, três foram as assertivas relacionadas à percepção de confiança: (a) Tenho confiança na empresa em que trabalho; (b) Tenho confiança naquilo que meu chefe diz; e (c) Nesta empresa a gente pode confiar nos colegas de trabalho. Dentre as proposições, a primeira e a segunda refletem a percepção dos funcionários a respeito de confiança organizacional, de acordo com os conceitos anteriormente apresentados, e a terceira reflete o nível de confiança interpessoal. Os resultados descritivos sobre a percepção dos funcionários são apresentados na Tabela 6.
Os resultados descritivos obtidos denotam que há maior concordância com todas as assertivas do que discordância. A confiança na organização foi a que obteve maior número de respostas. Isso se confirma também para as respostas positivas, com nível de concordância de 81,43% do total de respondentes. Assim, pode-se dizer que as pessoas confiam na organização e que isso denota mais a percepção sobre os aspectos relacionados a leis e procedimentos organizacionais, pois, de acordo com Costa (2000), confiança em relação à organização diz respeito à relação estabelecida com o sistema formal, estando baseada em leis, regulamentos e nas práticas que mantêm a organização como um todo. A confiança organizacional no que tange à liderança é analisada na variável b; do total dos funcionários que responderam a questão, 73,85% acreditam que podem confiar nos seus chefes.
O número de respondentes que se absteve de indicar sua percepção a respeito da confiança nos pares, ou seja, confiança interpessoal, foi o maior entre as três assertivas; somados os não respondentes com os que não concordam nem discordam, o percentual foi de 27,6%. Entretanto, o menor resultado positivo foi o referente a essa questão, pois 57,62% dos respondentes afirmaram confiar nos colegas de trabalho. Isso é um fator que pode influenciar no clima organizacional, pois retrata a expectativa da pessoa, pressupostos ou crenças sobre a probabilidade de que as ações futuras dos outros serão benéficas, favoráveis ou, no mínimo, não desconsiderarão os interesses da pessoa (Robinson, 1996). Esse resultado também se relaciona com a afirmação de Ramacciotti (2007) de que a criação de um clima de confiança torna os indivíduos mais dispostos a confiar e agir com base nas decisões e ações dos colegas. Portanto, clima e confiança aparecem de forma dependente.
Apresentada esta análise, é possível afirmar que a percepção a respeito da confiança organizacional, nas empresas pesquisadas, é maior que a interpessoal; entretanto ela pode ser considerada positiva, pois o nível de concordância é maior que 50% em todos os casos.
Para atender ao objetivo da pesquisa, faz-se necessário verificar como se comportam os escores das diferentes dimensões analisadas bem como o escore geral de clima. Esses dados são apresentados na Tabela 7.
Nota-se que a percepção dos funcionários para todos os fatores pode ser considerada positiva, pois a amplitude dos dados varia de 0 a 100, ou seja, quanto mais perto de 100 o indicador obtido por meio do instrumento que reflete a percepção dos funcionários, maior a satisfação dos respondentes em relação ao ambiente organizacional das organizações pesquisadas e também aos diferentes fatores.
Observando a Tabela 7, é possível dizer que a média do escore geral de clima é de 75,06. Observando a mediana, e ainda considerando esta de acordo com a conceituação de Pereira (2010), como o ponto que corresponde à divisão dos dados ao meio, ou seja, os maiores dos menores, e à amplitude, podemos dizer que o escore mediano é de 79,04; portanto, pode ser considerado positivo, já que está mais próximo de 100 do que de 0.
Com relação à dimensão confiança, verificou-se que ela não apresenta o menor índice no que tange à percepção dos pesquisados, estando com média acima apenas da dimensão aprendizado e desenvolvimento, mas com mediana apenas abaixo do fator identidade. Analisando as demais medidas de dispersão, é possível reafirmar que o escore de confiança é favorável, pois, ao dividir os dados obtidos em 4 grupos (quartis), em ordem crescente, é possível dizer que o primeiro quarto, ou seja o percentil 25, que agrupa os menores índices obtidos nas respostas, agrupa os índices de 0 a 66,67. Assim, é possível afirmar que 75% dos índices que apresentam concordância são maiores que esse valor.
A partir dos coeficientes de correlação de Spearman entre os escores dos domínios, é possível verificar as correlações entre as variáveis de acordo com a tabela 8.
Os diferentes fatores estão fortemente associados, pois o coeficiente r é maior que 0,7 em todos os casos e isso indica correlação positiva, alta e significativa.
Por estarem forte e positivamente correlacionados, o resultado de um componente influencia no resultado dos demais e todos contribuem para o resultado geral do clima organizacional das organizações pesquisadas. Dessa forma, é possível afirmar que a percepção sobre confiança organizacional e interpessoal interfere no resultado geral do clima organizacional das empresas pesquisadas. Sendo assim, se ela apresentar índices mais favoráveis, o clima também terá seu escore geral aumentado.
Fundamentando-se na revisão de literatura, é possível afirmar que confiança é um tema difundido nos estudos internacionais; entretanto, no Brasil, não encontra a mesma relevância e frequência de pesquisa e publicações. Verifica-se também que o constructo é estudado em diversos campos e sob diversas perspectivas e que são poucos os estudos que pesquisam o conceito como um fator importante para a criação e manutenção de um bom ambiente para se trabalhar.
Na visão de Paula et al. (2011), para muitas organizações, o clima organizacional, a cultura e a satisfação no trabalho ainda são vistos como termos desnecessários para se gerenciar no dia a dia; percebe-se que esses aspectos são primordiais para a melhoria na gestão de pessoas, do ambiente de trabalho e, consequentemente, para a melhoria dos resultados organizacionais.
O objetivo da pesquisa foi atingido, pois os testes de correlação indicaram correlação positiva forte entre as dimensões de clima; isto significa que a percepção de confiança interfere nos indicadores de percepção das outras categorias de forma que, se uma categoria aumenta, as demais também tendem a melhorar seu escore e, assim, melhora o resultado geral.
Entre as organizações pesquisadas foi verificado um resultado positivo em relação ao indicador geral de clima organizacional, bem como ao de confiança, sendo que o que apresentou menor índice foi o referente a aprendizado e desenvolvimento. Detalhando os resultados das assertivas a respeito da confiança, verificou-se que a confiança organizacional apresenta maiores índices de concordância que a interpessoal; entretanto, ambas podem ser consideradas positivas, pois o nível de concordância é maior que 50% para os dois aspectos.
Um fator limitante do estudo é a amostragem por conveniência das empresas e o fato de organizações de porte, ramo de atividade, localização geográfica e com origem de recursos diferentes serem tratadas como uma única amostra, ou seja, tratadas como semelhantes. Dessa forma, não foi verificado o efeito de empresa, ou seja, os resultados são significativos, mas são relativos à amostra investigada e não podem ser generalizados para todos os funcionários das empresas investigadas. Assim, como uma indicação para estudos futuros, as organizações poderiam ser classificadas para poder comparar seus resultados.
Os embasamentos teóricos e empíricos contribuem para o entendimento sobre confiança organizacional e interpessoal como uma dimensão de clima organizacional, além da averiguação de como os temas se interligam e como podem contribuir para a melhoria dos resultados nas organizações. Dessa forma, em relação às contribuições organizacionais, entende-se que a gestão da confiança organizacional deve ser incluída nas estratégias de gestão de pessoas, bem como o desenvolvimento de gestores e suas competências humanas, para se tornar de fato vantagem competitiva dos negócios.