Resumo: Este trabalho enfoca o desenvolvimento do Processo Ocidental iniciado de forma não profissional em Atenas, mas profissionalizado em Roma, que apresenta a forma de jurisdição limitada a simples declaração do direito. No período medieval, principalmente em decorrência do direito canônico, ocorre a formalização e burocratização dos julgados, modelo que passa a ser adotado de forma geral na Europa Continental. Contudo, optando por um sistema peculiar de administração da justiça denominado de common law, a Inglaterra afastou-se do modelo inquisitorial do direito canônico, tendo como base seu adversarial model. Seguindo os passos da metrópole inglesa, os Estados Unidos adotaram cultural e legalmente o common law e o júri, adaptando o sistema inglês às características próprias de sua nação. O desenvolvimento deste modelo no território Americano será marcado no início do século XX pelo surgimento do movimento do realismo jurídico norte-americano, como desconstrução do pensamento jurídico clássico, com seu declínio e ressurgimento da vertente reconstrutivista realista por meio da teoria crítica denominada Análise Econômica do Direito.
Palavras-chave:história do processohistória do processo, common law common law, análise econômica análise econômica, realismo jurídico realismo jurídico.
Resumen: Este trabajo se centra en el desarrollo del proceso occidental iniciado de manera no profesional en Atenas, pero profesionalizado en Roma, que presenta la forma de jurisdicción limitada a la simple declaración del derecho. En el período medieval, principalmente como consecuencia del derecho canónico, tiene lugar la formalización y burocratización de los juzgados, modelo que pasa a ser adoptado de forma general en la Europa continental. No obstante, por su parte, Inglaterra optó por un sistema peculiar de administración de la justicia denominado common law que la alejó del modelo inquisitorial del derecho canónico, y que tenía como base su adversarial model. Siguiendo los pasos de la metrópolis inglesa, Estados Unidos adoptó cultural y legalmente el common law y los jurados, adaptando el sistema inglés a las características propias de su nación. El desarrollo de este modelo en el territorio estadounidense se vio marcado a comienzos del siglo XX por el surgimiento del movimiento del realismo jurídico norteamericano, como deconstrucción del pensamiento jurídico clásico, con su declive y el resurgimiento de la vertiente reconstructivista realista por medio de la teoría crítica denominada Análisis económico del derecho.
Palabras clave: historia del proceso, common law, análisis económico, realismo jurídico.
Abstract: The following work focuses on the development of Western legal proceedings initiated in a non-professional fashion in Athens and then professionalized in Rome, with a form of jurisdiction limited to the simple declaration of the law. Mainly as a result of canonical law, the Medieval period witnessed a formalization and bureaucratization of the courts, with the model adopted in a more general sense in Continental Europe. In opting for a unique system for the administration of justice known as common law, however, England distanced itself from the inquisitorial model of canonical law, using the adversarial model as a basis. Following the steps taken by the English metropole, the United States culturally and legally adopted common law and the jury, adapting the English system to the characteristics of its own nation. The development of this model in the US would come to be marked at the beginning of the twentieth century by the emergence of the movement of North American legal realism, as a deconstruction of classic legal thought, with its decline and resurgence in realist reconstructivism evidenced in the critical theory known as the Economic Analysis of Law.
Keywords: History of legal proceedings, common law, economic analysis, legal realism.
Résumé: Ce travail s’intéresse au procès occidental, que l’on a vu naître à Athènes sous sa forme non professionnelle et qui s’est ensuite professionnalisé à Rome, avec une forme de juridiction limitée à une simple déclaration du droit. À l’époque médiévale, principalement en raison du droit canonique, on a pu assister à la formalisation et à la bureaucratisation des jugements, un modèle qui sera finalement adopté dans l’ensemble de l’Europe continentale. Toutefois, après avoir opté pour un système particulier d’administration de la justice appelé common law, l’Angleterre s’est éloignée du modèle inquisitorial du droit canonique en se basant plutôt sur son adversarial model. Suivant les pas de la métropole anglaise, les États-Unis adoptèrent culturellement et juridiquement la common law et le jury en adaptant le système anglais à leurs propres caractéristiques nationales. Le développement de ce modèle sur le territoire nord-américain sera marqué au début du XXe siècle par l’apparition du mouvement dit du réalisme juridique visant à déconstruire la pensée juridique classique, avec son déclin et la résurgence du courant reconstructiviste réaliste par l’entremise de la théorie critique baptisée Analyse économique du Droit.
Mots clés: Histoire du procès , common law , analyse économique , réalisme juridique.
摘要: 本文追溯了西方法制程序史的发展过程,从雅典的非专业化的古典阶段至罗马时期的职业化,虽然此种职业化仅限于简单的法律声明。在中世纪,古典法得到了普及,并形成了诉讼的程序化和文牍化,此模式在欧洲大陆全面推行。然而,英国的情况比较特殊,因为较早实行了宗教改革,英国没有采用欧洲大陆的因宗教裁判而发展形成的审问模式,而是继续实行其古老的普通法,其办案模式是法庭对抗模式。美国继承了她宗主国英国的普通法的文化传统和陪审团制度,对英国司法制度作了适应性的改进,以符合其新大陆,新国家的特点。这种模式在美国本土的发展日趋成熟,并在20世纪初出现了司法现实主义运动,此运动对古典法制思想进行了批评和解构,对美国现行法制进行了重建,其主要思想基础是“法制经济分析理论”。
關鍵詞: 诉讼史, 普通法, 经济分析, 法制现实主义.
Artigos
A análise econômica do direito e o realismo jurídico norte-americano
El análisis económico del derecho y el realismo jurídico norteamericano
The economic analysis of law and North American legal realism
L’analyse économique du droit et le réalisme juridique nord-américain
美国法制的经济分析及其司法现实主义
Recepção: 14 Outubro 2017
Aprovação: 28 Março 2018
Adotado pelo ordenamento jurídico de um determinado País, o sistema processual, compreendido como um mecanismo de composição dos conflitos, pressupõe lançar um olhar sob as matrizes históricas, a fim de obter os dados necessários para interpretar a evolução do seu conceito. Assim, a história, cujo papel é eternizar a experiência no tempo, será a mola propulsora do presente artigo, interligando o tema do Realismo Jurídico Norte Americano e a Análise Econômica.
Partindo desse pressuposto, a evolução dos Estados, trouxe, por consequência, a alteração nas formas de Jurisdições, intensificando a ideia de que o modelo de formação de cada País contribuiu para a espécie de processo por ele adotado. Assim, o fenômeno da colonização se torna responsável pela reaproximação entre a concepção de Direito e o sistema processual buscado por cada País.
Assim, buscando resgatar, de forma breve, o desenvolvimento do processo ocidental, o presente artigo, não desconhecendo a amplitude da história, por questões temporais, fará um recorte metodológico a partir da profissionalização do Direito antigo, da burocratização e do formalismo gerados pelo sistema inquisitorial do direito canônico, para traçar um percurso resumido acerca da aplicação da common law nos Estados Unidos da América como base para o estudo do realismo jurídico norte-americano.
Para isto, no primeiro capítulo, serão abordadas as dimensões históricas do desenvolvimento do sistema processual ocidental, com uma abordagem sintética do direito ateniense e romano, passando pelo direito canônico medieval e sua distinção com o adversarial model adotado pela Inglaterra e, encerrando o capítulo com a análise do common law adaptado pela sociedade norte-americana.
No segundo, serão apresentadas as bases iniciais do realismo norte-americano, como um movimento de valoração interdisciplinar, em oposição ao entendimento do Direito enquanto ciência desprovida de qualquer valor moral ou qualquer outro ramo do conhecimento, bem como as suas etapas declinatórias.
E, nesse âmbito, com o escopo de conectar o entendimento sobre o realismo jurídico, será apresentado o papel do ressurgimento do referido movimento por meio dos críticos da Análise Econômica do Direito que propõe demonstrar a impossibilidade singularizada do Direito, isto é, o caráter interdisciplinar, notadamente pela economia.
Portanto, o artigo presente estabelecer os reflexos históricos de cada nação na formação de seus sistemas processuais, mais precisamente, compreender as origens do movimento do realismo jurídico norte-americano e existência efêmera a partir da vertente reconstrutivista realista impulsionada pela teoria da Análise Econômica.
Cumpre obtemperar que os povos da antiguidade foram governados por um sistema de lei, embora tenha sido o processo o instrumento responsável pela estabilização dos conflitos.
Desse modo, embasado nos estudos sobre as sociedades de aldeias (oriente antigo), nas quais os conflitos eram resolvidos pelos conselheiros locais e as regras se confundiam com as máximas morais, decorrentes de um controle social tradicional e comunitário (LOPES, 2012), tem-se o sistema embrionário do processo.
No entanto, suscita José Cretella Júnior (1998. p. 9-10) que tão logo o Império Romano tenha deixado de existir, o seu legado ainda serve de “vasto campo de observação, verdadeiro laboratório do direito”, uma vez que numerosos institutos ainda permanecem reconhecidos na técnica jurídica. Assim, é no Império Romano que se encontram os maiores vestígios do ordenamento jurídico, conforme se passa a explicar.
Em Atenas, onde não ocorreu a profissionalização do Direito “[...] os processos eram tratados como assunto público, que qualquer cidadão bem-educado poderia decidir” (LOPES, 2012, p. 510). De modo diverso, Roma foi o berço da profissionalização e especialização do direito ocidental. Conforme ensinam Tigar e Levy (1977, p. 25):
Não queremos dizer que a sociedade romana tenha sido a primeira a ser regulada por lei, no sentido de um sistema de preceitos apoiados pelo poder do Estado. Os advogados medievais sabiam que tal não era o caso e tinham acesso a descrições escritas de sociedades mais antigas, incluindo a ateniense. Roma, porém, ao contrário de sociedades mais velhas, deixara uma rica e diversificada herança de literatura jurídica. O comércio romano deu origem a leis que negociantes medievais e seus advogados consideravam relevantes. E o direito romano, conforme veremos adiante, veio a ser investido do poder temporal e espiritual do Papado.
Dividida em várias fases;1 a saber: “legis actiones” (sistema das ações da lei), “formular” e “extraordinaria cognitio”, também conhecidos, respectivamente, como fase arcaica, clássica e pós-clássica (CRUZ; TUCCI, 2001, p. 53), a jurisdição Romana inicia no período clássico com um conceito apenas declaratório, momento em que a concepção de jurisdição limitava-se a simples declaração de direitos ou “[...] funzione di mero accertamento” (SILVA, 1997, p. 28).
Nesse aspecto, a jurisdição era realizada pelos jurisconsultos em separado da execução, que ficava a cargo dos pretores. Já no Império Romano “a jurisdição passou, então, a integrar os poderes do império de forma a não haver jurisdição sem execução” (RODRIGUES; LAMY, 2012, p. 110). Este modelo volta a ser alterado na desagregação do Império e início da Idade Média, momento no qual a jurisdição volta a representar apenas a fase de conhecimento do processo dissociada da execução, sendo considerado mais importante decidir do que executar.
No período medieval, ocorreu a formalização e burocratização dos julgamentos, principalmente em decorrência do direito canônico em evidência diante da Inquisição, criada para “[...] combater toda e qualquer forma de contestação aos dogmas da Igreja Católica” (NASPOLINI, 2012, p. 285).
Neste período há a passagem do processo acusatório - com procedimento público moral e formalista, onde o interesse em punir não era do Estado, mas da vítima, havendo instrução contraditória e pública que garantia a igualdade de direito entre as partes - para o modelo inquisitório - no qual a autoridade dispõe de poderes para iniciar a ação penal, bem como existia liberdade do juiz para colher as provas que entendesse necessárias, configurando ainda um procedimento secreto, com interesse em obter a confissão do réu (GONZAGA, 1993).
Lopes (2012) afirma que foi no processo canônico que o advogado, até então apenas um conselheiro extrajudicial, passa a atuar com uma função própria, contudo os ensinamentos de Novinsky (1983, p. 59) mostram que “com o tempo a Inquisição introduziu uma farsa, um advogado de defesa, mas este não podia examinar o processo, era escolhido pelos inquisidores, sendo um funcionário do Tribunal”.
Do mesmo modo, os textos da época, como O martelo das feiticeiras (KRAMER; SPRENGER, 1993) e o Manual dos Inquisidores (EYMERICH, 1993), demonstram que não obstante “[...] a grande maioria das pessoas executadas por bruxaria durante a grande caça foi formal e legalmente processada e condenada” (LEVACK, 1988, p. 65). Sobre o tema Bittar (2017, p. 127) ressalta:
A ampla oportunidade de provas é uma realidade somente para a acusação. Aliás, a defesa só existia em poucos casos, e podia ser feita por advogado, que já era advertido de que poderia ser acusado de proteção à heresia e ser condenado à fogueira juntamente com o réu.
Portanto, o processo em si não passava de uma grande encenação em busca da confissão, independentemente de como ela fosse obtida.
Embora essa profissionalização judicial, aos moldes do processo canônico, tenha sido adotado de modo geral na Europa Continental, a Inglaterra optou em seguir outro caminho de profissionalização.
Segundo Vaz (2007) a história do Direito Inglês é dividida em quatro fases: período anglo-saxônico; formação da common law (1066-1485); formação do sistema da equity (1485-1832); e período moderno.
Em relação ao período anglo-saxônico pouco se tem conhecimento, em que pese acreditar-se que mesmo antes da conquista normanda da Inglaterra e consequente unificação da jurisdição por todo aquele território (sociedade feudal organizada), já era utilizado o costume para solucionar os conflitos locais (sociedade tribal), tem-se que antes da conquista militar normanda não existia de fato um sistema jurídico inglês, sendo considerado pelos próprios ingleses como marco inicial de seu direito a invasão normanda de 1066.
Com a implantação de um sistema feudal piramidal comandado por Guilherme I, a conquista normanda representou um grande avanço para a Inglaterra, que até aquele momento era dominada por bárbaros e tribos. Tocante a este sistema feudal estabelecido na Inglaterra Lopes (2012) afirma que toda terra a princípio considera régia e de propriedade de Guilherme I (o Conquistador), foi dividida e, assim, mantida ou doada de forma tenure aos descendentes de normandos, angevinos e planatagenetas que se subordinavam ao poder incontrastável do rei. Sobre este modo peculiar de administração da justiça o referido autor, ainda, discorre:
Em primeiro lugar, valiam-se dos writs, ou breves, que já existiam no continente e na Normandia: tratava-se de ordens dadas a autoridades locais ou inferiores para procederem a um julgamento ou à oitiva de uma parte que se sentia lesada em algum direito, ou à imediata restituição do queixoso à sua posse anterior. Em segundo lugar, estabeleciam juízes itinerantes no território, que iriam proceder ao julgamento em nome do rei. Em terceiro lugar, conservavam o júri: uma forma de prova testemunhal pela qual doze homens de boa reputação e familiarizados com os fatos da causa juravam dizer a verdade (vere dictum) sobre o que sabiam. Com isto, o processo inglês podê organizar-se já no século XII, sem recorrer aos juízos de Deus (indiretamente proibidos em 1215 pelo IV Concílio de Latrão) e pôde uniformizar um direito comum para todo o reino (LOPES, 2012, p. 516).
Este modo de administração da justiça conhecido como common law - direito comum a toda Inglaterra emanado pelos Tribunais de Westminster, criado pelos próprios juízes, divergia dos direitos costumeiros e particulares de cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra. Concernente ao tema Porto acrescenta: “Com este propósito, pode-se registrar que o direito nascido neste sistema funda-se essencialmente na tradição, a ponto de forjar entre seus operadores um senso histórico que lhe rendeu a adjetivação de direito costumeiro” (PORTO, 2006, p. 2).
Desta forma, nesse momento histórico ocorre uma ruptura marcante na história ocidental do processo entre o modelo inquisitorial do direito canônico, utilizado em toda Europa continental, e o adversarial model do common law inglês. Com relação a este modelo Lopes (2012, p. 522) destaca:
O modelo inglês – desenvolvido como um complexo de breves (writs) – foi rígido quanto às formas de ação, mas ao mesmo tempo manteve um caráter duelístico. A função do juiz era organizar o julgamento dando às partes a oportunidade de duelarem perante ele: devia zelar para que tivessem iguais oportunidades, mas sua busca da verdade consistia em permitir que todos tivessem voz.
Por ser um modelo extremamente formal, não era incomum alguns casos ficarem sem solução, dificultando, assim, o Acesso à Justiça. Diante de conflitos não solucionados pelos Tribunais intensificou-se a demanda de recursos para o Rei. Cria-se assim a equity, que nada mais é que a possibilidade das partes recorrerem das decisões dos Tribunais da common law para a autoridade real. Referido recurso passava antes por um Chanceler, o qual com o tempo tornasse praticamente um juiz autônomo, que verificava a possibilidade de provimento do recurso. Vaz (2007, p. 139) acrescenta que:
A finalidade da equity, em um primeiro momento, seria criar a possibilidade de revisão das decisões não razoáveis tomadas pelos tribunais da common law. Essas decisões não consistiam na criação de um novo direito, mas sim, na aplicação do direito comum já existente aos olhos da moral e da eqüidade.
Apesar de ter substituído o common law como modelo jurídico oficial,2 a resistência dos juristas, aliada a morosidade e desorganização do Chanceler fizeram com que a equity deixasse de existir como um sistema autônomo, todavia deixou sua influência no common law, atribuindo ao direito a forma de instrumentalização da justiça, baseado na igualdade e tratamento isonômico dos casos iguais (MANCUSO, 1999).
Saindo do continente Europeu, porém continuando sobre sua influência, passa-se a analisar o sistema jurídico norte-americano.
A colonização do atual território dos Estados Unidos da América teve início em 1607 na Virginia e em 1732 já existiam treze colônias, as quais eram predominantemente povoadas por comerciantes aventureiros e ingleses em busca da liberdade religiosa (ALMEIDA; CARVALHO, 2013).
Almeida (ALMEIDA; CARVALHO, 2013, p. 84-85) divide a formação do direito inglês em dois momentos: o primeiro marcado pela escassa utilização do common law em decorrência das seguintes razões:
- eram raros os profissionais do direito;
- era muito difícil o acesso às compilações de jurisprudência;
- entre muitos dos colonos, em especial os que tinham emigrado para fugir a perseguição religiosa, havia um sentimento de desconfiança em relação ao direito inglês;
- uma parte significativa dos colonos não era de origem inglesa;
- a situação nos territórios coloniais (por exemplo, em relação a propriedade fundiária) era frequentemente incompatível com os pressupostos do common law.
Em contrapartida no segundo momento do direito norte americano, início do século XVIII, passa a existir uma influência efetiva do modelo inglês devido:
- a chegada de juristas ao novo continente;
- a formação jurídica em Inglaterra de alguns colonos;
- a publicação em Philadelphia (1771-72) dos Blackstone’s Commentaries on the laws of England;
- a utilização da common law como instrumento de defesa contra o poder absoluto dos colonizadores;
- a consciência dos colonos de origem inglesa da ameaça que poderia constituir a influência dos direitos holandês e francês (ALMEIDA; CARVALHO, 2013, p. 85).
Assim, seguindo os passos da metrópole inglesa os Estados Unidos adotaram cultural e legalmente o common law e o júri. Contudo essa aplicação do sistema de justiça inglês foi adaptado pelos americanos. Ressalta-se, por exemplo, que inexistia um common law federal americano, mas sim era reconhecido na esfera estadual, ou seja, nos estados é que se desenvolvia o direito privado através dos costumes e precedentes inicialmente trazidos pelos colonos da Inglaterra (LOPES, 2012).
Isto posto, depreende-se que os Estados Unidos da América formam um Estado federal, constituído pela Federação e cinquenta Estados (federados) de modo que “Tanto os órgãos da Federação como os de cada um dos 50 Estados criam, em círculos diferentes e de modo relativamente independente, normas jurídicas que formam conjuntos completos e coerentes” (ALMEIDA; CARVALHO, 2013, p. 87), formando uma estrutura complexa com um total de cinquenta e uma ordens jurídicas.
No que concerne a divisão dos tribunais nos casos de common law e de equity, a exemplo do que ocorreu na Inglaterra, alguns Estados-Membros ainda mantém esta divisão, porém em âmbito Federal não existem tribunais diferentes (MACIEL, 2000). Destaca-se aqui o papel importante das reformas introduzidas pelas Rules (Federal Rules of Civil Procedure)3 de 1938 na unificação dos processos de law e equity nos Estados Unidos da América.
De modo geral o desenvolvimento do processo norte-americano esteve sempre aliado aos objetivos de igualdade substancial e material de sua sociedade democrática, visando a ampliação das garantias processuais e, consequentemente, do acesso à justiça. Enfim, “o processo serviu, assim, ao mesmo tempo para nacionalizar (impor a todos os Estados) a Bill of Rights e para dar-lhe conteúdos substanciais (substantive due process), mais do que formais” (LOPES, 2012, p. 533).
Impende mencionar que na primeira dimensão histórica, o direito era encarado como valor, ou seja, vigorava o movimento do jusnaturalismo.
Com o passar dos tempos,4 a ciência ganha relevância enquanto verdade, de modo que o Direito também queria ser “verdadeiro e científico”, e, por isso, ou talvez, para isso, precisava abrir mão das noções valorativas e subjetivas surgindo o Positivismo Jurídico como um movimento teórico de reação ao jusnaturalismo.
Ocorre que, paralelamente ao positivismo jurídico (que está situado no nosso sistema da civil law), no sistema norte americano (coman law), havia um movimento contrário ao Positivismo que clamava pela interdisciplinaridade entre as ciências, denominado realismo jurídico.
Diante de todo este desenvolvimento do processo norte-americano extrai-se o período que se inicia no final do século XIX até o ápice do realismo jurídico nas décadas de 1920 e 1930.
No final do século XIX começou uma profunda mudança no Direito dos Estados Unidos da América, iniciada com a alteração do ensino de Direito nas universidades, que passa a ser lecionado por professores de tempo integral e não mais por práticos, fazendo surgir questionamentos sobre o que poderia ser apresentado como Ciência do Direito (FREIRE, 2011).
Visto como uma teoria de ensino jurídico e do direito, o realismo jurídico norte-americano surgiu na década de 1920, como critica a este novo sistema de ensino do Direito desenvolvido por Christopher Columbus Langdell em Harvard no ano de 1870. A partir da obra intitulada A Selection of Cases on the Law of Contract, Langdell (1871) desenvolveu o chamado case method ou mechanichal jurisprudence, no qual através da análise jurídica chega-se a uma jurisprudência ideal, apoiada pela observação do meio social e da apreciação dos julgados.
Ferreira (2012, p. 7) explica que: “Os autores realistas criticaram o método do caso de Langdell tanto como método de ensino e aprendizado quanto como teoria do direito (criticavam a suposta cientificidade do direito preconizada por Langdell)”.
Sobre o realismo norte-americano destaca Freire (2011, p. 25):
A sociologia norte-americana das primeiras décadas do século XX divide com o realismo jurídico norte-americano a preocupação com os efeitos sociais das tomadas de decisão e isto será uma característica fundamental daquilo que, posteriormente, foi denominado de “Direito e Sociedade” nos Estados Unidos.
Mas foi a partir da década de 1920 que essa visão reificante dos conceitos jurídicos, em oposição a uma compreensão instrumental do Direito, foi superada de fato pelo realismo jurídico. O realismo jurídico substituiu, portanto, o conceitualismo jurídico pelo pragmático. Quanto ao Direito, os realistas jurídicos consideram como pertinentes apenas uma pergunta: “o que deve fazer o juiz neste ou naquele caso?”
O nome realismo jurídico é aderido somente em 1930 com o artigo de Karl Llewellyn (1931), no qual o autor concluí que
[...] o foco do estudo do direito deveria ser modificado. A ênfase não deveria ser mais nas palavras, na letra fria da lei, mas sim no comportamento observável, dentro do qual as atitudes prováveis e os padrões de pensamento dos magistrados deveriam ser incluídos (FERREIRA, 2012, p. 24).
Ou seja, há uma desconstrução do pensamento jurídico clássico, com a introdução de normas abertas e passíveis de interpretação, um Direito influenciado pelo fato social e pela criatividade dos magistrados, que ficam desvinculados de exercerem a neutralidade sobre a lei.
Importante ressaltar que o realismo jurídico norte-americano não foi um movimento homogêneo/uniforme, gerando movimentos distintos tais como: radical scepticism (radicalismo desconstrutivista); the cientific branch of realism ou policy-science realism; codificadores (institucionalização de códigos de conduta); e o constructive legal realism (movimento convencionalista).
Os primórdios da interligação entre Direito e Economia remontam o final da Idade Média através da abordagem utilitarista dos crimes e punições por Beccaria e da reconstrução da política e do Direito por Bentham (BATTESINI; BALBINOTTO, 2010).
Sua introdução no continente norte-americano foi o marco inicial da moderna Análise Econômica do Direito com Ronald Coase e sua obra The Problem of Social Cost (1960), consolidando-se como disciplina autônoma por meio da obra Economic Analysis of Law (1973) de Richard Posner, o qual em síntese feita por Salama (2008, p. 3) define Direito Econômico como: “a aplicação das teorias e métodos empíricos da economia para as instituições centrais do sistema jurídico”.
Tocante ao movimento da Análise Econômica do Direito Pacheco (1994, p. 195) evidência:
Análise Econômica do Direito ou Law and Economics é um movimento contemporâneo que combina as ciências econômica e jurídica numa tentativa de estudo interdisciplinar, tendo como característica comum, sem distinguir tendências e escolas, a aplicação de teoria microeconômica neoclássica do bem-estar para analisar e reformular tanto das instituições particulares como do sistema jurídico em seu conjunto.
Referido movimento parte da concepção que os indivíduos são criaturas racionais comportando-se sempre com o objetivo de maximizar seus interesses, “[...]razão porque na perspectiva econômica o direito é um conjunto de incentivos que premia as condutas eficientes e penaliza as ineficientes [...]” (ALVAREZ, 2006, p. 51).
Diante dos conceitos fundamentais desta interligação entre direito e economia formadores da Law and Economic Schools, existem alguns enfoques de estudo que são especificados por Gonçalves e Stelzer (2012, p. 82) como:
[...] o enfoque tradicional da Escola de Chicago - Law and Economics – LaE16, o enfoque Neoinstitucional ou vertente dos Property Rights 17, o enfoque chamado de Eleição Pública - Public Choice18 e, finalmente, os Estudos da Crítica Jurídica - ECJ.
O enfoque tradicional da Escola de Chicago advém de seu pionerismo em aderir ao movimento, através de uma concepção utilitarista do ordenamento jurídico baseado em Jeremy Bentham, formando sua estrutura lógico-racional.5 Na vertente Neoconstitucional (ou Property Rights) surgem novas ideias, as quais:
(a) o reconhecimento de que a Economia não tem existência independente ou dada, ou seja, de que a história importa pois cria contextos culturais, sociais, políticos, jurídicos etc. que tornam custosas, e às vezes inviáveis, mudanças radicais (o que se convencionou chamar de “dependência da trajetória”, tradução de “path dependence”); (b) o reconhecimento de que a compreensão do Direito pressupõe uma análise evolucionista e centrada na diversidade e complexidade dos processos de mudança e ajuste (daí a importância da abertura para todas outras disciplinas além da Economia, mas também a utilidade da Teoria da Escolha Racional e da Teoria dos Jogos para estudar complexidade dos processos de ação e decisão coletiva); e (c) a preocupação de ir além da filosofia prática e especulativa, visando à compreensão do mundo tal qual ele se apresenta (o que conduz ao estudo das práticas efetivamente observadas e do Direito tal qual de fato aplicado) (SALAMA, 2008, p. 6-7).
Enquanto o enfoque da Eleição Pública (Public Choice) tem por objetivo o estabelecimento de uma relação positiva entre a satisfação dos interesses da sociedade e as despesas sociais. E por fim, os Estudos da Crítica Jurídica que, resumidamente, marca uma oposição ao positivismo jurídico e ao jusnaturalismo.
Recorda-se, neste ponto, que o problema jurídico conforme a Análise Econômica do Direito pode ser transigido entre as partes possibilitando a melhor satisfação de seus desejos, bem como se observa que toda decisão judicial influencia na distribuição da riqueza e em sua otimização. Possível, assim, verificar que a Análise Econômica do Direito foi introduzida nos Estados Unidos posteriormente ao movimento realista jurídico, tendo como base “uma elaboração teórica que utiliza a ordem jurídica para produção de conseqüências de ordem Econômica, em especial a eficiência [...]” (DEL MASSO, 2007, p. 156).
Em uma época marcada pelo totalitarismo nos países europeus, a defesa da interdisciplinaridade aplicada ao direito e à utilização de pesquisa empírica, do mesmo modo que a crítica do realismo jurídico à utilização dos princípios e regras, conforme estabelecido pelo método do acaso, fazem o realismo ser comparado, pelos acadêmicos, a uma forma de totalitarismo (FERREIRA, 2012).
A interligação entre o realismo jurídico e a Economia terá início com a chamada jurisprudence of welfare, embasada sobre a economia do bem-estar, pode-se ressaltar aqui a importância e utilidade do trabalho interdisciplinar dos realistas convencionalistas. Entretanto com a retomada do Direito cientifico e como técnica de controle social autônomo, o realismo jurídico passa a perder sua força.
Tocante ao declínio do realismo jurídico Posner (2009) destaca os motivos que considera mais relevantes. Segundo este autor o problema se inicia com a caracterização feita por Holmes do juiz como um legislador intersticial, que embora seja útil para esclarecer a função legislativa dos juízes, faz uma comparação equivocada entre os juízes e legisladores como se ambos fossem controlados pela mesmas metas, restrições, valores e estímulos.
O segundo ponto levantado por este autor seria o entusiasmo ingênuo que o realismo nutria pelo Estado, sendo considerado como um movimento liberal e tornando-o uma escola de esquerda. Por fim, o ápice do declínio do realismo jurídico norte-americano, estaria consignado por sua falta de método. Nos dizeres de Posner (2009, p. 415): “Os realistas sabiam o que fazer (pensar coisas e não palavras, sondar as consequências reais das doutrinas jurídicas e buscar o equilíbrio entre visões diferentes do interesse público), mas não como fazer”.
Seguindo os ensinamentos de Posner, Freire (2011, p. 28) afirma:
Contudo, aqueles que analisam a ascensão e declínio do realismo jurídico norte-americano costumam, nesse ponto, defendê-lo afirmando que as ferramentas metodológicas da economia e de outras ciências afins encontravam-se insuficientemente desenvolvidas, de tal modo que isso tornava impossível o desenvolvimento de uma abordagem coerente do Direito voltada para a “engenharia social”. Por outro lado, costuma-se acusar o realismo jurídico de ser um movimento que pendia para a irresponsabilidade.
Em relação a está derrocada do movimento realista Ferreira (2012, p. 29) acrescenta que: “Os realistas foram penalizados por serem liberais em tempos extremamente conservadores. Essas seriam as principais razões extrínsecas de derrocada do movimento. A principal razão intrínseca é o fato dos realistas nunca terem sido um grupo unido e consolidado”.
Desse modo, buscando uniformizar as regras jurídicas de acordo com o Estado assistencial que se formou nos Estados Unidos da América entre 1940 e 1960, surge a legal process school (Escola do Processo Legal), para tornar o processo de tomada de decisões racionais mais objetivo.
Essa instrumentalidade do Direito segundo o welfare-state passa a ser questionada nas décadas de 1950 e 1960, primeiramente pelas Universidades de Chicago e Yale, implementando-se os movimentos inovadores do Direito considerados pós-realistas. Neste momento inicia-se a interação entre Direito e Economia através da chamada Public Choice, porém a oposição de fato a Escola do Processo Legal só terá força com a crise do Welfare-State e com ela a criação de movimentos críticos como a Análise Econômica do Direito, a qual fez parte do ressurgimento da vertente reconstrutivista realista, com o uso de outras ciências sociais no estudo do Direito.
Com o presente artigo foi possível verificar o que impulsionou cada um dos povos ocidentais a formalizar determinado modelo processual. Enquanto uns, embasados pela fé cristã, deixaram que o Direito canônico determinasse os rumos jurídicos de suas nações, por meio do sistema inquisitorial, outros foram dominados por povos estrangeiros limitando assim seus direitos de escolha e alterando seus rumos das Jurisdições.
Entretanto, de modo diferente, o sistema Norte-Americano, adaptando a aplicação do modelo processual à luz das suas características históricas, adotou o modelo da common law do sistema inglês, criando seu próprio sistema processual, conforme suas necessidades.
E, com o escopo de reforçar um sistema processual baseado em suas peculiaridades, é que o movimento do realismo jurídico encontrou, na Análise Econômica do Direito, a parceria para enfrentar um Direito dogmatizado como ciência excluída da influência de qualquer outro ramo do conhecimento.
A Análise Econômica do Direito, demonstrando a “ciência impura do direito”, rompe com o paradigma da autossuficiência do ordenamento, uma vez que o sistema processual depende de outros ramos para resolver a complexidade dos conflitos.
Dessa forma, Análise Econômica está no campo do realismo jurídico, preocupada em reaproximar o direito da realidade, especialmente sob as lentes econômicas.
Embora tenha o realismo jurídico essa marca interdisciplinar, faltou aos idealistas do realismo jurídico norte-americano a identidade de cada nação em seu processo.
Não obstante ser um movimento com grande valor para interpretação jurídica de modo geral, a falta de coesão interna entre seus autores, aliado as comparações com os totalitaristas europeus, e ao mesmo tempo sendo considerados liberais demais para o modelo conservador vigente, os levaram a serem suplantados pela política do welfare-state, retornando a fazer parte da realidade americana apenas após o declínio deste modelo com os novos movimentos críticos.
Outrossim, independente da formação jurídica originária, resta claro que o fato determinante para os rumos do Direito em cada País, notadamente seu sistema processual, como encontrado no declínio do realismo jurídico, são os interesses políticos nacionais.