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Recepção: 15 Fevereiro 2017
Aprovação: 04 Abril 2018
DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-201810204
Resumo: Este artigo objetiva, a partir de uma investigação histórica, examinar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que mencionaram expressamente a obra de Karl Marx e Friedrich Engels, ou o marxismo, no período da ditadura civil-militar-empresarial brasileira (1964-1985). O estudo se justifica na medida em que incursionar na trajetória e no pensamento dos juristas defensores da ditadura no STF é imprescindível para compreender o alicerce ideológico de parte da literatura jurídica ainda utilizada na atualidade no ensino e na prática jurídica. Ou seja, transportando para o movimento conservador atual, a repulsa a teorias progressistas no âmbito do Direito é reflexo deste período de ditadura, no qual eram amplamente censuradas e criminalizadas. Em termos metodológicos, a pesquisa tem natureza qualitativa, perfil histórico-teórico, e envolve uma abordagem interdisciplinar realizada, mediante raciocínio indutivo-dedutivo, a partir da técnica da micro-história. As técnicas de pesquisa utilizadas são as de análise documental e revisão bibliográfica. A fonte primária de pesquisa consiste na base de dados com os acórdãos do acervo jurisprudencial disponível no site do STF.
Palavras-chave: Marxismo, história, Supremo Tribunal Federal, ditadura civil-militar-empresarial.
Resumen: Este artículo pretende, a partir de una investigación histórica, examinar las decisiones tomadas por el Supremo Tribunal Federal de Brasil (STF) que hicieron alusión expresa a la obra de Karl Marx y Friedrich Engels, o al marxismo, durante el período de la dictadura civil-militar-empresarial brasileña (1964-1985). La realización del estudio queda justificada con su pretensión de ahondar en la trayectoria y el pensamiento de los juristas defensores de la dictadura en el STF, una vía imprescindible para comprender los fundamentos ideológicos de parte de la literatura jurídica todavía utilizada hoy en día en la enseñanza y la práctica jurídica. Actualizada históricamente por el presente movimiento conservador, la repulsa a las teorías progresistas en el ámbito del derecho es reflejo de este período de la dictadura en el cual eran ampliamente censuradas y penalizadas. Desde un punto de vista metodológico, la investigación tiene una naturaleza cualitativa, posee un perfil histórico-teórico e implica un enfoque interdisciplinario desde un razonamiento inductivo-deductivo, a partir de una perspectiva microhistórica. La principal fuente de investigación fue la base de datos de las sentencias del acervo jurisprudencial disponible en el sitio web del STF.
Palabras clave: marxismo, historia, Supremo Tribunal Federal de Brasil, dictadura civil-militar-empresarial.
Abstract: The following article uses historical research to examine decisions made by Brazil’s Supreme Federal Court (SFC) specifically mentioning the work of Karl Marx and Friedrich Engels, or Marxism, in the period of the country’s civilian-military-corporate dictatorship (1964-1985). Analyzing the thoughts and actions of the dictatorship’s legal advocates in the SFC facilitates an understanding of the ideological foundations provided by part of the legal literature still used nowadays in legal teaching and practice. Historically updated by the current conservative movement, the rejection of progressive theories in the sphere of law is an echo from the dictatorship period, in which they were widely censured and criminalized. Methodologically, the research is qualitative in nature, with a historical-theoretical profile, harnessing an interdisciplinary approach undertaken by means of inductive-deductive reasoning based on an approach to micro-history. The main source researched consists of the database containing the rulings from the jurisprudential archive available from the SFC’s website.
Keywords: Marxism, History, Supreme Federal Court, civilian-military-corporate dictatorship.
Résumé: Cet article a pour but d’analyser à partir d’une recherche historique les décisions prises par la Cour suprême brésilienne (Supremo Tribunal Federal-STF) mentionnant expressément l’œuvre de Karl Marx et Friedrich Engels, ou plus généralement le marxisme, lors de la dictature civilo-militaire-entrepreneuriale brésilienne (1964-1985). Cette étude se justifie dans la mesure où l’analyse de la trajectoire et de la pensée des juristes du STF en faveur de la dictature s’avère indispensable pour comprendre les fondements idéologiques d’une partie de la littérature juridique encore en usage dans l’enseignement et la pratique du droit. Historiquement actualisé par le mouvement conservateur actuel, le rejet des théories progressistes dans les milieux juridiques demeure un reflet de cette période dictatoriale, durant laquelle celles-ci étaient amplement censurées et criminalisées. D’un point de vue méthodologique, il s’agit d’une recherche qualitative au profil historico-théorique qui implique une approche interdisciplinaire basée sur un raisonnement inductivo-déductif et micro-historique. La source primaire prise en compte a été la base de données de la jurisprudence disponible sur le site du STF.
Mots clés: Marxisme , Histoire , Supremo Tribunal Federal , dictature civilo-militaire-entrepreneuriale .
摘要: 这篇文章研究了巴西军政府期间(1964-1985)联邦最高法院(STF)的一些案件判决,我们发现很多判决书引用了马克思和恩格斯的一些观点,因此我们从历史的视角研究马克思主义对联邦最高法院判案工作的影响。本文分析了联邦最高法院的法官们的意识形态的成长轨迹,发现虽然他们支持军政府的独裁,但是他们的法制思想也吸收了一些马克思主义观点。因此我们认为,马克思主义对当时巴西的法制文献,司法实践,以及法学院的教育有潜移默化的影响。当时司法界的保守运动着手清除司法界的一些进步理论,对法官的左倾言论进行审查和惩戒,反映了军政府期间巴西司法界的受到了马克思主义的影响。本文研究方法是定性分析的,通过微观历史视角,跨学科的理论方法,归纳和推绎出作者自己的结论。资料来源是联邦最高法院网站提供的判例和判决数据库。
關鍵詞: 马克思主义, 历史, 联邦最高法院, 巴西军政府.
1. Introdução
Ao longo da história brasileira a recepção do ideário comunista e, por conseguinte, da teoria marxista não ocorreu de modo pacífico. A própria trajetória do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 25 de março de 1922, é marcada por períodos que oscilam entre a legalidade e a ilegalidade.1 A par de a teoria marxista ter sua repercussão inconteste nas mais diversas áreas do conhecimento, ainda permanece pouca a penetração no Direito, âmbito tradicionalmente ligado a setores hegemônicos e conservadores da sociedade capitalista.
O presente artigo tem como objetivo geral, a partir de uma investigação histórica, examinar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que mencionaram expressamente a obra de Karl Marx e Friedrich Engels, ou o marxismo, no período da ditadura civil-militar-empresarial brasileira (1964-1985). O objetivo específico remonta à análise da influência e incursão que a teoria marxista tem para o STF, que não passou imune à obra dos fundadores da filosofia da práxis, bem como à maneira que foi abordada.
O estudo se justifica na medida em que incursionar na trajetória e no pensamento dos juristas defensores da ditadura – no caso os integrantes do Supremo Tribunal Federal – é imprescindível para compreender o alicerce ideológico de parte da literatura jurídica ainda utilizada na atualidade no ensino e na prática jurídica (SEELAENDER, 2008, p. 420). Ou seja, transportando para o movimento conservador atual, a repulsa a teorias progressistas no âmbito do Direito pode ser considerada reflexo deste período de ditadura, no qual eram amplamente censuradas e criminalizadas.
Em termos metodológicos, a pesquisa tem natureza qualitativa, perfil histórico-teórico, e envolve uma abordagem interdisciplinar realizada, mediante raciocínio indutivo-dedutivo, a partir da técnica da micro-história (GINZBURG, 1994; REVEL, 2010; TOMICH, 2011). As técnicas de pesquisa utilizadas são as de análise documental e revisão bibliográfica. O manejo dos procedimentos metodológicos envolveu a busca de acórdãos, na base de dados constante do acervo jurisprudencial disponível no site do STF. O critério de busca se baseou nas expressões “Karl Marx”, “Friedrich Engels”, “marxismo” e “marxista”. Todos os julgados encontrados, ao todo quatro (4), foram objeto de exame. Em virtude do objetivo delineado, observou-se a ordem cronológica de exposição dos acórdãos, a fim de examiná-los a partir do desencadeamento histórico no Brasil no período da ditadura civil-militar-empresarial (1964-1985).
Ressalta-se que não foram objeto de busca termos como “subversão”, “subversivo” e similares, que decerto ampliariam o escopo da presente pesquisa, pois a análise aqui proposta tem como mote examinar o marxismo como campo teórico. Ainda, deve ser mencionado que os acórdãos encontrados foram os disponibilizados no banco de dados virtual do STF, não necessariamente representando a totalidade dos julgados que abordaram o marxismo naquele período.
Por fim, cabe destacar que os documentos não retratam fielmente os fatos trágicos ocorridos no período da ditadura civil-militar-empresarial, notadamente porque se referem a processos judiciais. Grande parte das arbitrariedades cometidas não foram objeto de apuração pela ordem oficial. Assim, o seu conteúdo histórico deve ser mensurado em um contexto que a decisão judicial, aliada da ordem então vigente, não poderia denunciar todas as atrocidades perpetradas pelo regime militar brasileiro. Os casos identificados e aqui analisados são ricos em termos fontes de pesquisa, pois envolvem muitas dinâmicas e relações, por exemplo, entre os órgãos e atores da ditadura, o Poder Judiciário, as universidades e o movimento sindical. Portanto, ao invés de uma articulação global, a opção foi por identificar no micro das narrativas presentes nos julgados simetrias e assimetrias, que pudessem desvelar o modo de atuação do STF em relação ao campo do marxismo em um período de exceção à democracia e ao Estado de Direito.
2. A teoria marxista no âmbito do Supremo Tribunal Federal: contextualização e análise da jurisprudência
2.1. Petição de Habeas Corpus nº 43.787/67 - SC: a prisão do professor e ex-desembargador José do Patrocínio Gallotti
O primeiro acórdão do STF que fez menção expressa à obra de Karl Marx, no período objeto de análise, foi o Habeas Corpus nº 43.787 (Estado de Santa Catarina, julgado pela 2ª Turma do STF (relator Ministro Hahnemann Guimarães), em 30 de maio de 1967, em meio à ditadura civil-militar-empresarial instaurada em 1964, durante o severo governo de Artur da Costa e Silva (BRASIL, 1967). O paciente era José do Patrocínio Gallotti (1908-1985) - pai de Paulo Gallotti,2 ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (1999-2009) -, que ocupava a cátedra de História do Pensamento Econômico na atual Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). José Gallotti - conforme consignou o relatório do acórdão, era desembargador aposentado e professor universitário - foi denunciado pela Auditoria da 5ª Região Militar, sob a acusação de ser “marxista confesso”, antigo e ativo militante, ainda que não participasse de nenhum partido político.3
O embasamento legal utilizado foi a Lei nº 1.802/53 (BRASIL, 1953, art. 2; 24), que definia os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, com arrimo nos artigos 2, III e 24:
Art. 2º Tentar:
I - submeter o território da Nação, ou parte dêle, à soberania de Estado estrangeiro;
II - desmembrar, por meio de movimento armado ou tumultos planejados, o território nacional desde que para impedi-lo seja necessário proceder a operações de guerra;
III - mudar a ordem política ou social estabelecida na Constituição, mediante ajuda ou subsídio de Estado estrangeiro ou de organização estrangeira ou de caráter internacional;
[...]
Art. 24. Constituírem ou manterem os partidos, associações em geral, ou, mesmo, o particular, milícias ou organizações de tipo militar de qualquer natureza ou forma armadas ou não, com ou sem fardamento, caracterizadas pela finalidade combativa e pela subordinação hierárquica.
Pena:- reclusão de 1 a 3 anos aos cabeças, e da metade para os demais agentes, além da perda, em favor da União do material usado.
Destaca-se, a título biográfico, que Patrocínio Gallotti (1955) apresentou tese para concurso de Professor Catedrático de Teoria do Estado, na Faculdade de Direito de Santa Catarina, que foi publicada no ano de 1955 com o título A Soberania Nacional e as Liberdades. Na tese constava apenas uma menção à obra de caráter marxista, do autor ucraniano Mark Rosental, intitulada O Método Dialético Marxista, não obstante o perfil teórico da tese seja demasiado genérico (eclético) para que ela pudesse ser enquadrada academicamente da seara do pensamento crítico e marxista.4
Como identificado nos arquivos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, 1964),5 há documentos referentes à Comissão de Inquérito n. 01/64 - indiciado: José do Patrocínio Galotti -, que buscaram registrar sua ideologia marxista e condutas, inclusive junto a estudantes, realizando uma série de atividades de subversão. A conclusão da referida comissão foi a de que o indiciado “não pode continuar no exercício da cátedra já que, que por seus atos e atitudes, feriu os princípios do Ato Institucional” e “que, por suas atividades, é passível de ter incorrido nos atos e sanções previstos na Lei de Segurança Nacional” (UFSC, 1964, p. 7-8).
Na fundamentação da decisão administrativa colegiada, destacam-se os seguintes tópicos:
[…] considerando que o Professor José do Patrocínio Galotti é socialista-marxista confesso, considerando que pronunciou conferências políticas na sede da União Catarinense de Estudantes,
considerando que em duas teses de concurso defendeu doutrinas marxistas, considerando que profere suas aulas 'também à luz do marxismo’, considerando que assinou pedido para a volta à legalidade do partido comunista brasileiro, considerando sua intimidade com comunistas confessos em manifestações públicas, considerando seu comparecimento à reunião da Frente Mobilização de Popular, na UCE, onde compareceram estudantes e indivíduos privadamente comunistas, considerando tudo quanto mais consta destes autos e que se relaciona com a intensa atividade marxista do professor Gallotti, seja ostensiva, seja disfarçada, […] (UFSC, 1964, p. 7).
No STF, apesar de não ser o relator do caso, o Ministro que se pronunciou com maior delonga foi Aliomar Baleeiro, que apoiou o Golpe de 1964 e a deposição do ex-presidente João Goulart, ainda que posteriormente viesse a criticar o AI-5.6 Na ocasião, o Min. Baleeiro ponderou que ele próprio já havia lecionado a disciplina “Teoria das Doutrinas Econômicas” por falta de professor (BRASIL, 1967, p. 885), sendo que o Min. Hahnemann Guimarães, prestes a se aposentar por motivo de doença,7 replicou: “História do Pensamento Econômico. É uma cadeira perigosa” (BRASIL, 1967, p. 885).
Na condução do seu voto, o min. Aliomar Baleeiro sustentou que o professor não pode deixar de abordar Marx, sendo que ele próprio no curso de doutorado teria lecionado duas ou três aulas sobre o autor, fazendo com que os alunos lessem O Capital em versões abreviadas. Baleeiro destacou no seu voto que Marx era considerado um autor ultrapassado e erudito. Na sequência do voto, Baleeiro deu seu parecer sobre Karl Marx:
E Marx, que na opinião de alguns escritores do fim do século passado e comêço dêste não era um economista, hoje é considerado um escritor original; é considerado um economista original, que inclusive foi o precursor da macroeconomia, da economia global da sociedade, não da microeconomia, - a da emprêsa -, do indivíduo apenas (BRASIL, 1967, p. 886).
Frisa-se que o paciente do Habeas Corpus era personalidade conhecida no meio jurídico e político à época, sendo que a sua família já tinha ocupado assento no próprio Tribunal, notadamente o min. Luiz Galotti, integrante da corte de 1949 a 1974 (STF, 1949). De toda sorte, o STF entendeu de forma unânime que os fatos narrados não constituíam infrações penais, concedendo a ordem em favor do postulante. No julgado consta como doutrina O Capital, de Karl Marx, ainda que não haja menção expressa à obra.
Observa-se, portanto, que o primeiro acórdão que examina a obra de Karl Marx procede a um julgamento valorativo da sua contribuição à construção do conhecimento, sem qualquer menção expressa ao comunismo ou ao projeto político marxiano. Tampouco, destaca-se, Marx foi utilizado como fundamentação dos votos, notadamente pelo contexto histórico do julgamento e composição do STF. A 2ª Turma do STF deu provimento, por unanimidade, ao pedido do paciente, em acórdão sucinto (6 laudas), concedendo a ordem de Habeas Corpus, tendo sido o relator acompanhado pelos Ministros Adalício Nogueira, Evandro Lins e Silva, e Hahnemann Guimarães. Do ponto de vista da defesa de Galloti, é possível que tenha admitido no STF adotar um “marxismo acadêmico” como forma de garantir o mínimo de reconhecimento institucional e de liberdade de pensamento.
2.2. Recurso em Habeas Corpus nº 44.521/68 - GA: o militante Gilvan Cavalcanti de Melo
Com esteio na Lei de Segurança, o então militante Gilvan Cavalcanti de Melo (1935- ), impetrou o Habeas Corpus nº 44.521 (Estado da Guanabara), que restou julgado pela 2ª Turma do STF (relator Ministro Aliomar Baleeiro), em 22 de maio de 1968, também durante o severo governo de Artur da Costa e Silva (BRASIL, 1968a). Contra ele foi apresentada a imputação de que Gilvan era “comunista”, “marxista”, e teria viajado à Rússia a fim de fazer capacitação política, voltando para aliciar, doutrinar e subverter a ordem na tentativa de mudança de regime. Destaca, outrossim, a acusação de que a sua adesão aos princípios doutrinários do Partido Comunista era antiga.
O militante comunista foi colaborador dos jornais do Partido Comunista Brasileiro Folha do Povo (PE), A Hora (PE) e Novos Rumos (RJ), estudou no Instituto Superior de Ciências Sociais (Moscou), e impetrou Habeas Corpus em virtude de condenação judicial. Destaca-se, ainda a título biográfico, que depois do Golpe Militar de 1964 foi preso, em Recife, condição em que permaneceu até julho de 1965.
Conforme relato na sua autodescrição, foi demitido do serviço público pelo Ato Institucional nº 1, mudando-se para o Rio de Janeiro, na clandestinidade, tendo sido novamente preso em 1970/1972 (MELO, 2007). Respondeu a diversos processos na Justiça Militar, em razão de atividades políticas nas organizações UNE/UBES, IAPB e PCB, estando exilado no Chile e em Cuba. Com a promulgação da Lei de Anistia de 1979, foi anistiado entre os primeiros 326 exilados da lista (MELO, 2007).
O relator do RHC nº 44.521 foi o Min. Aliomar Baleeiro, que proveu o recurso, sob o argumento de que a sentença condenatória não teria sido bem fundamentada, tendo em vista a inexistência de qualquer fato concreto que caracterizasse crime. O Ministro foi taxativo no sentido de que é necessário que a denúncia contenha imputação com base na Lei nº 1.802/53 (BRASIL, 1953), devidamente apoiada em fatos concretos.
Em síntese, o Ministro destaca que “não basta que se diga que o réu é ideologicamente um comunista” (BRASIL, 1968a, p. 999). A 2ª Turma do STF deu provimento, por unanimidade, ao pedido do paciente, em acórdão sucinto (6 laudas). Acompanharam o voto do relator, Min. Aliomar Baleeiro, os Ministros Adaucto Cardoso e Themístocles Cavalcanti, impedido o ministro Evandro Lins e Silva e licenciado o ministro Adalício Nogueira.
2.3. Recurso Criminal nº 1.082/68 - SP: o caso do estudante Eder Simão Sader
Eder Simão Sader (1941-1988), irmão do sociólogo e cientista político Emir Sader, foi um dos precursores, em 1961, da Organização Marxista Revolucionária Política Operária (POLOP). Conforme texto do historiador Marco Aurélio Garcia (1988, “Primeiros passos”, par. 4):
Na Polop ele vai se destacar como crítico severo das posições então hegemônicas na esquerda brasileira e que tinham no Partido Comunista Brasileiro (PCB) o seu principal centro de irradiação. Em meio à agitação social do período que antecede ao golpe de Estado de 1964, Eder denunciava as ilusões da maioria da esquerda sobre a possibilidade de que transformações "nacionalistas e democráticas" da sociedade e do Estado brasileiros pudessem vir a ser obtidas através de uma aliança do proletariado, do campesinato e da pequena-burguesia com uma burguesia nacional supostamente interessada na consecução de reformas "antiimperialistas" e "antifeudais". Com o golpe, a audiência da Polop cresceria enormemente na esquerda. Eder conheceu sua primeira experiência de clandestinidade, de vez que teve seu nome indiciado em Inquérito Policial-Militar, já em 1964.
Eder foi condenado pela Justiça Militar a um ano de prisão e interpôs recurso ordinário contra a decisão (Recurso Criminal nº 1.082/68 - SP), julgado pela 2ª Turma do STF (relator Ministro Aliomar Baleeiro), em 04 de setembro de 1968, também durante o severo governo de Artur da Costa e Silva (BRASIL, 1968b). O relator do processo registrou que Eder Sader à época era um estudante de sociologia que, aos 21 ou 22 anos de idade, teria ministrado curso gratuitamente de introdução à economia política aos gráficos de determinado sindicato paulista, motivo pelo qual foi denunciado por “propaganda de processos violentos para subversão da ordem política e social vigente no país” (BRASIL, 1968b, 98).
O ilícito teria sido materializado não somente nas aulas, senão também nas apostilas mimeografadas, que foram anexadas aos autos. Ainda que Eder tenha sido absolvido em primeira instância, em recurso o Superior Tribunal Militar (STM) condenou-o a doze meses, com fulcro no art. 11, "a", da Lei nº 1.802/53 por “fazer publicamente propaganda de processos violentos para a subversão da ordem política ou social” (BRASIL, 1968b, 99). Os fundamentos do recurso, abordados no relatório do acórdão, podem ser assim sintetizados: a) as aulas eram privadas e a legislação punitiva estabelece que eram vedadas as públicas; b) não abordavam processos violentos; c) não tendiam à subversão da ordem política ou social.
O Min. Aliomar Baleeiro, relator do feito, proveu o recurso de Eder Sader, a fim de absolvê-lo do crime imputado, mesmo considerando que no material do curso havia:
[...] noções elementares de Economia sob nítida e incontestável orientação teórica de Karl Marx: - o mesmo método histórico: guerras como consequências do capitalismo e do imperialismo na disputa dos mercados; troca da força de trabalho pelo salário com a apropriação da mais-valia pelo patrão. As contradições internas do capitalismo e sua autofagia; [...] Quanto ao Brasil [...] culpa a burguesia pela inflação e afirma que só se resolverá o problema de desenvolvimento com a substituição do lucro individual pela produção planejada com o governo da classe interessada na mudança da estrutura por outra de economia dirigida e estatal.
Fala, é verdade, na “revolução brasileira”, ambiguamente, sem referir-se a processo violento, dizendo que ela se malogrará se comandada pela burguesia (BRASIL, 1968b, 104-105).
O fundamento que ancorou o provimento do recurso foi a ausência de publicidade (por ser de recinto fechado), bem como a falta de apologia a processos violentos para subversão. Baleeiro, em seu voto, aponta que embora o então estudante Eder tivesse exposto alguns pontos da teoria marxiana, inclusive aderindo a ela, restou silente quanto à técnica de violência, que Marx e seus “discípulos desenvolveram”.
A exemplo do voto proferido no processo já analisado do professor José do Patrocínio Gallotti, Baleeiro incursiona acerca do papel ocupado pelo marxismo na teoria científica à época. Alude que qualquer compêndio de História das Doutrinas Econômicas dedica várias páginas ao estudo da obra de Karl Marx. Menciona, ainda, a relevância da obra do economista Joseph Schumpeter, cujo principal título (Capitalismo, Socialismo e Democracia) se ocupa de uma análise objetiva e crítica dos escritos de Karl Marx.
Além disso, o Ministro Aliomar Baleeiro se refere ao fato de que O Capital estava comemorando cem anos, “obra cujo centenário está celebrado pela imprensa de todo o mundo ocidental agora mesmo, inclusive pelos mais insuspeitos do Brasil, como ‘o Globo’” (BRASIL, 1968b, p. 106). O Min. Baleeiro traçou paralelo acerca da legalidade, ou não, de ser marxista com os países centrais:
A bibliografia sobre esse pensador em todos os países mas sobretudo nas nações cultas e democráticas, vai a milhares de títulos e parece que só é excedida pela que se refere ao Cristo.
Nas nações civilizadas e policiadas, não é crime ser intelectualmente marxista, discutir Marx ou encampar o que ele pensou e escreveu, tanto na parte certa, quanto na parte hoje reconhecida como errônea, do ponto de vista exclusivamente teórico. Ele redigiu seus livros comunistas na Inglaterra, onde viveu 30 anos, até morrer, sem que a justiça criminal lá o incomodasse (BRASIL, 1968b, p. 106).
Por fim, Baleeiro sustenta que o STF, repetidamente, decidia que:
[...] o fato de ser marxista e manifestar pensamento ou adesão ideológica ao marxismo, não é crime, enquanto, o agente, professor ou não, se abstém da propaganda efetiva dos processos violentos para realizações de suas idéias ou de atos efetivos de execução definidos em lei (BRASIL, 1968b, 109-110).
Dessa forma, observa-se que, na esteira dos votos encabeçados pelo Min. Aliomar Baleeiro, a simples leitura e difusão do ideário marxista não poderia ser imputada como crime, a par das tantas condenações na Justiça Militar. Em verdade, o papel do STF servia como correção das arbitrariedades promovidas por esta Justiça Militar especializada, que visava a reprimir a difusão da teoria marxista nos mais variados âmbitos.
A exemplo do caso ora analisado, nem mesmo uma exposição em um ambiente fechado passou despercebida, sendo o então aluno e futuro professor de Sociologia condenado a um ano de prisão pela simples exposição da teoria econômica de Marx, no sentido de prover formação a uma pequena parcela da classe trabalhadora. Ainda nesse caso, a obra de Marx não serve como fundamento de decidir, restringindo-se o STF a afirmar a legalidade da sua escrita e o permissivo da sua difusão.
Salienta-se que o Ministro Baleeiro não considera crime a invocação ou difusão do ideário marxiano tão somente na hipótese de não haver qualquer conclamação para que se impulsione um “processo revolucionário”. Marx, na visão do ministro, deve ser estudado e analisado como qualquer outro pensador, e a sua exposição é permitida desde que não assuma publicamente uma posição favorável à suplantação do capitalismo de forma mais incisiva. No julgamento pela 2ª Turma do STF, acompanhando o relator (Min. Aliomar Baleeiro), também deram provimento ao recurso os Ministros Themístocles Cavalcanti, Adaucto Cardoso e Adalício Nogueira, em acórdão com 18 laudas, constando detalhada argumentação do relator e breves palavras dos vogais. Também presente o presidente, Min. Evandro Lins e Silva.
2.4. Recurso Criminal nº 1.286/77 - SP: a condenação dos militantes Tania Rodrigues Mendes e Gabriel Prado Mendes
Ao contrário dos processos anteriormente analisados, no Recurso Criminal nº 1.286/77 (Estado de São Paulo), julgado pela sua 2ª Turma (relator Ministro Djaci Falcão), em 29 de abril de 1977, durante o governo de Ernesto Geisel, o STF condenou, por unanimidade, os militantes Tânia Rodrigues Mendes e Gabriel Prado Mendes, ao reconhecer o seu papel de participação ativa na tentativa de derrubar o regime vigente (BRASIL, 1977). A ilegalidade incursionada por ambos teria sido o preenchimento do tipo penal previsto no art. 14 da Lei nº 898/69, i.e., pela conduta de formação de associação de caráter marxista-leninista:
Art. 14. Formar, filia-se ou manter associação de qualquer titulo, comitê, entidade de classe ou agrupamento que, sob a orientação ou com o auxílio de govêrno estrangeiro ou organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional:
Pena: Reclusão, de 2 a 5 anos, para os organizadores ou mantenedores, e, de 6 meses a 2 anos, para os demais (BRASIL, 1969).
No relatório do acórdão consta que o Procurador Militar da 2ª Auditoria da 2ª CJM, Henrique Vailatti Filho,8 denunciou os militantes comunistas Gabriel Prado Mendes e Tânia Rodrigues Mendes por terem criado e participado de movimentos subversivos, de origem marxista-leninista, com o objetivo de derrubar o governo e as instituições vigentes (BRASIL, 1977, p. 323). A condenação da 2ª Auditoria foi de oito meses de reclusão para Tânia Mendes e seis meses para Gabriel Mendes.
Nos casos de Tania e Gabriel, que formavam um casal, transparece o descompasso entre a oficialidade do Direito sob um regime autoritário, ao passo que a condenação por uma instância inferior e superior, mantida pelo STF, obscurece a realidade das torturas praticadas durante o regime militar.
Em 21 de março de 2013, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” escutou Tânia Mendes, que falou sobre a sua militância. Tânia apontou que o seu engajamento político teve influência familiar, pois residia em Santo André e acompanhava os pais nos encontros de um sindicato. Ao ingressar na faculdade teve contato com o movimento estudantil, aproximando-se da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Ao que consta, sua tarefa principal era angariar informações para desenvolver uma frente de massas: “Sem o envolvimento da sociedade não teria como acabar com a ditadura e não queríamos apenas isso, mas sim colocar em seu lugar uma sociedade mais justa” (COQUETTI, 2013).
Tânia Mendes foi presa em 5 de maio de 1973, pouco tempo depois do seu marido (Gabriel Mendes), sendo que passou um mês no DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) e outro mês no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), bem como sete meses no Presídio do Hipódromo, em São Paulo. Na ocasião, Tânia foi torturada, relatando que um dos piores episódios ocorreu na Oban (Operação Bandeirantes), quando ficou na mira de um revólver por seis horas, sob o anúncio da morte dos militantes da Molipo Maria Augusta Tomaz e Márcio Beck Machado (GUANDELINE, 2013).
O relato de Tânia transparece o que continuava oculto nos processos judiciais:
Quando acontecia a prisão de um casal, isso dava ao torturador ainda mais instrumentos (de sadismo). Fiquei numa caixa encolhida ouvindo outras torturas, por exemplo. Só não fomos parar no sítio do Fleury (imóvel localizado na Zona Sul de São Paulo, conhecido como ‘sítio da tortura’) porque o Gabriel teve de fazer uma cirurgia (GUANDELINE, 2013, par. 7).
No processo restou consignado que Tânia e Gabriel Mendes eram casados, sendo que na residência de ambos foram encontrados e apreendidos panfletos mimeografados com os seguintes títulos: "Aos bispos do Brasil", "Desenvolvimento Integrado e Política Educacional", "Método Dialético", "Aos Trabalhadores do Brasil". Também foram coletadas apostilas com o título “voto nulo”, exemplares da "Carta a um Deputado Federal”, bem como exemplares das revistas Solidariedade Operária e Solidariedade Revolucionária.
Ainda, apreendeu-se: uma carteira profissional, não preenchida, com a foto de Gabriel Mendes; uma carteira de identidade, um título de eleitor e um certificado de alistamento militar, todos falsos, em nome de “Ricardo José Gusmão Paschoal”. Constou também a apreensão de quinze cartuchos íntegros calibre 38, duas máquinas de escrever e um mimeógrafo.
Não obstante Gabriel Mendes tenha anuído que a maior parte dos itens encontrados eram seus, negou pertencer à ALN, sob o argumento de que discordava da análise por ela efetuada da realidade brasileira, enquanto o socialismo seria a justa distribuição da riqueza sem que houvesse a implantação de um Estado totalitário. Municiados pelo depoimento de testemunhas, Gabriel teve a sua condenação mantida pelo STF, nos seguintes termos:
Diante do exame desses elementos probatórios extraídos da instrução criminal verificou-se como o recorrente exerceu atividades subversivas prejudiciais à segurança do Estado, ao colaborar, de modo efetivo, com militantes da A.L.N, e do M.O.L.I.P.O., incidindo, assim, no delito previsto no art. 14 do D.L. 898/69 (BRASIL, 1977, p. 347).
Em relação à Tânia, a condenação foi amparada nos elementos da sentença, que atribuiu a ela a tarefa de fazer aliciamento de pessoas, agitações, ações armadas de propaganda para servir como exemplo aos demais, bem como ações armadas de expropriações. Tânia negou ser militante da ALN, embora tenha frisado em seu depoimento judicial que concorda com a criação de um governo popular e de libertação nacional (BRASIL, 1977, p. 347-348).
Assim, o acórdão examinado ilustra em que medida o processo e a oficialidade da ordem estatal, sob o regime autoritário da ditadura civil-militar-empresarial, ocultava a realidade da prisão. Enquanto no processo não transparecem as torturas sofridas pelos réus, o objetivo era vincular em que medida o marxismo servia como embasamento teórico para a prática subversiva. Quando houve indício de engajamento ativo na transformação da sociedade, o STF se pronunciou no sentido de prender os acusados, com fundamento na lei de segurança nacional. Acompanharam o relator no sentido do não provimento do recurso os ministros Xavier de Albuquerque, Leitão de Abreu e José Carlos Moreira Alves, em acórdão de 31 laudas, composto na sua maior parte de transcrições da decisão de primeiro grau e da decisão recorrida do STM.
3. Considerações finais
Como foi possível observar a partir de análise histórica dos julgados acima abordados, no período da ditadura civil-militar-empresarial a teoria marxista jamais serviu como fundamento de decisão no STF, restringindo-se a corte examinar se as condutas constituíam, ou não, atentados à soberania nacional e ao governo então vigente.
Nos quatro julgados examinados, atuaram 10 ministros (Adalício Nogueira, Adaucto Cardoso, Aliomar Baleeiro, Djaci Falcão, Evandro Lins e Silva, Hahnemann Guimarães, José Carlos Moreira Alves, Leitão de Abreu, Themistocles Cavalcanti e Xavier de Albuquerque). Preponderou o perfil mais conservador entre os magistrados, nomeados e/ou alinhados com o governo de exceção. Ressalvas para a figura progressista de Evandro Lins e Silva, posteriormente cassado, e a conservadora de Aliomar Baleeiro, que assumiu protagonismo na defesa da liberdade de cátedra.
Nos julgados mais antigos, relatados pelo Min. Aliomar Baleeiro, havia uma preocupação, em virtude do contexto histórico, de apenas situar a obra marxiana no panorama político e científico. O que pode se depreender dos julgados é que a posição da Segunda Turma9 do Supremo Tribunal Federal criminalizava o marxismo quando posto em prática, ou seja, quando a teoria servia de aporte concreto à ação dos movimentos de contestação do regime. Ou seja, segundo metade da composição da corte, o chamado marxismo acadêmico era aceito, porém um marxismo político subversivo não; cisão esta que não se coaduna com a própria teoria marxista, fundada na indissociável e necessária articulação entre teoria transformadora e prática revolucionária.
Esse diagnóstico lança para análise ao menos duas questões imediatas e algumas mediatas. A primeira pode ser traduzida em uma pergunta: afinal, existiu/existe apenas um STF? É possível falar em uma posição institucional da corte? Conforme se depreende na atualidade, na prática há uma descentralização das decisões, de modo que onze ministros formulam decisões monocraticamente. É difícil se delinear um pensamento da corte, quando o perfil dos acórdãos denota ministros com teses individuais.
Assim também ocorria no período aqui estudado? Naquela época, o papel do STF não era de protagonismo como atualmente; ademais, como demonstram os quatro casos aqui estudados, todos julgados por unanimidade e pela segunda turma do STF, houve protagonismo na condução pelos respectivos relatores, especialmente o Ministro Baleeiro, e adesão aos seus votos pelos demais ministros sem que estes formulassem argumentações próprias.
Para além do aspecto institucional, do ponto de vista dos cidadãos envolvidos, cabe registrar certas semelhanças e diferenças de tratamento pelo STF. Em todos os casos há similitude em termos de critério de classe social, sendo todos os acusados provenientes de famílias tradicionais e minimamente abastadas. Enquanto nos três primeiros casos os acusados eram todos homens e vieram a ser inocentados, no último caso ocorreu a condenação de um casal.
A segunda questão imediata - que não figura aqui como análise comparativa, mas como motor de interesse - remete à possibilidade de funcionamento do STF e do Judiciário como espaço e instrumento de controle ideológico. É o caso quando provocados por famigerados movimentos como o “Escola Sem Partido", que se utilizam de máscaras de neutralidade para promoverem um pensamento único, com ponto de vista específico, como se fosse “livre” e “plural", estigmatizando pontos de vista teóricos minoritários e ideológicos contra-hegemônicos como veiculares de suposta “doutrinação” comunista, de gênero etc.
Conforme constatado no presente estudo, mesmo na época da ditadura civil-militar-empresarial, não se vedava aos professores o direito e o exercício da liberdade de cátedra para apresentação e debate, inclusive em espaços acadêmicos, dessa ou daquela ideologia ou referencial teórico. Ou seja, enquanto o STF outrora consentia e defendia o fundamento acadêmico do marxismo como campo teórico, no período do Estado Democrático de Direito supera-se pautas do próprio período da ditadura civil-militar-empresarial.
Quanto às questões mediatas, o presente artigo abre espaço para novos estudos, que podem vir a traçar a assimilação da teoria marxista no Supremo Tribunal Federal em correlação aos períodos históricos, que justificam um afastamento de uma visão inicial que rejeita a uma assimilação e aplicação de categorias. Além disso, cabe uma análise mais acurada acerca do papel que o marxismo assumiu à formação individual dos ministros.
Há uma outra linha a ser posteriormente seguida, como ampliação da presente pesquisa, no sentido de abarcar os julgados dos presos políticos, militantes comunistas, durante o período militar. A restrição de busca eleita para este texto, com termos limitados ao espectro teórico do marxismo, acabou por não denotar as práticas sociais insurgentes, notadamente os militantes dos diversos grupos contra o regime que foram presos por suas ações ou por portarem materiais considerados subversivos.
Observou-se na investigação que os julgados pós período da ditadura civil-militar-empresarial, que não foram objeto de análise em virtude do recorte histórico-temporal, passaram a utilizar a teoria marxista como fundamento das decisões, ainda que modo incipiente. Assim, abre-se espaço também para um estudo mais aprofundado sobre o papel que o marxismo tem para o Supremo Tribunal Federal, principalmente no período democrático, no que tange à sua abordagem da teoria crítica e utilização como fundamento de decisões.
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Notas
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