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Recepção: 19 Dezembro 2016
Aprovação: 16 Janeiro 2017
DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-20179201-pt
Resumo: Construir a história de uma disciplina científica – nesse caso, a criminologia – é uma tarefa útil à memória e também ao posicionamento de seus protagonistas na atualidade. Para fazê-lo, os esforços empreendidos na área se servem, mais frequentemente, da utilização de materiais nobres: os grandes autores e suas principais publicações, ou os “grandes momentos” de ruptura, às vezes mais proclamados que reencontrados, aos quais se dará lugar, de maneira engajada, em uma primeira parte desse artigo. Esses materiais são de primeira importância, mas eles contribuem mais frequentemente para a construção de uma história “mundana”, que privilegia uma representação heroica (que valoriza os grandes nomes que teriam colocado a sua empreitada decisiva sobre a evolução da ciência) ou paradigmática (que organiza a história sob a forma de uma sucessão de eventos científicos maiores e que mostram uma evolução irredutível) da ciência. Longe de negar o valor próprio dessas duas maneiras de se fazer e contar a história, eu gostaria, na segunda parte deste artigo, apresentar um método alternativo e os seus resultados decorrentes. Mesmo para aqueles que não compartilham dos pressupostos cientificistas desse método, ele nos permite escapar às reconstruções lineares e cumulativas pelas quais “o tempo da história do pensamento é apenas o desenvolvimento de aquisições”. Ele nos permite também, baseando-se paradoxalmente em pré-requisitos positivistas, testar, a partir do olhar desses pré-requisitos, a autonomia científica do percurso criminológico.
Palavras-chave: Criminologia, historiografia, autonomia científica, periódicos científicos.
Résumé: Procéder à l’histoire d’une discipline scientifique – en l’occurrence la criminologie – est une tâche utile à la mémoire et aussi au positionnement de ses protagonistes dans le présent. Pour ce faire, les entreprises menées en la matière se servent le plus souvent de matériaux nobles : les grands auteurs et leurs principales publications ou les « grands moments » de rupture parfois proclamés plus que rencontrés, auxquels il sera fait place, de façon engagée, dans une première partie de cet article. Ces matériaux sont de première importance, mais ils contribuent le plus souvent à construire une histoire « mondaine », qui privilégie une représentation héroïque (valorisant les grands noms qui auront mis leur empreinte décisive sur l’évolution de la science) ou paradigmatique (organisant l’histoire sous la forme d’une succession d’événements scientifiques majeurs et relevant d’une évolution irréductible) de la science. Loin de dénier la valeur propre de ces deux manières de faire et de raconter l’histoire, je voudrais, dans la seconde partie de l’article, rendre compte d’une méthode alternative et des résultats auxquels elle donne lieu. Même pour celui qui ne partage pas les présupposés scientistes de cette méthode, elle permet d’échapper aux reconstructions linéaires et cumulatives pour lesquelles « le temps de l’histoire de la pensée n’est que le déploiement des acquisitions ». Elle permet aussi, en s’appuyant paradoxalement sur des prérequis positivistes, de tester au regard, de ces prérequis, l’autonomie scientifique de la démarche criminologique.
Mots clés: Criminologie , historiographie , science autonome , revues scientifiques.
Resumen: Construir la historia de una disciplina científica —en este caso, la criminología— es una tarea útil para la memoria y también para el posicionamiento de sus protagonistas en la actualidad. Para conseguirlo, los esfuerzos realizados en el área se sirven, sobre todo, de la utilización de materiales nobles: los grandes autores y sus principales publicaciones o los «grandes momentos» de ruptura, a veces más proclamados que efectivos, que se tratarán específicamente en una primera parte de este artículo. Estos materiales son fundamentales, pero suelen contribuir a construir una historia «mundana», que privilegia una representación heroica (que valora los grandes nombres cuya aportación habría sido decisiva en la evolución de la ciencia) o paradigmática (que organiza la historia como una sucesión de eventos científicos de primer orden y que muestran una evolución irreductible) de la ciencia. Lejos de negar el valor intrínseco de esas dos formas de hacer historia y contarla, en la segunda parte de este artículo, mi intención es presentar un método alternativo y sus resultados. Incluso aquellos que no comparten las premisas cientificistas de este método aceptarán que nos permite escapar de las reconstrucciones lineales y acumulativas por las cuales «el tiempo de la historia del pensamiento es simplemente el desarrollo de adquisiciones». Así mismo, basándose paradójicamente en requisitos previos positivistas, brinda la posibilidad de analizar la autonomía científica del itinerario criminológico.
Palabras clave: Criminología, historiografía, autonomía científica, periódicos científicos.
Abstract: The shaping of the history of a scientific discipline – in this case, criminology – is useful both for memory purposes and the modern-day positioning of its protagonists. Efforts to such effects in a field therefore often make noble use of “great authors” and their leading publications or the “great moments” of rupture, which are often proclaimed rather than effective, and with which I have engaged in the first section of this article. Such materials are of prime importance; however they often contribute to the building of a “mundane” history prioritizing a representation of science that is heroic (emphasizing the leading names to have made decisive contributions to the evolution of science) or paradigmatic (organizing history in terms of a succession of greater scientific events demonstrating an indisputable evolution). Rather than challenging the significance of these two ways of shaping and retelling history, in the second section of the article I present an alternative method and the results produced. Despite those who would contest the scientific basis for this method, it allows us to go beyond the linear and cumulative reconstructions according to which “the timeline of the history of ideas is merely the development of acquisitions”. If we rely on paradoxical positivist pre-requisites, it also allows us to test the scientific autonomy of the trajectory of criminology.
Keywords: Criminology, historiography, scientific autonomy, scientific journals.
摘要: 给一个学科写史,也就是说给刑法学写历史,既有利于人们纪念刑法学历史上那些伟人,也有利于人们了解刑法学目前的状态。为此,史学家充分利用刑法学的“优质”素材:那些伟大的人物和他们的主要著作,或者,那些“伟大的时刻”所产生的所谓的巨大突破,实际上那些突破也许不像人们宣称的那么巨大。我们的论文的第一部分回顾刑法学史上的伟大人物和伟大的时刻。虽然这类的素材非常重要,但是它们常常导致刑法学史的“世俗化”,亦即着力描述“英雄”事迹 (那些伟大人物在科学发展史上做出的决定性的贡献)或者线性化(按照历史事件的顺序,平铺直叙,展现出线性的演化进程)。尽管我们不否定这些传统的科学史的叙事方法及其价值,但是,在本论文第二部分,我们提出了另外一种科学史的写作方法及其成果。人们可能并不认可我们提出的这一种写法,但是这种方法使得人们摒弃了线性思维,否定了“思想史即知识积累史”。它使得我们能够在实证主义的框架之下,测试刑法学的发展的自主性。
關鍵詞: 刑法学, 史料学, 科学的自主性, 学科的周期.
A criminologia no século XX: reviravoltas e rupturas
A dimensão política da criminologia é uma constante reprimida e reconhecida desde a criação da disciplina, que nós distinguimos formalmente, ou não, da política criminal. A emancipação progressiva da criminologia durante o século XX3 atravessa os estágios seguintes: uma dependência não problematizada da criminologia em relação ao direito penal e à política criminal, assegurada paradoxalmente pelo positivismo; uma interrogação sobre essa dependência exprimida em termos de hierarquia ou de agenciamento das disciplinas; uma reação construtivista e crítica à pretendida autonomia do objeto da disciplina; um enfoque epistemológico que faz da dependência da criminologia (tanto na construção de seu objeto quanto em sua referência a outras disciplinas) a condição de sua autonomia científica. O desenvolvimento mais recente disso que algumas pessoas chamam de “a criminologia administrativa”,4 destinada à pura instrumentalização pela política criminal, ao regressar ao primeiro estágio, poderia derrubar a tendência longa e não exclusiva que acabo de esboçar.
A autonomia definida pelo objeto: a crença do positivismo
Um registro histórico e parcial das definições da criminologia mostra que, inicialmente, apenas o seu objeto seria suficiente para a distingui-la. O destaque de dois princípios domina a constituição da criminologia enquanto ciência: por um lado, o número de crimes e de delitos é constante quaisquer que sejam as legislações e as penalidades (constância à qual nós podemos, aliás, associar ao fenômeno desesperador da ineficácia das reformas); por outro lado, a variabilidade limitada desse número de crimes e de delitos impõe a descoberta de determinantes antropológicos, físicos e sociológicos do homem criminal.5 Ao passo em que os positivistas mostraram suas habilidades em fazer malabarismos com o determinismo do criminoso, eles manifestaram ainda mais dificuldades em fazer malabarismos com a determinação de seus conceitos, em outras palavras, com a tarefa improvável de lhes conceder autonomia científica. O contorcionismo positivista proposto no início do século XX por Grasserie repousa sobre uma sequência aparentemente correta, que faz do crime uma transgressão geradora do direito penal, definida como:
[...] todo ato consciente que constitui a violação ou o perigo atual ou ulterior de violação de um direito pré-existente, e que engendra um direito penal sancionado por uma lei positiva que realiza uma lei natural em conformidade ao sentimento moral e à necessidade social de conservação, tais quais se encontram estabelecidos normalmente em um tempo e local determinados.6
A transgressão é a causa do direito penal, mesmo se outros direitos são violados pela transgressão. A autonomia propriamente penal da criminologia é conservada pela redução da referência obrigatória a uma lei natural. Fundada sobre tal lei, a criminologia se apresenta com um status de ciência não menos natural.
De Greeff7 (1946) vai colocar em evidência a especulação da ciência e de seu objeto: a explicação do crime pelo atavismo (promovido por Lombroso, a propósito, prefaciador da obra de Grasserie) é ela mesma atávica com relação ao desenvolvimento das ciências humanas da época. Ao retardo do criminoso corresponde o retardo de Lombroso sobre a ciência de seu tempo. Temos talvez aqui uma chave de interpretação de todo discurso sobre o crime e o criminoso: o retardo que essas figuras (e não seus conceitos) impõem a esse que se arrisca a dizer-lhes qualquer coisa. Face à evolução dos conhecimentos, o crime constitui um ponto de resistência do humano ao ideal de exaustividade da compreensão do social.
A autonomia no agenciamento das disciplinas
Na medida em que a trajetória etiológica e que o possível domínio sobre o objeto se esgotava, foi imposta a necessidade de traçar fronteiras entre as diferentes disciplinas debruçadas sobre o mesmo objeto. Com o crescimento de uma multiplicidade de fatores sobre as causas do crime, causando uma confusão, a conexão entre as ciências contributivas ao conhecimento do crime aparece como uma questão maior; ela é tratada sucessivamente no registro da supremacia da antropologia criminal, seguido da concorrência das disciplinas, da multidisciplinariedade; da síntese8 e da integração.9 A interdisciplinaridade veio em seguida. A criminologia aparece hoje mais frequentemente como uma forma fugidia, cuja consistência seria assegurada pela segurança de outras disciplinas mais que pelo objeto ou um método próprio e específico. A esse respeito é significativo, de uma parte, que a França continue reticente com relação ao reconhecimento da disciplina pelo Estado (no que concerne ao reconhecimento de diplomas, ao financiamento nacional de pesquisas) e, de outra parte que a questão da subdivisão da criminologia continue sendo, frequentemente, uma das primeiras preocupações dos tratados de criminologia.
Contudo, desde 1948, Bemmelen, tomado aqui como o sinal de uma evolução, derruba a ordem clássica das subdivisões disciplinares que fazem da biologia, da psicologia ou da sociologia servidoras de uma criminologia pretenciosa. Ele faz desencantar o idealismo contido na etiologia criminológica e retira a especificidade do objeto para considerá-lo não em si mesmo, mas nas relações com a estrutura social. A criminologia não é o significante-mestre ou um copo vazio onde se depositam diversas disciplinas, mas antes uma parte fenomenológica da sociologia. O objeto crime é destituído de todo status de objeto de ciência própria. Somente as relações do crime como fenômeno com outros fenômenos sociais (nos termos da concomitância e não da casualidade) são pertinentes para constituir a criminologia. Em consequência dessa reviravolta na hierarquia dos termos do complexo da criminologia, o autor modifica igualmente as prioridades de investigação científica: as condições prevalecem sobre as causas. Esse percurso antiidealista, que coloca em questão uma matriz propriamente criminológica sobre seu objeto, aproxima-se espantosamente a esse percurso de De Greeff, que, em uma perspectiva clínica, funda também a dimensão descritiva, fenomenológica da criminologia destacando a dinâmica processual da passagem ao ato. O distanciamento do objeto “crime” e de um percurso causalista linear é significativo para esses dois autores, notadamente no uso de sintagmas que problematizam o próprio objeto: o fenômeno criminal,10 o problema criminal.11
A substituição das causas pelas condições
A opção categoricamente etiológica da criminologia nascente tem constantemente sido sustentada pelas questões de política criminal, apesar das distâncias teóricas, da metade do século XX, que acabamos de situar. A pesquisa das causas se apresenta necessariamente com um objetivo de remediação. A descoberta dos vínculos de causalidade múltiplos, a desilusão sobre a relação necessária entre identificação das causas prováveis e remediação, e a determinação cada vez mais acentuada das variáveis sociológicas, forçaram juntas uma interrogação criminológica sobre o objeto – “mas de que estamos falando?” –, rompendo com a evidência de um objeto não construído cientificamente. Quais são as condições de produção do próprio objeto? O pensamento é então deslocado, inicialmente, de uma questão sobre a definição do crime em direção à ruptura paradigmática que propõe a concepção do crime como definição. Bottomley,12 tomado aqui como exemplo, levanta explicitamente a questão da cientificidade da criminologia sob um título que testemunha a necessidade de construir o objeto antes de tudo: What is crime?
Menos do que uma ruptura, essa é uma bifurcação paradigmática que se manifestará. A definição da própria disciplina só pôde se submeter aos efeitos dessa bifurcação. Essa modificação contém pelo menos um questionamento sobre a possibilidade de manter tanto um discurso sobre o crime como comportamento, quanto sobre o crime como definição;13 e ainda sobre a cientificidade do discurso sobre o crime, contanto que nós não excedamos o limite da subordinação legal ou normativa do objeto.
A pretensão científica se organiza então, em torno de posições categoricamente sociológicas. Duas vias se unem para esta finalidade. Inicialmente, a via segundo a qual o objeto “crime” deve, de acordo com Sellin,14 para ser científico, escapar à “bastardia” legal. Sutherland, desde 1927, quer fazer do crime um objeto sociológico completo. A perspectiva é de entrada do jogo “sistêmico” na medida em que o crime é concebido como um elemento de um processo que inclui a elaboração da lei penal e sua aplicação15 posteriormente, aparece a via seguida pela criminologia crítica segundo a qual a teorização do crime só é pensável a partir do reconhecimento dos limites conceituais, leia-se, da heteronomia do conceito. Uma ciência do crime só é possível na medida em que sustentamos a extracientificidade disso que o define e o constrói, ou seja, no reconhecimento e na integração da determinação política e jurídica do crime, sua pré-fabricação pelo direito. Todas as tentativas de demarcação ou de autonomização do objeto da criminologia em função das normas penais se opõem à realização de uma ciência do crime. Em outras palavras, as condições de cientificidade do objeto supõem que não façamos o impasse sobre sua determinação política e legal. É necessário remarcar que essa redefinição foi sustentada e moldada por várias correntes desenvolvidas sobretudo depois dos anos sessenta e que ela não interrompeu o impacto das definições que perpetuam uma tradição positivista, assim como essa, alegadamente “última” de Gassin : [a criminologia é] “a ciência que estuda os fatores e os processos da ação criminal e que determina, a partir do conhecimento de seus fatores e de seus processos, as melhores estratégias e técnicas para conter e, se possível, reduzir esse mal social”.16
Do crime à penalidade
Hagan adota em 1987 uma perspectiva decididamente política para definir a criminologia: ela se define diferentemente segundo o motivo que subentende o interesse social pelo crime e as práticas de pesquisa no domínio criminológico.17 No centro de tal definição, aparece a representação da criminologia como campo de estudo em constante modificação.
Parece que hoje, é cada vez mais claro que o coração da pesquisa criminológica, tal qual redefinida segundo os termos de John Hagan, não é mais tanto o crime – mesmo que esse objeto permaneça ainda consumindo numerosas gerações de criminólogos – mas sim a penalidade como instituição social.18 A penalidade não pode mais ser considerada hoje em dia como um tipo singular de evento ou de relação social, mas como uma instituição social cuja definição deve estar inserida na análise dos sistemas ampliados (com relação ao sistema penal no sentido estrito) de ação social e política e em uma significação cultural renovada.19 A penalidade não significa a pena, mas o conjunto dos usos sociais da ideologia e da aparelhagem punitivas. Em uma sociedade que avança orgulhosamente na era do capitalismo desorganizado e que tateia no labirinto de suas crises ou de suas mutações políticas e sociais, a penalidade se posiciona de maneira renovada no final do século XX, à disposição dos modos de governo e de regulação social.
O crescimento da ingerência penal é tributário da reapropriação contemporânea pelo aparelho penal de um saber crítico sustentado pela criminologia (a cifra negra da criminalidade, a prevenção, as alternativas). Igualmente bem-intencionadas são elas, as novas políticas e as novas práticas penais que reativam um novo ideal de domínio comportamental ou às vezes um novo cinismo da regulação pura, pelo menos no que se refere à incapacidade contemporânea (e temporária?) de pensar um projeto social e político.20
O percurso que acaba de ser proposto indica a impossível autonomia científica da criminologia, compartilhada entre a negação de suas dependências (em sua fundação) e o reconhecimento da sua necessária indexação às opções políticas e éticas (em direção ao final do século passado). Esse percurso mobiliza nomes ilustres para a maioria e abre caminho às transformações e às rupturas frequentemente consideradas como “paradigmáticas”. As linhas a seguir se propõem a considerar a mesma questão seguindo um outro método e outras fontes. Tratar-se-á, de qualquer maneira, de examinar os traços de uma improvável autonomia da criminologia na forma do seu discurso contínuo às rupturas não aparentes.
Uma historiografia quantitativa
As fontes e seus títulos
O método aqui privilegiado consiste, antes de tudo, em se apoiar sobre fontes cujo prestígio é coletivo e de fazer desaparecer os nomes, grandes ou pequenos, dos pesquisadores que contribuem com a disciplina estudada. Essas fontes são simplesmente as revistas científicas que reivindicam seu serviço à criminologia. Quanto ao método, ele se trata de uma análise quantitativa de conteúdo aplicado aos títulos dos artigos publicados nessas revistas. As fontes não têm a nobreza e a coerência dos grandes tratados; nós podemos mesmo dizer que elas contêm o “ruído” e a vida desordenada da disciplina, apresentando a vantagem de uma periodização “natural” e contínua das publicações.
As duas revistas que inicialmente fizeram parte de tal análise são as revistas seculares: a Revue de droit pénal et de criminologie (RDPC),21 publicada na Bélgica desde 1907 (salvo durante as duas guerras mundiais) até os dias de hoje e o Journal of Criminal Law and Criminology (JCLC),22 publicado em Chicago ininterruptamente desde 1910.23 Essas duas revistas apresentam a associação de duas disciplinas, uma jurídica, e a outra com uma pretensão científica. Eu realizei, a baixo custo, um exercício comparável sobre duas revistas estritamente criminológicas, no caso, Déviance et Société24 em ocasião de seus 20 anos;25 e Criminologie,26 por seus 40 anos.27 Esses trabalhos se fundam sobre a hipótese segundo a qual as palavras constituem fontes utilizáveis para um conhecimento diacrônico da disciplina às quais eles pertencem.28
Entretanto, mais ainda, os trabalhos evocados aqui se apoiam exclusivamente sobre os títulos dos artigos publicados, dito de outra forma, sobre o catálogo das revistas. Trabalhar sobre os títulos evidencia uma forma de amostragem que merece ser explicada e justificada.
Um segundo pressuposto transversal ao conjunto das trajetórias realizadas é esse da representatividade do conteúdo assegurada pelas palavras escolhidas para iniciar um texto29 ou para representar o tema de um número de uma revista por exemplo.
De acordo com Hoek (1981), a pertinência de uma trajetória de estudos sobre os títulos (“titulologia”) repousa sobre as aquisições de uma concepção normativa e prescritiva do título. Dito de outra maneira, um estudo reduzido exclusivamente ao título é pertinente na medida em que um título deve apresentar um certo número de características. Nessa perspectiva, o título deve estar em conformidade com o texto que ele designa: ele deve marcar o texto assim como o texto é marcado por ele. O título deve também ser específico, ou seja, se diferenciar dos demais. Enfim, a dimensão atrativa e promocional do título não deve ser negligenciada.
Mas a pertinência do título como objeto de análise pode também repousar sobre um traço de sua descrição semiótica, como no caso da sua semigramaticalidade. Por semigramaticalidade, nós entendemos que um título se distancia da normalidade gramatical por seu estilo elíptico e nominal (os elementos verbais são os mais frequentemente excluídos). A elipse contribui para a coerência do texto, isolando o tema, às vezes isolando-o a ponto de não distinguir em nada a natureza do artigo ou a perspectiva que ele toma e sustenta. Esse efeito permite a utilização dos títulos como instrumento de análise de conteúdo, apesar de poder ser percebido, sob um olhar crítico, como um sinal de positivismo científico.
Evidentemente, a concepção normativa e a característica gramatical dos títulos são estereótipos formais, onde podemos observar numerosas lacunas, que dão ao título, por exemplo, sua gramaticalidade completa.30
Uma história científica da ciência?
Uma distância deve ser tomada dos pressupostos cientificistas desta trajetória para revelar o uso que pode ser feito do método. Isso nos permite evitar os excessos de uma história heroica e de uma história paradigmática, mas ela se sustenta para os inventores de uma concepção endógena e evolucionista da história. Endógena: a história de uma dada disciplina seria marcada pelas evoluções conceituais e estilísticas cujas palavras se justificam, independentemente de fatores exógenos (políticos ou sociais). Evolucionista: o campo estudado seria marcado por uma evolução de onde poderíamos fazer predições para o futuro.
As análises produzidas sobre essas duas revistas seculares mostram de maneira suficiente (ver infra) que a criminologia (principalmente quando é associada ao direito penal) é fundamentalmente, em sua vida cotidiana, marcada pelos eventos históricos externos (de novas situações-problema que emergem em uma época determinada, mudanças legislativas ou mudanças de práticas judiciais por exemplo); elas mostram também que os indicadores esperados de evolução científica tropeçam muito mais avançam. A distância que eu me permito tomar aqui dos pressupostos do método inclui uma consideração simples: a história de uma ciência não é uma ciência. Dito de outro modo, a concepção cientificista da criminologia é aqui menos problemática que a própria concepção cientificista da história.
Em criminologia, a construção do objeto e os limites da disciplina marcaram o século XX.
A preocupação em constituir uma ciência criminal é indissociável das opções de política criminal de uma época. Da criminologia, nós esperávamos, no início do século passado, que ela dissesse, enfim, na infalibilidade mítica da ciência, o todo do crime e do criminoso que até aqui teriam […] sido exceção no discurso sobre a humanidade.31
O enunciado objetivo não é um direito da ciência, é um evento histórico. Ele “não se decreta nem se merece”.32 De qualquer maneira, os pressupostos endógeno e evolucionista do método parecem estar de acordo com o modelo da física, que seria melhor para salientar o caráter singular.33 O objeto científico do qual estamos fazendo a história é, no caso do crime, uma narração, como no caso de todo objeto das ciências sociais. O objeto é uma história e tem uma história; ele é, desde o início, antes de toda aproximação científica, a narrativa legislativa que institui uma situação-problema, no crime e a narrativa prática que o reconstitui como tal. É impossível separar o crime (objeto natural impossível) do discurso suscetível de o constituir como tal.
Como Canguilhem sustentou claramente, “a história das ciências não é uma ciência e o seu objeto não é um objeto científico”.34 Paul Veyne especifica a esse respeito: “Não há leis da história”.35 Popper, mais cedo ainda, chamou de historicismo a doutrina que se serve da história para estabelecer as propriedades necessárias para conduzir uma política racional.36 Um projeto profético para a história se aproxima ao ideal de a-historicidade do Grand Horloger: “uma história regida pelas leis deterministas constituiria uma negação da própria história”.37
Uma vez tomada a distância dos caracteres endógeno e evolucionista do método, a observação das evoluções formais e linguísticas das publicações criminológicas não é menos instrutiva para fazer história. Longe de aderir aos pressupostos do método, eu me servi da historiografia quantitativa como um método de organização econômica de uma observação dos desenvolvimentos literários de uma disciplina científica a fim de propor uma descrição do passado.
Modalidades de análise
Os catálogos das duas revistas seculares permitem numerosas operações que seriam muito duras e longas de descrever aqui.38 Uma vez operadas a segmentação (datação) dos títulos e a análise das palavras dos títulos, nós dispomos de um material pronto para as operações estatísticas fundadas essencialmente sobre a análise fatorial e a análise das categorias, sem contar ainda o estudo da legibilidade e do uso dos dois pontos. Examinemos um pouco as palavras nessas quatro modalidades de análise.
A análise fatorial (ou seus componentes principais) permite constituir aglomerados de palavras associadas entre elas estatisticamente, independentemente de sua associação literária nos títulos do catálogo, esses aglomerados nos convidam à sua interpretação em uma perspectiva histórica, já que nós podemos perceber a evolução gráfica da sua ascensão relativa no tempo ou assistir ao seu declínio. Apenas a forma das palavras é levada em consideração39 e as transformações estatísticas operadas a partir da frequência das palavras e da frequência de suas associações permitem destacar a estrutura temática latente do material.
Com relação à análise categorial, esta repousa sobre a atribuição de um grau de abstração às palavras do catálogo (recorrendo a um dicionário imaginário regressivo, que distingue, nas palavras, o seu pertencimento a processos primários e secundários); a hipótese subjacente de uma tal análise é que todo discurso científico evoluiria recorrendo cada vez mais a conceitos abstratos (que remontam a processos secundários).
O indício de legibilidade é fundado sobre a medida do cumprimento das palavras e das frases.40 A hipótese se atém, mais uma vez, a ideia de que o alongamento das palavras e dos títulos no tempo seria um testemunho da cientificidade crescente do corpus contínuo de textos analisados.
Enfim, o estudo do uso dos dois-pontos (:)41 repousa sobre a medida do uso dos dois-pontos nos títulos. Os dois-pontos representam um índice de complexificação dos títulos de artigos, distinguindo frequentemente o tema do rema.42 O tema do artigo é “do que nós falamos”; o rema representa isso que nós dizemos a propósito do tema e, no campo do discurso científico, ele reenvia à perspectiva teórica, metodológica ou disciplinar sob a qual o tema é tratado. O aumento do uso do colon na história da língua e singularmente nos títulos constitui, portanto, um indício formal de transformação e de complexificação da língua científica (ou destinado a fazer acreditar no discurso científico). O recurso ao uso dos dois pontos no título (titular colonicity) é um critério formal suscetível de ser explorado no campo da significação. O uso dos dois-pontos se indica como um sinal de complexidade ligado à erudição dos textos produzidos no campo científico. Ousaria eu, não sem auto depreciação, citar como exemplo, o título do artigo que o leitor se empenha a ler neste momento?
Essas técnicas de análise podem ser mais ou menos sofisticadas, sendo o essencial apreciar de maneira crítica a nova perspectiva que elas oferecem sobre o material histórico em exame, do ponto de vista das histórias continuadas pedagogicamente em torno da sucessão dos grandes homens, das grandes teorias ou das grandes rupturas epistemológicas.
As aparências linguísticas da autonomia científica
a) A solução fatorial: o peso da autoreferencialidade
As duas revistas seculares (RDPC e JCLC) revelam em sua análise diferenças consideráveis ainda mais significativas visto que elas têm exatamente o mesmo nome. A bidisciplinaridade43 é então um ponto em comum, mas a relação entre as disciplinas se verifica muito diferente. A solução fatorial destacada da análise dos componentes principais da revista belga (RDPC) é bastante frágil, o que demonstra a heterogeneidade das associações verbais nas palavras do título; ao contrário, as palavras “direito” e “penal” atingem escores fatoriais importantes e crescentes durante o século: essa auto referência do direito penal chama a atenção em oposição sobre o caráter não referencial da sua disciplina irmã. Mais ainda, nós constatamos que poucas palavras permitem discriminar seu pertencimento exclusivo a um título criminológico, que frequentemente toma emprestado o vocabulário do direito penal. A auto referência (um título de artigo que especifica que o seu conteúdo é de direito penal) não é uma marca consistente, mas ao contrário uma marca de insistência; nada menos que 144 títulos em um catálogo comportando 1602 estão nessa situação. A criminologia não se confunde linguisticamente com o seu objeto, ao contrário do direito penal, às vezes objeto e discurso do conhecimento sobre esse objeto.
Muito diferente, a solução fatorial da revista americana (JCLC) mostra que apenas 106 dos 3591 títulos do catálogo contém o sintagma criminal law. Ao passo em que essa função referencial da disciplina é crescente na revista belga, ela decresce na revista americana. A criminologia é, na revista belga, representada e confinada em um fator ou, mais precisamente em um de seus polos, o que significa que a relação entre direito penal e criminologia constitui de alguma maneira uma temática própria a essa revista; a revista americana não traduz nos seus escores uma estrutura que confinaria a criminologia em um de seus fatores ou ao exterior da solução fatorial destacada. Ao contrário, se evidencia uma representação suficientemente honesta de uma criminologia autônoma do direito penal (o que não a constitui em uma ciência autônoma por si mesma), fortemente sociológica, que dispõe de conceitos, de trajetórias e de métodos, assim como de instituições diferenciadas dessas e daquelas do direito penal. De qualquer maneira, a revista belga faz da sua produção criminológica um conjunto fluido, excluído de sua estrutura temática, ao passo em que a revista americana não permite de maneira nenhuma essa interpretação, dado que as palavras constitutivas da estrutura são atribuíveis a uma ou à outra das disciplinas titulares da revista, cada uma sendo robustamente representada.
b) As palavras do direito e as da ciência
Mais de perto, a observação dos títulos mostra de fato que a revista americana é dominada por preocupações pragmáticas focalizadas sobre os produtos e as organizações de implementação do direito penal bem mais que sobre o próprio direito penal. A revista belga está focada de maneira bem mais forte sobre a própria lei. Nós constatamos assim que as produções jurídicas e criminológicas de RDPC marcam uma tendência própria para utilizar palavras do direito (law, justice, responsible, right, judge, legal, penalty…), ao passo em que as produções da revista americana usam mais facilmente as “palavras da ciência” (evaluate, examine, compare, analyze, method, measure, study, test…); a dimensão remática dos títulos lhes é igualmente bem mais importante, e apresentam um estilo científico e empírico bem enraizado. Esses resultados entram em consonância com os resultados da análise categorial e dos indícios de legibilidade: a revista belga não mostra a menor evolução em abstração de seu léxico (que só poderia depender de uma evolução de sua produção criminológica) ou em complexificação de seus significantes, considerando que essa evolução se manifesta de fato para a revista americana.
A estagnação belga pode, se nós nos ativermos à hipótese normativa subjacente a essa forma de análise, ser atribuível à emigração no curso dos anos 1960 e 1970 dos criminólogos em direção aos novos órgãos de publicação que lhes são mais especificamente dedicados, a favor de suas mudanças paradigmáticas que se passam no mesmo período; nós pensamos aqui particularmente com relação ao desenvolvimento concomitante de uma criminologia dita crítica e daquela dita da reação social. Com efeito, e a título de exemplo, a revista Déviance et Société nascida em 1977, que faz a verificação do “desenvolvimento de pesquisas teóricas e práticas em sociologia do desvio” e “da falta de uma plataforma comum que permita aos pesquisadores disseminados em diversos lugares científicos de se encontrar”.44 A revista é criada em uma perspectiva de ruptura: se trata de abrir caminho às correntes inovadoras que atravessam atualmente os estudos do desvio e de tomar distância da marcha etiológica que privilegia exclusivamente a passagem ao ato e suas causas. A preocupação de ruptura da revista europeia de língua francesa escamoteia, de qualquer forma, toda referência à criminologia, disciplina reduzida em seguida a uma abordagem etiológica conservadora ao serviço da política criminal45 que se trata de tomar distância.
Os resultados da análise categorial são precisos: embora a evolução da cientificidade do discurso (medida pela aplicação de um dicionário de imagens regressivas) seja divergente entre as duas revistas, não aparecem “rupturas paradigmática”, nem transformações significativas do gênero daquelas que puderam ser expostas na primeira parte do artigo. As associações estatísticas esperadas (e verificadas pela psicologia) entre mudança de vocabulário e mudança paradigmática não se produzem no campo criminológico. A condição de tais associações é simplesmente a autonomia do campo disciplinar em questão: se as criminologias de RDPC e JCLC não fazem ciência, é provavelmente porque elas não podem ser separadas “da demanda ou da interação social ou política que lhes dão vida e forma”.46
c) A gramaticalidade do título: sinal de sua cientificidade?
O título científico manifesta especificidades com relação às indicações supracitadas fornecidas sobre a gramaticalidade do título.
As pesquisas de Dillon47 concluem que o crescente uso dos dois-pontos demonstra o aumento da complexidade do discurso científico. As revistas americanas que ele estudou manifestam o crescimento de quatro a cinco vezes mais no uso dos dois-pontos nos títulos dos artigos dos últimos trinta anos com relação aos anos precedentes.
Na Revue de Droit Pénal et de Criminologie, belga, nós obtemos uma taxa de “colonicité titulaire” (uso de dois pontos nos títulos) máxima de 12%,48 taxa que corresponde às revistas não eruditas. Essa porcentagem bastante reduzida cobre um número importante de títulos para os quais o uso dos dois-pontos demonstra uma pura elegância, flexibilidade estilística, sem o menor efeito de especificação do objeto, do ponto de vista ou da perspectiva. A revista americana (JCLC), ao contrário, manifesta a tendência esperada pelos trabalhos de Dillon, o uso dos títulos com dois pontos começou a subir por volta dos 1960, atingindo nos anos 1960 uma taxa de uso cinco vezes mais importante que no início do período. O exame aprofundado dos títulos constituídos assim de duas partes mostra que a divisão é majoritariamente destinada a assegurar a separação entre o tema do artigo e seu rema de ordem metodológica, epistemológica ou teórica, aumentando especialmente o estilo conceitual esperado progressivamente na evolução de uma disciplina.
A análise do uso de dois pontos na Criminologie (revista do Quebec da Universidade de Montréal;49 permite constatar uma progressão da divisão com o emprego de dois pontos nos títulos (238 títulos correspondem a essa característica, ou seja, 45% do catálogo) e uma redução do recurso ao título simples (na maioria das vezes estritamente temático).
Enquanto os anos 1975 a 1982 são aqueles da progressão do número total de artigos publicados, nós observamos ao mesmo tempo uma dominação manifesta do título simples. A derrubada de tendência ocorre rapidamente depois, sem chegar a uma dominância significativa do título com dois pontos. Em Criminologie, nós encontramos também os usos estritamente estéticos (como esses encontrados na RDPC), mas os dois-pontos adquirem, de maneira mais clara, outras funções: a associação da função temática e da função remática do título, a especificação do objeto (ou efeito funil - estreitamento), mas também a associação de um enigma poético e de sua resolução pelo menos parcial. O uso que parece atribuir a significação mais substancial aos dois-pontos é esse que distingue os dois termos do título para fazer de um termo o enunciado do objeto e de outro, o enunciado da problematização do objeto; esse uso é relativamente raro e recente na Criminologie assim como em outras revistas. Essa função crescente dos dois pontos reduz a tradição positivista de um título reduzido ao objeto tratado e significa não somente a erudição de seu autor, mas também sua preocupação de mostrar seu objeto, não como objeto descrito ou comentado, mas como problemática ou situado na relatividade de suas opções teóricas e metodológicas.
d) Resumindo…
Incontestavelmente a revista americana sustenta melhor a representação de uma criminologia, não somente autônoma do direito penal (apesar de sua associação em uma revista bidisciplinar), mas também conforme às hipóteses linguísticas relativas à evolução histórica do discurso científico, à exceção notável do essencial “progresso” que representa a “ruptura paradigmática” ainda não encontrada. A revista belga apresenta indicadores fracos ou estagnados que impedem qualquer observação da menor evolução típica do discurso científico. Quanto às marcas legíveis da divisão americana entre criminologia e direito penal, é provável que isso seja devido ao “empirismo” – ao vocabulário distinto e bem representado – das duas disciplinas, empirismo cujos traços são insignificantes na revista europeia.
Conclusão
A historiografia quantitativa e a história mundana demonstram apenas um pouco de convergência. Dois traços provavelmente comuns ao direito penal e à criminologia, apesar de tudo que os separa, podem ser explicitados a fim de dar conta dos resultados agregados das análises históricas apresentadas nestas linhas. As condições de uma evolução do campo científico conforme as hipóteses de Martindale,50 tais quais verificadas na psicologia por Hogenraad, Bestgen e Durieux,51 são a autonomia disciplinar e a construção de um programa científico suscetível de se desenvolver no tempo sem interferências exógenas. Contudo, essas duas condições estão faltando à criminologia presente nas duas revistas, em razão evidente de sua bidisciplinaridade e da dominação do direito em sua associação, mas também em razão do “atualismo” das duas disciplinas, dito de outro modo de sua inclinação (crítica ou não) a seguir os acasos da atualidade política e legislativa, a comentá-los ou a responde-los, munidos de sua própria expertise. Este é certamente um efeito do caráter periódico das fontes escolhidas, mas também da dependência política e social do objeto próprio do direito penal e da criminologia.
O lugar da criminologia, no campo dos saberes transita – no desconforto – entre sua postura científica e sua dupla inscrição política e ética. Se me é permitido, para terminar, um discurso normativo, a criminologia é dependente. Dessa dependência ela deve se aproveitar, descartando tanto a ilusão de domínio quanto a desilusão (que é apenas o outro lado da ilusão e que a reativa). A criminologia só pode sustentar uma posição que é por vez científica, política e ética52 que se recusa tanto de prometer um “it will be a long way” visionário53 quanto de se resignar a um “nothing works” errôneo.54 Esse realismo, que rejeita o idealismo e o pessimismo, ao final desse giro histórico e metodológico, diz respeito, portanto, não somente ao objeto de predileção etimológica da criminologia – o crime -, mas sobretudo a seu próprio status científico – sua improvável autonomia.
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Notas
Autor notes
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